[elementor-template id="5531"]

Autodeterminação e irredentismo: a luta por independência de Nagorno-Karabakh

Danielle Amaral Makio: Mestranda nos programas Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Santas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e International Master in Central and East European, Russian and Eurasian Studies (Universidade de Glasgow) e bolsista Erasmus Mundus. E-mail: daniellemakio@gmail.com

O horizonte político do enclave de Nagorno-Karabakh (N-K), também conhecido como Artsakh, coloca-se como verdadeiro obstáculo à estabilidade regional no sul do Cáucaso. A assimetria causada pela existência de um território majoritariamente composto por armênios dentro do Estado azeri fomenta violentos atritos entre os dois grupos étnicos, atritos estes que permanecem latentes mesmo após a assinatura do cessar-fogo em 1994. As históricas demandas do enclave pela incorporação à jurisdição da Armênia foram substituídas, nos anos recentes, por demandas separatistas que ambicionam o reconhecimento de N-K como um Estado independente (POKALOVA, 2015).

Nos anos 1920, as nações transcaucasianas, nomeadamente armênios, geórgicos e azeris, buscaram se consolidar como Estados independentes, iniciando um turbulento processo de demarcação territorial. Neste contexto, os conflitos entre Armênia e Azerbaijão, que já haviam lutado pela posse do enclave de Nagorno-Karabakh, localizado na região fronteiriça entre ambos os países, antes de tornarem-se Repúblicas Soviéticas, escalariam substancialmente. Embora as raízes da disputa entre Armênia, cristã, e Azerbaijão, muçulmano de maioria xiita, pelo controle do território sejam seculares e tenham um nomeado embasamento étnico-religioso, é notável que o período soviético configura um verdadeiro ponto de viragem na postura dos dois Estado frente à região em virtude do redesenho das fronteiras do Cáucaso desempenhado pela URSS (GEUKJIAN, 2012).

Neste contexto, em 1923, o Politburo, comitê de comando da União Soviética, viria a declarar que, apesar da maioria étnica armênia em N-K, o enclave passaria a estar formalmente vinculado ao território do Azerbaijão. Como forma de amenizar as animosidades dos armênios de Karabakh, o Politburo concederia à região o status de província autônoma (Oblast) da União Soviética. A despeito da manobra constitucional adotada pelo Partido Comunista, torna-se evidente que os direitos de N-K constituíam um mero estatuto formal, uma vez que o governo azeri continuava a desempenhar um papel dominante em seus assuntos internos, constrangendo não apenas os anseios do vizinho rival, como os da própria população de N-K  (DE WAAL, 2003).

As políticas discriminatórias do Azerbaijão frente aos armênios de Karabakh constituiriam um elemento crítico nas reivindicações do enclave pela secessão. Sob a óptica da região fronteiriça, desde a década de 1920, suas características étnicas são constantemente ameaçadas pela nação titular azeri através de medidas como a supressão da história e dos símbolos armênios nas escolas e nos meios de comunicação. As posições mais elevadas na sociedade também tendem a ser delegadas aos nativos azeris, um tratamento preferencial que se explicita não apenas nas esferas da vida pública, mas também na constituição nacional, que fora gradualmente ajustada em favor da nacionalidade azerbaijana. A questão cultural seria agravada ainda pela forte política de migração promovida pelo Estado para compensar o predomínio da etnia armênia na região, enquanto que na esfera econômica o enclave enfrentaria privações no acesso a recursos e investimentos estruturais em decorrência de políticas econômicas formuladas pelo Azerbaijão. Gradualmente, estas intervenções se traduziriam em sistemáticas políticas discriminatória que visavam sufocar as potenciais demandas da região por autonomia e que, inevitavelmente, viriam a representar um elemento crítico das demandas de N-K por secessão (BERG; MÖLDER, 2012).

Em 1988, as preocupações frente ao comportamento hostil de Baku (capital azeri) se traduziriam em demandas substanciais do enclave para sua incorporação à Armênia, Estado com o qual tinha um forte sentimento de identificação em vista da compartilhada origem étnica de ambos. O Comitê Central da URSS, opondo-se a qualquer tentativa de alteração das fronteiras soviéticas e a qualquer mobilização que pudesse fornecer um precedente a demais movimentos separatistas, mostrou-se irredutível frente aos anseios dos armênios de Karabakh (DE WAAL, 2003). No entanto, a linguagem revolucionária da demanda pelo irredentismo enunciaria um novo período de confrontos violentos, cujo ápice se consolidaria em 1992 (SIMÃO, 2010).

Podemos notar, portanto, que o desmantelamento da URSS (datado de 1991) representou o fim do elemento de autoridade que assegurava a relativa estabilidade na região: durante a era soviética, as demandas do enclave eram verdadeiramente negligenciadas – e sufocadas – pelo Politburo, que temia que a concessão de maior autonomia a N-K pudesse fornecer o precedente para a revolta de outros grupos nacionais. No pós-1991, contexto da onda independentista das Repúblicas Soviéticas, os sucessivos confrontos entre armênios e azeris pela ocupação e controle de N-K escalaram ao nível do embate violento e do isolamento absoluto dos dois grupos étnicos. Em 1992, no episódio conhecido como  Desde então, o enclave se caracteriza pela população monoétnica, de origem exclusivamente armênia. Neste cenário, atesta-se que, a despeito do cessar-fogo acordado em 1994, a ausência de um confronto direto não se traduziu no estabelecimento da paz (DE WAAL, 2003; HILL, 1993).

Diante do cenário de “no war, no peace” estabelecido em Nagorno-Karabakh, tem início a intervenção da OSCE (Organization for Security and Cooperation in Europe) no conflito. As ações da organização, neste contexto, procuravam desmantelar o ambiente de demandas totalizantes e desconfiança com vistas a apontar uma alternativa consoante aos princípios, nem sempre conciliáveis, da organização: a integridade territorial dos Estados e o direito dos povos à autodeterminação. A criação do Grupo Minsk em 1992, uma comissão ad hoc composta por França, Rússia e Estados Unidos, marca o início da atuação da OSCE no contexto da Transcaucásia. No mesmo ano, entretanto, as reuniões iniciais falham e a ação militar predominou sobre a via diplomática. Após a assinatura do cessar-fogo, que se dá em 1994, por forte influência russa, são apresentados os princípios norteadores da atuação da organização no local, princípios estes que englobariam o direito de Nagorno-Karabakh à autoafirmação, a integridade territorial do Azerbaijão e a garantia de segurança à população do enclave (POKALOVA, 2015).

Uma nova tentativa de estabelecimento do pacote de resolução de conflito é feita pelo Grupo em 1997. A sugestão mantinha o reconhecimento do direito de autoafirmação dos armênios de Karabakh e previa, ainda, a criação de zonas-tampão patrulhadas por operações de peacekeeping da OSCE e a concessão da alcunha de unidade estatal do Azerbaijão a N-K. No mesmo ano foi adicionada à proposta uma cláusula de desmilitarização que previa a retirada das tropas das partes envolvidas no conflito. Todavia, a não definição clara do status formal concedido ao território litigioso acarreta uma nova rejeição, que é seguida por sucessivas tentativas também mal sucedidas de negociação (POKALOVA, 2015).

A lentidão e a falta de perspectiva das negociações levantam a necessidade de preenchimento das insuficiências existentes ao longo do processo, um problema cuja solução é então desenhada pelo Processo de Praga que, em 2004, sugere uma aproximação baseada em respeito e confiança mútuos entre ambos as partes negociadoras. Em 2006, entretanto, o frágil horizonte de possibilidades de resolução do conflito sofre uma forte alteração: após realizar uma série de referendos populares, N-K ascende à condição de busca por uma independência estrita, de modo que sua anexação à Armênia deixa de ser uma opção viável. A atitude dos armênios de Karabakh foi duramente criticada pela OSCE que, em 2007, cria os chamados Princípios de Madrid, prevendo a retirada das tropas dos Estados envolvidos e a realização de um novo referendo acerca do status de N-K. Já em 2011, durante as negociações de Kaza, ocorre mais um ponto de viragem da disputa: Armênia e Azerbaijão atacaram-se mutuamente alegando falta de comprometimento e sinceridade de ambas as partes (POKALOVA, 2015).

A análise da atuação da OSCE em N-K permite definir, basicamente, três momentos no conflito: (1) o desejo de independência da região que dá início ao litígio no início da década de 1990; (2) a aproximação da Armênia e a legitimação popular de uma possível anexação por esta que marca o início das negociações em 1994; e (3) a retomada da busca pela independência e pelo reconhecimento internacional formalizada em 2006 . A crescente solidificação das instituições de N-K leva a região a atingir um nível de maturidade suficientemente grande para que a autonomia volte a ser uma pauta definitiva. Junto do aumento do nível de militarização da segunda metade dos anos 2000, a desconfiança entre as partes e a posição de N-K enquanto estado de facto vem barrando as negociações, uma vez que levanta um impasse dentro do próprio escopo dos princípios da OSCE (MYCHAJLYSZYN, 2001).

O conflito em questão origina-se, na perspectiva de Karabakh, a partir do direito de autodeterminação dos povos, enquanto que, sob a óptica azeri, há uma clara infração do princípio de integridade territorial. Uma vez que a independência passa a ser a única solução aceita por uma das partes, há uma necessária infração dos fundamentos basilares da OSCE – seja da autodeterminação, seja da integridade territorial. Outro impasse que dificulta a resolução do conflito em questão, ademais, é a falta de poder econômico para financiar os projetos propostos pelo Grupo Minsk, fato que dificulta a implementação dos pacotes propostos pela organização e aumenta a influência de grupos interessados na manutenção do conflito (MYCHAJLYSZYN, 2001).

Após anos de congelamento do conflito em vista do insucesso nas negociações e da supressão de interações violentas entre as partes, o conflito voltou a apresentar sinais de retomada das hostilidades em 2016. Em fevereiro deste ano, a Armênia acusou o Azerbaijão de investidas militares que desrespeitariam o acordo, declaração que gerou movimentações armadas sobre Karabakh por ambas as partes: ao longo de ofensivas que se prolongaram de 2 a 11 de abril, cerca de 200 pessoas foram mortas em decorrência do evento. Graças à atuação da OSCE e, sobretudo em decorrência de negociações encabeçadas pela Rússia, a escalada foi contida.

A situação do litígio permaneceu estável até meados de 2020, quando o então presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, afirmou que a resolução militar do conflito seria possível. A declaração foi o estopim para uma nova escalada do conflito, que voltou a contar com investidas militares entre azeris e armênios e mobilizou Rússia, União Europeia as Nações Unidas.

A incongruência entre Estado e nação constitui a lógica fundamental que sustenta o início do conflito em N-K, região que ainda hoje permanece ocupada por Karabakhs de origem étnica armênia e subjugada à jurisdição dos azeris . Os desdobramentos que sucederam o estopim do conflito em 1991, contudo, apontam para uma indelével característica da disputa: o silenciamento dos armênios de Karabakh. Se a princípio temos uma luta por autodeterminação, atualmente temos um contexto em que Armênia e Azerbaijão lutam pelo futuro de um território cujo povo busca por uma independência não atrelada a nenhum dos Estados. O protagonismo de armênios, azeris e terceiros na arena de negociações a respeito do futuro de uma nação irredentista, assim, parece não necessariamente favorecer os desejos da população de N-K e levanta questionamentos acerca de quais interesses têm sido de fato defendidos ao longo do histórico do conflito.

Outra questão que merece menção especial é a estratégica localização do litígio. N-K está no caminho de duas grandes rotas energéticas: (1) a malha de gasoduto que liga Rússia e Armênia e (2) linhas de transporte estabelecidos entre Turquia e Geórgia. Em virtude desta disposição geográfica, a disputa em questão tem relevância aos assuntos internos de atores regionais, nomeadamente Rússia e Turquia. Tipicamente interessada na manutenção de sua influência no espaço pós-soviético, a primeira sempre se mostrou um ator atento aos desdobramentos do cenário aqui discutido e proativo no que diz respeito à liderança do processo negocial. Contudo, ao passo em que os russos tipicamente demonstram favorecer um alinhamento à Armênia, o Azerbaijão tem sido recorrentemente apoiado pela Turquia, cuja expansiva presença no cenário securitário da Transcaucásia vem se afirmando em tempos recentes. É este, pois, o panorama geral de um dos mais sangrentos conflitos do Cáucaso,

Imagem: Garoto brinca em cidade destruída pela guerra de Nagorno-Karabakh, Brendan Hoffman/Getty Images

REFERÊNCIAS

BERG, E.; MÖLDER, M. Who is entitled to ‘earn sovereignty? Legitimacy and regime support in Abkhazia and Nagorno-Karabakh. Nations and Nationalism. Estonia, v. 18, n. 3, p. 527-545, 2012

DE WAAL, Thomas. Black Garden: Armenia and Azerbaijan through Peace and War. Nova Iorque: New York University Press, 2003.

GEUKJIAN, Ohannes. Ethnicity, nationalism and conflict in the South Caucasus: Nagorno-Karabakh and the legacy of Soviet nationalities policy. England: Ashgate Publishing, 2012.

HILL, R. J. The Soviet Union: From “federation” to “Commonwealth”. Regional Politics and Policy. Londres, v.3, n.1, p.96-122, 1993.

MYCHAJLYSZYN, Natalie. The OSCE and Regional Conflicts in the Former Soviet Union”, Regional & Federal Studies: vol.11, ed.3, p.194-219, 2001.

POKALOVA, Elena. Conflict Resolution in Frozen Conflicts: Timing in Nagorno-Karabakh.  Journal of Balkan and Near Eastern Studies: vol.17, ed.1, p.68-85, 2015.

SIMÃO, Licínia. Engaging Civil Society in the Nagorno-Karabakh Conflict: What Role for the EU and its Neighbourhood Policy?. Brighton: MICROCON, 2010.

As divisões linguísticas no conflito em Camarões: o movimento separatista da República da Ambazônia

Getúlio Alves de Almeida Neto

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista CAPES. Email: getulio.neto@unesp.br

 

Em outubro de 2016, deflagrou-se o conflito conhecido como “Crise Anglófona” entre o governo central de Camarões e o movimento separatista da República da Ambazônia, nas regiões Sudoeste e Noroeste do país. Segundo os separatistas, a minoria anglófona camaronesa sofre com políticas discriminatórias que favorecem política, cultural e economicamente a população falante da língua francesa. As diferenças linguísticas e políticas que levaram à eclosão das hostilidades têm suas raízes no passado colonial e no processo histórico de formação do Estado camaronês pós-independência.  

Camarões foi disputa do imperialismo colonizador europeu na África no século XIX e XX, período em que seu território passou pelo domínio de alemães, ingleses e franceses. Os alemães chegaram pela primeira vez ao país em 1868 e declararam-no colônia do Império Alemão em 1884, permanecendo assim até o fim da Primeira Guerra Mundial. Em 1922, o país foi dividido em dois mandatos: Camarões Franceses e Camarões Britânicos – este, por sua vez, subdividido em Camarões do Norte e Camarões do Sul – que representavam, respectivamente, 80% e 20% do território camaronês (DELANCEY, M.D; MBUH; DELANCEY, M.W, 2010). 

Em 1960, o Camarões Franceses se tornou independente e formou a República de Camarões, sob a presidência de Ahmadou Ahidjo. No ano seguinte, o Camarões Britânicos se dividiu por meio de um plebiscito realizado em 11 de fevereiro, cujo resultado foi a incorporação do Camarões do Norte, de maioria muçulmana, à Nigéria, ao passo que o Camarões do Sul se tornou uma federação da República de Camarões. Em 1 de outubro do mesmo ano, foi estabelecida uma nova constituição que resultou na unificação da República Federativa de Camarões. Em 1965, Ahidjo foi reeleito presidente e, no ano seguinte, foi criado o partido União Nacional de Camarões (UNC), se tornando o único partido do país, após a dissolução dos três principais partidos camaroneses à época [1]. Em 20 de maio de 1972, realizou-se um referendo em favor da formação República Unida de Camarões. Após a vitória, o país aboliu o sistema federativo e se tornou um Estado unitário em 21 de junho de 1972 (DELANCEY, M.D; MBUH; DELANCEY, M.W, 2010). 

Ahidjo abdicou do cargo em 1982, supostamente por motivos de saúde. Seu sucessor, Paul Biya, assumiu como presidente em 6 de novembro de 1983. Após sete reeleições seguidas, Biya está há 38 anos no cargo [2]. Tanto Ahidjo quanto Biya são camaroneses francófonos e, nesse sentido, a história camaronesa pós-independência é constituída de apenas dois presidentes que contribuíram para a centralização do poder político nas mãos da população falante de francês. À vista disso, a região anglófona, antigo Camarões do Sul, tornou-se palco do nascimento de um movimento que reivindicava maior autonomia frente ao governo de Yaoundé, capital camaronesa. O movimento passou a ganhar mais força política a partir de 1990, quando houve a volta do sistema multipartidário no país. Ao longo dessa década, começaram a surgir focos de tensão. Em 30 de dezembro de 1999, o Conselho Nacional do Camarões do Sul (CNCS) [3] proclamou a independência de Camarões do Sul (DELANCEY, M.D; MBUH; DELANCEY, M.W, 2010), sem, no entanto, qualquer reconhecimento internacional. Em 2001, uma coalizão de movimentos separatistas foi formada em Washington, Estados Unidos, sob o nome de Administração Provisória do Camarões do Sul Britânico, reivindicando a autoridade sobre o território.  

 O conflito permaneceu latente até outubro de 2016, quando se iniciou a chamada “Crise Anglófona”O estopim para a crise foi a indicação de juízes francófonos para as regiões anglófonas feita pelo governo camaronês, gesto visto por juristas como uma ameaça ao sistema de common law [4] da região. Professores também se opuseram à contratação de colegas que falavam apenas o francês. O Consórcio da Sociedade Civil Anglófona Camaronesa (CACSC, na sigla em inglês), uma organização entre advogados e professores da região, iniciou uma greve e uma série de protestos alegando a histórica marginalização dos falantes de inglês frente ao governo central. Este reagiu de forma repressiva aos protestos e ao menos 100 pessoas foram presas na cidade de BamendaApós negociações entre a CACSC e o governo falharem, líderes do movimento iniciaram novas greves gerais e a estratégia de “Cidades Fantasma”, realizadas todas as segundas-feiras desde então, segundo a qual a população da região da Ambazônia deveria boicotar escolas e comércio. Em resposta a esse movimento, o governo camaronês interrompeu o acesso à Internet por 94 dias, entre 17 de janeiro e 20 abril de 2017. 

As hostilidades agravaram-se com a declaração de guerra feita por Benedict Kuah, líder do grupo Forças de Defesa da Ambazônia (ADF, na sigla em inglês), com o objetivo de assegurar o comando da região, considerando o governo central camaronês como ilegítimo e perpetrador de abusos de direitos humanos. Uma nova declaração de independência da Ambazônia foi feita em 01 de outubro de 2017 pela Frente Unida do Consórcio Ambazônia dos Camarões do Sul (SCACUF, na sigla em inglês), data simbólica em referência à independência do Camarões do Sul, em 1961. O SCACUF se estabeleceu como uma organização guarda-chuva, reunindo vários movimentos separatistas.  

No entanto, vale ressaltar que o movimento político da Ambazônia é difuso e, muitas vezes, marcado pelos posicionamentos opostos entre diferentes grupos, a destacar: separatistas, federalistas e apoiadores de uma maior descentralização política. Segundo o International Crisis Group existiam, em 2019, sete grupos armados no contexto da crise desde o seu estopim em 2017. No entanto, o relatório ressalta que o apoio a estes grupos tem diminuído ao longo do tempo devido aos abusos da força empregada por seus membros e da violência gerada pela escalada do conflito com as forças armadas. Conforme o relatório do Centro para Direitos Humanos e Democracia na África (CHRDA, na sigla em inglês), publicado em junho de 2019, os grupos armados realizaram ataques em 216 vilas, com queimadas e violações de direitos humanos. Além disso, o mesmo relatório alerta para o fato de que a violência de gênero é uma das principais questões nos desdobramentos do conflito. Ao menos 75% das mulheres entrevistadas afirmam ter sofrido violência física e sexual por forças do Estado. O governo, no entanto, nega quaisquer acusações  

Em geral, o movimento separatista da Ambazônia é dividido em dois grupos políticos principais: o Governo Interino da República Federal da Ambazônia (IG, na sigla em inglês), criado por Julius Ayuk Tabe, e o Conselho de Governo da Ambazônia (AGC, na sigla em inglês), comandado por Ayaba Cho Lucas, residente na Noruega.  Cada um destes reivindica ser o governo legítimo da região, sendo que o IG é o grupo com maior apoio entre os separatistas. Além disso, a discordância entre os dois grupos se dá pela forma de organização, estratégias e objetivos. Em linhas gerais, a maior parte dos membros da AGC têm um posicionamento mais linha dura do que os da IG, e vislumbram o separatismo como única possibilidade de resolução do conflito [5]. Por sua vez, o IG é, de forma geral, contrário às ações de ataques em áreas francófonas, como feito pela AGC. Como resultado da discordância, em 2018 houveram disputas entre os dois grupos políticos que resultaram na morte de 12 pessoas em 2018 (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2019).  

