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Dicionário de Segurança e Defesa

O GEDES comunica a publicação do Dicionário de Segurança e Defesa, uma obra que reúne verbetes analíticos sobre os principais temas relacionados à área de segurança e defesa internacional.

Organizado por Héctor Luis Saint-PierreMarina Gisela Vitelli, o livro foi publicado pela Editora Unesp em duas versões:

-Digital: Download gratuito no link: http://editoraunesp.com.br/catalogo/9788595463004,dicionario-de-seguranca-e-defesa?fbclid=IwAR1CGr6keJ6bTjnElSqpbr77dIaHbS6py9os-yURByAazEjARKFe1qdb47s

-Impressa: Disponível para compra no site da editora: http://editoraunesp.com.br/catalogo/9788539307531,dicionario-de-seguranca-e-defesa?fbclid=IwAR3c1LS84oyX1vRBICpE1mJExPqm_I4VatXVQQ5fUmwpLWS4ZSEBI-f-dsg).

Entre a arrogância e o paternalismo: a tutela militar sobre instituições do Estado brasileiro. Entrevista especial com Ana Penido

Vivemos um regime democrático no Brasil e por isso podemos afirmar que se vive num regime de liberdade e igualdade. Correto? Errado. A professora Ana Penido, que pesquisa a formação e atuação de militares no país, revela que a noção que se tem de democracia é, na prática, muito mais restrita e tem influência do modo como os militares compreendem o conceito. “É um conceito restrito de democracia, baseado em seus aspectos formais, ou seja, a realização de eleições, organização partidária, etc. Infelizmente, essa concepção de democracia limitada também é presente na sociedade”, aponta. Para ela, o conceito pleno de democracia é outro, que “prevê o conflito de ideias, manifestações públicas e outras coisas que, no ponto de vista deles, são geradoras de instabilidade”. E, num governo como o de Jair Bolsonaro, em que a presença militar é maior, essas perspectivas se acentuam. Assim, Ana chama atenção para como, na prática, se configura – e até se reforça – uma espécie de tutela militar sobre as demais instituições de um Estado democrático. “Os militares mantêm uma tutela sobre as instituições do Estado brasileiro, e se organizam como corporação, para quem, à exceção do momento de disputa de recursos orçamentários, a relação cotidiana com civis varia entre a arrogância de quem se acha melhor e o paternalismo de quem acha que deve proteger os fracos”, sintetiza. Na entrevista, concedida por e-mail à IHU On-Line, a pesquisadora ainda destaca a importância de se compreender como essas ideias são gestadas na “caserna”, desde a educação básica das forças armadas. “É plantada na escola e depois amadurece durante a carreira a ideia de que eles são mais responsáveis pelo destino da nação, mais patriotas, mais nacionalistas, que o povo brasileiro em geral”, aponta. Mas são lógicas que diferem das do passado, como as que formaram os militares que estiveram no comando do país durante a ditadura. “Atualmente, é preciso ressaltar que educação é uma dimensão do processo de profissionalização, e os militares são muito cuidadosos com essa parte, pois é a que garante sua reprodução técnica e simbólica enquanto corporação”, define. Ao longo da entrevista, Ana também analisa vários pontos, como as concepções de relações internacionais que se dão nas academias. Segundo ela, são ideias que estão além da grade curricular ou da emenda de disciplinas. Estão no entremeio do que chama de “currículo oculto”. “Quando se observa essa parte, fica nítida uma visão tradicional de geopolítica, que caracteriza o momento atual como uma nova guerra fria entre China e Estados Unidos, e a tarefa brasileira de se aliar ao seu grande irmão do ocidente”, exemplifica. Além de detalhar como ocorre a formação de militaresAna observa como essas ideias chegam a outras áreas do governo de Jair Bolsonaro, como a ideia das escolas com gestão cívico-militares. “Se fosse para adotar a ideia de “escolas modelo”, algo bastante discutível, o padrão a ser seguido seria das escolas federais ou das escolas de aplicação das Universidades, quase extintas”, critica. E dispara: “o projeto vende uma ideia de moralização das escolas através da disciplina. Acredito que deveria ser óbvio que um corte de cabelo curto não é o que vai “salvar a nossa juventude das drogas”, seja lá o que isso significa.

 

Ana Amélia Penido Oliveira é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, possui mestrado em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade Federal Fluminense – UFF e doutorado em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é pesquisadora do Instituto Tricontinental e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Entre as suas publicações, destacamos “As mudanças na guerra e na formação dos guerreiros” (In: Poder Aeroespacial e Estudos Interdisciplinares de Segurança e Defesa, 2014, Rio de Janeiro) e “Uma educação militar para a defesa do Brasil” (In: V Encontro Pedagógico do Ensino Superior Militar, 2013, Resende. Anais do V EPESM, 2013).

IHU On-Line – Como avalia a relação entre civis, militares e Estado no Brasil hoje?

Ana Penido – Essa pergunta origina muitas teses de doutorado. Resumidamente, acredito que os militares mantêm uma tutela sobre as instituições do Estado brasileiro, e se organizam como corporação, para quem, à exceção do momento de disputa de recursos orçamentários, a relação cotidiana com civis varia entre a arrogância de quem se acha melhor e o paternalismo de quem acha que deve proteger os fracos.

IHU On-Line – Qual projeto de país está presente hoje no ideário das forças armadas?

Ana Penido – Não acho que exista essa visão geral hoje, e nem acho que deveria existir. Existem algumas questões mais específicas, já formuladas há décadas e que vez ou outra são requentadas como se fossem um projeto, como a formulação de que pelo nosso tamanho, riquezas e população somos “fadados” a ser grandes. Ou que é necessário povoar a Amazônia, como se ela não fosse já povoada, ou mesmo que falta coesão nacional. Na época do regime burocrático-autoritário, eles até tiveram projetos de governo, como fica nítido nas formulações do [Ernesto] Geisel sobre empresas nacionais e grandes projetos, como o Proálcool e o Nuclear. Existem também iniciativas de construção de cenários estratégicos de longo prazo, o que facilita no planejamento.

Um projeto de país é algo de outra envergadura, é uma tarefa eminentemente política, algo que não cabe a uma força armada profissional, e sim aos partidos políticos e movimentos/grupos sociais. Pensar um projeto nacional é fundamental para resolver o que alguns pensadores vêm chamando de crise de destino. Mas um projeto só existe fruto do conflito de ideias com outros setores da sociedade, capaz de ir produzindo sínteses, diferente da afirmação cristalina de objetivos nacionais permanentes. Ele é também fruto da correlação de forças, ou seja, de quais segmentos de fato estão se colocando para construir o Brasil, e não pegar o que for possível para benefício próprio, muitas vezes morando inclusive fora do país. Além disso, na democracia, é importante que os grupos submetam seus projetos ao escrutínio coletivo, o que só é possível por meio dos partidos políticos.

IHU On-Line – Como compreender a formação do militar brasileiro ao longo da história? E, atualmente, de que forma as academias articulam profissionalização e educação na educação militar?

Ana Penido – Quanto a esse aspecto mais histórico, na minha dissertação, elenquei algumas variáveis que conformariam o que chamei de ‘profissionalização à brasileira’. As transcrevo aqui rapidamente, sem me aprofundar muito, lembrando que é uma perspectiva temporal, que vem desde o século XIX.

