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A República Democrática do Congo nos meandros da cooperação para a paz

Laurindo Tchinhama[1]

 

 

Desde o início das guerras civis em 1997 até os dias de hoje, a República Democrática do Congo (RDC) luta contra a insegurança e a instabilidade nacional que afetam principalmente a região Leste do país, fronteira com Ruanda e Uganda, ocupada por aproximadamente 130 grupos armados compostos por nacionais e estrangeiros.

Entre os principais problemas que mantêm a instabilidade está a incapacidade de resposta militar e técnica das Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) para desmantelar esses grupos. Por outro lado, a corrupção institucionalizada no setor de segurança, tanto no exército como na polícia nacional congolesa, afeta em grande medida as atividades do exército, bem como a má remuneração dos soldados. Ademais, a Reforma do Setor Segurança (RSS) realizada no país após o fim oficial dos conflitos em 2003, com inclusão de ex-membros de grupos rebeldes nas FARDC, fracassou e gerou revoltas internas em termos hierárquicos que se estenderam durante todo o governo do presidente Joseph Kabila.

Os esforços empreendidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), principalmente a Missão da Organização das Nações Unidas no Congo (MONUC) (1999-2010) e a Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas (MONUSCO) (2010 até os dias de hoje),  são insuficientes para atender de forma holística a proteção dos civis e o processo de RSS (MOBEKK, 2009). Historicamente, a MONUC teve a missão de acompanhar o cumprimento dos acordos de paz de Lusaka (1999) e de Sun City (2002), a RSS e a realização das eleições, porém, debilidades na coordenação e financiamento limitado ocasionaram o fracasso da proteção dos civis (MOBEKK, 2009). Por seu turno, a MONUSCO teve como objetivo primordial proteger os civis, pessoal humanitário e a equipe da missão com uso de todos os meios necessários.

Percebe-se que a estabilidade nacional depende primeiramente da vontade do governo para direcionar as prioridades para o setor de segurança com a ajuda de atores internacionais e regionais. Nesse contexto, desde que assumiu a presidência da RDC, em 2019, Félix Tshisekedi tem a difícil tarefa de realizar a RSS e garantir o controle e a estabilidade em território nacional com foco na reforma do exército. De acordo com Nantulya (2018) dois desafios devem marcar a nova administração: a profissionalização do setor segurança e a reforma da estrutura do poder marcado pelo clientelismo e corrupção desenfreada. O primeiro desafio é urgente e indispensável.

O primeiro movimento do presidente para criar condições de mudança foi garantir a lealdade do exército devido ao clima de desconfiança e desavença entre os membros da cúpula militar do país diante das atitudes do presidente. Vale ressaltar que essa mudança procura combater a corrupção e o desvio de armamentos perpetrados  por muitos oficiais superiores (KAM, 2020a). Nantulya (2018) lembra que a corrupção institucionalizada é resultado do desgoverno do regime de Mobutu cuja frase “você tem armas, não precisa de salários” parece perpetuar e direcionar os oficiais do exército.

Alguns observadores e críticos congoleses argumentam que atores internacionais influenciaram na escolha e reforma dos oficiais militares, inclusive com indicação de nomes. A título de exemplo, “Peter Pham, o enviado Especial dos EUA para os Grandes Lagos, visitou Kinshasa em fevereiro como um gesto para atender a essas demandas… colocou nomes específicos de generais na mesa e pediu ao presidente Tshisekedi para agir.” (KAM, 2020c, tradução nossa).

Outra iniciativa recrudescente do presidente congolês que causou enorme impacto foi a exigência de pagamentos de salários pontualmente aos soldados. Essa medida é um passo importante na reforma do exército para evitar desmotivação dos corpos militares na linha de frente, assim como saques, estupros e rebeliões anteriormente cometidas contra os civis como forma de sustento, pois alguns generais se apropriavam dos salários de seus subordinados (RAYROUX; WILÉN, 2014; KAM, 2020b). Nessa interface está o projeto de lei denominado “Uma nação – um exército”, medida com a qual o governo visa contornar a RSS.

Para responder a crise institucional na área de defesa e segurança, Tshisekedi tem assinado acordos bilaterais de cooperação militar para concretizar tais propostas, sobretudo no âmbito da formação e apoio de equipamento militar. Com a Sérvia, a RDC contará com apoio às reformas técnicas na área militar, além de setores agrícola, educação e saúde (ACTUALITÉ, 2020). Já com os Estados Unidos da América (EUA) e o Egito, os acordos  abordam treinamento civil militar, comunicação, engenharia e ensino de idiomas visando a consolidação da paz e segurança.

Com a França, o acordo enfoca na formação geral do exército congolês e na criação de uma escola de guerra para formação e treinamento de soldados na capital, Kinshasa.  Para auxiliar no desenvolvimento e paz, conta com o financiamento de cerca 65 milhões de euros (AFRICANEWS, 2019). A África do Sul irá colaborar na elaboração do documento chamado Estratégia Militar. Vale destacar que os sul-africanos vêm atuando no país desde a década de 1990, tanto na mediação de acordos de paz, como na RSS congolesa. Por último, com Angola, os acordos se atentaram à troca de experiência, acordo interministerial para controle fronteiriço e estabelecimento de um memorando para criação de uma Comissão Mista Permanente de Defesa e Segurança.(MAKI, 2020; DW, 2020).