A participação de outros atores, seja dentro do próprio país, ou externa, também vem exercendo papel em tentativas de resolução do conflito. Destacam-se entidades religiosas como a Conferência Nacional Episcopal de Camarões, representante da Igreja Católica, e o Vaticano, que buscaram estabelecer um canal de diálogo entre as partes, no entanto frustradoA oposição francófona ao governo de Biya critica-o na forma como este lida com a crise, mas também se mostrou incapaz de promover uma solução. Outros países buscam incentivar o diálogo entre as partes, mas divergem quanto à forma e a profundidade com as quais estão relacionados com o conflito. Os Estados Unidos advogam pela consideração do governo central sobre a autonomia da região anglófona e pressionam Biya com acusações de violações de direitos humanos, ameaçando diminuir a ajuda militar estadunidense às forças camaronesas. Já os governos do Canadá, Alemanha e Reino Unido condenam ambas as partes do conflito pela escalada da violência, mas tendem a ser mais críticos em relação ao governo central.  Em especial, a França tem atuado de forma mais diplomática a partir da relação entre o presidente francês Emmanuel Macron e Paul BiyaNesse sentido, Macron busca posicionar a França como um ponto de equilíbrio, menos incisivo que as pressões da União Europeia e dos Estados Unidos, e o único líder capaz de conseguir um diálogo entre Biya e os movimentos anglófonos (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2019). 

 No contexto africano, a Nigéria, país vizinho de Camarões que recebeu até 2019 35 mil refugiados camaronesestambém é um ator com grande capacidade de influenciar no diálogo entre as partes e no fim do conflito. Os nigerianos, principalmente do leste do país, tendem a ser simpáticos às reivindicações dos camaroneses anglófonos. No entanto, um posicionamento muito assertivo da Nigéria em favor dos separatistas da Ambazônia é improvável. O presidente nigeriano, Muhamadu Buhari, é aliado de Biya na luta contra o grupo extremista Boko Haram, que atua em ambos os países. Além disso, a Nigéria também lida com um movimento secessionista em seu território, na região de Biafra. Em 2018, o governo nigeriano prendeu separatistas em sua capital, Abuja, e os enviou de volta para as forças de segurança camaronesas (INTERNATIONAL GRISIS GROUP, 2019).   

Entre os presos estava Julius Tabe, líder do IG. Tabe foi substituído por Samuel Ikome Sako, que não conta com o mesmo apoio do grupo que seu antecessor. Durante seu período como líder, Sako conseguiu formar uma frente única dos movimentos da Ambazônia, chamado de Conselho de Liberação do Camarões do Sul (SCLC, na sigla em inglês), que reunia sete movimentos. O SCLC foi formado em uma reunião em Washington, em abril de 2019, mas não contou com a participação de AGC, já que seu líder, Cho Lucas,  recusou o convite. Em maio de 2019, Tabe, ainda na prisão, divulgou uma carta na qual dissolvia o gabinete de Sako e buscava novamente se estabelecer como presidente legítimo da AmbazôniaSako se recusou a entregar o cargo e, em meio à crise interna no IGC, Cho Lucas declarou apoio a Tabe, em um movimento inédito de aproximação entre os dois principais líderes dos movimentos separatistas. 

Em 20 de agosto de 2019, Tabe e outros participantes do movimento foram condenados à prisão perpétua e ao pagamento de uma multa milionária pelo tribunal militar do país. No entanto, a defesa de Tabe não reconheceu a sentença e criticou a ação do tribunal que, por meio da decisão, impedia o desenvolvimento de um diálogo entre as partes, justamente em um momento em que conversas eram mediadas pela Suíça.   

Ao longo de 2020, as hostilidades continuaram a acontecer, como visto no episódio do Massacre de Ngarbuh, no qual 22 pessoas foram assassinadas, das quais mais da metade eram crianças. Supostamente, os assassinatos foram executados por seis soldados das forças armadas camaronesas. Paralelamente, segundo um artigo publicado no jornal The African Report , o governo de Yaoundé havia enviado uma delegação, em 02 de julho, para negociar com Tabe um acordo de cessar-fogo na região da AmbazôniaNa reunião, Tabe teria estabelecido quatro condições para um acordo: 1) o acordo teria de ser anunciado publicamente pelo presidente Paul Biya; 2) a retirada das forças militares das regiões sudoeste e noroeste; 3) anistia geral para todos os prisioneiros da Ambazônia, que deveriam ser soltos de imediato; 4) as negociações deveriam ser feitas fora de Camarões.  

Os diálogos entre o governo e Tabe foram o primeiro passo nesse sentido para a solução da crise camaronesa desde 2017Não obstante, a tensão no território da Ambazôniaainda controlado pelos separatistas, persiste. De acordo com o relatório do International Group Crisis de maio de 2019, ao menos 1,850 pessoas, entre soldados, separatistas e civis, perderam suas vidas, 530 mil se deslocaram internamente e outras dezenas de milhares fugiram para países vizinhos. De forma análoga às origens do conflito, baseado sobretudo em questões linguísticas, a incapacidade de diálogo entre os atores torna improvável que qualquer acordo seja alcançado. O governo de Paul Biya tem se mostrado irredutível ao negociar com os separatistas. grande diversidade de grupos políticos armados, refletidos na clivagem entre o IG e AGC, torna ainda mais complexa a definição de um possível acordo e comprometimento com as medidas que forem estabelecidas. Nesse sentido, a atual situação de Camarões se apresenta como mais um exemplo de reflexo do período colonial e da falta de uma história política de fato democrática.  

NOTAS 

[1] os três partidos dissolvidos eram do oeste camaronês: Partido Nacional Democrático de Camarões (KDNP); Convenção Nacional dos Povos Camaroneses (CPNC) e Congresso Unido de Camarões (CUC). Ver em DeLancey, M.D; Mbuh e DeLancey, M.W, 2010. 

[2] Paul Biya é o segundo chefe de Estado na África há mais tempo no poder, apenas atrás do líder da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, segundo reportagem da Deutsche Welle 

[3] o CNCS é uma organização política não-armada, formada em 1995, que reivindica a independência do Camarões do Sul. Em 2001, foi considerada uma organização ilegal pelo presidente Paul Biya. 

[4] o common law é um tipo sistema de jurídico praticado no Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e comum em outros países que foram colônia do Império Britânico. Diferentemente do direito romano-germânico, como é o caso do Brasil, no qual as decisões são guiadas por uma legislação específica, o common law desenvolve-se com base em decisões anteriores dos tribunais que estabelecem uma jurisprudência e, portanto, um costume que deve balizar a conduta da decisão do juíz. 

[5] Contudo, alguns membros da AGC são favoráveis a um possível processo de federalização ou uma confederação entre as regiões anglófonas e francófonas (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2019) 

 

REFERÊNCIAS 

BAMENDA protests: Mass arrests in Cameroon. BBC NEWS. 23 nov. 2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-africa-38078238.> Acesso em: 29 jul. 2020. 

 

BREAKING NEWS: ADC Lands Ground Troops in Southern Cameroons, Declares War on LRC. Daily News Cameroon. 10 set. 2017. Disponível em: https://www.dailynewscameroon.com/breaking-news-adc-lands-ground-troops-in-southern-cameroons-declares-war-on-lrc/Acesso em: 29 jul. 2020. 

 

CAMARÕES: prisões e vetos à sociedade civil correm o risco de aumentar a tensão nas regiões falantes de inglês. Anistia Internacional. 25 jan. 2017. Disponível em: <https://anistia.org.br/noticias/camaroes-prisoes-e-vetos-sociedade-civil-correm-o-risco-de-aumentar-tensao-nas-regioes-falantes-de-ingles/> Acesso em: 29 jul. 2020 

 

CAMARÕES: Separatistas anglófonos condenados à prisão perpétua. Deutsche Welle. 21 ago. 2018. Disponível:< https://www.dw.com/pt-002/camar%C3%B5es-separatistas-angl%C3%B3fonos-condenados-a-pris%C3%A3o-perp%C3%A9tua/a-50111431>. Acesso em: 29 jul. 2020.  

 

CAMEROON: Government is secretly negotiating with the AmbazoniansThe Africa Report. 06 jul. 2020. Disponível: <https://www.theafricareport.com/32444/cameroon-government-is-secretly-negotiating-with-the-ambazonians/>. Acesso em: 29 jul. 2020 

 

CAMEROONSepratist hardliners react after impeachment of detained Ambazonia leader. Journal du Cameroun. 12 jun. 2019. Disponível em: <https://www.journalducameroun.com/en/cameroon-sepratist-hardliners-react-after-impechment-of-detained-ambazonia-leader/>. Acesso em 29 jul. 2020.  

 

 

CAMEROON’S Anglophone Crisis: How to Get to Talks? Africa Report N°272. 02 May 2019. International Crisis GroupDisponível em: <https://www.crisisgroup.org/africa/central-africa/cameroon/272-crise-anglophone-au-cameroun-comment-arriver-aux-pourparlers>. Acesso em: 29 jul. 2020. 

 

CAMEROON profile – TimelineBBC NEWS. 22 out. 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-africa-13148483>. Acesso em: 29 jul. 2020.  

 

CENTER FOR HUMAN RIGHTS AND DEMOCRACY IN AFRICA. Cameroon’s Unfolding Catastroph: Evidence of Human Rights Violations and Crimes against Humanity. 3 jun. 2019. Disponível em: <https://www.chrda.org/cameroons-unfolding-catastrophe-evidence-of-human-rights-violations-in-cameroon-download-summary-pdf-2/>.  Acesso em: 29 jul. 2020.  

 

CHILDREN among 22 killed in attack on Cameroon village. BBC NEWS. 17 fev. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-africa-51526358>. Acesso em: 29 jul. 2020 

 

DELANCEY, Mark Dike; MBUH, Rebecca Neh; DELANCEY, Mark W.. Historical Dictionary of the Republic of Cameroon. 4. ed. Lanham, Maryland: The Scarecrow Press, Inc., 2010. (Historical Dictionaries of Africa). Disponível em: <http://shcas.shnu.edu.cn/_upload/article/files/0e/08/4b0564f84fd9b9a65bde70ec5e4a/67ccaabe-3afc-4fb2-9df9-b7b27b0ebc0a.pdf>. Acesso em: 29 set. 2019. 

 

FEDERALISTS Meet Restorationists, Which Group Will Perform The Osmosis? Cameroon News Agency. 29 mar. 2019. Disponível em: <https://cameroonnewsagency.com/federalists-meet-restorationists-which-group-will-perform-the-osmosis/>. Acesso em: 29 jul. 2020. 

 

KINDZEKA, M. ED. Switzerland Says It Is Mediating Talks as Cameroon’s Separatist Crisis Deepens. Switzerland Says It Is Mediating Talks as Cameroon’s Separatist Crisis Deepens.  VOA NEWS. 20 jul. 2019. Disponível em: <https://www.voanews.com/africa/switzerland-says-it-mediating-talks-cameroons-separatist-crisis-deepens>. Acesso em: 29 jul. 2020.  

 

PAUL Biya: O Presidente dos sete mandatos consecutivos nos Camarões. Deutsche Welle. 24 out. 2018. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-002/paul-biya-o-presidente-dos-sete-mandatos-consecutivos-nos-camar%C3%B5es/a-46010581.> Acesso em: 29 jul. 2020. 

 

SUSPECTED Ambazonia Fighters Kill Truck Driver In Mile 29, Relatives Denounce Gendarme Extortion. Cameron News AgencyDisponível em: <https://cameroonnewsagency.com/suspected-ambazonia-fighters-kill-truck-driver-in-mile-29-relatives-denounce-gendarme-extortion/>. Acesso em: 29 jul. 2020. 

 

UNITED STATES BUREAU OF CITIZENSHIP AND IMMIGRATION SERVICESCameroon: Information on Ambazonia, Cameroon Democratic Party, Social Democratic Front (SDF), and Anti-Gang [Brigade], 20 December 2002, disponível em: <https://www.refworld.org/docid/3f51e5a92.html>. Acessso em 29 jul. 2020 

 

VICTORY in Cameroon: after 94 days, the internet is back on. Access Now. 20 abr. 2017. Disponível em: https://www.accessnow.org/victory-cameroon-94-days-internet-back/. Acesso em: 29 jul. 2020.  

 

Os Conflitos no Sudão do Sul e as tentativas de alcançar a paz

Ligia Maria Caldeira Leite de Campos 

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista CAPES  Emailligia.campos4@hotmail.com 

O Sudão do Sul se originou em 2011, como resultado de um Amplo Acordo de Paz (Comprehensive Peace Agreement, CPA), assinado com o intuito de encerrar anos de conflito. Nele, estava previsto um referendo que possibilitou a independência da região Sul do Sudão, o que levou à criação de um novo país com a cidade de Juba como sua capital (GUIMARÃES, 2013; VARMA, 2011). 

Nesse contexto, o partido Movimento de Libertação do Povo do Sudão (SPLM, em inglês), que havia liderado a oposição ao Sudão na luta pela independência, assumiu o governo. Salva Kiir passou a ocupar a presidência e Riek Machar a vice-presidência. Desde o seu surgimento, o país conta com a presença da Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (UNMISS), que na época objetivava consolidar a segurança e a paz, além de auxiliar em seu desenvolvimento e preparar o governo que assumia o seu posto (JOHNSON, 2014; UNITED NATIONS, 2011). 

No entanto, em 2013, uma nova disputa eclodiu, agora entre Kiir e Machar. Dentre as possíveis motivações, destacam-se atitudes arbitrárias do Presidente, como a retirada de Machar de seu cargo e o isolamento dos antigos participantes do movimento de libertação. O quadro que se apresentava no país era complexo, composto por baixo desenvolvimento, corrupção e falta de segurança. É relevante salientar que, desde o princípio, o Sudão do Sul já tinha que lidar com falta de infraestrutura, extrema pobreza, baixa qualidade de vida, disputas por petróleo e dificuldades na configuração do governo. A soma de todos esses fatores pode ter sido a razão para que Machar reunisse o Movimento de Libertação do Povo do Sudão em Oposição (SPLM-IO), contrário ao Presidente e seu governo (ROACH, 2016; JOHNSON, 2014; RADON; LOGAN, 2014; OLIVEIRA, 2011).  

Entretanto, o real estopim do conflito de dezembro de 2013 ainda é discutido. O Presidente alegou a ocorrência de uma tentativa falha de golpe de Estado, a qual não foi comprovada. Em resposta, ele enviou tropas para diversos bairros, tendo como alvo políticos opositores e a população da etnia Nuer, sendo que Machar é Nuer e Kiir é da etnia Dinka [1]. Por conseguinte, Machar instou que o Exército derrubasse Kiir e grupos de civis Nuers armados se juntaram a ele (JOHNSON, 2014). 

Em 2014, começaram a ser relatadas violações de direitos humanos perpetradas por ambas as partes. Em setembro de 2015, foi ratificado um acordo de paz, que resultaria em um período de transição até as eleições de 2018. O documento se propunha a consertar as falhas do Estado e do CPA (particularmente no que se refere à inclusão política e à falta de transparência na gestão do petróleo), assim como renovar a confiança da população em seus líderes e no sistema político. Todavia, os relatos de violações do acordo foram recorrentes. Ambos os lados mantiveram a disputa pela liderança, gerando dúvidas a respeito do seu comprometimento com a paz (OCI, 2015; ROACH, 2016). 

Em fevereiro de 2016, Kiir, sob pressão, chamou Machar novamente para o posto de vice-presidente, o que não implicou que as partes fossem reintegradas. Em julho, houve um surto de violência de quatro dias em Juba, causando aproximadamente 300 mortes. A partir desse momento, ocorreram intensos embates entre tropas fiéis aos dois lados e o governo passou a agir de maneira ainda mais hostil contra seus opositores, levando Machar a se exilar na República Democrática do Congo (RDC). Grupos armados anteriormente existentes e outros que foram surgindo junto a essas hostilidades também participaram ativamente do conflito [2]. Desse modo, a União Africana (UA) autorizou o envio de tropas regionais para se juntarem à missão de paz da ONU e essas novas tropas teriam um mandato mais robusto para impor a paz (ROACH, 2016; OCI, 2016a; OCI, 2016b). 

Novamente, foram realizadas inúmeras denúncias de violações de direitos humanos, particularmente violência sexual, detenção forçada, tortura, assassinatos e destruição de propriedades, configurando um quadro que se aproximava a um genocídio (OCI, 2016c; OCI, 2016d; OCI, 2017) 

No espaço de tempo entre o acordo de 2015 e 2018, foram várias as tentativas falhas de fazer as partes retomarem a negociação. Finalmente, em setembro de 2018, foi assinado o Acordo Revitalizado sobre a Resolução do Conflito na República do Sudão do Sul (R-ARCSS, em inglês), prevendo um sistema de power sharing (compartilhamento de poder) [3] e a instituição de um Governo de Transição Revitalizado de Unidade Nacional, além de tratar de questões como segurança, economia, justiça e reconciliação, assistência humanitária, reconstrução e desmilitarização de determinados locais. Está também previsto que as eleições devam ser realizadas em um período de transição de três anos. Entretanto, diversos grupos armados não o assinaram e outros assinaram-no com ressalvas. Mais ainda, houve dificuldades em estabelecer o governo de transição, problema que só foi solucionado em fevereiro de 2020 (AFRIYIE; JISONG; APPIAH, 2020; CAMPOS, 2019; ONAPA, 2019; UNMISS, 2020). 

Ademais, ainda há um outro contratempo: desde a assinatura do R-ARCSS, a violência intercomunitária está em ascensão mais uma vez. Em maio de 2020, uma nova onda de conflitos intercomunitários assolou o país e autoridades locais demonstraram preocupação com essa nova empreitada. Esses confrontos não-estatais envolvem grupos bem organizados que estão vinculados a determinada identidade, seja ela religiosa, étnica, linguística ou cultural. Eles podem atuar de forma paralela ou se relacionar ao conflito central, em que tomam partido de um dos lados. Os embates que realizam variam em grau, podendo causar a morte de dezenas, centenas ou até milhares de pessoas, sendo capazes de ultrapassar o índice de mortes de uma guerra civil, visto que as milícias também atacam os civis. Costumeiramente, essas ações acontecem em áreas rurais e remotas, mas podem se dar em zonas urbanas. As motivações para que ocorram podem ser: a polarização em relação à guerra civil, baixa representação política, desconfiança em relação ao governo, proteção à comunidade, vinganças e tensões sobre recursos locais (particularmente gado e terra). Além disso, muitos grupos podem ser instrumentalizados e cooptados pelas partes em guerra ou mesmo recebem armas e financiamento da elite política, que busca por meio deles os seus próprios interesses. Dessa maneira, eles estão cada vez mais militarizados, havendo uma ampla disponibilidade de armas leves. Perante esse quadro, é possível observar que um tipo de conflito interfere no outro e que, para atingir uma paz sustentável, a violência comunitária deve ser abordada nos processos de paz, interligando o âmbito local e nacional (KRAUSE, 2019; OCI 2020b; OCHA, 2019). 

Deve-se ressaltar que os países vizinhos acabam interferindo no conflito. Por um lado, Uganda possui um histórico de apoio a Kiir, porém, com o tempo, foi deixando de auxiliá-lo e passou a atuar mais em busca do acordo entre as partes em disputa. Por outro, o Sudão, quando governado por Omar al-Bashir, era entendido como apoiador de Machar. A respeito da razão para o envolvimento desses países nas hostilidades, muito se fala no interesse relacionado ao petróleo. Etiópia e Quênia, por sua vez, atuam nos processos de mediação, assim como a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) [4], a qual patrocina as tentativas de paz. O grupo armado ugandês Lord’s Resistance Army (LRA), realiza ataques na região, inclusive no Sudão do Sul. Portanto, é relevante considerar o escopo regional quando se interpreta o cenário sul sudanês. Ainda outros países dispensam atenção especial a esse contexto e ao processo de paz, como a China, os Estados Unidos (EUA), a Europa e a Troika (grupo composto por EUA, Noruega e Reino Unido que visa estabelecer a paz no Sudão do Sul) [5]. Há também uma importante participação da UNMISS, cujas funções são auxiliar o processo de paz e a implementação do R-ARCSS, proteger civis, investigar violações de direitos humanos e apoiar a entrega de ajuda humanitária (CAMPOS, 2017; AFRIYIE; JISONG; APPIAH, 2020; UNMISS, 2020). 