1. Ocorreu por iniciativa militar e enfrentou a resistência de civis;

2. forte retórica anticomunista;

3. Forças Armadas – FFAA profissionais antes de outras burocracias de Estado;

4. enfrentou uma baixa cultura política e desinteresse pela defesa;

5. adotou o regime escolar de internato;

6. não contou com uma elite civil com preocupações nacionais;

7. ocorreu junto com muitas intervenções militares na política;

8. sofreu forte influência externa, por ordem de ocorrência, sendo que as duas últimas ocorreram em algum período de forma concomitante – Portugal (fomos colônia), Alemanha (pré-guerra), França (pós-missão francesa) e Estados Unidos;

9. enfrentou a polêmica conteudismo X praticismo, reflexos do positivismo – ou, como alguns estudiosos chamam, colocou em lados opostos ‘intelectuais’ X ‘tarimbeiros’;

10. funcionou como força modernizadora, inclusive da base econômica;

11. fortemente baseada no personalismo;

12. formação para múltiplas possibilidades de emprego externas e internas;

13. contou com elevada autonomia, com militares definindo as próprias diretrizes e sem participação civil;

14. baixa valorização docente;

15. conviveu com um conflitante sentimento de inferioridade militar (orfandade) X sentimento de superioridade militar sobre civis (salvaguarda nacional).

Atualmente, é preciso ressaltar que educação é uma dimensão do processo de profissionalização, e os militares são muito cuidadosos com essa parte, pois é a que garante sua reprodução técnica e simbólica enquanto corporação. O novo e o velho convivem. Por exemplo, eles se modernizaram muito do ponto de vista tecnológico, assim como correram atrás de serem reconhecidos a partir das regras da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, mas muitos pontos que abordei historicamente permanecem, como uma forte retórica anticomunista (hoje modernizada para Foro de São Paulo ou petistas ou outro inimigo interno de ocasião) e um sentimento de superioridade em relação ao mundo civil.

IHU On-Line – Como se dá a formação política e de relações internacionais nas academias militares?

Ana Penido – Conheço mais a partir das emendas das disciplinas, mas me parecem ter as questões teóricas tracionais da área, com um foco na formação e instituições do Estado no caso da disciplina de ciência política e nas normativas e organismos internacionais, incluindo os direitos humanos, no caso da disciplina de relações internacionais. Eles também têm ampliado o estudo de idiomas, em virtude do relevo que as missões de paz ganharam. Pessoalmente, em alguns momentos me lembrava das minhas aulas de religião obrigatórias no Ensino Médio, o que, independente da minha fé, me parecia pouco aplicável na época.

A questão aqui não está no currículo explícito, mas no oculto, por isso falar em formação num sentido mais amplo, e não apenas no ensino de conteúdos. Quando se observa essa parte, fica nítida uma visão tradicional de geopolítica, que caracteriza o momento atual como uma nova guerra fria entre China e Estados Unidos, e a tarefa brasileira de se aliar ao seu grande irmão do ocidente. Da mesma maneira, se percebe a perpetuação da visão tutelar das FFAA sobre o Estado brasileiro, embora seja ponderável se essa visão é factível. Há autores que pensam em poder moderador, numa função tutelar, em partido político militar ou mesmo em protagonistas não explícitos. Em todas essas formulações, aponta-se como as forças armadas brasileiras participam ativamente da política.

IHU On-Line – Que conceito de democracia e cidadania emergem do ideário dos militares hoje?

Ana Penido – Acredito que posso falar melhor sobre o conceito de democracia. Embora isso sempre esteja nos discursos, é um conceito restrito de democracia, baseado em seus aspectos formais, ou seja, a realização de eleições, organização partidária etc. Infelizmente, essa concepção de democracia limitada também é presente na sociedade. O sentido lato da formulação do Rousseau tratava da participação social como coração da democracia, como um meio para o desenvolvimento das potencialidades humanas, individual e coletivamente, combatendo uma visão elitista em que apenas uma parte da sociedade está qualificada para decidir por todos. Infelizmente, essa visão é pouco resgatada. É preciso lembrar que democracia prevê o conflito de ideias, manifestações públicas e outras coisas que, no ponto de vista deles, são geradoras de instabilidade, e, de forma geral, militares gostam dos cenários o mais previsíveis possível.

A visão de cidadania, que sustenta esta democracia, também é elitista. A cidadania é determinada pelo mérito, com uma visão de que quem alcança maiores postos, por mérito e estudos próprios, seria um cidadão melhor preparado para o exercício da cidadania, especialmente da cidadania política.

IHU On-Line – A senhora pesquisou a Academia Militar das Agulhas Negras – Aman. O que mais a surpreendeu nesse trabalho? Como, a partir daquela sua experiência, compreende os movimentos dos militares de hoje?

Ana Penido – O que mais me surpreendeu foi, como disse, a mistura do novo com o velho, do moderno e científico com concepções até quase místicas, como a do anticomunismo. Acho que tanto a ida de muitos militares para o governo, assim como a mais recente tentativa de afastamento da instituição militar do governo podem ser vistas a partir daí. Nas escolas, são formados fortes laços de solidariedade, que continuam por toda a vida, ainda que o presidente tenha saído da caserna. Alguns dos seus colegas de turma se tornaram seus subordinados de governo. Isso é coerente com a ideia de que a família militar está acima de tudo.

Por outro lado, se fala muito em profissionalização no Exército, o que se inicia na Aman, e o básico para isso é não ter uma instituição politizada, por isso vêm ocorrendo tentativas de se mostrarem como algo distinto do governo. Eles se consideram bons profissionais, e julgam que eram mal aproveitados pelos governos anteriores. Entretanto, temos que refletir, pois se a Aman estiver formando bons gestores públicos, temos aí um problema, pois o que ela precisa formar são bons profissionais para a defesa nacional. Por fim, e talvez o mais importante, é plantada na escola e depois amadurece durante a carreira a ideia de que eles são mais responsáveis pelo destino da nação, mais patriotas, mais nacionalistas, que o povo brasileiro em geral. Essa ideia é incoerente quando se pensa a guerra moderna, além de estar na fonte dos nossos problemas de relação civil-militar.

IHU On-Line – Como avalia essa proposta da gestão civil/militar em escolas públicas? Quais os limites e as potencialidades desse projeto?

Ana Penido – Avalio que o projeto é na verdade uma forma do presidente falar com a própria base, sem resolver a questão da educação, que vem sendo mal avaliada e sofrendo cortes orçamentários, não só a nível universitário. Em primeiro lugar, as escolas militares em nível de ensino médio, que é a quem o projeto se destina, apresentam melhores resultados que as escolas comuns, pois têm um valor investido por aluno muito superior à média das escolas públicas. A educação nas escolas federais também recebe mais recursos, e tem resultados ainda melhores que a rede militar, ou seja, se fosse para adotar a ideia de “escolas modelo”, algo bastante discutível, o padrão a ser seguido seria das escolas federais ou das escolas de aplicação das Universidades, quase extintas. Cabe pontuar que até o salário dos professores é diferente, o que faz com que tenham mais disposição para atividades no contraturno escolar.