É importante lembrar que as relações de ambos os Estados datam da divisão territorial colonial conturbada que os tornou mais próximos devido à região de Cabinda, rica em petróleo, pertencente à Angola, porém envolvida no território congolês. Ademais, a Angola participou da segunda guerra do Congo (1998-2002), quando deu suporte ao ex-presidente Laurent Kabila para combater as forças de Ruanda, Uganda, Burundi e grupos rebeldes apoiados por estes países. Vale destacar que Angola tem atuado como mediador nas negociações para a paz quadripartite entre esses países e a RDC mediante estabelecimento de memorandos de entendimento (OBSERVADOR, 2020).

Paradoxalmente, dos países priorizados para realização dos acordos e cooperação militar pelo governo congolês, chama atenção a pouca ênfase dada ao Ruanda, Uganda e Burundi. Apesar das iniciativas existentes entre a RDC com esses países, há necessidade de serem reforçados e reafirmados veementemente novos acordos devido à presença e atuação dos grupos armados oriundos desses países tais como as Forças Democráticas Aliadas (ADF, em inglês) de Uganda, Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda (FDLR) de Ruanda e as Forças de Libertação Nacional (FNL) de Burundi que ainda atuam na região leste do território congolês causando instabilidade e violações de direitos humanos.

Nesse sentido, o desmantelamento desses atores não estatais é primordial devido à proximidade geográfica, que lhes permite utilizar a RDC como seu reduto. Haja vista o histórico de participação destes países nos conflitos do Congo durante a primeira e segunda guerra (1996-1998; 1998-2002), seja por meio do apoio a grupos rebeldes ou participação no tráfico de recursos naturais. Também chama atenção fluxo migratório, de Ruandeses tutsis e hutus, principalmente, originado pelo genocídio de Ruanda em 1994 que permitiram a formação de grupos armados na região leste e comportamentos xenofóbicos de alguns cidadãos congoleses.

Vale observar que algumas atividades conjuntas realizadas entre a RDC e esses Estados, seja no âmbito bilateral ou multilateral, foram fundamentais durante o fim da década de 1990 e início dos anos 2000 e vários domínios. Com  Ruanda, por exemplo, destaca-se o Acordo de Lusaka assinado em 1999 no âmbito da ONU com o objetivo de retirar as tropas ruandesas da RDC e desmantelar a milícia Interahamwe, que culminou com a criação da Missão da Organização das Nações Unidas no Congo (MONUC) e o acordo para exploração conjunta de petróleo no Lago Kivu, região fronteiriça, descoberta em 2014 (OLUKYA, 2017; NACIONES UNIDAS, 1999).

Nesse contexto, Gras (2020) observa a falha no avanço do projeto regional, envolvendo  Ruanda, Burundi, Uganda e a RDC, para criação de um gabinete integrado dos exércitos da região cujo objetivo é combater grupos armados que atuam no leste. Ademais, outro acordo importante entre os países foi o Tripartite Plus Joint Commission assinado em 2007, tendo como facilitador e financiador os EUA (205 milhões de dólares em 2008 e 111 em 2009), com o objetivo de eliminar ameaças à paz e segurança regional e desmantelar e desmobilizar os grupos armados nacionais e estrangeiros  atuantes na RDC com auxílio da MONUC (MCCORMACK, 2007; DAGNE, 2012). No entanto, percebe-se a falha dos governos em robustecer as ações em andamento em prol da segurança e estabilidade da região.

Outro aspecto importante é o fato desses países serem membros da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (ICGLR), fundado em 2004, que tem dentre os seus objetivos garantir a paz, segurança e integração regional. Ou seja, uma cooperação militar de âmbito regional consistente, no primeiro momento, é imperiosa para o sucesso do combate e consolidação da paz e segurança na região. Ainda, a atuação de instituições como a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a União Africana (UA) são fundamentais para a paz e estabilidade da região.

Todavia, pelo histórico dos países, a indagação está na celeridade para a implementação e cumprimento desses acordos. De um lado, porque a RDC comumente tende a priorizar os acordos de cunho bilateral para resolução das questões internas e, de outro, fica claro que a resolução dos conflitos e a RSS no país passam por iniciativas regionais práticas mediante força tarefa quadripartite (Burundi, Ruanda, Uganda e RDC), do qual sua concretização depende em grande medida da contribuição das partes.

Ações no âmbito regional mostram não só capacidade e engajamento dos Estados africanos na busca pela paz, segurança e desenvolvimento na região, como também um olhar do papel emancipatório da perspectiva de construção da paz de baixo para cima (bottom up), rompendo com o princípio de cima para baixo (top down), uma vez que a paz sustentável depende da boa relação com os Estados vizinhos e da participação da sociedade civil congolesa. Por exemplo, em Goma, cerca de 500 organizações da sociedade civil instituíram uma campanha evocando a unidade nacional em prol do desenvolvimento e segurança do país. Na região do Kivu, a iniciativa veio da Associação das Conferências Episcopais da África Central (ACEAC) e da Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO) com a realização de um encontro ecumênico denominada “missa pelos tempos de guerra ou graves perturbações” (OKAPI, 2021). No entanto, percebe-se a existência de movimentos e iniciativa locais que buscam alcançar a paz que assola o país há anos.