Segundo dados do Escritório das Nações Unidas de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, 2019), a situação humanitária do país é muito delicada, uma vez que 7,5 milhões de pessoas necessitam de assistência em um país de quase de 12 milhões de habitantes. No total, contabilizam-se 2,3 milhões de refugiados sul sudaneses ao longo de país como Sudão, Uganda, Etiópia, Quênia, RDC e República Centro-Africana, e 1,5 milhão de deslocados internos. Estima-se que, entre 2013 e 2018, 400 mil pessoas morreram devido ao conflito, sendo metade das mortes causadas por violência. É importante frisar que há uma significativa discrepância entre os dados obtidos sobre essas mortes, devido ao difícil acesso a informações. Ademais, nesta contabilização, não é possível distinguir entre os mortos em razão da guerra civil e as vítimas dos conflitos entre comunidades (KRAUSE, 2019). 

Atualmente, após a assinatura do acordo R-ARCSS, houve alguns avanços, como o cessar-fogo em grande parte do território, alguns retornos voluntários de refugiados, progressos na relação entre Kiir e Machar e o estabelecimento de um governo de transição. Contudo, ainda há alguns entraves, tais quais: incidentes violentos, ligados diretamente ou não ao conflito em termos amplos; violações ao acordo; impunidade; diversos casos de violência sexual; violações da liberdade de imprensa; ataques a trabalhadores humanitários; alegações de uso indevido das verbas; postergações dos prazos; e, especialmente, um receio perante o histórico de tentativas falhas de alcançar a paz. Ademais, existem minas remanescentes e um quadro de criminalidade, o que torna a situação mais desafiadora aos civis que, de maneira geral, não se sentem seguros. Observando o contexto como um todo, o conflito foi reduzido, porém a adesão ao acordo de paz é insuficiente. O próprio Conselho de Segurança da ONU compreende que a violência diminuiu desde a assinatura do acordo, mas permanece preocupado com questões políticas e de segurança (OCI, 2019a; OCI, 2019b; CAMPOS, 2019; OCHA, 2019; OCI, 2019c; OCI, 2019d; OCI, 2020c). 

Em 2020, perante a pandemia de COVID-19, autoridades afirmam que as restrições por ela geradas são empecilhos para lidar com a segurança (OCI, 2020b). O Enviado Especial da ONU para a região dos Grandes Lagos, onde está localizado o Sudão do Sul, estima que as medidas preventivas juntas à realocação de recursos para gerenciar a crise sanitária irão, a longo prazo, debilitar as economias já frágeis, impactando os processos de paz e o desenvolvimento nessa área (OCI, 2020a). 

À guisa de uma conclusão, diante dessa multiplicidade de atores e esse cenário complexo, são entendidos como os principais desafios para o país alcançar a paz: a frustração com a política e a governança, reduzida participação da população, baixa qualidade de vida, corrupção, ambição pessoal de seus líderes, rivalidades étnicas, dependência econômica em relação ao petróleo, disputa por recursos (petróleo, gado, terras), problemas de segurança e fragilidade das instituições. Para que se consiga finalmente conquistar uma paz sustentável, é necessário abordar todas essas raízes que geram não só o conflito mais amplo, mas todos os conflitos presentes no país. 

 

NOTAS 

[1] Essas são as duas maiores etnias do país (GUIMARÃES, 2013). 

[2] Mais informações sobre esses outros grupos estão disponíveis em International Crisis Group, 2016. 

[3] Power Sharing se refere à participação de todos os representantes dos grupos relevantes para a tomada de decisão política. Esse “compartilhamento de poder” é empregado especialmente em governos democráticos em sociedades divididas (LIJPHART, 2004). 

[4] A IGAD é uma organização regional constituída por oito Estados do leste africano e tem como objetivo trazer e preservar a paz, segurança e estabilidade na região, atuando por meio da gestão, prevenção e solução de conflitos dentro e entre os países (MAWADZA; CARCIOTTO, 2017). 

[5] Dados adicionais sobre a participação externa no conflito podem ser encontradas em CAMPOS, 2017. 

 

REFERÊNCIAS 

AFRIYIE, Frederick Appiah; JISONG, Jian; APPIAH, Kenneth YawComprehensive analysis of South Sudan Conflictdeterminants and repercussionsJournal Of Liberty And International Affairs, Bitola, v. 6, n. 1, p. 33-47, maio 2020. 

CAMPOS, Ligia Maria Caldeira Leite de. O Atual Conflito no Sudão do Sul. Série Conflitos Internacionais, Marília, v. 4, n. 2, p. 1-9, abr. 2017. 

CAMPOS, Ligia Maria Caldeira Leite de. O Conflito no Sudão do Sul e o Papel da Missão de Paz da ONU no País. 2019. Texto publicado no site da Rede Brasileira de Pesquisa sobre Operações de Paz. Disponível em: https://rebrapazblog.files.wordpress.com/2019/10/campos-conflito-no-sudc3a3o-do-sul-e-unmiss.pdf. Acesso em: 22 jul. 2020. 

GUIMARÃES, Samara Dantas Palmeira. O Papel do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) na Construção do Governo da República do Sudão do Sul: A Atuação do PNUD do Período Pré-Secessão ao Pós-Eleição (2009-2012). 2013. 125 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Relações Internacionais, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. 

INTERNATIONAL CRISIS GROUP. South Sudan’s South: Conflict in the EquatoriasAfrica Report, Bruxelas, v. 236, n. 1, p.1-42, 25 maio 2016. 

JOHNSON, Douglas H.. The Political Crisis in South SudanAfrican Studies Review, Cambridge, v. 57, n. 3, p.167-174, dez. 2014. 

KRAUSE, Jana. Stabilization and Local Conflictscommunal and civil war in South SudanEthnopolitics, Amsterdã, v. 18, n. 5, p. 478-493, jul. 2019. 

MAWADZA, Aquilina; CARCIOTTO, Sergio. South Sudan: A young country divided by civil warScalabrini Institute For Human Mobility In AfricaSihma, Cidade do Cabo, v. 56, n. 7, p.1-17, fev. 2017. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo mensal nº 23Setembro de 2015. Marília: UNESP, p.1-6, set. 2015. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 137. Marília: UNESP, p. 1-10, jul. 2016a. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 138. Marília: UNESP, p.1-11, jul. 2016b. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 145. Marília: UNESP, p.1-10, set. 2016c. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 157. Marília: UNESP, p.1-11, dez. 2016d. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 164. Marília: UNESP, p.1-12, fev. 2017. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 274. Marília: UNESP, p.1-14, jun. 2019a. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 279. Marília: UNESP, p.1-16, ago. 2019b. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 283. Marília: UNESP, p.1-15, set. 2019c. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 291. Marília: UNESP, p.1-17, nov. 2019d. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 301. Marília: UNESP, p.1-14, abr. 2020a. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 306. Marília: UNESP, p.1-17, maio 2020b. 

OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS/OCI. Informativo nº 307. Marília: UNESP, p.1-18, maio 2020c. 

OCHA. Humanitarian Needs Overview: South Sudan 2020. 2019. Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/South%20Sudan%20-%20Humanitarian%20needs%20overview%202020.pdf. Acesso em: 24 jul. 2020. 

OLIVEIRA, Lucas Kerr de; SILVA, Igor Castellano. Sudão do Sul: novo país, enormes desafios. Meridiano 47, Brasília, v. 12, n. 128, p.25-35, nov. 2011. 

ONAPA, Sam Angulo. South Sudan power-sharing agreement R-ARCSS: the same thing expecting different resultsAfrican Security Review, Londres, v. 28, n. 2, p. 75-94, out. 2019. 

RADON, Jenik; LOGAN, Sarah. South SudanGovernanceArrangements, War and Peace. Journal Of International Affairs, Hanover, v. 68, n. 1, p.149-167, nov. 2014. 

ROACH, Steven C.. South Sudan: a volatile dynamic of accountability and peaceInternational AffairsMalden, v. 92, n. 6, p.1343-1359, nov. 2016. 

UNITED NATIONS. Resolution 1996 (2011). 2011. Disponível em: <www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/unmis/documents/sres1996_2011.pdf>. Acesso em: 08 maio 2017. 

UNMISS. Mandate. Disponível em: https://unmiss.unmissions.org/mandate. Acesso em: 24 jul. 2020.

VARMA, Anjana. The Creation of South Sudan: Prospects and ChallengesObserver Research Foundation, Nova Deli, v. 27, n. 1, p.1-25, nov. 2011. 

Israel-Palestina: permanecem as velhas perguntas sem novas respostas

Maitê Pereira Lamesa, mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). E-mail: maitelamesa@gmail.com 

O Conflito Israel-Palestina foi deflagrado a partir da aprovação pela Assembleia Geral da ONU, em 29 de novembro de 1947, do Plano de Partilha da Palestina em dois estados (Resolução 181), elaborado pela Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP). Logo após a declaração de independência do Estado de Israel pela Agência Judaica, teve início a guerra de 1948. 

Entretanto, suas raízes históricas e contextos geopolíticos, remontam ao fim do século XIX, a partir do atraso tecnológico do Império Otomano, o surgimento do Movimento Sionista [1], e os arranjos hegemônicos que se consolidam com o término da Primeira Guerra Mundial. Como reflexo, foram firmados uma série de compromissos contraditórios em relação às aspirações dos povos árabes e judeus (Declaração de Balfour e a Correspondência Hussayn-McMahon), bem como ajustes velados entre França e Inglaterra em relação aos territórios do Império Otomano (Acordo de Sykes-Picot), extinto a partir da assinatura do Tratado de Sèvres (1920). Tais ações seguiram o pano de fundo do contexto neocolonialista da época. 

No pós-Segunda Guerra, o ambiente político tornou-se favorável à questão judaica, em virtude do reconhecimento do holocausto e de resultados consistentes das negociações sionistas junto às grandes potências. Como consequência, houve a autorização formal para a divisão das terras palestinas – que até então estavam sob o julgo da Inglaterra (mandato britânico) desde 1917 – e a conseguinte instituição do estado judeu.  

Na guerra em 1948, as forças árabes compostas por milícias palestinas, o Exército de Liberação Árabe (Jaysh Al Inqadh) da Liga Árabe, e contingentes de exércitos do Egito, Síria, Iraque, Jordânia, Líbano e Arábia Saudita, concentraram esforços para responder à declaração de independência de Israel, e engajaram em conflito com as forças judaicas, integradas pelas forças militares da Hagana, às quais se somaram as forças paramilitares da Irgun (Etzel) e Stern Gang (Lehi), com auxílio decisivo da Palmach (PAPPE, 2007, p. 45). A disparidade das forças era evidente e acabou levando não apenas à vitória da guerra por Israel, com ampliação do território para além do plano original (chegando a 78% do território do mandato britânico), mas também à “Al-Nakba”, ou “A Catástrofe” palestina. Esse acontecimento  indica tanto o período de êxodo e expulsão da população palestina dos territórios onde foi estabelecido o Estado de Israel, quanto todos os eventos que afetaram os palestinos entre dezembro de 1947 a janeiro de 1949.  

Durante a Nakba, calcula-se que entre 750.000 e 800.000 palestinos deixaram suas terras e vilas ou foram delas expulsos, representando cerca de 50% de toda a população palestina (árabe) da época (FLÜCHTLINGSKINDER; ZOCHROT, 2013). Muitos daqueles que deixaram suas terras agiam em resposta a massacres planejados e levados a cabo pelas milícias israelenses. O ataque israelense mais expressivo desse período foi o massacre de Deir Yassin, executado em abril de 1948 pela Irgun e Lehi e, posteriormente, com auxílio da Palmach,  resultou na morte de 254 palestinos [2]. Em 1949, foi criada a “United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees” (UNRWA), agência da ONU cuja responsabilidade era atuar junto aos refugiados palestinos, que se espalharam para Gaza, Cisjordânia e países vizinhos, primordialmente Líbano, Síria, Jordânia. 

Na década subsequente, Israel envolveu-se nos embates contra o Egito, em torno de tensões na região do Sinai, que se desenrolam até culminar na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967. As consequências foram ainda mais desastrosas para a Palestina: perda expressiva de território, que passaram então a ter controle militar israelense, sendo elas: (a) Colinas do Golã (Síria); (b) Cisjordânia; (c) Jerusalém Oriental (Jordânia); (d) Gaza (Egito) e a Península do Sinai (Egito) [3]. 

Com exceção do Sinai, os demais territórios palestinos conquistados foram ocupados por Israel, com a imediata intensificação de construção de assentamentos – questão que representa atualmente um dos imbróglios centrais para a resolução do conflito –, maior controle da vida quotidiana dos palestinos, com a consequente precarização das condições dessa população, e crescimento da população refugiada. 

Nesse período, também se estruturou a resistência palestina, basicamente a partir da criação da OLP em 1964 pela Liga Árabe, cuja liderança de Yasser Arafat, a partir de 1968, é a mais emblemática, com melhor organização da luta armada palestina, bem como criação de estruturas de assistência em campos de refugiados, reforçando e até substituindo a atuação da UNRWA, que era insuficiente para prover as condições mínimas necessárias de sobrevivência. Ao prover serviços sociais à população refugiada, que era numerosa e sofria com sérias restrições de trabalho, vedações à aquisição de terras e outros direitos nos países de refúgio, essa aproximação atraía combatentes (os “fida´iyyun”) à sua esfera de gravitação (PAPPE, 2007, p 229).  

A elaboração de estratégias para a libertação palestina, sobretudo após a nomeação de Arafat para a liderança da OLP levou a dissidências internas, distanciando a organização da visão inicial pan-arabista e aproximando-a das ideologias de guerras de libertação popular, com inspiração socialista. Foram ainda formadas outras organizações: a Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) por George Habash e Naif Hawatmeh, e a Frente Democrática Popular de Libertação da Palestina (FDPLP), por iniciativa de Hawatmeh. 

Foi a partir desse período que a luta palestina adquiriu o caráter de resistência e necessidade de libertação popular, sendo que a atuação da OLP se estruturou inicialmente a partir da Jordânia, tendo sido transferida ao Líbano na década de 1970, após crise deflagrada com o líder jordaniano, rei Hussein, conhecida como “Setembro Negro”.  

Em 1977, uma série de fatores determinaram a eleição do líder israelense Menachem Begin, representante do Likud, partido que ele próprio fundara. Nesta época, evoluiu-se a construção de assentamentos, sendo que em 1987 existiam já 110 assentamentos na Cisjordânia, e 15 assentamentos em Gaza (HUBERMAN, 2014, p. 96), além das estradas para interconectá-los. A lógica de construção seguiu a ótica militarizada que refletia a experiência de Ariel Sharon na guerra do Yom Kippur (1973). Com Begin, a OLP passou a ser mais perseguida, tendo sido classificada como um elemento subversivo. O combate à organização levaria à primeira invasão no Líbano por Israel em 1982, a fim de conter os ataques lançados a partir da base da OLP junto a campos de refugiados palestinos na região sul do país. 

Com o advento da Primeira Intifada, em dezembro de 1987, concretizou-se a resposta da população dos Territórios Palestinos Ocupados (TPOs), frustrada ante a insuficiência das estratégias da OLP, as tentativas de acordos malfadadas e à falta de resposta da comunidade internacional, enquanto Israel ignorava diversas resoluções aprovadas pela ONU. Além disso, os efeitos da expansão do livre-mercado, seguindo a lógica neoliberal da época, acentuava a precarização da mão-de-obra palestina, cada vez mais dependente dos empregadores israelenses. 

A insurgência palestina teve início junto aos campos de refugiados de Gaza, ganhando adesão generalizada da população sob ocupação, bem como dos palestinos em Israel. A desigualdade de armas era patente e resultou em 1551 mortes do lado palestino, e 421 do lado israelense, dentre eles 271 civis (B´TSELEM, [2020]). Tal processo conduziu às tratativas dos Acordos de Oslo [4], na década seguinte, período de grande otimismo em torno da resolução do conflito. 

Os resultados obtidos dos acordos não conduziram à criação do Estado palestino, nem conseguiram pôr fim à ocupação israelense, sendo que a onda otimista rapidamente dissolveu-se no início do século XXI. A subdivisão territorial da Cisjordânia nas áreas A, B e C (KAPELIOUK, 2004, p. 369-370), por exemplo, foi uma das graves consequências de Oslo, permitindo o alargamento da presença israelense no território palestino para além dos assentamentos construído ao longo das décadas anteriores, fazendo da Cisjordânia um território fragmentado em pequenas ilhas desconexas.  

Com efeito, no alvorecer do novo milênio, a ocupação tornou-se sistemática, ganhando aspecto legítimo e os projetos de assentamento e de anexação de terras palestinas avançaram. O controle de Israel da “área C” deu vazão às demolições de casas, fosse por falta de permissão para construir, fosse para “fins militares”. Desde 2006 até 30 de junho de 2020, Israel demoliu 1.584 casas palestinas na Cisjordânia por falta de permissão para construir, deixando 6.880 pessoas desabrigadas (B´TSELEM, [2020]). Já entre 2004 até 2011, Israel demoliu 5.494 casas palestinas para “fins militares” incluindo Cisjordânia e Gaza. Em Gaza, durante a Operação Margem Protetora (2014), foram destruídas 18.000 casas palestinas, resultando em 100.000 palestinos desabrigados (B´TSELEM, [2020]).  

Além disso, após a Segunda Intifada, o governo israelense deu início à construção de muros que cercam Jerusalém Oriental e a Cisjordânia, sendo que a barreira isolou vilas, cidades, áreas rurais, e segregaram a população e suas economias locais, além de anexar mais terras palestinas. Os postos de comando (“checkpoints”) estabelecidos para controlar o fluxo de pessoas autorizadas a transitarem geraram ainda mais violações ao direito de locomoção e de acesso a serviços básicos como a saúde, e permanecem como uma grave violação de direitos fundamentais. 

Assim, medidas que trariam maior segurança à população israelense contra atentados palestinos produzem, na realidade, maior violência, incertezas e impedimentos a iniciativas para a construção da paz de forma consistente. A militarização crescente da sociedade israelense também não oferece a resposta adequada ao conflito, e perpetua o ciclo de revoltas, além de minar possibilidades de desenvolvimento da sociedade civil palestina. 

Desde 2005, Israel retirou suas tropas da Faixa de Gaza, que passou então a ser administrada pelo grupo Hamas em 2007. Em contrapartida, Israel impôs um bloqueio das fronteiras, com exceção da entrada de Rafah, administrada pelo Egito, controlando também o espaço aéreo e a saída para o mar. Dessa forma, a locomoção de pessoas, mercadorias, incluindo assistência humanitária, depende de prévia autorização israelense, a qual é extremamente limitada, sendo quase impossível a saída dos residentes. 

Desde a ascensão do Hamas ao poder em Gaza, a região passou a ser vista como um território inimigo, o que levou a diversas incursões militares, com a finalidade de desestruturar as redes dessa liderança ou em resposta a ataques de mísseis do grupo. Contudo, as incursões resultaram em altas perdas civis, inclusive de mulheres e de crianças. Desde a saída de Israel, foram feitas 3 incursões: (a) Operação Chumbo Fundido (2008); (b) Operação Pilar Defensivo (2012); e (c) Operação Margem Protetora (2014).  

Os desdobramentos do conflito têm, portanto, agravado um conflito já bastante longevo, tornando a paz uma “miragem” (FLINT, 2009). Os prejuízos de tantas hostilidades reverberam na sociedade israelense, e na sociedade palestina eles são sentidos de forma ainda mais severa, criando-se um sistema de precarização generalizada, dependência econômica acentuada, detenções injustificadas (inclusive de crianças e adolescentes), mortes, falta de acesso à infraestrutura adequada, restrições no acesso à água, ordens de demolição ou despejo, campos de refugiados, desemprego e restrições severas ao direito de locomoção (OCHA-OPt, [2020]). As mortes aproximadas desde o advento da Segunda Intifada até junho de 2020 eram de 10.564 palestinos e de 1.271 israelenses (B´TSELEM, [2020]).  