Outra questão é o desvio de recursos da área da educação para área da defesa, o que não resolve o problema orçamentário nem de uma área e nem de outra. Um terceiro ponto é a previsão de contratar soldados. Num país como o nosso, com os nossos atuais índices de desemprego, pensar a possibilidade de as pessoas acumularem salários é um absurdo. O debate deveria ser como criar frentes emergenciais de emprego para quem não tem nenhum, e não conseguir um “extra” para quem mantiver a fidelidade política de quem já tem.

Uma quarta questão é a relação da escola com a comunidade. Diferente das escolas em geral, as militares têm um público mais homogêneo, vindo de famílias militares, o que também modifica a relação do pai do aluno (normalmente mãe) com a escola. Por fim, talvez o mais cruel, o projeto vende uma ideia de moralização das escolas através da disciplina. Acredito que deveria ser óbvio que um corte de cabelo curto não é o que vai “salvar a nossa juventude das drogas”, seja lá o que isso significa.

IHU On-Line – Durante parte do regime militar, uma das marcas do governo foi o nacionalismo e o projeto de desenvolvimentismo, numa valorização do Estado. Como essas duas marcas aparecem – ou desaparecem – nos militares de hoje?

Ana Penido – A esse respeito, recomendo que as pessoas leiam a entrevista do Geisel publicada pelo CPDOC . É nítida uma visão de modelo de desenvolvimento, em especial ao se observar a discussão sobre o petróleo. A ideia de desenvolvimentismo estava ligada à de segurança nacional, ou, em outros termos, de conseguirmos, enquanto país, provermos autonomamente os recursos mais estratégicos para a nossa própria defesa, não ficando dependentes de elementos como os combustíveis. Essa ideia raramente me parece presente. Hoje a maioria dos oficiais tem afinidade de leitura com a Fundação Getulio Vargas ou com a Globonews, e adotaram, portanto, o neoliberalismo econômico, como pôde ser visto no episódio da venda da Embraer.

Com relação ao nacionalismo, essa é uma discussão bastante complexa. Me parece que, muitas vezes, é um nacionalismo focado na questão do território e no domínio das fronteiras. Por outras vezes, me parece um nacionalismo declaratório, sem substância. Essa questão mereceria uma investigação aprofundada, mas um ponto que eu levantaria é a formação pautada pela adoção de doutrinas e equipamentos de outros países. Isso pois, para mim, e impossível pensar em nacionalismo sem pensar em uma inserção autônoma do nosso país no mundo, em ciência e tecnologia nacional, em desenvolvimento autóctone. Qual o sentido, por exemplo, de ter um submarino nuclear que vai fazer a segurança da Shell? Problema parecido sofre o conceito de soberania. Para resolver isso, precisaríamos avançar muito coletivamente como povo, amadurecendo nossas raízes, e deixando de buscar ser o que os outros são ou pior, o que querem que nós sejamos.

IHU On-Line – Como a experiência das forças armadas brasileiras no Haiti incide na formação e atuação dos militares brasileiros? Na sua avaliação, qual o saldo da participação brasileira nessa operação?

Ana Penido – A experiência no Haiti preparou os militares para atuarem em ambientes urbanos, com conflitos e pobreza. Se tornou também uma fonte de prestígio e de recursos para indivíduos e para as FFAA. Era a “guerra possível” para um país com o peso internacional do Brasil, que desejava uma cadeira no Conselho de Segurança na ONU, mas na verdade, se tornaram uma fonte de prestígio e recursos para as FFAA e para indivíduos. É um cenário similar às missões de Garantia da Lei e da Ordem que ocorreram nas comunidades do Rio de Janeiro e na mais recente intervenção federal. Como o próprio Villas Bôas já apontou, não adiantam, pois assim que os instrumentos de força e coerção social são desmobilizados, a situação volta à sua gravidade.

Na verdade, a questão mais importante para mim a esse respeito é que precisamos entender que nem todos os problemas são resolvidos através da securitização dos temas e do emprego da força. Por aqui, os militares são usados para combater as drogas, mosquitos, a pobreza, a seca, enfim, um conjunto de questões que não são resolvidas através da força, e sim de políticas públicas como saúde, segurança etc. Talvez caiba uma discussão sobre os batalhões de engenharia, mas isso seria outra discussão. No geral, elas já sabiam doutrinariamente atuar contra o inimigo interno, e nesse sentido o Haiti não faz sentido teórico, embora ofereça prática. Por outro lado, aprenderam a importância de idiomas e cresceram em capacidade para interagir com forças de outros países.

IHU On-Line – Qual o perfil dos jovens que ingressam nas forças armadas? Em que medida esses jovens militares se identificam com o ideário dos evangélicos, especialmente em relação ao governo Bolsonaro?

Ana Penido – Eu fiz esse estudo mais específico para o Exército, mas o professor Celso Castro estava fazendo também para a Marinha. Desconheço pesquisas sobre a Aeronáutica. Assim como no restante da sociedade, ocorreu uma queda no número dos cadetes católicos e um crescimento dos cadetes evangélicos, que já chegam a um terço daqueles que ingressam na Aman. É preciso ponderar que uma parte desses resultados tem relação com a representação do estado do Rio de Janeiro (notoriamente evangélicos) entre os cadetes que ingressam.

Não sei avaliar se a questão religiosa é a que mais pesa na identificação dos cadetes com o presidente. Acredito que não, seja porque o presidente trabalha a questão religiosa muito mais enquanto marketing político do que enquanto fé, seja porque o ethos militar, produto do espírito de corpo, é mais forte do que a questão religiosa, que por vezes tem origens familiares.

Mas isso me suscita um outro debate mais grave. Nosso ecletismo religioso sempre fez com que entre as hipóteses de conflito dentro do Brasil e do Brasil com outros Estados, diferente de muitas nações, as guerras religiosas não estivessem no cenário. Com o alinhamento automático do Brasil aos Estados Unidos e mesmo a Israel, combinado com o crescimento de um neopentecostalismo mais radical, inclusive entre os militares, me pergunto se essa hipótese não é mais assim tão descartável.

IHU On-Line – Levar militares para rua é uma forma viável de combater o crime organizado? Por quê?

Ana Penido – É inegável a existência de uma crise na área da segurança pública, representada pelo assustador dado de que apenas 8% dos crimes cometidos é elucidado. Assim como no caso das forças armadas, a influência francesa e estadunidense é perceptível. Temos duas polícias, uma militarinspirada nas forças armadas, e outra civil, de base política-jurídica, e ambas têm dificuldades para se entender, compartilhando uma tradição de investigações baseadas em provas testemunhais e não em provas técnicas. E a violência “à brasileira” é um misto de procedimentos arcaicos e modernos, ou seja, métodos e equipamentos para investigações ultramodernos são combinados não raras vezes com violações dos direitos humanos fundamentais, como a tortura.

É forte o sentimento de ineficiência, e parte da população escolhe mais violência como forma de combater a violência, mas não se resolve a crise com a equação mais armamento, mais polícia, mais prisão e maiores penas. Na realidade, as respostas à esquerda (apenas com a mudança estrutural da desigualdade) e à direita (apenas com endurecimento penal) são insuficientes para resolver a violência e a crise na segurança pública.