Entretanto, argumenta-se que o mérito do presidente Tshisekedi na busca para consolidação da paz sustentável, estabilidade política e RSS é fundamental desde o momento em que valoriza tanto os atores regionais, extrarregionais e principalmente locais. Estes últimos, vítimas dos grupos beligerantes, devem ser mais ouvidos e terem suas necessidades atendidas. Contudo, os esforços para a consolidação da paz congolesa perpassam pelo tripé: atores locais (sociedade e líderes políticos), regional e extrarregional.

 

Referências Bibliográficas

ACTUALITÉ. RDC : la coopération technique militaire également au menu des échanges entre les présidents Congolais et Serbe | Actualite.cd. 2020. Disponível em:  https://actualite.cd/2019/10/25/rdc-la-cooperation-technique-militaire-egalement-au-menu-des-echanges-entre-les. Acesso: 21/012021.

AFRICANEWS. France to support DRC fight armed groups | Africanews. 13 Nov. 2019. Disponível em: https://www.africanews.com/2019/11/13/france-to-support-drc-fight-armed-groups/. Acesso: 24/01/2021.

DAGNE, T. The democratic republic of Congo: Background and current developments. Economic, Political and Social Issues of Africa, , p. 121–133, 2012. .

  1. Angola e RDC assinam acordos para combater crimes na fronteira | Angola | DW | 17.09.2020. 17 Sep. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/angola-e-rdc-assinam-acordos-para-combater-crimes-na-fronteira/a-54957097. Acesso: 24/01/2021.

GRAS, R. Rwanda: ‘Our rapprochement with the DRC can’t please everyone’ – Vincent Biruta. 2 Oct. 2020. Disponível em: https://www.theafricareport.com/44287/rwanda-our-rapprochement-with-the-drc-cant-please-everyone-vincent-biruta/. Acesso: 02/02/2021.

KAM, I. President Tshisekedi Demands For Loyalty From Army. 12 Jul. 2020a. Disponível em: https://taarifa.rw/president-tshisekedi-demands-for-loyalty-from-army/. Accessed on: 22 Jan. 2021.

KAM, I. President Tshisekedi Instructs Quick Pay For DRC Army – Taarifa Rwanda. 5 Jul. 2020b. Disponível em: https://taarifa.rw/president-tshisekedi-instructs-quick-pay-for-drc-army/. Acesso: 22/02/2021.

KAM, I. President Tshisekedi Makes Major Changes In Military – Taarifa Rwanda. 23 Mar. 2020c. Disponível em: https://taarifa.rw/president-tshisekedi-makes-major-changes-in-military/. Acesso: 22/01/ 2021.

MAKI, P. Voici les pays qui ont conclu un accord militaire avec la RDC depuis l’arrivée au pouvoir de Félix Tshisekedi | Actualite.cd. 20 Nov. 2020. Disponível em: https://actualite.cd/2020/11/20/voici-les-pays-qui-ont-conclu-un-accord-militaire-avec-la-rdc-depuis-larrivee-au-pouvoir. Acesso: 21/01/ 2021.

MCCORMACK, S. Summary of Conclusions: Tripartite Plus Joint Commission Member States Meeting. 5 Dec. 2007. Disponível em:: https://2001-2009.state.gov/r/pa/prs/ps/2007/dec/96318.htm. Acesso: 02/02/ 2021.

MOBEKK, E. Security Sector Reform and the UN Mission in the Democratic Republic of Congo: Protecting Civilians in the East. International Peacekeeping, vol. 16, no. 2, p. 273–286, 2009. https://doi.org/10.1080/13533310802685844.

NANTULYA, P. La stabilité en République démocratique du Congo après les élections – Centre d’Études Stratégiques de l’Afrique. 10 Dec. 2018. Disponível em: https://africacenter.org/fr/spotlight/la-stabilite-en-republique-democratique-du-congo-apres-les-elections/. Acesso: 24/01/ 2021.

OBSERVADOR. João Lourenço participa em nova cimeira quadripartida no Ruanda – Observador. 20 Feb. 2020. Disponível em: https://observador.pt/2020/02/20/joao-lourenco-participa-em-nova-cimeira-quadripartida-no-ruanda/. Acesso: 24/01/2021.

OKAPI, R. Goma : 500 organisations de la société civile lancent une campagne de cohésion nationale | Radio Okapi. 20 Jan. 2021. Disponível em: https://www.radiookapi.net/2021/01/20/actualite/societe/goma-500-organisations-de-la-societe-civile-lancent-une-campagne-de. Acesso: 02/02/2021.

______ Disponível em: https://www.radiookapi.net/2021/01/19/actualite/societe/nord-kivu-les-populations-de-butembo-et-beni-appelees-lunite-pour-faire. Acesso: 02/02/2021.

OLUKYA, G. DRC and Rwanda agree to explore for oil in Lake Kivu. 24 Apr. 2017. Disponível em:: https://www.aa.com.tr/en/africa/drc-and-rwanda-agree-to-explore-for-oil-in-lake-kivu/804012#. Acesso: 02/02/2021.

RAYROUX, A.; WILÉN, N. Resisting Ownership: The Paralysis of EU Peacebuilding in the Congo. African Security, vol. 7, no. 1, p. 24–44, 2014. https://doi.org/10.1080/19392206.2014.880030.

[1] Laurindo Tchinhama é doutorando em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP).

Imagem: TARRIFA (2021). Disponível em: President Tshisekedi Makes Major Changes In Military – Taarifa Rwanda. Acesso:11/02/2021.