De modo geral, é possível concluir que o conflito Israel-Palestina tem características multidimensionais, diversas fases, e uma multiplicidade de atores envolvidos, tanto estatais quanto não-estatais. De qualquer forma, conforme dados da Uppsala Conflict Data Program  (UCDP), cerca de 80% das mortes registradas decorrem de ações de atores estatais.  

Mais recentemente, a maior aproximação ideológica entre Estados Unidos (sob a liderança de Donald Trump) e Israel (comandado por Netanyahu), bem como as eleições de 2019 e a estrutura do sistema político permitiram a reeleição de Netanyahu e a perpetuação do Likud no poder. A permanência de conservadores sionistas tem permitido a evolução e desenvolvimento de projetos de anexação de terras palestinas, o que dificulta ainda mais as possibilidades de diálogo e mina a solução de dois Estados, princípio norteador em Oslo e em negociações posteriores. O decurso do tempo pesa contra a população palestina, que vê diuturnamente suas condições de vida reduzidas, sem alternativas ante a ocupação israelense. É preciso destacar que os prejuízos também são sentidos pela população israelense, posto que a inviabilidade do diálogo adia as perspectivas de uma vida menos militarizada, belicosa e violenta.  

As inúmeras tentativas falhas de resolução do conflito trazem à tona as debilidades da solução de dois Estados, que pode estar com seu prazo vencido. Porém, de outro lado, resta incerta a viabilidade de implantação de um único Estado que garanta, na prática, direitos iguais tanto aos israelenses quanto aos palestinos, uma vez que essa medida põe em xeque questões essenciais para Israel, como a manutenção da prevalência da demografia judia do estado israelense.  

Uma passagem do livro de Miko Peled (The General´s Son), reflete essas incertezas, ao relatar seus diálogos acerca da solução de um estado (PELED, 2016, p. 247): “Meu cunhado estava perdendo a paciência a cada minuto. ‘Você não entende nada! Você não vê que isso levará à guerra civil? Será outro Kosovo ou Líbano e o derramamento de sangue será irrefreável.’ Mas eu não podia deixar passar. ‘Ou Suíça ou Bélgica. Se você nos comparar com outros estados multinacionais, a nossa não é uma questão muito complicada’.” [5]  

Até o momento, o conflito se prolonga sem que tais respostas possam ser dadas com exatidão. Sem a perspectiva de uma via para a solução, perpetuam-se medidas questionáveis e contrárias às normas de Direito Internacional, como é o caso da possível anexação de terras palestinas por Israel, prevista no acordo anunciado pelo governo Trump no início deste ano (Acordo do Século).  

Esse acordo, formulado sem a consulta de qualquer representação palestina, tem sido muito criticado, já que previu a anexação de terras no Vale do Jordão, onde situam-se assentamentos israelenses, área que é essencial ao abastecimento de água e alimentos à Cisjordânia. Em 1º de julho estavam previstas as discussões sobre esse acordo no parlamento israelense (Knesset), contudo, foram adiadas face às pressões internas e internacionais. 

 

Fonte imagética: Mohamed Asad | Monitor do Oriente Médio. Disponível em:  https://www.monitordooriente.com/20191202-358022/. Acesso em 20.07.2020. 

NOTAS 

[1] O Movimento Sionista tem origem a partir das ideias de Theodor Herzl, defendidas no Primeiro Congresso Sionista Mundial, realizado em 1897 na Basileia (Suíça). O Sionismo, em sua origem, apresentou-se como movimento umbilicalmente atrelado a ideais nacionalistas, como necessidade de compor um Estado-nação para um povo composto por minorias distribuídas ao redor de todo o mundo, vivendo na “diáspora”, e compor tal Estado-nação significava uma população unida em um território pelo sentimento natural e, portanto, espontâneo de povo, o que se costuma denominar identidade. 

[2] O massacre de Deir Yassin, uma vila palestina nas proximidades de Jerusalém, estava inserido no escopo do Plano Dalet (Plano D), desenvolvido pela liderança sionista e colocado em prática antes mesmo da declaração de independência de Israel. De acordo com Ilan Pappe: “Em março de 1948, o Plano Dalet foi adotado. Os primeiros alvos eram os centros urbanos da Palestina, os quais haviam sido ocupados até o final de abril. Cerca de 250.000 palestinos foram expulsos nesta fase, além de diversos massacres postos em prática, o mais notável deles foi o massacre de Deir Yassin.“ (PAPPE, 2006, p. 40). [Tradução Livre] 

[3] Vale destacar que a Península do Sinai foi posteriormente devolvida ao Egitoincluída na negociação dos Acordos de Camp David, firmados entre Menachen Begin na Casa Branca, durante o governo Carter. O ato foi visto pela Organização pela Liberação da Palestina (OLP) como traição políticaposto que tornava a Palestina ainda mais vulnerávelalém de enfraquecer os demais países árabescomo Líbano e Síria (FISK, 2007, p. 208). 

[4] Os Acordos de Oslo foram firmados em 1993 e 1995 entre o Primeiro-Ministro israelense na época, Ytzhak Rabin e o líder da OLP, Yasser Arafat, mediados pelo governo de Clinton. A celebração desses acordos era vista pela comunidade internacional com tamanho otimismo, o que se reflete na edição pela Assembleia Geral da ONU da Resolução 49/88 aprovada em 16 de dezembro de 1994, a qual clamava a necessidade de se chegar à paz compreensível, justa e duradoura no Oriente Médio e expressava o apoio à rápida concretização do processo de paz em curso até aquele momento (ONU, 1994). 

[5] Na versão original em inglês: “My brother-in-law was losing his patience by the minute. ‘You don´t understand a thing! Can´t you see it will lead to civil war? It will be another Kosovo or Lebanon and the bloodshed will be unstoppable.’ But I couldn´t let it go. ‘Or Switzerland or Belgium. If you compare us to other multinational states, ours is not a very complicated issue.” 

 

REFERÊNCIAS 

ARIJ. Daily Report19.07.2020. Disponível em: https://www.arij.org/eye-on-palestine-arij/daily-report.html. Acesso em 20.07.2020. 

B´TSELEM. Fatalities in the First Intifada. Disponível em: https://www.btselem.org/statistics/first_intifada_tables. Acesso em 18.07.2020. 

________. Fatalities during the Operation Cast Lead. Disponível em: https://www.btselem.org/statistics/fatalities/during-cast-lead/by-date-of-event. Acesso em 18.07.2020. 

________. Fatalities since Operation Cast Lead. Disponível em: https://www.btselem.org/statistics/fatalities/after-cast-lead/by-date-of-event. Acesso em 18.07.2020. 

________. Statistics on Demolition for Alleged Military Purposes. Disponível em: https://www.btselem.org/razing/statistics. Acesso em 20.07.2020. 

________. Statistics on demolition of houses built without permits in the West Bank. Acesso em: https://www.btselem.org/planning_and_building/statistics. Acesso em: 20.07.2020. 

FISK, Robert. Pobre Nação: as guerras no Líbano no século XX. Tradução de Vitor Paolozzi. Rio de Janeiro: Record, 2007. 

FLINT, GuilaMiragem de Paz: Israel e Palestina: processos e retrocessos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. 

FLÜCHTLINGSKINDER. The Nakba Exhibition Catalogue: Fight and Expulsion of the Palestinians in 1948. Disponível em: https://zochrot.org/en/article/56365. Acesso em 16.07.2020. 

MADRAZO, Mariano de. Palestina Medio Siglo: Acordes Historicos 1913-1958. Madrid: Editora Nacional, 1964. 

PAPPE, IlanThe Ethnic Cleansing of PalestineOxford: Oneworld Publications, 2007. 

_____História da Palestina Moderna: Uma Terra, Dois Povos. Tradução: Ana Saldanha. Lisboa: Editorial Caminho, 2007. 

PELED, MikoThe General´s Son: Journey of an Israeli in Palestine. Second Edition. Chalottesville: Just World Books, 2016. 

SHEHADEH, Raja. Occupier’s Law: Israel and the West Bank. Washington D.C.: Institute for Palestine Studies, 1985. 

OCHAOPt. Protected People Reports. Disponível em: https://www.ochaopt.org/reports/protection-of-civilians. Acesso em 19.07.2020. 

ONU. Resolução 49/88. Disponível em: http://mfa.gov.il/MFA/ForeignPolicy/MFADocuments/Yearbook9/Pages/TABLE%20OF%20CONTENTS.aspx. Acesso em 21.07.2020. 

UPSALA (Suécia). Uppsala Conflict Data Program. Disponível em: https://ucdp.uu.se/country/666. Acesso em 19.07.2020. 

Conflito no México: dos movimentos guerrilheiros aos cartéis de drogas

João Estevam dos Santos Filho: mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). E-mail: joaoestevam08@gmail.com

 

Atualmente, o México é palco de cinco conflitos armados: primeiro, entre o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e o governo nacional; segundo, entre o Exército Popular Revolucionário (EPR) e o governo nacional; terceiro, entre os grupos de autodefesa e o governo nacional. Além desses, o país também passa por conflitos entre as Forças Armadas e os cartéis de drogas, que têm gerado um número muito alto de mortos e feridos por todo o país e, por último, cabe ressaltar os grupos paramilitares que se formaram sobretudo no estado de Chiapas.

O primeiro dos conflitos  citados, entre o Estado mexicano e o Exército Zapatista, iniciou-se em 1994 com a ocupação de seis cidades em Chiapas, com reivindicações de pautas sociais pelos zapatistas (educação, saúde, trabalho, terra, dentre outros). A maioria de seus integrantes são indígenas, provenientes de distintas etnias maias de Chiapas (HAAR, 2012a). O cessar-fogo foi decretado pelo governo mexicano em 12 de janeiro de 1994, mas desde então vem se desenrolando o que muitos chamam de “guerra de baixa intensidade”, com episódios de ocupação militar pelo governo na chamada “zona de conflito” (municípios de Ocosingo, Altamirano y Las Margaritas e regiões adjuntas). Entre 1994 e 1996 o conflito produziu 155 mortes, mas nenhuma foi registrada desde então – o conflito entre o grupo insurgente e o governo persiste, mesmo sem enfrentamentos armados (UPSALA, 2019a). As negociações entre o governo mexicano e o grupo zapatista resultaram na aprovação de uma Lei Indígena em 2001 que legitimava as ocupações zapatistas em determinadas localidades do território de Chiapas. A estrutura de governo criada pelo EZLN incluiu a criação de “municípios autônomos” e de Juntas de Bom Governo a partir de 2003 (HAAR, 2012b).

Até finais da década de 1990, o conflito entre o Estado mexicano e o Exército Zapatista podia ser considerado um “conflito de baixa intensidade”. Nesse sentido, o Exército mexicano reestruturou as suas tropas para utilizar unidades militares menores, com presença dispersa pelo território de Chiapas, para dissuadir novos surtos guerrilheiros. Além disso, a mídia também teve papel importante nesse tipo de conflito, uma vez que o governo utilizava as imagens mostradas na televisão para mobilizar a opinião pública a seu favor. Também cabe ressaltar que, nesses confrontos, as Forças Armadas mexicanas também utilizavam métodos “ilegais”, como tortura, massacres a população civil, dentre outros (CISNEROS, 2015). Atualmente, o EZLN ainda mantém uma postura revolucionária contra o Estado mexicano tal qual encontra-se atualmente, mesmo após  a vitória eleitoral do candidato de esquerda Manuel López Obrador, que venceu as eleições presidenciais de 2018.

O segundo conflito se dá entre o governo nacional mexicano e o grupo guerrilheiro denominado Exército Popular Revolucionário (EPR). O EPR surgiu em 1994, influenciado pelas ações do movimento zapatista, sendo constituído por um conjunto de 14 organizações guerrilheiras, com a fusão Partido Revolucionário Trabalhador Clandestino União do Povo (PROCUP, na sigla em espanhol), mas estes começaram a sair do grupo a partir de 2001. O ponto de partida das ações do EPR foi o Massacre de Aguas Blancas, no qual 17 camponeses foram assassinados. Embora o conflito entre o EPR  e governo tenham deixado um total de 53 mortos entre 1996 e 1998, não foram registradas mais mortes deste então – ainda que o EPR tenha seguido a realizar algumas ações armadas com pouca expressão, como, por exemplo, explosões de infraestruturas (LOFREDO, 2006).

O terceiro conflito existente no México expressa-se entre o governo e as autodefesas comunitárias. Estas surgiram a partir dos primeiros meses de 2013, tendo como ação inicial a tomada de armas de policiais pela Autodefesa de La Ruana. Algumas horas depois uma ação semelhante foi feita no município de Tepalcatepec e, alguns dias depois, em Buenavista Tomatlán. A partir de novembro de 2013, o Conselho de Autodefesas decidiu expandir suas ações a outros municípios da região de Tierras Calientes. No final desse ano já tinham ocupado 17 municípios e em outros sete tinham uma presença periférica; ao passo que em janeiro de 2014 ocupavam 26 municípios e seguiram avançando. Dentre esses grupos, encontravam-se as Autodefesas de Michoacán, uma das principais e cujos enfrentamentos com grupos narcotraficantes gerou 66 mortes entre 2013 e 2015 (MANZO, 2015).

Diferentemente dos grupos guerrilheiros, o principal objetivo das autodefesas é combater as ações do grupo ligado ao crime organizado Los Cabelleros Templarios, cuja influência na região de Michoacán e outras áreas de Tierras Calientes é bastante intensa. Dessa forma, ao invés de se insurgirem contra o Estado mexicano, essas organizações buscavam muitas vezes ajudar as forças da Polícia Federal e do Exército na garantia da segurança de várias comunidades (sobretudo as periféricas). Em inícios de 2014 uma grande parcela dos indivíduos ligados às Autodefesas de Michoacán foram desmobilizados e reincorporados nos Corpos de Defesa Rural – entretanto, alguns integrantes não entregaram as armas, por isso, muitas autodefesas continuam em operação (MANZO, 2015). Em 2019, foram registrados a presença de ao menos 50 grupos de autodefesa que operam nos municípios de Guerrero, Michoacán, Veracruz, Morelos, Tamaupalias e Tabasco; desses, apenas seus se institucionalizaram, formando polícias comunitárias (que são reconhecidas legalmente). É importante notar também que alguns desses grupos entram em confronto entre si por disputas territoriais e outros são suspeitos de se envolverem com organizações criminosas – ou até serem grupos de fachada para atividade de crime organizado.

O México também é palco de confronto entre as forças do Estado e de grupos paramilitares. Tais grupos foram criados entre 1994 e 1995, nos estados de Chiapas, Guerrero e Oaxaca, relacionado à emergência do EZLN e à falta de autonomia que passaram a ter elites locais, membros do Exército e da Polícia e políticos do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país durante a maior parte do século XX. Desse modo, esses grupos paramilitares surgiram com o propósito de combater o EZLN no estado de Chiapas, por meio de estratégias de contrainsurgência. Dentre os financiadores e apoiadores dos paramilitares encontram-se: grupos externos a Chiapas, membros do governo federal, grupos partidários do PRI a nível local e membros da força pública. Esses grupos também foram responsáveis por diversos crimes humanitários, incluindo a realização de massacres contra a população civil. Apesar de esforços do governo federal (como no caso da administração de Vicente Fox) em combater esses grupos, eles ainda persistem e realizam confrontos com tropas públicas. Dentre eles, o principal é o intitulado “Desenvolvimento, Paz e Justiça” ou apenas “Paz e Justiça”, formado em 1995 (OLNEY, 2011).

Por fim, o conflito armado que mais tem feito vítimas nos anos recentes é o confronto entre as Forças Armadas (sobretudo o Exército) e os cartéis de drogas, presentes a nível nacional. Durante as décadas de 1980 e 1990, o México surgiu como rota de passagem das drogas – sobretudo cocaína – que era produzida nos países andinos (Colômbia, Peru e Bolívia, principalmente) em direção ao mercado norte-americano. Com a militarização do combate ao narcotráfico, por parte dos Estados andinos, com a utilização das Forças Armadas no combate à produção e comercialização de entorpecentes e com a implementação de programas de interdição e fumigação aérea por parte do governo dos Estados Unidos, os grandes cartéis da Colômbia e dos demais países andinos passaram por um processo de declínio (ÁLVAREZ; LANDÍNEZ; NIETO, 2011).

Assim, a partir da década de 2000, os grupos narcotraficantes mexicanos, a princípio de “pequeno porte” passaram a ganhar importância e, dessa forma, crescer em recursos e poder. Desse modo, foram criados os grandes cartéis de drogas no território mexicano, os quais exportavam o produto para os Estados Unidos. Esse crescimento também acabou gerando maior violência, com os confrontos entre as forças estatais e as dos cartéis, além de acabar por influenciar o poder público, corrompendo tanto políticos quanto membros da Polícia (ÁLVAREZ; LANDÍNEZ; NIETO, 2011).

O território mexicano encontra-se dividido em zonas de influência sob o domínio de oito cartéis: Cartel de Sinaloa, Cartel do Golfo, Los Zetas, Los Cabelleros Templarios, Jalisco Nueva Generación, Cartel de Juárez, Organização Béltrán-Leyva e La Familia Michoacana, sendo o maior deles o Cartel de Sinaloa, que atua nos estados fronteiriços de Chiahuahua e Baja California e controla entre 40% e 60% do tráfico de drogas do país. Seu líder anterior era o famoso traficante Joaquín “El Chapo”. Entre 2006 e 2016, o conflito referente ao narcotráfico gerou cerca de 80.000 mortos. Além disso, mesmo atualmente o México passa por uma onda de violência que advém sobretudo de confrontos entre narcotraficantes e entre estes e as forças policiais e militares.

A partir de 2006, no governo de Felipe Calderón (2006-2012), o Estado mexicano passou a empregar as Forças Armadas, sobretudo o Exército, para combater o crime organizado no país, militarizando assim a segurança pública. Essa política também continuou durante o governo de Enrique Peña Nieto (2012-2018) e permanece até hoje, durante o governo de Manuel López Obrador (eleito em 2018). Entretanto, essa estratégia de combate ao narcotráfico não tem gerado grandes resultados na resolução dos conflitos no país, o que levou ao atual governo prometer uma reversão dessa política, com a criação de uma Guarda Nacional para lidar com o narcotráfico e a imigração ilegal (BENÍTEZ, 2019). Apesar disso, a proposta de criação dessa Guarda Nacional ainda tem sido vista como uma forma de militarização da segurança pública mexicana, uma vez que o Exército ainda continua com grande voz e atuação nessa nova instituição.

Além disso, em 2007, os governos do México e dos Estados Unidos – sendo George W. Bush como presidente na época – implementaram um programa de assistência de segurança (com grandes componentes militares) para fazer frente ao narcotráfico e à imigração ilegal na fronteira sul do México com Guatemala e Belize. Esse programa ficou conhecido como Iniciativa Mérida e esteve acoplada à política de segurança norte-americana denominada “guerra às drogas” e também à chamada “guerra ao terror”. Por meio dele foram transferidos equipamentos de defesa e treinamentos de unidades das Forças Armadas mexicanas para atuarem na área de segurança pública (TURBIVILLE JR., 2010).

Tendo em vista essas fontes de conflito, o que se pode perceber do México é que o Estado ainda enfrenta resistência de grupos armados que ameaçam o seu monopólio do uso da força coercitiva. Além disso, a grande fragmentação dessas ações armadas acabam tornando o seu enfrentamento uma tarefa difícil para as forças estatais. Porém, mais do que isso, essa situação como um todo evidencia um cenário caracterizado pela existência de fraturas entre as elites locais e nacionais, a pouca atenção que é dada a questões sociais por parte das autoridades nacionais, estaduais e municipais, bem como às complexidades dos processos sociais no México, mesmo após a perda de hegemonia do PRI, no início do século XXI. Além disso, também ressalta-se a importância da penetração norte-americana no Estado mexicano, incluindo (mas não somente) nas Forças Armadas do país, investindo em estratégias que se demonstraram falhas – como a militarização da segurança pública – e que servem aos interesses apenas de uma parcela da sociedade. Assim, os conflitos armados no México são fruto dos problemas sociais, econômicos e políticos por que tem passado o país, principalmente a partir do final da Guerra Fria.

 

 

REFERÊNCIAS

 ÁLVAREZ Gómez, Christian; LANDÍNEZ Aceros, Jaime; NIETO Rojas, Johanna. Drogas y narcotráfico en México: percepción de amenaza y construcción del enemigo. In: VARGAS Velásquez, Alejo. Fuerzas Armadas en la política antidrogas: bolivia, colombia y méxico. Bolivia, Colombia y México. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2011. p. 137-170.