Diante desse cenário, as forças armadas, em especial o exército brasileiro, vem a cada dia sendo mais intensamente empregado em questões de segurança pública, embora hoje a polícia militar tenha o contingente três vezes superior ao das forças. Essa atuação é prevista constitucionalmente, como Instrumento de Garantia da Lei e da Ordem, embora não necessariamente legítima. As polícias e as forças armadas podem empregar a força, mas as corporações têm (ou deveriam ter) objetivos, doutrinas, armamentos e instrução absolutamente distintos. Em síntese, as polícias devem se preocupar com os cidadãos, enquanto as forças armadas devem defender o país. A ideia de inimigo interno, combinada com a de guerra ao terror, é explosiva e equivocada.

É importante deixar claro que o não emprego das FFAA nos conflitos não significaria que a questão da violência estaria resolvida. Mas a entrada do exército no conflito também não diminui os índices de violência (e nem poderia), e ocorrem vários efeitos colaterais do processo de ‘policialização’ das forças armadas, a saber: muda a escala de importância das atribuições das forças armadas que vão gradualmente sendo desprofissionalizadas; o Exército se torna força auxiliar da polícia, os militares passam a ser empregados no conflito violento contra compatriotas; as instituições se fragilizam e ficam mais suscetíveis a discursos demagógicos; ocorrem reformulações doutrinárias; recursos antes destinados à defesa são realocados para a segurança; cresce a tutela militar sobre o poder civil e o consequente autoritarismo político, enfim, um conjunto de questões que coloca em risco a democracia e a soberania brasileiras.

No entanto, é possível pontuar três questões que melhorariam a atuação da polícia, a saber: investimento na profissionalização, com ensino em acordo com as diretrizes dos direitos humanos; melhorias na gestão, com o aumento do controle social; e ampliação da utilização da tecnologia. Também é possível discutir a necessidade de criação de uma guarda nacional, uma vez que a força nacional de segurança pública é frágil institucionalmente. Às forças armadas cabe, prioritariamente, a defesa da nação diante de ameaças externas.

IHU On-Line – Que leitura a senhora faz dos militares que integram o governo de Jair Bolsonaro? Quem são eles? Que papel assumem e como se deu a formação deles?

Ana Penido – Repensei algumas coisas depois da demissão do general Santos Cruz, diga-se de passagem, nosso único militar com experiência de guerra, e que não contou com o apoio dos seus pares no governo. Eu acreditava que eles tinham entrado em massa com a ideia de moralizar o governo e tutelar o presidente. Passados os primeiros meses, viram que nem uma coisa nem outra é possível. Os militares não são a força dirigente do governo Bolsonaro. Quando pressionado, o presidente sempre fica com a “famiglia”.

Acredito que os que ficaram, espalhados em funções-chave diversas do governo, em especial os da reserva, são os que têm afinidade ideológica com o governo, alguns tendo inclusive se formado juntos, ainda durante o regime militar, e não são apenas “técnicos querendo prestar serviços à nação”. Ganharam relevo ambições pessoais, sejam elas políticas, de status ou financeiras. E acrescentaria, o fato de tantos militares estarem no governo não fez com que a área de defesa fosse valorizada enquanto política pública.

IHU On-Line – Como os militares de hoje compreendem a soberania nacional a partir do caso da Amazônia? Podemos afirmar que a pauta da Amazônia é ainda uma das poucas que traz unidade entre os militares e o restante do Governo Bolsonaro?

Ana Penido – Não sei dizer se é uma das poucas, mas é sim uma pauta que traz unidade ao governo, afinal, nada melhor para trazer unidade que um inimigo, e com os meses, o argumento “a culpa é do PT” vai perdendo força, pois são esperados resultados. No mais, a discussão parece a mesma de décadas atrás. Muitas falas sobre a importância de “povoar” a região, integrar com obras de infraestrutura (pontes, hidrelétricas…), a dureza da nossa legislação ambiental, a necessidade de desenvolver economicamente para combater os crimes, de explorar, inclusive os minerais das terras indígenas, de combater as ONGs que fazem biopirataria e levam os índios a acreditar que eles podem ser uma nação, críticas à demarcação de terras indígenas nas áreas de fronteira, em especial no corredor Triplo A. De novidade, a preocupação com a fragmentação interna da Venezuela; com a expansão chinesa via Guiana e Suriname; e com o sínodo do Vaticano.

Concordo com alguns elementos, discordo de outros, mas, principalmente, acho triste constatar que damos as mesmas respostas a questões identificadas décadas atrás, sendo que algumas dessas respostas foram tentadas e não ofereceram bons resultados. É óbvio o interesse externo sobre a Amazônia. Mas no meu entendimento, ela deve servir, em primeiro lugar, para proporcionar uma vida boa para o povo que nela habita. Tenho um artigo sobre isso chamando a necessidade para mantermos, como se diz no interior, um olho no gato e o outro na cumbuca.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Ana Penido – Precisamos delimitar e definir melhor em que nossas forças armadas devem ser empregadas, o que tem relação com a grande estratégia brasileira. Sem clareza nas tarefas, é difícil fiscalizar seu desempenho, controlar o orçamento, evitar a autonomia, perceber se as atividades-meio têm levado a resultados concretos nas atividades-fim, se a formação está adequada, entre outras questões. No mundo atual, a tendência é a especialização do trabalho, e não fazer um pouquinho de um bocado de coisas.

Uma segunda questão que acredito que deve ser objeto de atenção de todo o povo brasileiro é a possibilidade de as forças armadas perderem o monopólio da violência estatal, seja para as milícias (forças paramilitares) organizadas, seja para o aumento do poder de fogo das polícias militares. No caso das primeiras (diga-se de passagem, fora da preocupação do ministro da justiça Sérgio Moro), está pouco claro seu grau de influência no poder público, com a possibilidade de terem inclusive se infiltrado nas forças armadas. No segundo caso, o crescimento do poder de fogo dos equipamentos, o tamanho do efetivo, e até mesmo propostas como a do governador do Rio de criar o cargo de general nas polícias acendem um botão de alerta. Para quem acha que com as forças armadas, com hierarquia e disciplina está ruim, acreditem, é muito, mas muito pior sem elas.

Por fim, cabe o alerta que todo cientista político faz sobre essa participação no governo e as possibilidades de quebra de hierarquia. “Quando a política entra por uma porta, a hierarquia sai pela outra”, e a história militar do nosso presidente é a comprovação disso.