Elecciones en América del Sur

Gabriel Gaspar*

Ecuador: la sombra de Correa.

La historia reciente del Ecuador esta en gran parte marcada por los mas de diez años que gobernó el ex presidente Rafael Correa, quien impulsó lo que llamó la “revolución ciudadana”, expresión local del auge de gobiernos de izquierda y centro izquierda que florecieron en América del Sur al inicio del presente siglo.  Como sabemos, también fue el período del boom de las materias primas.  Con ello, la consecuente expansión del gasto público, el empuje a medidas redistributivas e inclusive, alianzas políticas que desafiaban la hegemonía de EEUU en la región.   Ecuador bajo la administración de Rafael Correa, adhirió a la Alianza Bolivariana de las Américas (ALBA) donde coincidió con la Venezuela de Chávez, la Cuba castrista, Nicaragua dirigida por Daniel Ortega y la Bolivia de tiempos de Evo Morales.

El amplio frente político y social que Correa logró estructurar en sus inicios sufrió quebrantos.  El alejamiento de los movimientos indigenistas fue uno de los primeros.  Posteriormente el régimen sufrió acusaciones de corrupción, aclaremos, estas no solo apuntan al oficialismo de entonces, pero también lo involucró, al punto de que su Vicepresidente terminó siendo procesado.  Era la sombra de Oderbrech en gran medida.  Correa apostó por la candidatura de Lenin Moreno, quien lo sucedió, pero una vez en el poder se distanció radicalmente de Correa y de buena parte de su obra.  El ex presidente ha sido acusado ante la Justicia y se ha radicado en Bélgica.

A las inminentes elecciones presidenciales se han presentado 16 candidatos.  Más, sólo tres tienen alguna posibilidad: son el joven economista Andrés Arauz, de centro izquierda (con el apoyo de Correa desde la distancia), el banquero Guillermo Lasso, candidato de centro derecha apoyado por el partido Social Cristiano, y Yaku Pérez, postulado por el indigenista Pachakutik.  Los trece candidatos restantes no tienen posibilidades según la mayoría de los sondeos.

En Ecuador esta prevista una segunda vuelta por si ninguno obtiene la primera mayoría.  Se efectuarían el 11 de abril próximo.  La mayoría de las encuestas dan los primeros lugares a Arauz y Lasso, Yaku figura siempre en tercer lugar.  El dato mas interesante es que entre un 30 y un 60% de los mas de 13 millones de votantes se declaran –a menos de dos semanas- indeciso.  Esto podría tener varias explicaciones.

Primero.  La mayoría ciudadana hoy está preocupada por la crisis económica y la amenaza del covid, para ello, la dispersión de candidaturas no la ayuda a elegir preferencia.  Entonces, esta se decidirá en los últimos días.  Segunda hipótesis: vamos a tener una alta abstención, quizás por las mismas razones de la indecisión.  Tercera hipótesis:  Una buena parte de los indecisos no lo son, están ocultando su voto, quizás porque razón, pero no es primera vez que pasa (recordemos el reciente triunfo del MAS en Bolivia, una sociedad con características muy similares a la ecuatoriana).  Esta opción podría ser la de algunos adherentes silenciosos de Arauz, y si en las encuestas supera hoy el 30%,  en una de esas podría ganar en primera vuelta.  Lo sabremos el 7 de febrero en la noche.

Por su parte Yaku jura que llegará a la segunda vuelta, en todo caso, en una elección anterior, le dió su apoyo a Lasso en el ballotage.  ¿Pasaría lo mismo con la derecha ecuatoriana si la segunda vuelta fuese entre Arauz y Yaku?

Perú:  bicentenario con pandemia.

El 2021 el Perú conmemora sus 200 años de vida independiente.  El poderoso virreinato fue el bastión realista en Sudamérica que resistió hasta el final.  Fue necesaria la unión de los independentistas peruanos con el apoyo de los Libertadores lo que pudo derrotar a las fuerzas colonialistas.  Nació el Perú moderno.

Este bicentenario encuentra al Perú en una crisis originada en largos procesos que se acumularon en los últimos años: un desgaste acelerado de su sistema político, unido a una cíclica crisis provocada por una economía basada en pocas actividades primarias, muchas de ellas extractivas y dependiente de los vaivenes de la economía global.

2020 fue elocuente en el Perú:  en el pasado año se sucedieron tres presidentes. Además, al igual que el resto del planeta, fue devastado por la pandemia. La economía peruana, con un 50% de trabajadores informales, experimentó un descenso que se calcula en mas de un 10%.   El último presidente electo fue el empresario Pedro Pablo Kuczynski.  Ganó en segunda vuelta, cuando muchos votaron por él para impedir el retorno del fujimorismo de la mano de Keiko, ganadora de la primera ronda.  El nuevo presidente tuvo un triunfo electoral pero sin construir una mayoría política, especialmente, sin apoyo en el congreso unicameral peruano.  Ya sabemos lo que pasó, en medio de acusaciones de corrupción, renunció al cargo y asumió su segundo vicepresidente, Martin Vizcarra, en una maniobra que implicó algún acuerdo con el congreso, entonces de mayoría fujimorista.