BENÍTEZ Manaut, Raúl. México 2012-2018: las fuerzas armadas y el combate al crimen organizado. In: SAMPÓ, Carolina; ALDA, Sonia. La transformación de las Fuerzas Armadas en América Latina ante el crimen organizado. Lima: Centro de Estudios Estratégicos, 2019. p. 189-206.

CISNEROS, Leandro Marcelo. A guerra de baixa intensidade contras as comunidades zapatistas de Chiapas-México. Revista Percursos, Brusque, v. 16, n. 32, p. 58-84, set. 2015.

HAAR, Gemma van Der. El movimiento zapatista de Chiapas: dimensiones de su lucha. International Institute Of Social History, Amsterdã, p.1-24, 2012a.

______. El movimiento zapatista de Chiapas: dimensiones de su lucha. International Institute Of Social History, Amsterdã, p.1-24, 2012b.

LOFREDO, Jorge. La otra guerrilla mexicana: Aproximaciones al estudio del Ejército Popular Revolucionario. Desacatos, Cidade do México, v. 1, n. 22, p.229-246, 2006.

______. La otra guerrilla mexicana: Aproximaciones al estudio del Ejército Popular Revolucionario. Desacatos, Cidade do México, v. 1, n. 22, p.229-246, 2006.

MANZO, Enrique Guerra. Las autodefensas de Michoacán: Movimiento social, paramilitarismo y neocaciquismo. Política y Cultura, Cidade do México, v. 1, n. 44, p.7-31, 2015.

OLNEY, Patricia. La proliferación de los grupos paramilitares en el sur de México: ¿estrategia de estado o batalla entre élites políticas locales?. Desafíos, Bogotá, v. 23, n. 2, p. 83-121, jul. 2011.

TURBIVILLE, Graham H.. U.S. military engagement with Mexico: Uneasy past and challeging future. Florida: JSOU Press, 2010.

UPSALA (Suécia). Uppsala Conflict Data Program: Mexico. 2019. Disponível em: <https://ucdp.uu.se/#country/70>. Acesso em: 11 ago. 2019a.

______. Uppsala Conflict Data Program: Mexico. 2019. Disponível em: <https://ucdp.uu.se/#country/70>. Acesso em: 11 ago. 2019b.

 

Fonte Imagética: Ferri (2017). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/10/internacional/1486690615_255067.html.

O Burundi e a persistência dos conflitos internos

João Vitor Tossini: Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP).

E-mail: vitor.tossini@unesp.br

 

O Burundi foi por mais de quatro décadas um mandato colonial da Bélgica. Durante o período colonial, as rivalidades entre os dois principais grupos étnicos do Burundi, os Hutus e os Tutsi, foram fomentadas pela potência europeia, criando uma acentuada hostilidade. A mesma prática foi implementada em Ruanda, que até 1962 era administrada em conjunto com Burundi, sendo os dois países constituintes do protetorado belga de “Ruanda-Urundi”.  Nos anos de domínio belga, parcela do grupo étnico Tutsi foi privilegiada pela força imperial para a ocupação de posições administrativas na organização colonial. Apesar da Bélgica utilizar estruturas locais de governança, a prática colonial simplificou o complexo sistema local ao dar preferência aos Tutsis e marginalizar a maioria Hutu. Dessa forma, criou-se uma das principais divisões que gerariam inúmeros conflitos internos no Burundi e em Ruanda (LONGFORD, 2005).

Em 1962, o Burundi conquistou sua independência da Bélgica como uma monarquia constitucional. A primeira eleição parlamentar do recém-independente Reino do Burundi resultava na vitória dos partidos de origem Hutu. Contudo, o monarca Mwami Mwambutsa IV, de origem Tutsi e constitucionalmente responsável por escolher o Primeiro Ministro, ignorou as urnas e apontou um Tutsi para o cargo. Assim, foi iniciado um longo período de instabilidade política, primeiramente marcado por uma tentativa fracassada de golpe de Estado por parte das forças policiais, nas quais os Hutus eram predominantes, em 1965. O Exército, composto em sua maioria por Tutsis, respondeu com uma série de expurgos direcionados aos militares Hutus e ataques contra civis, causando a morte de 5 mil indivíduos (PERI, 2006).

No ano seguinte, em resposta à tentativa de tomada do poder por parte dos Hutus, um golpe de Estado liderado pelo então capitão, e recém-empossado Primeiro Ministro, Michel Micombero da etnia Tutsi obteve sucesso e instaurou uma república. Micombero aboliu os demais partidos políticos, estabelecendo o unipartidarismo na República do Burundi. Os dez anos de governo Micombero seriam marcados pelo autoritarismo governamental baseado principalmente no apoio da etnia Tutsi (CHRÉTIEN, 2008). Em 1972, eclodiu uma revolta Hutu no sul de Burundi que atingiu rapidamente outras regiões. Como resposta, o governo iniciou uma campanha de repressão que resultou em aproximadamente 150 mil Hutus mortos, forçando outros milhares a deixar o Burundi em direção aos países próximos. A ação de Micombero foi caracterizada internacionalmente como um genocídio contra os Hutus (USIP, 2004; PERI, 2006).

Nesse contexto, durante o genocídio de 1972, os Estados Unidos se limitaram a enviar ajuda humanitária e evitar ações que pudessem ser interpretadas como simpáticas aos Hutus. Parte dos oficiais norte-americanos não consideravam o Burundi como um ator relevante para a política externa do país e, temendo o avança da influência soviética, buscavam evitar atritos com o governo liderado pelos Tutsis. Assim, houve uma ausência de uma severa resposta internacional com medidas econômicas ou políticas contra o governo Micombero, especialmente por parte dos Estados Unidos, um dos principais parceiros comerciais do Burundi, o que também se repetiria em momentos similares no futuro.  (TAYLOR, 2012).

Quatro anos depois do início da política contra os Hutus, em 1976, Micombero, crescentemente impopular entre partes da base militar, sofreu um golpe de Estado liderado pelo Coronel Jean-Baptiste Bagaza, igualmente da etnia Tutsi. Bagaza manteve o sistema de partido-único, estabeleceu eleições em 1981 para legitimar o seu governo e limitou a liberdade religiosa da população (YOUNG, 2010). Ademais, Bagaza colocou fim à política repressiva contra os Hutus, amplamente adotada por Micombero (USIP, 2004). O governo de Bagaza seria derrubado em 1987 quando este, por sua vez, sofreu um golpe por parte do Major Pierre Buyoya, da etnia Tutsi, representando descontentamentos dentro do Exército em relação às políticas de Bagaza.

O regime de Buyoya não divergiu dos seus predecessores, mantendo um governo autoritário e unipartidário por meio de um Comitê de Salvação Nacional. Nesse cenário, em 1988, uma revolta Hutu resultou em violenta resposta governamental, levando ao massacre aproximadamente 20 mil indivíduos majoritariamente dessa etnia. Nos anos seguintes, devido às pressões internacionais, Buyoya adotou uma política moderada, com a admissão de Hutus nos cargos governamentais, incluindo no posto cerimonial de Primeiro Ministro. Contudo, Buyoya negou a representação proporcional aos Hutus, o que significaria um governo de minoria Tutsi.

O tom relativamente moderado de Buyoya, após os massacres de 1988, gerou descontentamento de parte dos Tutsis no governo e no Exército. Apesar disso, o presidente se manteve no poder e prosseguiu com políticas conciliadoras. Em fevereiro de 1991, uma Carta de União Nacional foi aprovada pela população em referendo, prevendo o fim do regime ditatorial, instauração de nova constituição e medidas para melhoria das relações entre os Hutus e Tutsis, incluindo direitos iguais e a condenação da violência étnica. No ano seguinte, em 1992, ministros e militares Tutsi participaram de uma tentativa fracassada de golpe de Estado visando evitar novas reformas. Nesse mesmo ano, com o apoio de diversos países da comunidade internacional, incluindo os membros do Conselho de Segurança da ONU, (USIP, 2004) foi decretado o fim do sistema unipartidário e a adoção de uma constituição com o poder investido em um presidente com mandato de cinco anos, com eleições agendadas para junho de 1993 (UNHCR, 2004).

As eleições gerais de junho de 1993 resultaram na vitória do candidato Melchior Ndadaye da etnia Hutu, colocando fim a três décadas do domínio político dos Tutsis. Em julho, uma tentativa fracassada de golpe ocorreu por parte do Exército, dominado por Tutsis e apoiadores do antigo presidente Buyoya. Em outubro de 1993, o presidente Ndadaye foi assassinado por soldados Tutsi durante um golpe de Estado, dando início a um período de guerra civil que seria marcada pelo genocídio de uma etnia contra a outra. Entre outubro de 1993 e a redução da violência armada nos anos 2004 e 2005, o saldo foi de no mínimo 150 mil indivíduos mortos e quase um milhão de refugiados (UNHCR, 2004). Após a violência inicial, entre os anos de 1994 e 1996 ocorreram tentativas da criação de governos com a participação de ambos os grupos étnicos (HUMAN RIGHTS WATCH, 2001). O fracasso dessas empreitadas levou ao enfraquecimento da autoridade estatal e ao aumento da radicalização de grupos Hutus e Tutsis.

Em 1996, o ex-presidente Buyoya, responsável pela transição democrática de 1993, liderou um golpe de Estado visando restabelecer a legitimidade do governo e buscar uma solução pacífica para a guerra civil. Todavia, Buyoya rapidamente foi visto como ilegítimo pela maioria dos Hutus, levando à escalada do conflito. Dois anos depois, Buyoya iniciou negociações de paz que resultaram nos Acordos de Arusha de agosto de 2000 que previam, dentre outras questões, o estabelecimento de governo com participação Tutsi e Hutu. Apesar do Governo de Burundi, partidos políticos e grupos paramilitares Hutus e Tutsis assinarem os acordos, certos grupos radicais de ambos os lados se recusaram a fazê-lo. Em 2001, um governo de transição foi estabelecido e um novo acordo entre o governo e o maior grupo de rebeldes Hutus, o “Conselho Nacional para a Defesa das Forças Democráticas” (CNDD-FDD), foi firmado em 2003. Neste mesmo ano, ocorreram eleições gerais e Domitien Ndayizeye, da maioria étnica Hutu, tornou-se presidente (BURUNDI, 2018). Em 2003, visando garantir a continuidade do processo de paz e o fim dos conflitos no país, a União Africana (UA) enviou uma força de paz ao Burundi intitulada “Missão da União Africana no Burundi” (AMIB). Adicionalmente, no ano seguinte, o Conselho de Segurança das Nações Unidas estabeleceu a “Operação das Nações Unidas no Burundi” (ONUB), estando ativa entre maio de 2004 e dezembro de 2006 (PERI, 2006). Mesmo com o fim da guerra civil, que custou a vida de cerca de 300 mil pessoas, casos de violência esporádica ocorreram nos anos de 2007 e 2008.

Em abril de 2015, o presidente Pierre Nkurunziza, da etnia Hutu e ligado ao CNDD-FDD, declarou intenção de concorrer a um terceiro mandato presidencial, após as vitórias nas eleições de 2005 e 2010. Opositores alegaram que a decisão de Nkurunziza e de seu partido era inconstitucional. Apesar de a Suprema Corte do país emitir decisão favorável ao presidente, seus membros alegaram terem sido pressionados pelo governo durante os dias anteriores à votação e alguns optaram por fugir do país. Nos dias seguintes, em 13 de maio, ocorreu uma tentativa fracassada de depor Nkurunziza, o que gerou forte resposta do governo. Perseguições políticas e restrição da liberdade de expressão retornaram ao centro da prática governamental. Com o crescimento de protestos contra o presidente, houve confrontos entre a população civil e militares. No fim de maio, era estimado que aproximadamente 100 mil pessoas haviam deixado o Burundi na condição de refugiados (KARIMI; KRIEL, 2015).

Apesar da pressão de órgãos internacionais, incluindo a UA e a Organização das Nações Unidas (ONU), o governo realizou eleições gerais no fim de junho, boicotadas pela oposição. Nkurunziza foi reeleito para o seu terceiro mandato. Nesse contexto, a UA declarou a intenção de enviar tropas para o Burundi visando proteger os civis da violência entre o governo e grupos opositores. O presidente eleito declarou que as forças da UA não eram bem-vindas no país (BURUNDI, 2018).

A vitória do presidente Nkurunziza nas eleições de julho de 2015 influenciou diretamente no agravamento da situação interna do Burundi. A crise constitucional transformou-se em conflito de baixa intensidade entre o governo e grupos rebeldes, levando 400 mil pessoas a deixarem o Burundi como refugiados entre 2015 e 2017. Concomitantemente, o cenário político e étnico voltou a polarizar o Exército que, desde o fim da Guerra Civil, implementou um programa de diversificação de seu efetivo e distanciamento de questões políticas, ao passo que participou de operações de manutenção da paz em outros países, ganhando reputação interna e externa. Desde 2015, o governo Nkurunziza iniciou uma política de perseguição e punição aos seus oponentes dentro das fileiras do Exército (INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2017). Destarte, uma década de programas que objetivavam profissionalizar e despolitizar essa força militar foi lentamente corroída, gerando fissuras entre os seus diversos setores e colocando as Forças Armadas do Burundi de volta ao centro da política nacional.

Visando legitimar a sua continuidade no governo, Nkurunziza estabeleceu a realização de um referendo em maio de 2018, que previa a possibilidade de sua continuidade no cargo até 2034 (BURUNDI, 2018). A vitória de Nkurunziza no referendo constitucional de 2018 foi marcada pela suspeita de coação, repressão e assassinato de ao menos 15 opositores.  Diante desse quadro volátil no âmbito civil e militar, aproximadamente 1,200 pessoas morreram entre 2015 e 2018 em embates (BURUNDI, 2018). Nesse período, após a ONU pedir para que a Corte Penal Internacional investigasse as violações aos Direitos Humanos no país, Nkurunziza retirou o país da jurisdição da Corte (DAHIR, 2020).

O conflito mais recente, iniciado pelo desejo do presidente de continuar no cargo, se prolonga com o surgimento de pequenos grupos rebeldes com organização similar aos grupos rebeldes existentes nos anos de guerra civil (UPPSALA, 2020). Com um crescente desgaste político, em junho de 2018, Nkurunziza anunciou que não concorreria nas eleições gerais de 2020 (NIMUBONA, 2018).

O Major-General Evariste Ndayishimiye, da mesma etnia Hutu e partido de Nkurunziza, foi oficialmente declarado como o vencedor da eleição presidencial em maio de 2020 (TAARIFA, 2020). Contudo, a campanha eleitoral foi marcada pela violência, prisões arbitrárias e intimidação de opositores por parte do governo Nkurunziza, apoiador de Evariste. Assim, entre janeiro e março, ocorreram 81 mortes ou execuções extrajudiciais, mais de 20 casos de tortura, 204 prisões arbitrárias, dentre outras violações grandemente associadas aos apoiadores de Evariste. Além disso, no dia de votação, foram relatadas pela Iniciativa de Direitos Humanos do Burundi (Burundi Human Rights Initiative) práticas irregulares como: a ocorrência de coerção, prisão de membros da oposição, e membros do partido de Nkurunziza votando múltiplas vezes (BHRI, 2020). Por fim, utilizando-se das políticas de isolamento derivadas da pandemia da COVID-19, o governo do Burundi promoveu uma eleição geral sem observadores internacionais – indivíduos imparciais que, representando outros Estados ou organizações, fiscalizam a condução do processo eleitoral -, aprofundando dúvidas sobre sua legitimidade e contestações dos partidos de oposição, predominantemente Tutsis (DAHIR, 2020).

Com o exposto acima, desde sua independência, o Burundi possui um histórico marcado por conflitos internos entre as suas duas principais etnias, os Hutus e os Tutsis. Depois de mais de quatro décadas, essas partes gradativamente buscaram acordos que reestabeleceram uma política de convivência étnica e relativa estabilidade política. Assim, entre meados dos anos 2000 até 2014, o Burundi passou por um período de relativa estabilidade, redução da violência étnica e profissionalização de suas Forças Armadas. Contudo, em 2015, contrariando a constituição, o Presidente Nkurunziza anunciou a sua participação nas eleições gerais visando um terceiro mandato. A vitória de Nkurunziza em uma votação questionada interna e externamente resultou em protestos civis e na retomada de conflitos esporádicos e de baixa intensidade ao redor do país, assim como na polarização das forças militares. Da mesma forma, as eleições presidenciais de 2020 foram caracterizadas pela violência e perseguição política que favoreceram o vencedor, Evariste Ndayishimiye, protegido de Nkurunziza.

Com a morte de Nkurunziza em junho de 2020, após um ataque cardíaco, seu sucessor não poderá contar com a apoio de uma figura que dominou a política de Burundi por 15 anos e elevou-se ao posto de “Guia Supremo do Patriotismo” durante seus turbulentos anos no governo (PIERRE, 2020). Logo, o novo Presidente eleito assumirá o cargo com sua legitimidade questionada devido às eleições duvidosas e sem o apoio de uma personalidade tradicional da política nacional. Concomitantemente, Evariste possivelmente terá maior autonomia com a ausência de seu aliado político, podendo abrir caminho para um novo período na política nacional do Burundi.

 

 

REFERÊNCIAS

AS BURUNDIANS WAIT for referendum results HRW says 15 killed in campaigns. The East African. 18 maio, 2018. Disponível em: https://www.theeastafrican.co.ke/news/ea/Burundi-referendum-results-human-rights-watch/4552908-4568226-v07738/index.html. Acesso em: 23 maio. 2020.

BHRI. Burundi Election Statement: International inertia as election tensions flare in Burundi. Burundi Human Rights Initiative. 30 May 2020.

BOTTE, Roger. Rwanda and Burundi, 1889-1930: Chronology of a Slow Assassination. The International Journal of African Historical Studies. 18 (2): 289–314, 1985.

BURUNDI COURT BACKS President Nkurunziza on third-term. BBC. 5 maio, 2015. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-africa-32588658> Acesso em 26 maio. 2020.

BURUNDI profile – Timeline. BBC. 3 dezembro, 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-africa-13087604> Acesso em: 27 maio. 2020.

CHRÉTIEN, Jean-Pierre. “Micombero, Michel”. In GATES, Louis, Jr.; AKYEAMPONG, Emmanuel K. (eds.). Dictionary of African Biography. Oxford: Oxford University Press. 2008.

DAHIR, Abdi Latif. Burundi Turns Out to Replace President of 15 Years, Pandemic or No. May 20, 2020. The New York Times. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2020/05/20/world/africa/burundi-election.html> Acesso em 1 jun. 2020.

HEAVY shelling in Burundi capital. BBC. 18 abril, 2008. Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/7354005.stm> Acesso em: 27 maio. 2020.

HUMAN RIGHTS WATCH.  To Protect the People: the Government-sponsored “self-defense” program in Burundi. December 2001, Vol. 13,No. 7(A).

INTERNATIONAL CRISIS GROUP.  Burundi: The Army in Crisis. Report nº247/Africa. 5 April 2017. Disponível em: <https://www.crisisgroup.org/africa/central-africa/burundi/247-burundi-army-crisis> Acesso em: 26 maio. 2020.

LONGFORD, Peter. “The Rwandan Path to Genocide: The Genesis of the Capacity of the Rwandan Post-colonial State to Organise and Unleash a project of Extermination“. Civil Wars Vol. 7 n.3, 2005.

NIMUBONA, Desire. Burundi President Pierre Nkurunziza Pledges to Step Down in 2020. 7 de Junho de 2018.  Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-06-07/burundi-president-pierre-nkurunziza-pledges-to-step-down-in-2020> Acesso em 1 jun. 2020.

KARIMI, Faith; KRIEL, Robyn. Burundi: Leaders of attempted coup arrested after President’s return. CNN. 20 maio, 2015. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2015/05/15/africa/burundi-coup-leaders-arrested/index.html> Acesso em: 29 maio. 2020.

PERI. Burundi (1993-2006). Modern Conflicts: Conflict Profile. Political Economy Research Institute. University of Massachusetts Amherst, 2006. Disponível em: <http://www.peri.umass.edu/fileadmin/pdf/dpe/modern_conflicts/burundi.pdf> Acesso em 19 maio 2020.

PIERRE Nkurunziza, presidente do Burundi, morre de ataque cardíaco. G1, 09 de junho de 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/06/09/pierre-nkurunziza-presidente-do-burundi-morre-de-ataque-cardiaco.ghtml> Acesso em 10 jun. 2020.

