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Security cooperation in the Arctic after Ukraine: how the war affected the security dilemma in the polar region

O agravamento das tensões entre Rússia e países ocidentais após a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, gerou impactos significativos na dinâmica de cooperação no Ártico, tradicionalmente pautada por uma lógica de excepcionalismo regional. A militarização crescente e a reconfiguração das alianças, especialmente com a entrada da Finlândia e da Suécia na OTAN, colocaram em xeque a ideia de que o Ártico poderia permanecer imune às disputas geopolíticas globais.

No artigo “Security cooperation in the Arctic after Ukraine: how the war affected the security dilemma in the polar region”, o pesquisador Getúlio Alves de Almeida Neto, membro do CIRE e vinculado ao programa San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), analisa como o dilema de segurança entre a Rússia e os países ocidentais se intensificou na região polar. A pesquisa revisita a literatura sobre o conceito de dilema de segurança, examina documentos estratégicos dos Estados Árticos e se debruça sobre reportagens recentes para entender como as ações mútuas passaram a ser interpretadas como ameaças, aprofundando o abismo diplomático.

Leia o artigo completo aqui.

O teste ASAT da Rússia e o uso do espaço cósmico

Raquel Gontijo*

 

Os debates em torno dos riscos de uma corrida armamentista espacial, assim como a necessidade de negociações internacionais mais robustas envolvendo o uso do espaço cósmico, foram reavivados nos últimos dias. No dia 15 de novembro, o governo russo confirmou a realização de um teste de míssil antissatélite de ascensão direta (ASAT), que destruiu o satélite Cosmos-1408. O satélite russo fora lançado na década de 1980, tinha massa de aproximadamente 2.000 kg, orbitava a uma altitude de aproximadamente 480 km, e já não estava mais operacional. O teste do ASAT resultou na liberação de milhares de pequenos detritos, atualmente estimando-se mais de 1.500 objetos rastreáveis (com mais de 10 cm) e milhares de outros fragmentos pequenos demais para serem rastreáveis, mas ainda assim suficientes para causar danos a plataformas orbitais, devido às suas elevadas velocidades.

O satélite Cosmos-1408 encontrava-se na faixa de órbita terrestre baixa (em inglês, low Earth orbit – LEO), que se estende entre aproximadamente 160 km e 1.000 km de altitude (essa demarcação pode variar). Essa faixa concentra uma grande quantidade de satélites, sendo a mais adequada para diversas atividades de observação e monitoramento da superfície terrestre, pela facilidade em obter imagens de alta resolução, e para comunicação com aparelhos portáteis de pequeno porte. Esta é também a faixa onde se encontra a Estação Espacial Internacional (ISS), iniciativa de cooperação científica e tecnológica internacional, que agrega 15 países, incluindo a própria Rússia.

A Rússia não é o primeiro país a realizar um teste de ASAT com destruição de um satélite e a liberação de detritos na faixa orbital LEO. Em 2007, a China destruiu o satélite Feng Yun-1C, em uma altitude de aproximadamente 850 km. Em seguida, os Estados Unidos testaram seu próprio ASAT na operação Burnt Frost, em 2008, destruindo o satélite USA-193, a uma altitude de aproximadamente 250 km (com um planejamento para minimização da liberação de detrito relativamente bem-sucedido). E, em 2019, a Índia realizou a Missão Shakti, em que destruiu um satélite a aproximadamente 300 km de altitude.

A nuvem de detritos lançada pelo teste do ASAT russo, assim como ocorrido nos testes anteriores, resulta em uma elevação significativa dos riscos para as plataformas em órbitas LEO, incluindo a ISS. De fato, os astronautas da ISS (dois russos, quatro americanos e um alemão) receberam um aviso no dia 15 de novembro para se prepararem para o risco de colisão com a nuvem de detritos, antes de o teste ASAT ser confirmado, o que levou a severas críticas ao governo russo, que teria colocado em risco as vidas de seus próprios cosmonautas.

Muitos dos fragmentos produzidos pelo teste serão destruídos ao reentrarem na atmosfera, mas muitos poderão permanecer em órbita durante anos, impondo risco a satélites em um longo horizonte temporal, conforme demonstrado pelas experiências passadas. Ademais, além de poderem causar danos aos satélites operacionais em órbita, os detritos também podem prejudicar os lançamentos espaciais de novas plataformas.