Pero Vizcarra eligió el camino de confrontar al Congreso el cual le correspondió con decisión, al final lo disolvió mediante Decreto el 30 de septiembre del 2019 y convocó a la elección de uno nuevo.  El nuevo legislativo, electo en enero del 2020, de composición variopinta y sin grandes mayorías, a poco andar volvió a chocar con el presidente y esta vez, el renunciado terminó siendo Vizcarra bajo acusaciones de corrupción aun en proceso. Tocó asumir al presidente del Congreso, Manuel Merino, pero se desato una poderosa protesta en las calles que terminó provocando la renuncia del flamante presidente quien alcanzo a durar cinco días. Fue sustituido por Francisco Sagasti quien asumió el 17 de noviembre del 2020.  En una semana, el Perú tuvo tres presidentes.  En suma, la inestabilidad se apodero del Perú, en medio de la pandemia y de la crisis económica.

Las elecciones presidenciales están programadas para el próximo 11 de abril, si ningún candidato obtiene mayoría se ira a una segunda vuelta.  El ganador tomaría posesión el 28 de julio del 2021. Tomemos nota de que en las últimas elecciones tenemos dos constantes: siempre ha habido segunda vuelta, y en estas, siempre ha ganado el candidato que llego segundo en la primera.

Como señalamos en la apretada síntesis histórica reciente, el Perú ha asistido también al desgaste del sistema de partidos. En estas ultimas décadas concurrimos al deterioro progresivo del Partido Popular Cristiano, a la disolución de Izquierda Unida, y al colapso del APRA, por nombrar los mas significativos.  Fue reemplazado por la emergencia de una prolífica camada de nuevos partidos, con escasa profundidad programática pero surgidos al amparo de figuras carismáticas, algunas de ellas a la vez mecenas de la organización.  La migración de dirigentes es abundante y asi, varias de estas nuevas organizaciones tienen lideres con pasado aprista o fujimorista, entre otros.

Este cuadro de dispersión explica la abundancia de candidaturas, que llegó en su mejor momento a alcanzar las dos docenas, aunque a la fecha algunas se han caído y es probable que otras las sigan.  Las encuestas ubican en primer lugar a George Forsyth, ex alcalde pero mas conocido como el ex arquero del popular Alianza Lima.  Lo postula el partido Victoria Nacional, si bien encabeza las encuestas hace algunos meses, su umbral de votos supera los 10 puntos, pero nunca alcanza a los 20.  Le siguen entre otras dos mujeres:  Keiko Fujimori y la frenteamplista Verónica Mendoza, ninguna de las cuales llega al 10% hoy.  El resto esta mas abajo aún.  Julio Guzmán, candidato del partido “Morados”, (al que pertenece el actual presidente Sagasti), no supera el 6% en las encuestas al día de hoy.

Con este cuadro, en medio de una segunda ola de la pandemia que ha generado una difícil situación sanitaria con la consecuente recesión, los votantes no muestran un gran entusiasmo.  La pandemia arrecia y el gobierno ha decretado recientemente una nueva cuarentena que amenaza con ser desobedecida por grandes sectores sociales. Pese a las reiteradas cadenas nacionales del ex presidente Vizcarra donde se prometían millones de vacunas para diciembre del año pasado, a la fecha no ha llegado ninguna, y todo indica negligencias y exceso de publicidad gubernamental,

En síntesis: elecciones en pandemia, sin grandes mayorías, con una crisis económica persistente y una bronca social en ascenso. El actual gobierno, debilitado y a ratos desbordado, a duras penas podrá conducir el proceso que le resta.  Pero la dureza de la segunda ola es tal que no son pocas las voces que empiezan a mencionar la necesidad de postergar las elecciones. ¿Resistirá el sistema?

Bolivia: el retorno del MAS.

El 7 de marzo los bolivianos volverán a las urnas.  En noviembre pasado el MAS logró una contundente victoria presidencial y parlamentaria que instaló en el gobierno a Luis Arce Catacora. Lo secunda como Vicepresidente el líder indigenista David Choquehuanca.

Las elecciones de marzo son subnacionales: prefectos (jefes de departamentos) y municipales. La oposición aún no se repone de la derrota y enfrenta estas elecciones dispersan lo que augura un buen resultado para el oficialismo. Hasta ahí lo formal.

El Gobierno esta concluyendo su instalación donde se aprecia un marcado énfasis de parte del presidente Arce por la recuperación económica.  En esta materia, el presidente nada como pez en el agua.  Sabe, tiene experiencia y conoce todos los rincones de la economía boliviana. Choquehuanca, por su parte, permite mantener el perfil indigenista y campesino del MAS.

Decíamos que la dispersión de la oposición augura una victoria masista.  Es así, pero no es todo, en el oficialismo se han desatado dinámicas comprensibles, pero poco detectables desde fuera de Bolivia.  El proceso de selección de candidatos al interior del MAS develó nuevas realidades.

En efecto, pareciera que en esta recuperación del poder en el MAS emerge una tensión entre lo viejo y lo nuevo.  Se aplica en especial a su dirigencia.  La vieja guardia que acompaño a Evo sufre desgaste ante su propia militancia.  Vale para García Liniera, José Ramón Quintana, Hector Arce, Carlos Romero entre otros, en suma, el equipo que se turnó en el poder en los años de Evo.  Pareciera que también vale para el propio Evo, aunque con mas reconocimiento a su labor.  A modo de hipótesis, podríamos sostener que la base del MAS, la que resistió la hostilidad del gobierno de la Añez y su ministro Murillo, asume que el “fin del gobierno de facto”, se debe a su propio esfuerzo y a su movilización y su lucha.  Por cierto, también refleja una demanda de renovación.