TAARIFA. Gen. Evariste Ndayishimiye Is New President Of Burundi. 25 May 2020. Disponível em: <https://taarifa.rw/gen-evariste-ndayishimiye-is-new-president-of-burundi/> Acesso em 02 jun. 2020.

TAYLOR, Jordan D., The U.S. response to the Burundi Genocide of 1972. Masters Theses. JMU Scholarly Commons/James Madison University, Spring 2012.

UNHCR. Chronology for Hutus in Burundi. Minorities at Risk Project, 2004. Disponível em: <https://www.refworld.org/docid/469f38731e.html> Acesso em: 20 maio. 2020.

UNITED NATIONS. Resolution 1719 (2006). 25 October 2006. Disponível em: <https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1719(2006)> Acesso em: 26 maio. 2020.

USIP. International Commission of Inquiry for Burundi: Final Report. United States Institute of Peace, USIP Library. January 13, 2004.

UPPSALA. Country: Burundi. Uppsala Conflict Data Programme (UCDP).  Disponível em: <https://ucdp.uu.se/#country/516> Acesso em 21 maio. 2020.

YOUNG, Eric. “Jean-Baptiste Bagaza”. In APPIAH, Kwame Anthony; GATES, Henry Louis (eds.). Encyclopedia of Africa. i. Oxford: Oxford University Press. 2010. p. 146.

 

Imagem: Soldados do Exército do Burundi na periferia de Bujumbura em 2019. Fonte: AFP Photo/PHIL MOORE

As crises do Líbano

Ana Clara Figueira Guimarães: Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista FAPESP. E-mail: anaclarafigueiraguimaraes@gmail.com.

Jéssica Tauane dos Santos: Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista CAPES. E-mail: jess.tne@gmail.com.

 

Atualmente, o Líbano passa por uma das piores crises econômicas desde o fim da guerra civil libanesa que eclodiu em 1975 e só teve fim 15 anos depois, 45% da população vive abaixo da linha da pobreza e o desemprego chega a 35%. O que já é chamado de “catástrofe econômica” catalisou uma onda de protestos que se iniciou em outubro de 2019 e vem desde então chamando atenção. Nos protestos, libaneses acusam o governo de corrupção e incompetência, além de criticarem o sistema político do país que mantém há pelo menos três décadas uma mesma elite política no poder.

O país possui um sistema político confessional, isto é, as cadeiras do parlamento são divididas com base em um critério de filiação religiosa e os parlamentares devem confessar sua religião, entre as 17 confissões reconhecidas, para então ocupar a cadeira destinada àquela religião. Apesar da diversidade de credos, grosso modo, temos dois grupos predominantes: de um lado os cristãos, no qual estão inclusos os maronitas (católicos), os gregos ortodoxos e os gregos católicos; e do outro temos os muçulmanos, grupo formado principalmente por sunitas e xiitas, mas também por drusos.

De acordo com o formato libanês do sistema confessional, 60% das cadeiras de deputados devem ir para as diversas comunidades cristãs enquanto 40% para os muçulmanos. O Pacto Nacional, um acordo não-escrito que institucionalizou esse sistema em 1943, estabelece que o cargo de presidente da República deve ser ocupado por um maronita, o de primeiro-ministro por um muçulmano sunita e o de presidente do Congresso por um xiita.

Embora durante as décadas de 1950 e 1960 o Líbano tenha desfrutado de uma relativa estabilidade em seu sistema político e um significativo crescimento econômico, esse cenário positivo não se estendeu para as décadas subsequentes. O desenvolvimento assimétrico entre setores da economia e o aumento da desigualdade social e regional, ambos decorrentes de um crescimento econômico rápido e desequilibrado, contribuíram para a deterioração da atmosfera política no Líbano. Acrescenta-se a esse quadro, a entrada massiva de palestinos, devido à Guerra Árabe-israelense de 1967 e ao Setembro Negro na Jordânia em 1970, que acabou intensificando a rivalidade entre muçulmanos e cristãos, relacionamento histórico já bastante hostil por conta das disputas políticas.

O estopim da Guerra Civil Libanesa ocorreu em 13 de abril de 1975, quando quatro membros do Kata’ib (Falanges Libanesas), partido político libanês de direita, foram mortos durante um atentado contra Pierre Jumayyil, fundador do partido. O episódio suscitou confrontos entre cristão e palestinos que se espalharam pela capital Beirute e penetraram também para o interior do país, polarizando toda a população.

Essa polarização se deu principalmente em torno de dois projetos políticos. Um deles apresentado pelo agrupamento denominado Movimento Nacional Libanês (MNL), que reunia vários partidos e organizações políticas nacionalistas de esquerda e propunha a extinção do confessionalismo político e diversas reformas democráticas. O outro bloco em disputa era a Frente Libanesa, composta por forças conservadoras lideradas pelo Kata’ib que propunham um plano menos articulado baseado na descentralização política e no federalismo.

Entretanto, o conflito não envolveu apenas esses dois blocos. Ações da Frente Libanesa contra palestinos ocasionaram a ingerência das principais forças da Organização de Libertação da Palestina (OLP) e do Exército de Libertação da Palestina (ELP) ao lado do MNL que, posteriormente, recebeu reforços do Exército Árabe Libanês, formado por dissidentes das forças nacionais. Um outro interessado nos resultados da guerra era o governo sírio, que já vinha mediando negociações diplomáticas e apoiou a eleição de Ilyas Sarkis à presidência. Todavia, o resultado do pleito não foi aceito pelo bloco do MNL, devido à rivalidade entre Kamal Jumblatt, líder do grupo e o presidente sírio, Hafiz al Assad.

Diante de um cenário futuro desfavorável para os interesses sírios uma vez que o MNL vinha sendo bem-sucedido em suas investidas, em maio de 1976, o presidente Assad decidiu intervir militarmente contra o MNL e apesar de ter tido muitas baixas, as tropas sírias acabaram conseguindo sufocar quase que completamente a resistência, dando espaço para a Frente Libanesa se fortalecer.

Concomitante à guerra civil, ocorreram duas invasões do território libanês por tropas israelenses devido à escalada das desavenças e ataques entre Israel e combatentes da OLP que controlavam a região sul do Líbano. A primeira invasão aconteceu em 1978 ocasionando o desdobramento da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL) e a segunda foi uma incursão em larga-escala marcando o início da Guerra do Líbano de 1982. Com a guerra, Irã e Síria optaram por apoiar a criação do Hezbollah, um movimento revolucionário islâmico que desejava a retirada das forças de Israel.

Ainda em 1982, não obstante o êxito do estabelecimento de um acordo de paz entre Líbano e Israel, mediado pelos Estados Unidos, o assassinato do presidente recém-eleito Bashir Gemayel, líder da Frente Libanesa e que contava com o amplo apoio de Israel arruinou a execução do acordo e as tropas israelenses permaneceram em solo libanês. Amin Gemayel, foi eleito para substituir o irmão, mas não conseguiu nenhum passo significativo rumo a um acordo de paz.

Em 1988, pouco antes de expirar seu mandato, Gemayel nomeou outro cristão maronita para ocupar o cargo de primeiro-ministro, o que ia contra a determinação do Pacto Nacional no sentido de que o cargo fosse ocupado por um muçulmano sunita. Diante do impasse, a capital acabou sendo dividida, de modo que o lado leste ficou sob influência de um governo cristão e o lado ocidental sob um governo muçulmano.

O fim da guerra e a união dos governos só pôde ser vislumbrado com a assinatura do Acordo Taif de 1989 que marcou o começo do fim da guerra. No entanto, é necessário salientar que a concordância com esse Acordo não significou o término definitivo das tensões, como demonstra o assassinato de René Moawad, que havia sido eleito presidente do país logo após a ratificação.

Apesar da retirada das tropas israelenses em 2000, os ataques entre Israel e o Hezbollah continuaram, levando à eclosão da Guerra do Líbano de 2006, que durou de 12 de julho e 14 de agosto daquele ano. Durante o conflito, 1.109 libaneses foram mortos, sendo a maioria deles civis, 4.399 feridos e cerca de um milhão de deslocados. Em 11 de agosto de 2006, o Conselho de Segurança das Nações Unidas exigiu o fim dos confrontos através da Resolução 1701, que foi aceita tanto pelo secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, quanto pelo gabinete de Israel. Assim, em 14 de agosto um cessar-fogo foi estabelecido e em 8 de setembro o bloqueio naval ao Líbano foi suspenso.

Em 2017, a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita ameaçou provocar uma nova crise no Líbano em vista do impacto que conflitos regionais entre esses atores assim como com Israel tem sobre o país. A tensão se iniciou quando o primeiro-ministro libanês, o muçulmano sunita Saad Hariri, anunciou inesperadamente sua renúncia do cargo em um discurso em Riad, na Arábia Saudita. Ele alegou que havia sofrido ameaças à sua vida e acusou o Hezbollah e o Irã de controlar seu país. Nasrallah acusou a Arábia Saudita de ter obrigado Hariri a renunciar objetivando incentivar um ataque contra o Líbano por Israel como forma a debilitar a influência do Irã e do próprio Hezbollah. O presidente libanês, Michel Aoun, disse que só aceitaria a renúncia após conversar pessoalmente com Hariri a fim de esclarecer o ocorrido.

A apreensão geral quanto à possibilidade de uma guerra regional envolvendo diversos países era bem perceptível uma vez que o Irã apoiava o também xiita Hezbollah, enquanto que o governo da Arábia Saudita tinha um relacionamento próximo com a família sunita de Hariri a qual já havia sofrido ataques anteriores do Hezbollah como o assassinato de seu pai em 2005 por um carro-bomba. Dessa forma, a rivalidade entre os xiitas e sunitas enraizada na região poderia abarcar conflitos entre diversos países, como Síria e Iêmen, Iraque e Bahrein e gerar “consequências devastadoras” conforme declaração do secretário-geral da ONU, Antônio Guterres. A situação só foi resolvida três semanas depois, quando a França intermediou as negociações e Hariri retornou para Beirute com o objetivo de reorganizar o governo. Entretanto, a insatisfação da população devido à instabilidade e desordem administrativa figurou dentre as pautas dos protestos, culminando em sua demissão no dia 29 de outubro de 2019.

Desde esse período, o Líbano vive um cenário de protestos e manifestações populares reflexos da imensa desigualdade e crise econômica, que foi agravada pela crise do coronavírus e o consequente confinamento. Uma das propostas de solução para o colapso político seria o estabelecimento de um estado laico, encerrando com o Pacto Nacional que representa a divisão do Estado em diversas religiões. Além disso, o sentimento “antirrefugiado” vem tomando força com a deterioração da economia e o aumento do desemprego, situação essa que desperta a raiva dos libaneses que acabam por culpar os refugiados por “roubar seu trabalho”.

Este tipo de pensamento é ainda alimentado por figuras governamentais, como Gebran Bassil, ministro das Relações Exteriores, que em discurso chegou a defender o envio de sírios para seu país de origem que, vale ressaltar, já caminha para o décimo ano de guerra. As crises do Líbano, que martirizam a população há anos, deixam rastros de sangue no passado – entre 1989 e 2019, foram registradas 5.975 mortes – e prenunciam a continuidade da violência no futuro. Enquanto isso, o país prossegue sua derrocada e a população faminta assiste à deterioração de seu poder aquisitivo sem poder fazer nada para mudar essa realidade a não ser revoltar-se.

 

Fonte Imagética: https://www.pexels.com/photo/lebanon-revolution-17_october-freedom-3876139/.

 

REFERÊNCIAS

ALENCASTRO, Luiz F. Atribulações dos libaneses no Líbano. UOL. 3 no. 2011. Disponível em:< https://noticias.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/luiz-felipe-alencastro/2019/11/03/atribulacoes-dos-libaneses-no-libano.htm >. Acesso em: 30 jun. 2020.

AUMENTA tensão no Líbano diante da queda da moeda e protestos. Correio Braziliense. Mundo. 12 jun. 2020. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2020/06/12/interna_mundo,863258/aumenta-tensao-no-libano-diante-da-queda-da-moeda-e-protestos.shtml >. Acesso em: 29 jun. 2020.

ENTENDA as recentes hostilidades entre o Irã e a Arábia Saudita que envolvem o Líbano. G1. 2017. Disponível em: < https://g1.globo.com/mundo/noticia/entenda-as-recentes-hostilidades-entre-o-ira-e-a-arabia-saudita-envolvendo-o-libano.ghtml >. Acesso em: 29 jun. 2020.

GARCIA DA SILVA Matheus; FERNANDES, Marcelo. Líbano: Rebelado contra a miséria, povo ataca bancos e combate a reação com pedras e bombas incendiárias. A Nova Democracia. 26 jun. 2020. Disponível em: < https://anovademocracia.com.br/noticias/13721-libano-rebelado-contra-a-miseria-povo-ataca-bancos-e-combate-a-reacao-com-pedras-e-bombas-incendiarias>. Acesso em: 30 jun. 2020.

GELADEIRAS vazias: um retrato da grave crise no Líbano. G1. 24 jun. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/24/geladeiras-vazias-um-retrato-da-grave-crise-no-libano.ghtml>. Acesso em: 30 jun. 2020.

GRESH, Alain. O velho Líbano resiste à mudança. Le Monde Diplomatique Brasil. Acervo Online. 1 jun. 2005. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/o-velho-libano-resiste-a-mudanca/>. Acesso em: 29 jun. 2020.

KNIPP, Kersten. Drusos, uma minoria sob pressão. Deutsche Welle. Oriente Médio. 9 jun. 2018. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/drusos-uma-minoria-sob-pressão/a-45018802>.

KRAYEM, Hassam. The Lebanese Civil War and the Taif Agreement. American University of Beirut. 2014. Disponível em: < https://almashriq.hiof.no/ddc/projects/pspa/conflict-resolution.html>. Acesso em: 29 jun. 2020.

LEBANON. Uppsala Conflict Data Program (UCDP). Department of Peace and Conflict Research. 2019. Disponível em: < https://ucdp.uu.se/country/660>. Acesso em: 30 jun. 2020.

LEBANON (Civil War 1975-1991). Global Security. 2011. Disponível em: < https://www.globalsecurity.org/military/world/war/lebanon.htm >. Acesso em: 29 jun. 2020.

LEBANON PROFILE – Timeline. BBC. 2018. Disponível em < https://www.bbc.com/news/world-middle-east-14649284 >. Acesso em: 29 jun. 2020.

LEWIS, Lauren. Lembrando a morte de Rafic Hariri (1944-2005). Monitor do Oriente Médio (MEMO). 14 fev. 2020. Disponível em: <https://www.monitordooriente.com/20200214-lembrando-a-morte-de-rafic-hariri-1944-2005/>. Acesso em: 30 jun. 2020.

PREMIÊ do Líbano cancela renúncia após acordo de governo para evitar conflitos. Agência Brasil. 5 dez. 2017. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-12/premie-do-libano-cancela-renuncia-apos-acordo-de-governo-para-evitar>. Acesso em: 30 jun. 2020.

SANCHA, Natalia. Líbano, retrato de uma revolução. El País. Internacional. 20 fev. 2020. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2020/02/20/internacional/1582215668_674056.html>. Acesso em: 29 jun. 2020.

STEAD, Rebecca. Remembering Israel’s 2006 war on Lebanon. Middle East Monitor (MEMO). 2018. Disponível em: < https://www.middleeastmonitor.com/20180712-remembering-israels-2006-war-on-lebanon/ >. Acesso em: 29 jun. 2020.

Da guerra à democratização

Laurindo Paulo Ribeiro Tchinhama: Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). E-mail: laurindoprt@gmail.com

 

Uganda é um país africano localizado na região oriental da África fazendo fronteira com o Sudão do Sul, o Quênia, a Tanzânia, Ruanda e a República Democrática do Congo. O país tem um histórico marcado por conflitos civis e instabilidade política complexa desde a sua independência da Grã-Bretanha em 1962, caracterizada por golpes militares e ditaduras. Evidencia-se, no entanto, segundo Otunnu (2004, p. 11), que a crise do país “reflete a maneira como o Estado foi construído através da violência expansionista europeia, manipulação de diferenças preexistentes, políticas administrativas de divisão, domínio e políticas econômicas”.

Além da crise de legitimidade política, houve problemas relacionados a criação do nacionalismo ugandense causando divisões étnicas, religiosas, e administrativas – especialmente entre o Norte e Sul (OTUNNU, 2004). A fragmentação e divisão político-social do país abriu portas para as instabilidades, alianças e disputas políticas que ocasionaram a aliança dos partidos o Congresso do Povo de Uganda (UPC) de Milton Obote e do partido da monarquia de Buganda (Kabaka Yekka). Por conseguinte, Milton Obote se tornou o primeiro-ministro e Kababa Mutesa II, de Buganda, o presidente (OTUNNU, 2004).

O fracasso da aliança ocorreu em 1967 quando o primeiro-ministro deu um golpe de Estado contra o presidente com abolição do regime tribal e declarou Uganda como uma República. O rompimento da aliança deveu-se à luta por terras entre as etnias Bunyoro e Buganda, enquanto a declaração de estado de emergência foi causada pela percepção de conflito entre o Norte e o Sul no país (OTUNNU, 2004). A crise afetou a relação entre Milton Obote e o comandante do exército, Idi Amin, ocasionando um novo golpe de estado em 1971 executado por este último, que governou o país até 1979.

O governo de Idi Amin foi marcado por violência, mortes de membros da etnia Acholi e Langi, (membros centrais do exército) e de adversários políticos, além disso, Amin configurou o exército a sua maneira. O regime ditatorial de Amin evidenciou a cisma no país, o Sul assumiu os serviços públicos e de comércio, e o Norte os cargos no governo e exército (OTUNNU, 2004). Ademais, estima-se que houve 500,000 mortos e cerca de 1 milhão de deslocados internos, além de 200 mil exilados. O governo causou instabilidade no país resultando na queda do PIB em 25% e de 60% nas exportações, e provocou um aumento na inflação acima de 70%. Já a educação e saúde tiveram um impacto de 27% e 9% respectivamente (RUGUMAMU, GBLA, 2004).

Diante desse contexto, ocorreram sucessivos golpes militares no país. Amin sofreu golpe de militares Acholi e Langi, em 1979, exilados na Tanzânia, com auxílio deste país e do partido Frente de Salvação Nacional (FRONASA), liderado por Yoweri Museveni. Como resultado, Yusuf Lule assume o poder por pouco tempo e é derrubado por Godfrey Binaisa. Este é derrubado por Paulo Muwanga em 1980 que assume a presidência e escolhe Yoweri Museveni como seu vice. No entanto, na tentativa de democratizar o país, a nova administração realizou eleições em 1980 que culminou com a vitória e o retorno de Milton Obote ao poder (OTUNNU, 2004). O governo de Obote foi marcado por reivindicações da sua vitória, legitimidade, guerras declaradas pela maior parte dos partidos, assassinatos e o surgimento de grupos armados. Obote resistiu até 1985 quando sofreu o golpe dos soldados Langi e Acholi e Tito Okello assumiu o poder (OTUNNU, 2004).

Uma vez no poder, Okello inclui a maior parte dos partidos e grupos armados no seu governo. Por seu turno, o Exército de Resistência Nacional (NRA, sigla em inglês) ficou de fora do governo. Nesse sentido, buscaram a negociação de paz que ocorreu em 1985 com o Acordo de Nairóbi. Dentre os objetivos estavam o cessar-fogo entre o governo de Uganda e o NRA, a formação de um governo de coalização com partilha de poder e a nomeação de um representante no conselho militar (KIPLAGAT, 2004).

Todavia, ao assumir o poder após o acordo, o NRA conseguiu desmobilizar os soldados Acholi e vivia-se com clima de relativa tranquilidade, porém o acordo não foi implementado na prática (OTUNNU, 2004). O governo do NRA consolidou a divisão Norte-Sul e os conflitos se intensificaram e ficaram marcados pela elevada violação de Direitos Humanos, discriminação regional, sequestros, saques, dentre outras atrocidades cometidas (OMACH, 2009). Nesse contexto, Yoweri Museveni em 1986 com um golpe de Estado assume o governo alegando a pretensão de garantir a estabilidade e o respeito aos direitos humanos no país. Yoweri Museveni está no poder até o presente.