Com a intensificação do uso do espaço cósmico, esses problemas se tornam cada vez mais urgentes e alarmantes. Atualmente, satélites são um recurso essencial para o funcionamento de inúmeras atividades, incluindo a sincronização de equipamentos digitais (que viabiliza, por exemplo, o mercado financeiro e muitos serviços digitais), o monitoramento da superfície terrestre (desde queimadas e desmatamento até padrões de ocupação urbana), comunicações, e atividades militares como navegação de veículos autônomos e monitoramento de alvos.

Mas, a despeito da evidente importância desses recursos para a sociedade contemporânea, nas últimas décadas os instrumentos de cooperação internacional ficaram estagnados em termos de novas propostas para o controle da militarização do espaço. Nas décadas de 1960 e 1970, foram negociados tratados internacionais que estruturam os princípios fundamentais do uso do espaço cósmico. Dentre esses instrumentos legais, o grande expoente é o Tratado de 1967, que estabelece, dentre outras questões, que a Lua e demais corpos celestes poderão ser usados apenas para “fins pacíficos”. No entanto, além de o termo “fins pacíficos” estar sujeito a diversas interpretações, o tratado não indica que o uso do entorno orbital da Terra deva ser igualmente restringido. Ou seja, não há atualmente nenhum instrumento vinculante que determine que o entorno orbital não possa ser militarizado ou usado para alocação de armamentos.

Desde a década de 1980, a Assembleia Geral da ONU vem reiterando a importância de que sejam retomadas negociações sobre o controle de armamentos em relação ao espaço cósmico, com a repetida aprovação de resoluções sobre a prevenção de uma corrida armamentista espacial (resoluções denominadas PAROS – Prevention of an Arms Race in Outer Space). No entanto, as discussões realizadas no âmbito da Conferência de Desarmamento da ONU têm sido travadas pela animosidade e a desconfiança entre as grandes potências.

Diante disso, em 2008, a Rússia e a China propuseram o texto de um novo tratado de proibição de alocação de armamentos no espaço, posteriormente revisado em 2014. Entretanto, o tratado não foi concluído, dentre outras questões, devido a questionamentos levantados sobre sua linguagem vaga e imprecisa. O tratado não previa, por exemplo, a proibição de testes de armamentos ASAT de ascensão direta, como o realizado pela Rússia, já que esses armamentos não são alocados em órbita, mas em solo.

Um dos poucos pontos em que parecia haver algum avanço mais substancial nas negociações internacionais, sobretudo no âmbito do Comitê das Nações Unidas sobre Usos Pacíficos do Espaço Cósmico (COPUOS), era justamente no controle de detritos espaciais. Nas últimas décadas, o tema da sustentabilidade do uso do espaço cósmico tem sido intensamente debatido, e foram propostas inúmeras diretrizes e códigos de conduta para mitigar o problema dos detritos, que afetam indiscriminadamente os satélites de todos os países.

No entanto, os instrumentos internacionais negociados até hoje sobre essa questão não têm caráter vinculante, ficando a cargo de cada país seguir as diretrizes e impô-las às empresas privadas de sua nacionalidade. Eventos como o teste ASAT da Rússia põe em xeque muito do que tem sido conquistado, e geram desconfiança sobre a disposição dos Estados em cumprirem e fazerem cumprir as regras para promoção da sustentabilidade espacial. Além disso, esse teste reforça uma tendência de acirramento da corrida armamentista entre Rússia, Estados Unidos e China, com consequências não só para o espaço cósmico, mas para o delicado equilíbrio político e militar de forma mais ampla.

É urgente a necessidade de avanços concretos nas negociações internacionais para mitigação do problema dos detritos e para prevenção de uma corrida armamentista espacial. E, sem o compromisso das nações com maior presença no espaço cósmico, veremos, nos próximos anos, as consequências de uma tragédia anunciada.

 

* Raquel Gontijo é Professora do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas e pesquisadora do GEDES. Sua tese de doutorado discutiu as forças motrizes da proliferação de armamentos nucleares e mísseis balísticos. Contato: rgontijo@pucminas.br.

Imagem: Space Debris. Por: European Space Agency/Flickr.