En la primera reunión del partido en la que estuvieron presentes tanto Arce como Evo, tuvieron que escuchar durante largos minutos un coro de los delegados de base que gritaban a voz en cuello “queremos gente nueva, queremos gente nueva”. La selección de candidatos estuvo a cargo de Evo, luego de su retorno desde Argentina, pero parece que no escuchó a plenitud el reclamo. En Santa Cruz trato de imponer al ex ministro Romero y debió soportar un silletazo lanzado por un indignado militante.  En la selección del candidato en el combativo Alto, no reconoció el derecho de la ex senadora Eva Copa (presidenta del senado durante el gobierno de la Añez) y la margino.  ¿Resultado? Copa fue proclamada por las bases y hoy detenta el 66% de las preferencias.  En suma, esta emergiendo una nueva capa de dirigentes al interior del MAS e inclusive abarca a sensibilidades al interior del mundo indígena.

En efecto, Choquehuanca, quien fuera destituido sin miramientos de la Cancillería por parte de Evo, es el líder natural de los aymaras del altiplano central, con epicentro en Las Yungas y en el Alto.  Es la zona cocalera tradicional que produce la hoja para al akuyiku cotidiano (masticado ancestral).  Otra cosa es la realidad de los cocaleros del Chapare, donde Evo la lleva, ahí surgió y ahí también se produce la hoja de coca, nada mas que los que saben, dicen que es muy ácida para el masticado.  El líder del Chapare hoy es el joven Andrónico Rodríguez, senador por la zona, actual presidente del senado y a quien muchos ven como el delfín de Morales.

En suma, las elecciones de marzo próximo no sólo despejarán la relación entre gobierno y oposición en materia de poder local, servirán también para dirimir la hegemonía al interior del MAS y su gobierno.

A diferencia de Ecuador y Perú, el tema de quien mandará en los próximos años ya está resuelto en Bolivia.  Una consolidación del presidente Arce en el aparato estatal, despejando la sombra de Evo, crea condiciones para la estabilidad económica próxima.  Inclusive en medio de la dura pandemia, el gobierno ha logrado tomar rápidas medidas como la importación de vacunas Sputnic, con generoso apoyo ruso y argentino.  Bolivia tiene en el gobierno del presidente Fernández a su mejor aliado en la región, mucho mas que a Venezuela como fue en tiempos de Evo.  Para proseguir con su mejoría diplomática el nuevo gobierno ha logrado recomponer la relación con México y España, que se dañaron en tiempos del gobierno anterior por groseras violaciones a la inmunidad de sus sedes en La Paz.

Colofón

Los tres países andinos concurrirán a las urnas en los próximos días y meses.  El actual oficialismo camina por el Callejón de la Amargura en Ecuador y Perú.  En Bolivia puede consolidarse.

Los tres países, al igual que el resto de la región, están concentrados en la crisis sanitaria y económica.  Poco espacio tienen para referirse a su proyección internacional.  Su relación con Chile no está en la mesa de prioridades, tampoco parece haber cambiado drásticamente.

¿Permitirán estas elecciones resolver las tensiones acumuladas? ¿Que sucedería en caso negativo? ¿Rebotaran sus economías?  ¿Aumentará la migración? ¿Adonde se irían los nuevos migrantes?

 

Gabriel Gaspar fue viceministro de defensa de Chile, embajador en Colombia y embajador plenipotenciario para America Latina.

Imagem por pxhere.

A crise política israelense e a agenda internacional

Karina Stange Calandrin*

Desde o final de 2018 o governo israelense entrou em crise. Esta instabilidade estava anunciada há algum tempo, visto as investigações de corrupção dirigidas ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu desde 2016. Os chamados casos 1000, 2000, 3000 e 4000 pela procuradoria geral israelense, envolvem desde favores e presentes dirigidos a Netanyahu e sua família trocados com empresários estrangeiros por benefícios fiscais, suborno em troca de cobertura favorável do governo pela mídia, até superfaturamento na compra de submarinos e outros itens militares. No dia 19 de dezembro de 2018, o procurador geral Shai Nitzan recomendou oficialmente o indiciamento de Benjamin Netanyahu por corrupção.

A partir disso uma crise política se instaurou em Israel. Desde novembro de 2018 o governo de Netanyahu e seu partido, Likud, já vinham sofrendo com as alianças com os partidos da direita, pois estavam perdendo apoio desses partidos. Primeiro, o ministro da defesa, Avigdor Lieberman, renunciou ao cargo e seu partido, Israel Beiteinu, se retirou oficialmente da coalizão, deixando o Likud com apenas 61 (de um total de 120) cadeiras no parlamento (Knesset), o mínimo necessário para governar. Importante lembrar que Israel é uma república parlamentar multipartidária e nunca na história do país um partido sozinho conseguiu maioria no parlamento, sendo necessárias coalizões para a formação do governo. Mas a crise apenas se instaurou definitivamente no dia 24 de dezembro de 2018, quando o partido Habait Hayehudi também se retirou da coalizão, impulsionado por questões internas, mas também pelo processo judicial contra Netanyahu. Sem maioria, o governo foi dissolvido e as eleições, que já estavam previstas para novembro de 2019, foram antecipadas para 09 de abril do mesmo ano.