No poder, Yoweri Museveni realizou algumas mudanças. Durante a década de 1990 uma nova constituição foi instituída e os partidos políticos foram legalizados. Em 1998, os conflitos entre o governo e grupos armados persistiram no Norte e Oeste do país que ficou marcado pela morte de 80 estudantes numa escola. Estima-se um total de 800 pessoas mortas. Em 1999, civis e tribos locais foram atacados pelos grupos rebeldes Forças Democráticas Aliadas (ADF), Exército de Resistência do Senhor (LRA) e Hutus Ruandeses provocando pelo menos mil mortes. Ademais, os conflitos resultaram em 350,000 deslocados de guerras. Vale ressaltar que o conflito com a LRA é um dos mais longos. O grupo, liderado por Joseph Kony, ganhou protagonismo por sequestros de aproximadamente 60,000 crianças para servirem como soldados e escravas sexuais.

A incapacidade do governo em conter os conflitos civis ficou evidente. No ano 2000, o combate entre o governo e os grupos rebeldes ocasionou pelo menos 150 mortes, resultado de ataques contra os civis. No ano seguinte, os novos ataques foram realizados e centenas de pessoas foram mortas, porém pelo menos 5,000 rebeldes se renderam à investida do governo. Por seu turno, entre 2002 e 2000, o LRA realizou ataques contra os civis no Norte e Nordeste do país ocasionando a morte de mil e sequestrando centenas de pessoas.

Os combates se prolongaram em 2005 chegando a atingir o Sudão, em Darfur. Como reação, a comunidade internacional emitiu mandado de prisão aos líderes da LRA. As tentativas de negociações de paz ocorreram entre o governo e o LRA em 2004 e 2006, mas não obtiveram o resultado esperado. Apesar do fracasso, um dos resultados do governo foi reintegração alguns ex-combatentes do LRA às Forças de Defesa do Povo de Uganda (UPDF) e anistia a alguns líderes do grupo.

Entre 2006 e 2008 o fracasso das negociações de paz levaram a retomada dos conflitos. Em 2008, um ultimato foi proposto ao LRA devido à resistência do líder Joseph Kony em negociar por conta do mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) ao mesmo. A sua resistência levou uma ação conjunta da Uganda, da República Democrática do Congo e do Sudão, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos Estados Unidos (EUA), obrigando o refúgio do grupo na República Centro Africana (RCA) onde realizaram ataques a civis com cerca de 500 mortes entre 2008 a 2009. Sobre a captura dos líderes do LRA, em 2015 Dominic Ongwen foi capturado e posto em julgamento desde 2017 enquanto Kony continua foragido.

Fica claro, dessa forma, que os conflitos na Uganda se tornaram regional ao tornar outros Estados vizinhos palco dos ataques do LRA. Assim, fica claro a notoriedade e o protagonismo do LRA dentre os vinte grupos mais influentes nesse país.  No entanto, a captura de Kony continua sendo o desafio do governo ugandês, porém, a exposição das suas fragilidades e o declínio do seu exército, bem como a prisão de alguns líderes do seu grupo deixam claro a sua fraqueza (NYEKO, LUCIMA, 2004).

 

Figura 1- Mapa das áreas mais afetadas pelos conflitos no Uganda sobretudo no Norte

Fonte: RELIEFWEB (2007). Disponível em: https://reliefweb.int/map/uganda/map-uganda-showing-conflict-affected-areas-august-2007. Acesso 18 de junho de 2020.

 

Os conflitos tiveram consequências de dimensão política, social, econômica e principalmente humanitária (OTUNNU, 2004). No âmbito social, gerou órfãos de guerra, destruição de cultura, cerca de 1,8 milhão de deslocados internos, sobretudo na região norte, principal local dos conflitos, e a desintegração do país. Esforços têm sido feitos na luta pelos direitos humanos e prevenção de conflitos com atividade de monitoramento e treinamento com apoio da USAID. As ajudas humanitárias chegaram às regiões mais afetadas com a melhoria da segurança a partir de 2006 (OCHA, 2007).

Um dos desafios a serem superados pelo país é concernente a Governança. Quando assumiu o poder, em 1985, Museveni prometeu estabilidade e transição política no país, porém sua postura mudou em 2005 ao estabelecer mudanças constitucionais no limite de mandatos presidenciais apesar de ter criado um sistema multipartidário (RUGUMAMU, GBLA, 2004). Até então é um dos presidentes do mundo com mais tempo no poder e com as eleições se aproximando em 2021 parece cogitar uma possível recandidatura ao negar aposentadoria. Assim sendo, a postura de Museveni representa a crise de governança e da democracia com um regime ditatorial com características democráticas que oprime, ameaça, abusa de poder militar (KAKA, 2016) e prende seus oponentes, como, por exemplo, o atual candidato da oposição Bobi Wine. Contudo, tal comportamento vem sendo visto desde as eleições de 2001, 2006, 2011 e 2016 (NYEKO, LUCIMA, 2004).

Ao analisarmos o histórico da Uganda podemos traçar algumas considerações. Torna-se evidente, portanto, que a solução dos conflitos não se limita ao estabelecimento da paz negativa, o fim do conflito violento por meio do cessar-fogo, mas passa também por processo de paz positiva com a integração social. Segundo, o processo de construção da paz e democratização em sociedade com características divididas demandam mais abertura ao diálogo por contas das rivalidades étnicas e do regionalismo que foi implantado desde o pós-independência no país. No que tange a segurança, há necessidade de atividade de DDR e Reforma do Setor de Segurança (RSS) no intuito de estabelecer um exército nacional de modo a evitar o retorno de novos conflitos, considerando que o grupo LRA ainda se encontra foragido. Vale ressaltar a relevância do setor por conta do histórico militar e debilidade dos regimes ditatorial e autoritário vivenciado pelo país e reproduzido por Museveni de forma inconstitucional (KAKA, 2016).

Por último, a debilidade político-institucional deixa claro a necessidade de reformas institucionais que garantam o funcionamento e atuação imparcial. No entanto, fica aberta a possibilidade de futuros estudos sobre governança, institucionalização e RSS no país de modo a garantir a estabilidade e segurança dos cidadãos. Porém, apesar da sua postura e do regime autoritário, considerando o histórico conflituoso do país, Museveni não sofreu golpe e tem tido uma atitude de negociador para a manutenção da paz na região.

 

 

FONTE IMAGÉTICA: Manifestação da oposição queimando a foto do presidente Yoweri Museveni durante a campanha eleitoral. Fonte: DW (2020). Disponível em: https://www.dw.com/en/uganda-blocks-a-million-first-time-voters/a-5257519. Acesso 17 de junho de 2020.

 

REFERÊNCIAS

KAKA, Julius. Uganda’s 2016 Elections: Another Setback for Democracy in Africa. Global Observatory: February 24, 2016. Disponível em: https://theglobalobservatory.org/2016/02/ugandas-2016-elections-another-setback-for-democracy-in-africa/. Acesso 18 de junho de 2020.

KIPLAGAT, Bethuel. Reaching the 1985 Nairobi Agreement. In: Accord: protracted conflict, elusive peace: initiatives to end the violence in northern Uganda. Org. LUCIMA, Okello. Conciliation Resources: London, 2002.

OMACH, Paul. Democratization and Conflict Resolution in Uganda. Les Cahiers d’Afrique de l’Est / The East African Review. nº 41, p. 1-20, may, 2009.

OTUNNU, Ogenga. Causes and consequences of the war in Acholiland. In: Accord: protracted conflict, elusive peace: initiatives to end the violence in northern Uganda. Org. LUCIMA, Okello. Conciliation Resources: London, 2002.

LUCIMA, Okello; NYEKO, Balam. Profiles of the parties of conflict. In: Accord: protracted conflict, elusive peace: initiatives to end the violence in northern Uganda. Org. LUCIMA, Okello. Conciliation Resources: London, 2002.

RUGUMAMU, Severine; GBLA, Osman. Studies in reconstruction and capacity building in post-conflict countries in Africa: Some Lessons Of Experience From Uganda. Harare, Zimbabwe, 2004. Disponível em: https://elibrary.acbfpact.org/acbf/collect/acbf/index/assoc/HASH0180/96b7bb1c/f63e60fd/31a4.dir/Thematic94.pdf. Acesso 17 de junho de 2020.

Uganda blocks a million first-time voters. DW. Fev. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/en/uganda-blocks-a-million-first-time-voters/a-5257519. Acesso 17 de junho de 2020.

United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs. OCHA’S MISSION. África. Disponível em: https://www.unocha.org/sites/unocha/files/OCHAin2007_0.pdf. Acesso 18 de junio de 2020.

Conflito no norte do Paraguai: Entre a Força-Tarefa Conjunta e o Exército do Povo Paraguaio

Vitória Totti Salgado: Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP).

E-mail: vitoria.totti@unesp.br

 

Na região norte do Paraguai, nos departamentos de Concepción, San Pedro e Amambay, o grupo intitulado Ejército del Pueblo Paraguayo (EPP, Exército do Povo Paraguaio) atua sob essa alcunha desde março de 2008. Apesar do grupo ter adotado o nome EPP somente no início do século, as suas raízes remontam ao período de transição para o regime democrático no Paraguai, após a queda do ditador Alfredo Stroessner, em 1989. Trata-se de um grupo armado organizado, composto por homens e mulheres da zona rural, com formação teórica e política de esquerda, cujos líderes possuem antecedentes de militância cristã (MARTENS, 2017). O EPP postula o uso da violência revolucionária como estratégica de mudança política e social, como expresso em seus comunicados e proclamações, e reivindica a redistribuição de terras por meio da reforma agrária e a proibição do uso de agrotóxicos na região, dentre outras pautas que colocam em evidência as necessidades do povo campesino (MARTENS, 2017).

Ao iniciar uma análise sobre o corrente conflito entre as forças estatais do Paraguai e o Exército do Povo Paraguaio, propõe-se uma reflexão sobre: (i) o histórico, a estrutura e o funcionamento do EPP enquanto grupo armado organizado; (ii) as características da região onde o grupo atua e a presença de grupos brasileiros ligados ao tráfico internacional como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) nesta mesma região; e (iii) as respostas estatais de combate ao crime organizado e ao EPP na região norte do país.

Existem interpretações díspares e contraditórias, tanto na esfera pública como privada, assim como nos meios de comunicação locais, em relação à natureza do EPP, os seus objetivos, e quem se beneficia com a sua existência (MARTENS, 2017). A produção acadêmica-científica sobre as ações do grupo e o conflito ainda é escassa, e não há consenso sobre sua identidade e principais características, sendo nomeado de diferentes maneiras nos últimos anos: grupo guerrilheiro, terroristas, insurgentes, ou simplesmente criminosos[1]. A determinação da natureza do grupo transcende o interesse acadêmico, pois é capaz de fornecer informações factíveis aos tomadores de decisão, às organizações e movimentos sociais, aos partidos e movimentos políticos, entre outras instituições de interesse que realizam ações na mesma área de influência do EPP, a fim de facilitar a compreensão sobre as implicações e consequências de sua abordagem frente as ações do grupo (MARTENS, 2017).

Nesse sentido, de modo a compreender o atual conflito entre as forças estatais do Paraguai e o EPP, é necessário perscrutar as origens que levaram a criação do grupo. Durante a ditadura de Stroessner (1954-1989), os departamentos de Concepción e San Pedro vivenciaram um considerável fluxo de migrantes rurais como parte do eje norte (eixo norte) do programa de colonização, que foi executado pela agência estatal de reforma agrária, o Instituto de Bienestar Rural (IBR). De 1963 a 1988, cerca de 24 mil famílias receberam terras fiscais (terras estatais) em colônias rudimentares nos dois departamentos. No entanto, a Comisión de Verdad y Justicia reportou, em 2008, que 36 porcento do total de terras fiscais atribuídas aos dois departamentos eram ilegais e foram vendidas pelo regime Stroessner para os seus apoiadores civis e militares (NICKSON, 2018). Assim sendo, a maioria das pessoas assentadas não possuía definitivamente os títulos da terra, apesar de pagarem prestações mensais aos funcionários do IBR.

O fracasso do criminoso programa de colonização do eje norte contribuiu para a emergência de um movimento cooperativo campesino, no início da década de 1960, denominado Ligas Agrarias Cristianas (LAC), promovido por setores radicais da Igreja Católica. O grupo foi violentamente reprimido em meados dos anos 70 e, somente após a queda de Stroessner, em 1989, voltaria a surgir um movimento campesino, nomeado Organización Campesina del Norte (OCN) e liderado pelos sobreviventes da LAC (NICKSON, 2018).

A gênese do EPP, dado o histórico apresentado previamente, pode ser associada à Igreja Católica e aos primeiros movimentos campesinos da região norte do Paraguai. Em abril de 1990, Juan Arrom e Alcides Oviedo se conheceram na Universidade Católica de Assunção, e ambos viriam a se tornar os líderes-fundadores do EPP. Em 1992, Oviedo e outros estudantes fundaram o Movimiento Monseñor Oscar Romero (MMOR), um movimento radical católico que rapidamente se converteria no Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP), uma ala militar nominalmente independente, porém sob o controle do embrionário Partido Patria Libre (PPL). Em 1997, o ERP se mudou para o departamento de San Pedro onde estabeleceria contato com os membros restantes da LAC.

O ERP e as suas reivindicações viriam a ganhar espaço na mídia após o sequestro de Maria Edith Bordon de Debernardi, filha do diretor paraguaio da Itaipú Binacional, em 2001. Bordon foi libertada 64 dias depois de seu sequestro sob o pagamento de aproximadamente 1 milhão de dólares. Em 2004, a filha do ex-presidente Raúl Cubas Grau, Cecilia Cubas, foi também sequestrada. O grupo recebeu o pagamento de 300 mil dólares e, mais de dois meses após o pagamento, o corpo de Cubas foi encontrado em uma casa em Ñemby. Depois desse episódio, o Partido Patria Libre rompeu laços com o então ERP. Em março de 2008, o ERP seria renomeado Ejército del Pueblo Paraguayo e realizaria o seu primeiro ataque sob a autoria do novo grupo: um incêndio de maquinários agrícolas pertencentes a um latifundiário brasiguayo produtor de soja (McDERMOTT, 2015).

A zona geográfica de atuação do EPP – os departamentos de Concepción, San Pedro e Amambay – possuem algumas características específicas que desvelam aspectos importantes da perenidade do grupo na região. Concepción, San Pedro e Amambay juntos somam cerca de 32% de todo o território Oriental do Paraguai, com uma população de quase 700 mil pessoas. Concepción e San Pedro são departamentos onde há grande presença da pecuária bovina e, segundo dados oficias do Ministério da Agricultura do Paraguai (2012), em ambos departamentos, 22.020 pessoas possuem entre 1 a 20 cabeças de gado, enquanto menos de 500 pessoas possuem o poder econômico para ter mais de 1.000 cabeças de gado bovino (IRALA; CARDOZO, 2016). Ademais, nas últimas décadas, o cultivo de soja e grãos têm crescido exponencialmente na região, o que se soma ao processo de “estrangeirização” e concentração da posse da terra no Paraguai, processo no qual o Brasil possui um papel determinante (PEREIRA, 2016). Tais dados revelam consequências da desigual distribuição de terras e das perniciosas consequências da Era Stroessner para o campesinato.

Além disso, os departamentos da fronteira nordeste do Paraguai coincidem com a área de atuação de grupos brasileiros ligados ao narcotráfico internacional, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Os territórios de Concepción e Amambay, principalmente, são usados como portos de entrada para a cocaína boliviana, peruana ou colombiana que entram no Paraguai para seguir, via terrestre, para o mercado brasileiro (MARTENS, 2019).

Apesar de haver especulações sobre a vinculação do EPP ao narcotráfico, especialmente às grandes plantações de cannabis na região, fontes do Ministério do Interior, da Procuradoria Geral e da Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai declararam que não há casos abertos que vincule diretamente o EPP ao narcotráfico e nem evidências que comprovem tal relação. (McDERMOTT, 2015; MARTENS, 2017).

Desde a sua criação, o EPP realizou mais de cem ações armadas, a grande maioria nos departamentos de Concepción e San Pedro. Essas ações consistem em sequestros, ataques a propriedades, atentados contra postos policiais ou militares isolados, bombas colocadas em meios de comunicação e em uma sucursal da Procuradoria Geral, dois ataques a torres de eletricidade e diversas emboscadas. Nestes atentados, morreram mais de sessenta pessoas, tanto civis como de forças policiais ou militares (McDERMOTT, 2015; MARTENS, 2017).

Em 2010 e 2011, o presidente Fernando Lugo declarou Estado de Exceção (lei 3994/10 e lei 4473/1), por 30 e 60 dias respectivamente, e ambas as declarações abarcavam os departamentos de Concepción e San Pedro. Nas duas ocasiões, os motivos para as declarações referiam-se ao combate ao EPP devido aos ataques cometidos pelo grupo (IRALA; CARDOZO, 2016). Em 2013, logo após assumir a presidência do Paraguai, Horacio Cartes enviou ao Congresso uma reforma para permitir a atuação do exército contra o EPP. A lei 5036/13 modificou a lei 1337 “De Defensa Nacional y de Seguridad Interna” com a finalidade de permitir a participação dos militares na segurança doméstica do país. Em 24 de agosto de 2013, o presidente Cartes estabeleceu a Fuerza de Tarea Conjunta (FTC, Força-Tarefa Conjunta) através do Decreto n° 103, uma força armada integrada por efetivos militares, policiais e da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), cujo objetivo é combater o crime organizado e grupos criminais que operam na zona norte do país (McDERMOTT, 2015; MARTENS, 2017). Desde então, os departamentos de Concepción, San Pedro e Amambay, têm presença militar extraordinária permanente, apesar de terem sido alvo de intervenções pelas Forças Armadas desde 2010 sob a forma de estados de exceção ou operações militares (MARTENS, 2017).

Apesar do EPP atuar em uma zona geográfica restrita, as ações tanto da polícia como da FTC foram insuficientes para a dissolução ou contenção do grupo. A grande mídia insinua que não há vontade política em combater o grupo efetivamente, e que as redes de corrupção tanto na polícia como no exército são muito desenvolvidas e profundas. Um estudo acadêmico realizado pelo Instituto de Estudos Comparados em Ciências Penais e Sociais (Inecip-Py, acrônimo em espanhol), com apoio da organização Serviço de Paz e Justiça (Serpaj-Py) e o financiamento da agência sueca Diakonia, revelou padrões violentos e abusos por parte da FTC nas comunidades de Concepción e San Pedro. De acordo com o estudo, baseado em cerca de 72 entrevistas com moradores destes departamentos, os abusos da FTC vão desde execuções extrajudiciais à tortura, buscas ilegais e detenções arbitrárias.

Devido às denúncias de violações de direitos humanos cometidas pelos militares da Força-Tarefa Conjunta, o Serjap apresentou em junho de 2019 um documento ao Congresso representando várias organizações civis e camponesas que pedem a revogação da lei 5036/13, que proporcionou a criação da FTC. Ademais, o orçamento da FTC para o ano de 2019 é de mais de 14 milhões de dólares, dinheiro que, de acordo com estas organizações, poderia ser utilizado para melhorar as condições de vida dos moradores de Concepción e San Pedro. Percebe-se que as medidas estatais adotadas para o combate ao EPP se converteram em uma indústria que gera milhões de dólares, administrada pelos mesmos chefes policias e militares responsáveis por este enfrentamento, e que são provenientes de uma cultura institucional com altos índices de corrupção (MARTENS, 2017, 2019).

Em junho deste ano, a Asociación Rural del Paraguay (ARP, Associação Rural do Paraguai) celebrou o trabalho realizado pela Força-Tarefa Conjunta no combate ao EPP, cujos ataques têm impacto direto no trabalho dos latifundiários produtores de soja e gado bovino da região. Não obstante, a opinião pública revela enorme insatisfação com os esforços do governo vigente, de Mario Abdo Benítez, contra o grupo, devido às várias denúncias de violações de direitos humanos pela FTC, aos altos orçamentos e gastos públicos destinados à Força-Tarefa, e aos altos índices de corrupção dentre os policiais e militares envolvidos no combate ao grupo guerrilheiro. O confronto entre a FTC e o EPP na região norte do Paraguai acaba por agravar os problemas que a região enfrenta há décadas, quais sejam, a desigualdade social, a pobreza, a violência, a ausência do Estado, e a presença patente do crime organizado e do tráfico internacional de drogas.