 

Por: João Vitor Santos | 07 Outubro 2019

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS

Militares já não alimentam expectativas. “O governo não será aquilo que esperavam”. Entrevista especial com Suzeley Kalil Mathias

Por: Patricia Fachin e Wagner Fernandes de Azevedo | 19 Setembro 2019

Instituto Humanitas Unisinos

 

Depois de nove meses do início do governo Jair Bolsonaro, se havia alguma expectativa por parte dos militares de que eles “emprestariam alguma racionalidade” ao presidente, eles “já não alimentam expectativas”, diz a pesquisadora Suzeley Kalil Mathias à IHU On-Line. Segundo ela, “há ainda um outro movimento que já percebeu que o governo Bolsonaro não será aquilo que esperavam, que os militares não chegaram ao poder como acreditavam e agora esperam manter-se profissionais”. Ela lembra que a “natureza da atuação das Forças Armadas – FFAA (não no governo), especialmente do Exército, é corporativa: querem garantir seus interesses, com a reforma que está no Congresso em primeiro plano”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, a pesquisadora comenta a atuação dos militares nos governos passados e pontua que “houve pouco ou nenhum interesse de FHC e Lula em estabelecer autoridade sobre as FFAA. Ambos buscavam ao mesmo tempo utilizar as FFAA como funcionários do Estado para funções que não são de defesa (atividades subsidiárias) e reduzir sua presença política”. O governo Dilma, explica, buscou “transformar as FFAA em uma instituição como outra qualquer do Estado, numa burocracia eficiente. Ela entende, talvez ingenuamente, que se está em um processo de consolidação democrática e, portanto, as FFAA estão subordinadas ao poder civil”. Ela menciona ainda que “há uma crença” no país de que os militares são nacionalistas, mas “o nacionalismo jamais foi hegemônico nas FFAA”. A pesquisadora também critica o uso indevido das FFAA como forças policiais na fronteira. “Sumariamente, as forças armadas não são polícias e, portanto, não estão preparadas para o combate ao crime organizado. Por outro lado, o uso delas como polícias tem trazido para dentro da instituição o próprio crime, como exemplificado pelo sargento que carregava cocaína no avião presidencial”. Suzeley também avalia os primeiros meses do governo Bolsonaro e frisa que o projeto do presidente para o país “fica cada vez mais claro: a desestruturação do Estado, com afrouxamento de todas as instituições, criando o que a literatura chama de ‘Estados falidos’, para que se espalhe para o Brasil a forma de administração própria das milícias, que é o grupo representado pelo bolsonarismo”.

 

IHU On-Line – Especialistas em estudos militares dizem que nos últimos anos houve uma mudança na formação dos militares brasileiros. Que aspectos têm caracterizado a formação dos militares nas últimas décadas e por que há uma mudança?

Suzeley Kalil Mathias – As mudanças no ensino militar são formais e de longo prazo. Não houve mudança substantiva na formação do oficial. Ademais, quem está hoje no Comando das Forças (generais da ativa) fez os cursos de Estado Maior até o final dos anos 1990. Houve alguma introdução de disciplinas/matérias na área de direito internacional e direitos humanos.  O sistema de ensino nacional é regulado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, de 1996. Nela se explicita (artigo 83) que o ensino militar constitui sistema próprio e que haverá equivalência de estudos. Assim, cada uma das Forças desenhou em Lei seu próprio sistema de ensino por meio dos seguintes diplomas: Aeronáutica – Lei 12.464/2011; Armada – 12.704/2012; Exército – 12.705/2012. Por meio dessas leis, as Forças Armadas – FFAA não podem mais discriminar o ingresso nas suas escolas por critérios próprios, valendo para as FFAA o mesmo que para qualquer concurso público. No âmbito da pós-graduação, buscou-se maior aproximação com as escolas civis e na tentativa de adaptação das Escolas de Estado Maior (equivalente à pós-graduação) às regras da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, o que permitiu a certificação de cursos. Houve algum esforço no meio civil para criar linhas e áreas de pesquisa até bem pouco tempo exclusivas das FFAA. O mesmo não aconteceu nas escolas militares, que não são abertas a civis (apenas há contratação de professores, como sempre houve). [1]

 

IHU On-Line – Qual é o perfil dos militares que estão no governo do presidente Jair Bolsonaro?

Suzeley Kalil Mathias – Os militares sempre se viram como uma casta à parte. Os que estão hoje no governo não são diferentes. São contemporâneos de Bolsonaro, da mesma geração, com um intervalo de cerca de cinco anos nas turmas de formação de oficiais. São militares formados ao longo do regime burocrático-autoritário, influenciados pelas divergências internas dos grupos militares no governo que atingia as próprias FFAA, mas que tinha na doutrina de unidade, do respeito à hierarquia e a disciplina, seu principal pilar. Esta pode ser traduzida em “não duvidar, não divergir, não discutir” (Rattembach, 1975). Foram formados no período pós-expurgo – é bom recordar que, logo após o golpe de 1964, o maior número de cassações e aposentadorias compulsórias aconteceu no interior das FFAA. Quando do processo de transição, estavam nos primeiros postos, como tenentes ou capitães. Viveram o desmonte da indústria de defesa e a penúria financeira nos quartéis, produto das diferentes crises econômicas. O grupo mais próximo a Bolsonaro é formado por comandantes da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti – MINUSTAH, que tiveram experiência em conflitos externos, mas em uma situação de ‘adaptação da lei’ para que pudessem atuar. Como a quase totalidade dos militares brasileiros não tem experiência em guerras – a exceção era Santos Cruz, que já saiu, que esteve na Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo – MONUSCO, no Congo. Por causa da atuação no Haiti, foram duramente criticados, ao que imputo seu ressentimento. Há uma crença de que os militares são nacionalistas, e deveriam ser, pois são defensores da nação – e são parte da definição do Estado. No entanto, como os estudos dos teóricos da dependência mostram, em países como o Brasil, as classes e os grupos sociais se conformam (desenham) de maneira diferente, com características próprias. O nacionalismo jamais foi hegemônico nas FFAA. Hoje predomina uma visão, não muito distinta de outros grupos sociais, de corporação, de defesa de seus interesses, daí serem ‘entreguistas’.[2]

IHU On-Line – A sua tese de doutorado tratou sobre a atuação das Forças Armadas na administração pública, em particular nas Comunicações e na Educação entre 1963 e 1990. Como se deu a participação das Forças Armadas na administração pública nessas áreas?

Suzeley Kalil Mathias – No livro construo um modelo de análise dividido em três categorias, cada uma conformada por um conjunto de variáveis que me permitem avaliar o grau de militarização do governo que aqui não tenho como reproduzir. Muito resumidamente, escolhi uma área técnica e uma social. Na área técnica (Comunicações), a participação militar era mais direta e melhor aceita. Por isso, era mais fácil fazer política. Já havia muitos militares, especialmente da Marinha, na área das Comunicações antes de 1964. Assim, eles foram os responsáveis pelas políticas públicas em mídias, informática e transportes. Na área social, a educação, a participação militar não foi muito grande em presença física, mas controlavam postos chave no desenho das políticas para educação. Acreditavam – as discussões hodiernas em educação parecem uma reedição daquelas do fim dos 1960 e 1970 – que havia uma ideologia comunista, antipatriótica, que estava destruindo as crianças e a família brasileira. Por isso, introduziram disciplinas ‘cívicas’ – Educação Moral e Cívica (fundamental), Organização Social e Política do Brasil (médio), Estudo dos Problemas Brasileiros (Superior) –; fundiram disciplinas (como história e geografia, que tornaram-se estudos sociais) e eliminaram outras – como filosofia e sociologia, que se restringiam aos cursos de nível médio que exigiam sua presença, como ‘normal’ (formação de professores para o ensino fundamental) e administração de empresas (técnico – formação de auxiliar de escritório) –; criaram cursos profissionalizantes – de nível fundamental (ginasial, como atendente de enfermagem) e médio (como, por exemplo, auxiliar de enfermagem) e licenciatura curta (superior em dois anos, para formação de professores para o ensino fundamental) –; proibiram livros, estimularam a adoção de apostilas, mexeram nos planos curriculares, aumentaram/reduziram carga horária de cursos e disciplinas etc. Uma questão interessante, que não está no livro, é a do orçamento [3].