Netanyahu, que estava com viagem marcada para o Brasil para a posse do presidente Jair Bolsonaro no dia 01 de janeiro de 2019, passou a sofrer muita pressão política e cogitou cancelar a visita ao Brasil, voltando atrás logo em seguida.

Muitos críticos de Netanyahu o acusam de usar as eleições como forma de postergar seu processo judicial, isso porque ele pode alegar que as investigações prejudicariam uma campanha eleitoral neutra e justa.

A sensação que permanece é que o governo de Netanyahu está utilizando a agenda internacional para distrair da crise política e pessoal que está enfrentando. Primeiramente com a própria ida ao Brasil. Sua estadia no Rio de Janeiro foi altamente noticiada em Israel, com muitos detalhes de sua agenda no país, lembrando que foi na mesma semana da dissolução do governo e do seu indiciamento.

Na mesma toada, Israel, juntamente dos Estados Unidos, oficialmente saíram da UNESCO no dia 02 de janeiro de 2019. O processo de saída remete à outubro de 2017, quando os países alegaram  que a organização seria anti-Israel. A decisão  advém de uma  votação da UNESCO de maio do mesmo ano, relacionada à natureza cultural, histórica e legal da cidade de Jerusalém. A resolução votada em 2017 negava a existência de ligações históricas entre o povo judeu e a cidade igualmente sagrada para as três maiores religiões monoteístas (cristianismo, judaísmo e islamismo).

Para além dessa decisão, a UNESCO tem sido muito crítica a Israel, como todas as agências internacionais. Mas, na maioria dos casos, suas críticas eram relevantes e adequadas, como em relação à ocupação na Cisjordânia. Jerusalém oriental é de fato um território ocupado, como é a Cisjordânia, não importa o quanto Israel tente negar. Entretanto, no caso mencionado, a UNESCO falhou seriamente quando ignorou a conexão judaica com o Muro das Lamentações, localizado em Jerusalém. A organização deveria ter sido repreendida por isso. Por outro lado, em outras ocasiões, a UNESCO agiu de forma favorável à Israel. Ao longo dos anos reconheceu seis locais israelenses como Patrimônios da Humanidade: Massada, Cidade Branca de Tel Aviv, Acre, Cidades no Deserto do Negev, Centro Mundial Baha’i em Haifa e as cavernas de Maressa. O título atribuído pelo organismo da ONU trouxe honra e turistas.

Apesar de parecer que a atitude dos Estados Unidos de se retirar da UNESCO é positiva para Israel – e até mesmo interpretada como tal pelo governo israelense – na verdade, está prejudicando o país e o isolando no Sistema Internacional, já que não possui muitos aliados além dos Estados Unidos, não obstante a esperança de conseguir apoio de outros países como o Brasil. Ademais, Israel é cada dia mais criticado nos organismos internacionais por suas políticas em relação aos palestinos.

A percepção de que o Primeiro-ministro israelense estaria usando a agenda de política externa para distrair de seu processo judicial é fortalecida com o depoimento dado por Netanyahu em rede nacional no dia 07 de janeiro de 2019, que muitos acharam que seria uma declaração de guerra ao Líbano (por conta dos túneis do Hezbollah descobertos em dezembro na fronteira entre os dois países e que tem recebido muita atenção na campanha eleitoral por representar uma “ameaça iminente” ao Estado de Israel) ou mais uma incursão em Gaza devido à dramaticidade com que o discurso foi anunciado na mídia. Porém, na prática, o discurso foi  um monólogo sobre sua inocência nos processos de corrupção em que é réu.

Ainda faltam três meses para as eleições, e o partido de Netanyahu, Likud, já se encontra em primeiro nas pesquisas. Para a manutenção de sua posição privilegiada no poder e o adiamento de seu julgamento, provavelmente veremos muito mais de Israel nos noticiários internacionais, uma vez que muitos eleitores dedicam a segurança do país ao partido Likud e mais especificamente a Netanyahu.

Nas últimas eleições, em 2015, as pesquisas indicavam que uma junção de partidos de esquerda, chamada União Sionista, composta pelos partidos trabalhista e Hatnuah, estava em primeiro lugar, mas em poucos dias Netanyahu conseguiu reverter e colocar o Likud em primeiro utilizando aspectos de segurança na campanha. O principal foco foi “impedir que o Irã obtenha uma capacidade nuclear, tornando a opinião pública mundial a favor da manutenção e expansão das sanções econômicas e diplomáticas contra Teerã”. Netanyahu reiterou suas posições sobre o Irã para uma sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos. No processo de paz no Oriente Médio, Netanyahu se pronunciou contra novas retiradas de terra, novas libertações de terroristas das prisões ou a divisão de Jerusalém de qualquer forma. Provavelmente não será diferente em 2019.

 

* Doutoranda em Relações Internacionais – PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), pesquisadora visitante na Universidade de Haifa – Israel e colaboradora do Instituto Brasil-Israel.

Imagem por: Amos Meron

Armas para apagar as luzes

Matheus de Oliveira Pereira*

Um conhecido adágio diz que “para todo problema complexo existe uma solução simples, elegante e errada”. Registrada a ausência de elegância, é impossível não recordar a máxima ao lermos as notícias de que, na tarde do dia 15 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto que altera os dispositivos que ficaram conhecidos como “Estatuto do Desarmamento”, regulamentando a  Lei nº 10.826/2003 e modificando o decreto nº 5.123/2004.