 

 

Fonte Imagética: Gentileza (2020). Disponível em: https://www.ultimahora.com/fuerza-tarea-conjunta-indaga-quema-tractores-concepcion-n2884279.html

 

NOTAS

[1] Para obter mais informações sobre o EPP, ver: MARTENS, Juan A. Aproximaciones a la naturaleza del EPP desde la perspectiva de la insurgencia, onde são abordadas suas características e formas de ação, áreas de atuação e número de membros, meios propaganda, ações de confronto realizadas, relacionamento com o narcotráfico, fontes de financiamento, relações internacionais, entre outros aspectos. Disponível em: http://novapolis.pyglobal.com/pdf/novapolis_ns_12.pdf

 

REFERÊNCIAS

DIAZ, Fernanda D. Paraguay y el estado de excepción frente al EPP como nuevo actor armado. Boletín Informativo del CENSUD, n. 21, abr. 2010. Disponível em: http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/37538. Acesso em: 10 jun. 2020.

IRALA, Abel Enrique; CARDOZO, Hugo J. P. Violencia armada y avance de la soja en el norte del Paraguay. Revista Conflicto Social, v. 9, n. 15, p. 180-208, 2016.

MARTENS, Juan A. Entre grupos armados, crimen organizado e ilegalismos: actores e impactos políticos y sociales de la violência en la frontera noreste de Paraguay con Brasil. Revista sobre Acesso à Justiça e Direitos nas Américas, Brasília, v. 3, n. 3, p. 65-87, ago./dez. 2019.

MARTENS, Juan A. Aproximaciones a la naturaleza del EPP desde la perspectiva de la insurgencia. Revista Novapolis, Asunción: Arandurã, n. 12, p. 43-68, diciembre 2017. Disponível em: http://novapolis.pyglobal.com/pdf/novapolis_ns_12.pdf. Acesso em: 10 jun. 2020.

McDERMOTT, Jeremy. Ejército del Pueblo Paraguayo, ¿un nuevo grupo insurgente o simples bandidos? Programa de Cooperación en Seguridad Regional. Friedrich-Ebert-Stiftung (FES), Bogotá, 2015.

NICKSON, Andrew. Revolutionary Movements in Latin America after the Cold War: The Case of the Ejército del Pueblo Paraguayo. Bulletin of Latin American Research, Society of Latin American Studies. United Kingdom: Oxford: John Wiley & Sons Ltd, 2018.

PEREIRA, Lorena I. Estrangeirização da terra no Paraguai: Migração de camponeses e latifundiários brasileiros para o Paraguai. Boletim DATALUTA, n. 97, jan. 2016.

O complexo e multifacetado conflito no Mali

Maria Carolina Chiquinatto Parenti: Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP – UNICAMP – PUC-SP). E-mail: mc_parenti@hotmail.com.

 

O Mali vem enfrentando uma série de instabilidades em sua história recente. Localizado na porção ocidental do continente africano, o Mali se situa na região do Sahel e é um dos países mais pobres do mundo1. Aliado ao fato de ter tido uma independência tardia, deixando de ser colônia francesa em 1960, uma série de questões que envolvem desde o próprio governo até a diversidade de grupos étnicos e a presença de grupos armados fizeram com que o país fosse palco de instabilidade política, econômica e social (PARENTI, 2020).

O país está dividido em oito regiões administrativas (Timbuktu, Gao, Kidal, Mopti, Ségou, Sikasso, Kayes, Koulikoro) e a capital Bamako, e faz fronteira com Argélia, Burkina Faso, Costa do Marfim, Guiné, Mauritânia, Níger e Senegal. O idioma oficial é o francês e os malineses são majoritariamente islâmicos. Com população de cerca de 18,54 milhões de pessoas, o Mali ainda abriga uma grande quantidade de etnias, como Bambara, Malinke, Sonike, Tuaregues, Moorish, Fulani, Songhay, Dogon e Peuhl (DUARTE, 2013).

Dentre as etnias presentes na sociedade, destacam-se os tuaregues, um grupo nômade minoritário que vive de forma pastoril na região norte do país (Gao, Timbuktu e Kidal), além do sul da Argélia e sudoeste da Líbia, Níger, Mauritânia e Burkina Faso. Historicamente, sempre foram negligenciados pelo governo, se tornando cada vez mais marginalizados e discriminados. Isso despertou um desejo pela independência da região e pela criação de um Estado autônomo, o Azawad (VELÁSQUEZ, 2014).

De modo a concretizar seus objetivos, a etnia se organizou em vários grupos e realizou revoltas pelo país, em que se destacam as realizadas em 1962, 1990, 2006 e 2012. Diante disso, foram efetuadas algumas tentativas de acordo entre a etnia e o governo, mas sem muito sucesso, levando a deterioração da situação e a escalada da violência. A primeira grande revolta aconteceu logo após a independência do Mali e ainda não havia um movimento unificado entre eles. O governo lançou uma forte ofensiva contra a etnia em 1963, derrotando-os militarmente, o que ocasionou muitos refugiados indo principalmente para a Argélia, Mauritânia e Líbia (KEITA, 1998).

Os anos seguintes também foram conturbados. Em 1968, o primeiro presidente, Modibo Keita, foi deposto por um golpe militar e quem assumiu o governo foi o Tenente Moussa Traoré. Ademais, o Sahel passou por um longo período de seca nas décadas de 1970 e 1980. Aliado a isso, novas agitações voltaram a ocorrer, resultando na segunda grande revolta. Nesse momento, já havia uma resistência formada, e a revolta de 1990 contou com a participação de grandes grupos que lutavam para a formação do Azawad (GAASHOLT, 2013; KRINGS, 1995).

Sem capacidades para lutar e conter os avanços dos grupos, o governo ofereceu um acordo em 1991, o Acordo de Tamanrasset, que garantia autonomia para a região de Kidal (que se tornou nesse momento a oitava região administrativa) e a formulação de programas de desenvolvimento da região norte. No entanto, ele nunca foi cumprido. A situação no país resultou em um novo golpe de Estado em março de 1991 e Amadou Toumani Touré assumiu o governo de transição. Ele não estava interessado em cumprir o Acordo, mas mesmo assim decidiu discutir os arranjos políticos. Esperava-se que isso estabilizasse o país, mas a revolta continuou a ocorrer e os tuaregues prosseguiram com os ataques e, dessa vez, se utilizando de táticas de guerrilha (KLUTE, 2013; KRINGS, 1995).

Como consequência, foi assinado um novo acordo, o Pacto Nacional para a Paz no Norte em abril de 1992, em Bamako, que determinava a integração da etnia nas forças armadas e nos serviços administrativos do país. Mesmo apresentando problemas e a integração nos aspectos sociais e econômicos não ter sido alcançada, o Pacto firmou uma paz que, embora frágil, perdurou por dez anos (GAASHOLT, 2013).

O conflito voltou a emergir em 2006 quando os rebeldes acusaram o governo de não cumprir com as disposições previstas no Pacto e após cerca de 60 tuaregues pertencentes ao exército malinês abandonarem seus cargos sob alegação de discriminação. O governo ofereceu um novo acordo baseado no Pacto Nacional, mas que também não foi implementado. O conflito permaneceu até 2009, quando o governo conseguiu derrotá-los militarmente, com eles fugindo principalmente para a Líbia (DUARTE, 2013).

Em outubro de 2010, se concretizou uma união entre os diversos grupos tuaregues que lutavam pela criação do Azawad por meio da formação do Movimento Nacional pela Libertação do Azawad (Mouvement National pour la Libération de l’Azawad – MNLA), um grupo separatista baseado em um sistema político que separa Estado e religião. Começaram então a ocorrer confrontos entre o MNLA e o governo no início de 2012 e a violência se intensificou, dando início a quarta grande rebelião (BLECK; MICHELITCH, 2015).

Nesse sentido, o ano de 2012 foi um período de grande instabilidade, uma vez que, aliado à violência tuaregue, a rebelião deixou o país mais propenso ao surgimento de grupos militantes islâmicos. Para manter o controle da região norte, os grupos separatistas se aliaram aos grupos extremistas para conseguir construir e manter um sistema administrativo. Porém, com interesses divergentes, os grupos jihadistas expulsaram os grupos tuaregues das principais cidades conquistadas, passando a colocar em prática seus próprios objetivos – instituir um Estado baseado nas leis fundamentalistas islâmicas (Sharia). Nos anos de 2012 e 2013, a violência se intensificou ainda mais, com esses grupos realizando ataques em diversas partes do país (FRANCIS, 2013).

O conflito no Mali é dinâmico, o que constitui, portanto, um desafio a nomeação dos movimentos atuantes devido a sua volatilidade, com novas alianças e surgimento de novos grupos. Ainda assim, alguns podem ser destacados. Na escalada do conflito atual, em 2012, os principais grupos islâmicos presentes no Mali à época eram Ansar Dine, Al Qaeda no Magreb Islâmico (Al Qaeda in the Islamic Maghreb – AQIM) e Movimento para a Unidade e a Jihad na África Ocidental (Movement for Unit and Jihad in West Africa – MUJAO). Em agosto de 2013, o AQIM formou um novo grupo, o Al Mourabitoun, além de que em março de 2017, o Ansar Dine, a Frente de Libertação de Macina, Al Mourabitoun e AQIM anunciaram uma aliança conjunta sob um novo grupo armado, o Grupo para o Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (Groupe de Soutien à l’Islam et aux Musulmans – GSIM). O GSIM constitui atualmente o grupo extremista mais atuante no Mali (RUPESINGHE; BOAS, 2019).

O mesmo ocorre em relação aos grupos armados tuaregues. Atualmente, tais grupos que lutam pela independência da região norte do Mali estão reunidos em torno de duas coalizações que se iniciou em 2014: a Coordenação dos Movimentos do Azawad (Coordination des Mouvements de l’Azawad – CMA) e Plataform (Plataforma). A CMA é composta pelos grupos MNLA, Conselho Superior da Unidade do Azawad e Movimento Árabe do Azawad; enquanto a Platform ou é composta pela Coordenação de Movimentos e Frentes Patrocinados de Resistência, Coalizão Popular do Azawad e outra facção do Movimento Árabe do Azawad (UN, S/2014/692, 2014).

Também em 2014, deu-se início a um diálogo entre as coalizões e o governo para cessar as hostilidades e, após várias rodadas de negociações, foi assinado o Acordo de Paz e Reconciliação do Mali entre o governo malinês e a coalizão dos grupos em 15 de maio de 2015. Tal situação só foi possível porque os grupos tuaregues e o governo se encontravam engajados em encontrar uma solução comum para o problema que vem afligindo o país há décadas. Todavia, o diálogo com os grupos fundamentalistas islâmicos permanecia um desafio, uma vez que continuam realizando ataques por diversas partes do país, o que dificultava ainda mais a estabilização do Mali (BOUTELLIS, 2015).

Devido ao constante agravamento da situação ao longo dos anos, o Mali demandou ajuda internacional. Foi instituída em 20 de dezembro de 2012 uma missão conjunta entre a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, a União Africana, com apoio da ONU – a Missão Internacional Africana de Apoio ao Mali (African-led International Support Mission to Mali ­– AFISMA). Estabelecida para um período inicial de um ano, a AFISMA possuía como objetivos o restabelecimento da integridade territorial e proteção da população civil, mas que, devido à insuficiência de tropas e de financiamento, não obteve êxito e não conseguiu cumprir o seu mandato (WEISS; WELZ, 2014).

Posteriormente, sofreu intervenção da França a pedido do próprio governo, cujas tropas ainda permanecem no país. Assim, no momento em que os grupos jihadistas aumentaram sua área de atuação e assumiram o controle de importantes cidades em meados de 2012, a França lançou a Operação Serval em janeiro de 2013 com o objetivo de impedir que os grupos extremistas passassem a controlar a capital e as demais regiões do país, e restaurar a integridade territorial do Mali. A Serval passou por uma configuração, sendo substituída pela Operação Barkahe em agosto de 2014, que atua com o objetivo de rastrear e conter grupos extremistas islâmicos por toda a região do Sahel (WEISS; WELZ, 2014).

Além disso, em fevereiro de 2013, a União Europeia se envolveu diretamente no conflito ao enviar ao país uma missão de treinamento para auxiliar as forças de defesa e segurança do Mali, a European Union Training Mission in Mali (EUTM-Mali). No âmbito regional, os governos de Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger formaram o Grupo dos Cinco do Sahel para aumentar a cooperação em virtude dos desafios de segurança na região (BOUTELLIS, 2015).

Diante da complexidade e do agravamento do conflito no Mali, a ONU desdobrou em 25 de abril de 2013 uma operação de paz, a Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas de Estabilização no Mali (Mission Multidimensionnelle Intégrée des Nations Unies pour la Stabilisation au Mali – MINUSMA), que permanece até os dias atuais. O mandato da Missão possui, entre suas responsabilidades, o apoio ao processo político e à estabilização do país. O mandato ainda autorizou a utilização de todos os meios necessários para proteger o próprio mandato, as forças da ONU e a proteção aos civis contra qualquer tipo de violência física. A MINUSMA opera em um ambiente hostil e adota uma postura robusta, se utilizando do uso da força para impor o mandato e, como o próprio nome indica, trata-se de uma operação multidimensional de estabilização. A AFISMA e a Serval foram operações simultâneas e, quando a AFISMA foi substituída pela MINUSMA, a operação da França e da ONU passaram a ocorrer também ao mesmo tempo (UN, S/RES/2100, 2013).

Mesmo diante de tais esforços e com alguns progressos – como a assinatura do Acorde de Paz e a realização de eleições (com Boubacar Keita sendo eleito presidente nas eleições de 2013 e reeleito em 2017) –, os embates não cessaram. Além de violações no cessar fogo, o Acordo contém problemas, uma vez que foi assinado em meio a combates e não abrange todas as partes em conflito, como os grupos fundamentalistas islâmicos. Esses grupos, a se destacar o GSIM, continuam a realizar ataques contra a população civil, o governo e a MINUSMA para concretizar seus objetivos, e não possuem interesse em tal Acordo, tentando ruir com o processo de paz (BANCO, 2019).

Nesse sentido, a situação de segurança no Mali ainda é algo frágil e preocupante, que continua a se deteriorar. Como consequência das atividades dos grupos extremistas, surgiram milícias de autodefesa e iniciou um ciclo de embates entre comunidades étnicas. Assim, a partir de 2016, além da violência na região norte, o conflito se estendeu para a região central do país, onde a violência intercomunitária cresceu significativamente, principalmente entre as etnias Dogon e Fulani. O aumento das tensões entre essas comunidades, que estão competindo pelo acesso aos recursos naturais, afeta ainda mais os civis, dificultando a estabilização do Mali (RUPESINGHE; BOAS, 2019).

A MINUSMA se encontra em um ambiente extremamente hostil e pode ser considerada uma nova categoria de missões de paz. A missão possui a tarefa de auxiliar o governo a restaurar a autoridade e o controle estatal na região norte. Isso os colocaram em confronto direto com a ameaça dos grupos armados, que a considera como uma parte integrante do conflito. Nesse sentido, a MINUSMA é considerada como uma missão parcial, que está apoiando o governo. Os constantes ataques contra a MINUSMA desde seu desdobramento tornaram a missão no Mali a operação de paz mais mortal entre todas que a ONU estabeleceu – com 206 fatalidades desde o início da missão até o final de 2019 (TESFAGHIORGHIS, 2016).

A MINUSMA ainda enfrenta obstáculos em relação às suas capacidades logísticas e de pessoal, uma vez que, como as bases da ONU são atacadas com frequência, muito do que poderia ser usado para a proteção de civis acaba indo para a proteção do próprio pessoal da missão. Os ataques direcionados às instalações da ONU torna a proteção de civis mais dificultosa e a população reluta em acreditar que os militares possam protegê-los, considerando-a como uma fonte de insegurança (BANCO, 2019; TESFAGHIORGHIS, 2016).

O conflito no Mali é complexo e multifacetado, a situação no país permanece caótica e não há perspectivas de melhora. O contexto atual envolve o governo; os grupos tuaregues que, mesmo com o Acordo, ainda lutam por território; os grupos extremistas, que permanecem bastante atuantes e representam a maior ameaça à paz; e a violência étnica que, desde 2016, vem aumentando. Os embates entre os grupos e os ataques direcionados aos civis resultaram em milhares de mortos (por ser um conflito atual, é difícil de calcular a quantidade exata), refugiados (cerca de 142.000 principalmente na Burkina Faso, Mauritânia e Níger), mais de 218 mil pessoas deslocadas internamente, além da deterioração da situação humanitária e violação dos direitos humanos, afetando mais de 5 milhões de pessoas. O conflito no Mali é altamente politizado e envolve uma grande quantidade de atores com diferentes interesses e objetivos. A MINUSMA possui um mandato robusto desde seu desdobramento e adotou uma postura mais agressiva conforme os anos devido a um agravamento do conflito. No entanto, ainda não conseguiu estabilizar a situação, conter os ataques dos grupos armados e proteger a população civil. Nesse sentido, a segurança no Mali ainda constitui algo precário e a paz está longe de ser atingida (PARENTI, 2020; UN, S/2019/454, 2019).

 

 

Fonte Imagética: Wikimedia

 

NOTAS

[1] Apresentando uma crítica condição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humanos (IDH) – 0,427 em 2018 –, o Mali é um dos 25 países mais pobres do mundo (HUMAN DEVELOPMENT INDICATORS, 2019).

 

REFERÊNCIAS

BANCO, Eric. Mali: The Deadliest Peacekeeping Mission In The World. International Buisness Times, [s.I.], 15 ago. 2015. Disponível em: https://www.ibtimes.com/mali-deadliest-peacekeeping-mission-world-2054659. Acesso em: 14 out. 2019.

BLECK, Jaimie; MICHELITCH, Kristin. THE 2012 CRISIS IN MALI: ONGOING EMPIR-ICAL STATE FAILURE. African Affairs, [s. I.], v. 114, n. 457, p.598-623, ago. 2015.

BOUTELLIS, A. Can the UN Stabilize Mali? Towards a UN Stabilization Doctrine? Stabil-ity: International Journal of Security & Development, [s.l.], v. 4, n. 1, pp. 1–16, jun. 2015.

DUARTE, Geraldine Rosas. Crise no Mali: as origens do conflito e os entraves para a resolu-ção. Conjuntura Internacional, Belo Horizonte, v. 10, n. 1, p.7-14, jan/jun. 2013.

FRANCIS, David J.. The regional impact of the armed conflict and French intervention in Mali. Norwegian Peacebuilding Resource Centre, [s. I.], p.1-16, abr. 2013.

GAASHOLT, Ole Martin. Northern Mali 2012: The short-lived triumph of irreden-tism. Strategic Review For Southern Africa, Londres, v. 35, n. 2, p.68-91, nov. 2013.

HUMAN DEVELOPMENT INDICATORS. United Nations Development Programme (UNDP). Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/MLI>. Acesso em: 02 jun. 2020.

KEITA, Kalifa. Conflict and conflict resolution in the Sahel: The Tuareg insurgency in Ma-li. Small Wars & Insurgencies, [s.l.], v. 9, n. 3, p.102-128, dez. 1998.

KLUTE, Georg. POST-GADDAFI REPERCUSSIONS IN NORTHERN MALI. Strategic Review For Southern Africa, [s. I.], v. 35, n. 2, p.53-67, nov. 2013.

KRINGS, Thomas. Marginalisation and Revolt among the Tuareg in Mali and Niger. Geojournal, [s.l.], v. 36, n. 1, p.57-63, mai. 1995.

PARENTI, Maria Carolina Chiquinatto. A coordenação civil-militar na operação de paz da ONU no Mali. 2020. 187 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/Unicamp/Puc-sp), São Paulo, 2020.

RUPESINGHE, Natasja; BOAS, Morten. Local Drivers of Violent Extremism in Central Ma-li. UNDP Policy Brief, [s.I.], p. 1-14, set. 2019.

TESFAGHIORGHIS, Sofia Micael. (In)securing Humanitarian Space?: A Study of Civil-Military Interaction in Mali. 2016. 121 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Ciência Política. University of Oslo, [s.i.], 2016.

UN. S/2014/692. Report of the Secretary-General on the situation in Mali. New York, 22 Sep. 2014.

UN. S/2019/454. Report of the Secretary-General on the situation in Mali. New York, 31 Mai. 2019.

UN. S/RES/2100. Security Council resolution. New York, 25 Apr. 2013.

VELÁSQUEZ, Giuliana Stephanie Saldarriaga. La legalidad de la intervención en Ma-lí. Revista Derecho Pucp, n. 73, p.239-248, jul/nov. 2014.

WEISS, Thomas G.; WELZ, Martin. The UN and the African Union in Mali and beyond: a shotgun wedding?. International Affairs, [s.l.], v. 90, n. 4, p.889-905, jul. 2014.