IHU On-Line – A partir de 1990, o que mudou na atuação das Forças Armadas na administração pública?

Suzeley Kalil Mathias – As mudanças começaram bem antes, com Geisel, que começou a ‘aparelhar’ melhor os órgãos públicos com pessoas de confiança, independentemente de serem militares ou não. Com Sarney, houve, especialmente nas Comunicações (mídia), o uso de recursos e cargos como barganha e tentativas muito tímidas de mudanças na educação. Por parte das FFAA, especialmente na passagem entre Sarney e Collor, houve uma espécie de retraimento, com as FFAA buscando cuidar de seus próprios interesses. Tanto assim que no processo constituinte, as FFAA foram bastante atuantes, montando um lobby especializado que garantiu na constituição o que elas queriam. No entanto, elas continuaram a ser afiançadoras do processo político, sendo ouvidas em cada possibilidade de crise que acontecia.  Outro movimento que pode ser percebido é que, regulamentada a entrada nos serviços públicos por concurso, muitos oficiais deixam as FFAA (o sindicalista Bolsonaro faz este movimento, mas por iniciativa da Justiça Militar, que o reforma – significa que ele ganha soldo) e ingressam em carreiras civis (iniciei uma pesquisa a respeito no início dos anos 2000, mas abandonei. Por isso, aqui é só uma informação, não tenho como comprovar). Isso implica em uma ‘militarização’ da administração por transferência de ethos, de valores próprios da caserna para outros setores. De uma forma geral, o que acontece é uma especialização maior das FFAA, buscando participar daqueles setores mais afeitos às questões da defesa e, hoje, inclusive por inércia e ação civil, da segurança pública. Há uma infinidade de textos que ajudam a entender a passagem, os anos constituintes e após. Menciono os que tenho à mão:
Os livros/artigos de Eliézer Rizzo de Oliveira publicados a partir de 1988, especialmente o livro A tutela militar, escrito em conjunto com João Quartim de Moraes (o texto deste é seminal) [4].

IHU On-Line – Como se deu a atuação das Forças Armadas nos governos FHC, Lula, Dilma e Temer?

Suzeley Kalil Mathias – Em pouquíssimas palavras (quase leviana): houve pouco ou nenhum interesse de FHC e Lula em estabelecer autoridade sobre as FFAA. Ambos buscavam ao mesmo tempo utilizar as FFAA como funcionários do Estado para funções que não são de defesa (atividades subsidiárias) e reduzir sua presença política. Ou, como expressado em um artigo (escrito com Ana Penido) ainda inédito, “o poder político busca o controle civil reduzindo a autonomia militar, mas cede frente a esta, incorporando, às vezes ingenuamente, a concepção própria do meio militar, que é a internalização do conflito, reforçando, assim, o autoimputado papel de controle da ordem aos soldados.” Os governos civis procuram, seguindo uma tradição brasileira de achar que a existência da Lei/regras escritas é suficiente para fazer com que algo aconteça, desenhar em documentos legais a Defesa e as funções das FFAA, daí a Lei Nacional de Defesa (o primeiro documento é de 1996), a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa. Na feitura de todos esses documentos houve grande participação dos militares. A novidade com Lula, é que ele tinha um projeto de desenvolvimento nacional, muito nos moldes do que foi conhecido nos anos anteriores ao golpe de 1964. Neste projeto, a área de defesa estava fortemente contemplada, com um plano de modernização interessante. No entanto, esta política se chocava com a prática cotidiana que, como dito acima, tinha na função subsidiária das FFAA como principal atividade. Dilma inaugura uma forma diferente, especialmente no segundo mandato, buscando reparação para o passado recente e transformar as FFAA em uma instituição como outra qualquer do Estado, numa burocracia eficiente. Há distribuição da conta da crise também para as FFAA. Ela entende, talvez ingenuamente, que se está em um processo de consolidação democrática e, portanto, as FFAA estão subordinadas ao poder civil [5].

 

IHU On-Line – Houve alguma mudança na atuação das Forças Armadas no governo Bolsonaro?

Suzeley Kalil Mathias – Sim. O ponto de inflexão, quando fica mais explícita a ‘tutela’ militar sobre o governo, está no governo Temer, quando do twitte do Villas Bôas. Mas, desde que Temer assumiu e designou o general Etchegoyen para o Gabinete de Segurança Institucional – GSI, já se notou a mudança. Até a posse de Bolsonaro, creio que havia alguma expectativa, por parte dos militares no governo, que eles emprestariam alguma racionalidade a ele. Hoje, passados nove meses de governo (uma gestação!), penso que aqueles que não são corporativos, que têm algum interesse na profissão, como Santos Cruz, já não alimentam expectativas. A natureza da atuação das FFAA (não no governo), especialmente do Exército, é corporativa: querem garantir seus interesses, com a reforma que está no Congresso em primeiro plano. Há ainda um outro movimento que já percebeu que o governo Bolsonaro não será aquilo que esperavam, que os militares não chegaram ao poder como acreditavam e agora esperam manter-se profissionais. Os indícios são o silêncio da caserna, especialmente da Armada e da Aeronáutica. Por outro lado, o projeto Bolsonaro para o país fica cada vez mais claro: a desestruturação do Estado, com afrouxamento de todas as instituições, criando o que a literatura chama de “Estados falidos”, para que se espalhe para o Brasil a forma de administração própria das milícias, que é o grupo representado pelo bolsonarismoAutoritarismo e repressão é o mote.

 

IHU On-Line – Os militares têm algum projeto específico para o Brasil? Em que consiste?

Suzeley Kalil Mathias – ‘Os militares’, tratados genericamente, devem nutrir expectativas e desenhar planos para o país. No entanto, as FFAA, seja como instituição seja como corporação, não me parecem ter um projeto para o país. Elas estão voltadas muito para si mesmas, parecem viver em uma bolha tão rígida quanto a do Judiciário, que não consegue ver o país real. Porém, não me parece que devessem ter um projeto para o país. Pensar o país desde um ponto de vista institucional é importante, especialmente para definir as prioridades que julga essencial para que a instituição cumpra seu papel – os militares, mas não só eles, devem pensar a defesa do país. Porém, projeto de país é uma questão política e, portanto, não deve ser preocupação das FFAA, nem aqui nem em nenhum lugar.

 

IHU On-Line – É possível perceber disputas internas no interior do governo entre o que seria um projeto do próprio governo e o projeto dos militares para o país?

Suzeley Kalil Mathias – Parece-me que há várias visões em disputa no interior do governo, mas nenhum divide militares de um lado e civis do outro. Há unidade, um núcleo, que permitirá o que informei acima, que é uma desregulação completa das instituições, jogando como se fosse um ‘mercado’ em que tudo é disputado, mas não haverá árbitro, e aí é o ‘quem pode mais, leva’.