A finalidade da mudança promovida por Bolsonaro é flexibilizar as regras para aquisição de armas de fogo e marca o cumprimento de uma das promessas mais emblemáticas de sua campanha presidencial; não por acaso, a assinatura se deu na primeira cerimônia pública deste tipo desde o início do governo.

Durante o ato, o presidente afirmou que o decreto visava restituir ao cidadão o direito à legítima defesa, declarando que este era uma desejo que havia sido soberanamente expresso nas urnas, além de atacar de maneira mais incisiva o gravíssimo problema de segurança pública enfrentado pelo Brasil nos últimos anos. O verniz democrático da justificativa oculta algumas sutilezas que, como tudo que cerca este governo, não parecem nada alvissareiras.

Do ponto de vista da segurança pública, a medida é, no mínimo, temerária e causa divergência inclusive no interior da base de apoio do governo. A literatura acadêmica aponta que mais armas, em geral, significam mais mortes, de maneira que não há razão crível para supor que facilitar o acesso às armas de fogo terá algum efeito positivo sobre a trágica taxa de homicídios no país. Os dados do Ministério da Saúde mostram que, desde o Estatuto do Desarmamento, a taxa de homicídios evoluiu em ritmo mais lento no país. A flexibilização parece fadada a aumentar o número de mortes, constituindo-se em uma preocupação adicional sobretudo às populações marginalizadas e alvo de violência constante como mulheres, homo e transsexuais e moradores das periferias (não custa lembrar: a maioria dos mortos por arma de fogo no Brasil não corresponde mais ao perfil do morador da Maré ou do Capão que da rua Dias Ferreira ou da Av. Faria Lima). Outra lembrança oportuna é que, num passado não muito distante, um certo deputado Jair Bolsonaro defendia, no plenário da câmara, a legalização de grupos paramilitares.

Há algo mais a ser considerado. É provável que Bolsonaro não estivesse pensando nestes termos ao assinar o decreto, mas o que sua medida faz, na prática, é refutar um princípio básico da forma estatal de organização política. A fundação do Estado moderno é indissociável do imperativo de segurança e está atrelada à premissa de que a melhor maneira de assegurar a todos a segurança necessária à vida e à realização das potências humanas era centralizar o uso da força na autoridade estatal. Filósofos como Thomas Hobbes e John Locke, talvez a caminho de integrar o index do ministro da educação, argumentam nessa toada, e Locke – pai do liberalismo que supostamente lastreia o governo do liberal-novo Bolsonaro – é enfático defensor da tese de que as liberdades individuais estarão mais bem protegidas pela concentração do poder coercitivo no Estado. A mediação dos conflitos sociais não poderia ser feita diretamente pelos indivíduos porque, deste modo, os critérios de justiça seriam variáveis e isso tenderia a produzir desordem e insegurança.  A centralização da violência organizada nas mãos do Estado tem, assim, o fito de proteger os cidadãos da violência resultante dos conflitos sociais, e é uma das ideias mestres da modernidade.

A mais notável exceção está nos Estados Unidos da América, inspiração evidente de Bolsonaro, que possui uma das mais permissivas políticas de acesso a armas de fogo do mundo. As peculiaridades do caso estadunidense demandam mais espaço que o disponível para serem adequadamente tratadas, mas algumas indicações devem ser feitas. A questão central é em que medida vale a pena buscar aproximar-se de modelo estadunidense. O país só perde para o Brasil em número de mortes por armas de fogo e possui uma cultura enraizada de atiradores que abrem fogo em escolas, ruas e casas noturnas. A história brasileira já não tem sangue o bastante – vide Vigário Geral, Candelária, Realengo e Osasco – para emular outras Columbines?

Por detrás de um ato previsto como de restituição à cidadania de um poder que lhe seria legítimo, está na verdade um atestado de falência e incompetência do Estado em prover aquilo que é sua função primária de ser. Facilitar o armamento ao cidadão é dizer-lhe cabe a ele sua autoproteção, revelando descrédito na capacidade da política e e suas instituições na mediação e acomodação dos conflitos e tensões presentes na sociedade, e em cujo seio repousa a origem da violência e criminalidade arrasadoras do Brasil.

O fato de a medida ser tomada na contramão de todas as evidências cientificas disponíveis só reforça o caráter hostil do governo à ciência, expresso, entre outras coisas, nos posicionamentos em relação às mudanças climáticas. Mostra ainda como a vocação do bolsonarismo parece ser uma emulação do quixotismo, elegendo como adversários os moinhos de vento da “doutrinação marxista”, do “globalismo” e da “ideologia de gênero”. Tudo isto seguindo uma prédica religiosa, que busca atacar as contradições próprias do nosso tempo sem se aproximar do cerne de sua causa: a brutal desigualdade socioeconômica e precarização das condições de vida produzidas pelas políticas econômicas que o atual delfim do governo pretende realizar ao paroxismo.

Embalado em armas, anti-cientificismo e retórica religiosa, o governo Bolsonaro parece querer resolver os dilemas da pós-modernidade apagando as luzes da modernidade, devolvendo-nos ao medievalismo que parece ser o ânimo intelectual de seu projeto.

 

* Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), professor da Universidade de Ribeirão Preto e pesquisador do Gedes.

Imagem por: Palácio do Planalto.