 

IHU On-Line – Que papel as Forças Armadas têm exercido na Amazônia?

Suzeley Kalil Mathias – As FFAA sempre foram importantes para a Amazônia, especialmente naqueles territórios de difícil acesso. Nos quartéis de fronteira, muitas vezes os únicos moradores de etnia distinta são os oficiais das FFAA. Assim, elas têm uma função muito importante no sentido de mostrar que somos uma nação, que o Estado brasileiro inclui aqueles territórios. Entretanto, é preciso considerar que a visão nutrida no interior das FFAA, e que muitas vezes ‘compramos’ sem avaliar, é que elas só fazem o bem. Isso não é verdade. Elas detêm uma visão que as FFAA são as únicas preocupadas com a Amazônia e, portanto, o que elas imaginam ser bom é o que deve ser praticado. A visão de desenvolvimento que elas têm é ainda muito presa aos anos 1960, que indicava a ocupação do espaço e a construção de estradas como o suprassumo do desenvolvimento. Não há uma visão sequer dominante nos meios militares sobre desenvolvimento sustentável, sobre o papel das populações locais na constituição do desenvolvimento. Há uma sobreposição entre desenvolvimento como progresso, como refazer o caminho que os países europeus fizeram… Assim, creio que a função das FFAA de defender o território é importante e deve ser enfatizada. No entanto, não deve ser papel das FFAA, e nem devem ser cobradas por isso, serem veículo de desenvolvimento.

IHU On-Line – A partir da sua pesquisa “Enfrentando la Delincuencia Organizada Transnacional: Estudio Comparado de las Estrategias Regionales”, o que evidenciou acerca da atuação das Forças Armadas brasileiras no combate ao crime organizado?

Suzeley Kalil Mathias – O livro, com um capítulo de minha autoria sobre o Brasil, está para sair. Sumariamente, as Forças Armadas não são polícias e, portanto, não estão preparadas para o combate ao crime organizado. Por outro lado, o uso delas como polícias tem trazido para dentro da instituição o próprio crime, como exemplificado pelo sargento que carregava cocaína no avião presidencial. Como alguns analistas já apontaram, no caso do Brasil, como também do México, há uma inversão de papéis entre as FFAA e as polícias (estaduais e federais), com as primeiras sendo transformadas em forças auxiliares das segundas. A base disso é uma crença na incorruptibilidade das FFAA. No entanto, o uso indiscriminado delas em atividades policiais, ainda que nas fronteiras geográficas, traz sérios impactos na identidade do militar, não resolve o problema da segurança pública e trazem para dentro das Forças práticas que vêm se tornando corriqueiras nas forças policiais. Pesquisa conduzida por João Arruda em 2006 apontava que em épocas passadas, os crimes mais cometidos por militares eram a deserção e a insubmissão. Em 2000, esse número era de apenas 41% frente a 59% por acusações de roubo, extorsão, estelionato, homicídio qualificado e outros considerados graves. Este número hoje deve ser muito mais alto [6].

 

IHU On-Line – O governo Bolsonaro tem se posicionado contrário ao Sínodo Pan-Amazônico. Como a senhora interpreta a reação do governo ao Sínodo e a proposta do Sínodo em si?

Suzeley Kalil Mathias – É irrelevante minha posição, ou a da academia, sobre o Sínodo Pan-Amazônico. Este, como outros eventos da Igreja, foi decidido pelos religiosos e pela instituição muito antes do governo de plantão se sentir incomodado. Vivemos em um país religioso, no qual a Igreja (até hoje a única que escrevemos com maiúsculas é a católica) sempre gozou de grande prestígio e nem os mais autoritários generais do período autoritário criticavam a instituição, ainda que tenham perseguido padres e religiosos individualmente. Assim, é preciso perguntar ao governo o que o incomoda tanto. Afinal, o presidente se diz católico e a voz máxima da Igreja, gostemos ou não, é o Papa Francisco.

 

IHU On-Line – Recentemente o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos – OEA decidiu, por iniciativa da Colômbia, invocar o Tratado de Assistência Recíproca – TIAR contra a Venezuela. Como a senhora interpreta essa decisão e quais devem ser suas consequências?

Suzeley Kalil Mathias – A decisão mostra que a OEA não representa os interesses latino-americanos e, pior, está se transformando em porta-voz, como sempre tentou, dos EUA. O TIAR tinha sido denunciado pelo México pouco antes dos atentados de 11 de setembro de 2001, que voltou atrás diante daquela situação, mas deixou o TIAR. A medida da Colômbia é ilegal, do ponto de vista do tratado, pois não existe agressão externa que justifique uma intervenção. Por outro lado, também não podem invocar uma questão humanitária, com base no capítulo VI da ONU. A medida fará com que se sufoque ainda mais a Venezuela, alimentando de fato uma crise. A consequência é maior sofrimento humano e, caso seja realmente levado às últimas consequências, traremos uma guerra na América do Sul sem nenhum sentido. A posição do Brasil sempre foi negociadora, tanto assim que propôs e foi vitoriosa a transformação da região do Atlântico Sul como Zona de Paz. Hoje isso não é mais uma realidade, pois tanto os EUA quanto outros países estão militarizando a região. A postura em favor de solução diplomática e não pela força fez o Brasil ser respeitado no mundo e na região. Mesmo quando houve o golpe no Suriname (governo Figueiredo), apesar das escaramuças, mantivemos a serenidade e negociamos. Do ponto de vista militar, se tivermos uma guerra, será escancarado o despreparo das FFAA brasileiras para enfrentar o conflito. E no caso remoto de resolver o problema rapidamente, com o ‘colapso’ da Venezuela, quem ganhará algo com isso, ainda que tomemos do ponto de vista estritamente econômico e sem considerar as perdas humanas inclusive de longo prazo, será a Colômbia e os próprios EUA. Nós desmantelamos toda nossa capacidade de auxiliar em reconstrução pós-conflito, inclusive a de financiamento. Para este governo, talvez o ‘ganho’ seja que provocará o desmatamento e a ocupação de uma parte da região amazônica escudando-se no conflito, o que pode, mas é bem pouco provável, dar alguma folga do ponto de vista da política ambiental e das cobranças, particularmente europeias, que as ‘políticas’ adotadas pelo governo vêm sofrendo.

 

IHU On-Line – Por que e em que contexto foi criada a União de Nações Sul-Americanas – Unasul, o que ela significou para os países membros e qual é o significado da sua recente extinção?

Suzeley Kalil Mathias – Outra pergunta que há mais de uma tese a respeito…. Uma resposta mais formal é que o Brasil cumpriu a lei, pois a Constituição de 1988 determina que o país se esforce pela integração regional. Ela significou um atestado de maioridade para os latino-americanos, que poderiam resolver seus problemas contando apenas com seus próprios meios, pois excluía os países do Norte, que vivem outra realidade, muito diferente da regional sul-americana. Também atestou a capacidade negociadora do Brasil, especialmente do próprio Lula, que incluiu todos os países no acordo. Os diferentes conselhos (órgãos internos especializados) estavam funcionando muito bem e havia a perspectiva, no médio prazo, de vários acordos em diversas áreas, promovendo maior cooperação e menores custos para toda a região. Do ponto de vista econômico, se não tivesse a devassa lava-jatista, teríamos ainda ganhos relativos bastante significativos, pois tínhamos as melhores construtoras e melhor capacidade de financiamento. Sua extinção implica no retorno a uma condição que apequena o país e a região.

 

IHU On-Line – Qual foi a importância do Conselho de Defesa Sul-Americano para a soberania dos países membros?

Suzeley Kalil Mathias – O Conselho de Defesa estava arquitetando uma forma cooperativa de enfrentar os problemas regionais relativos à defesa. Estava construindo uma ideia de soberania que implicava em que a dissuasão fosse externa à região, e nesta prevaleceria a paz – no sentido de ausência de conflitos internacionais. Também estava servindo para o compartilhamento de treinamento militar e de experiências em indústria de defesa. Poderia vir a ser um mecanismo de capacitação tecnológica e científica na área de defesa. Por outro lado, ao separar em conselhos diferentes a questão da defesa da de segurança, responsabilizando este último pelo combate ao crime organizado, estava iniciando um outro processo de cooperação em segurança policial, incluindo inteligência, que poderia vir a ser um modelo inovador no controle dos crimes transnacionais.

 

IHU On-Line – A partir do fim da Unasul, o que deve acontecer com o Conselho de Defesa e como se projeta a agenda de defesa para os então países membros da Unasul?

Suzeley Kalil Mathias – Se a Unasul está desmantelada, então não existem mais seus órgãos. Aquilo que foi construído está se desintegrando e voltaremos a uma situação de agendas de defesa nacionais, com a cooperação entre os países costurada em acordos bi ou trilaterais. A probabilidade, como mostra a questão da OEA que você levantou, é a não existência de agenda de defesa regional e o sucesso dos EUA em impor sua agenda a todos e cada um dos países sul-americanos.

 

IHU On-Line – Desde 2013 a senhora pesquisa a relação entre a política externa e a defesa regional no âmbito da Unasul no que se refere à sua operacionalização militar. Quais são as principais conclusões desta pesquisa?

Suzeley Kalil Mathias – Posso compartilhar o relatório, que está espalhado nos diversos artigos que publiquei no período. Sumariamente, é o que respondi antes sobre a Unasul, ou seja, estava-se desenhando entre os países da região uma política de defesa compartilhada com crescente coordenação das operações militares e também policiais. Também havia aumento do interesse por desenvolvimento de artefatos de defesa com tecnologia compartilhada. O impacto, tanto econômico quanto político, indicava maior autonomia regional no médio prazo.

 

IHU On-Line – Quais são as principais diretrizes do Prosur (Fórum para o progresso da América do Sul), que surge depois da dissolução da Unasul? O que o Prosur sinaliza? Há uma mudança geopolítica na região?

Suzeley Kalil Mathias – Desconheço qualquer documento relativo ao Prosur. Não estudei. Há um desvio na geopolítica na região, mas não tenho como precisar a mudança geopolítica. Aparentemente, com o fim do estímulo ao multilateralismo e o estímulo a acordos de baixo alcance (sobre um único tema ou envolvendo dois ou três países), a região voltará a ser o que Celso Amorim falou sobre o Brasil: voltaremos ao cantinho do mundo. Estamos em um momento de contestação forte da hegemonia estadunidense, com a China avançando, bem como com o aumento de poder da Rússia. É um novo tabuleiro, com regras ainda nada claras.

 

Notas:

[1] Para maiores informações: Ana Amélia Penido de Oliveira (2015). Profissionalização e educação militar: um estudo a partir da AMAN. Dissertação de Mestrado em Estudos Estratégicos, UFF; PENIDO, Ana A.MATHIAS, Suzeley Kalil. Democracia en tiempos revueltos: consideraciones de la enseñanza en el Ejército argentino y brasileño. Trabalho apresentado no XIII Congresso da SAAP. Buenos Aires, Universidad Torcuato Di Tella, 2 a 5 de agosto de 2017, digit.; e MATHIAS, Suzeley KalilBERDU, Guilherme Paul. Ensino militar no contexto da mercantilização da educação. In: CARMO, Corival; WINAND, Érica; BARNABÉ, Israel; PINHEIRO, Lucas (org.). Relações internacionais: olhares cruzados. Brasília: Funag, 2013. (Nota da entrevistada)

[2] Para mais informações: Quartim de Moraes, João (2019). O fator militar no governo Bolsonaro. Margem Esquerda, 32 (1ºsemestre) e Jorge Rodrigues – Os militares do Presidente (01/07/19) – Eris, Blog do GEDES. (Nota da entrevistada)

[3] Neste caso, sugiro a leitura de: Soares, Samuel AlvesMathias, Suzeley Kalil. Forças armadas, orçamento e autonomia militar. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais, v. 24/25, 2001/2002. Disponível aqui. (Nota da entrevistada)

[4] MATHIAS, Suzeley Kalil and GUZZI, André Cavaller. Autonomia na lei: as forças armadas nas constituições nacionais. Rev. bras. Ci. Soc. [online]. 2010, vol.25, n.73 [cited 2019-09-16], pp.41-57. Available from. ISSN 0102-6909.  (Nota da entrevistada)

[5] Aqui também há uma infinidade de trabalhos a respeito. Os artigos de João Roberto Martins Filho publicado em Revista Brasileira de Ciência Política, no 4. Brasília, julho-dezembro de 2010, pp. 283-306. Outro texto, de minha autoria com dois estudantes, que pode ajudar é: MATHIAS, Suzeley KalilZAGUE, José AugustoSANTOS, Leandro F. S. A política militar brasileira no governo Dilma Rousseff: o discurso e a ação. Opinião Pública, Vol. 25, no. 1, p. 136-168. Campinas (SP), Cesop-Unicamp, jan-abr., 2019. (Nota da entrevistada)

[6] Ver ARRUDA, João Rodrigues. O uso político das Forças Armadas e outras questões militares. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. (Nota da entrevistada)

 

 

http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/592714-militares-ja-nao-alimentam-expectativas-o-governo-nao-sera-aquilo-que-esperavam-entrevista-especial-com-suzeley-kalil-mathias

Entrevista del Prof. Dr. Héctor Saint-Pierre a “La Paz en Foco”: Situación política de Brasil frente a la elección de Bolsonaro

 

El pasado 28 de octubre el exmilitar Jair Bolsonaro fue electo como presidente de Brasil, la principal economía de la región y el quinto país más grande en territorio en el mundo. La elección se da en medio de una gran controversia debido a las posiciones radicales de Bolsonaro frente a algunos temas que parecían ser indiscutibles, como los derechos de las minorías, el ambiente y libertades democráticas (como la libre prensa). En el presente programa hablaremos con Héctor Luis Saint-Pierre, uno de los expertos en geopolítica más reconocidos en la región.

 

Acceso en: http://untelevision.unal.edu.co/detalle/cat/la-paz-en-foco/article/situacion-politica-de-brasil-frente-a-la-eleccion-de-bolsonaro.html?fbclid=IwAR1fdc-1PLH7vSNrd_hBiKG-qryLaPIcbc1pUQCC-V4vZ6vjkh_jTZ3R7wM