Conflito no norte do Paraguai: Entre a Força-Tarefa Conjunta e o Exército do Povo Paraguaio

Vitória Totti Salgado: Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP).

E-mail: vitoria.totti@unesp.br

 

Na região norte do Paraguai, nos departamentos de Concepción, San Pedro e Amambay, o grupo intitulado Ejército del Pueblo Paraguayo (EPP, Exército do Povo Paraguaio) atua sob essa alcunha desde março de 2008. Apesar do grupo ter adotado o nome EPP somente no início do século, as suas raízes remontam ao período de transição para o regime democrático no Paraguai, após a queda do ditador Alfredo Stroessner, em 1989. Trata-se de um grupo armado organizado, composto por homens e mulheres da zona rural, com formação teórica e política de esquerda, cujos líderes possuem antecedentes de militância cristã (MARTENS, 2017). O EPP postula o uso da violência revolucionária como estratégica de mudança política e social, como expresso em seus comunicados e proclamações, e reivindica a redistribuição de terras por meio da reforma agrária e a proibição do uso de agrotóxicos na região, dentre outras pautas que colocam em evidência as necessidades do povo campesino (MARTENS, 2017).

Ao iniciar uma análise sobre o corrente conflito entre as forças estatais do Paraguai e o Exército do Povo Paraguaio, propõe-se uma reflexão sobre: (i) o histórico, a estrutura e o funcionamento do EPP enquanto grupo armado organizado; (ii) as características da região onde o grupo atua e a presença de grupos brasileiros ligados ao tráfico internacional como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) nesta mesma região; e (iii) as respostas estatais de combate ao crime organizado e ao EPP na região norte do país.

Existem interpretações díspares e contraditórias, tanto na esfera pública como privada, assim como nos meios de comunicação locais, em relação à natureza do EPP, os seus objetivos, e quem se beneficia com a sua existência (MARTENS, 2017). A produção acadêmica-científica sobre as ações do grupo e o conflito ainda é escassa, e não há consenso sobre sua identidade e principais características, sendo nomeado de diferentes maneiras nos últimos anos: grupo guerrilheiro, terroristas, insurgentes, ou simplesmente criminosos[1]. A determinação da natureza do grupo transcende o interesse acadêmico, pois é capaz de fornecer informações factíveis aos tomadores de decisão, às organizações e movimentos sociais, aos partidos e movimentos políticos, entre outras instituições de interesse que realizam ações na mesma área de influência do EPP, a fim de facilitar a compreensão sobre as implicações e consequências de sua abordagem frente as ações do grupo (MARTENS, 2017).

Nesse sentido, de modo a compreender o atual conflito entre as forças estatais do Paraguai e o EPP, é necessário perscrutar as origens que levaram a criação do grupo. Durante a ditadura de Stroessner (1954-1989), os departamentos de Concepción e San Pedro vivenciaram um considerável fluxo de migrantes rurais como parte do eje norte (eixo norte) do programa de colonização, que foi executado pela agência estatal de reforma agrária, o Instituto de Bienestar Rural (IBR). De 1963 a 1988, cerca de 24 mil famílias receberam terras fiscais (terras estatais) em colônias rudimentares nos dois departamentos. No entanto, a Comisión de Verdad y Justicia reportou, em 2008, que 36 porcento do total de terras fiscais atribuídas aos dois departamentos eram ilegais e foram vendidas pelo regime Stroessner para os seus apoiadores civis e militares (NICKSON, 2018). Assim sendo, a maioria das pessoas assentadas não possuía definitivamente os títulos da terra, apesar de pagarem prestações mensais aos funcionários do IBR.

O fracasso do criminoso programa de colonização do eje norte contribuiu para a emergência de um movimento cooperativo campesino, no início da década de 1960, denominado Ligas Agrarias Cristianas (LAC), promovido por setores radicais da Igreja Católica. O grupo foi violentamente reprimido em meados dos anos 70 e, somente após a queda de Stroessner, em 1989, voltaria a surgir um movimento campesino, nomeado Organización Campesina del Norte (OCN) e liderado pelos sobreviventes da LAC (NICKSON, 2018).

A gênese do EPP, dado o histórico apresentado previamente, pode ser associada à Igreja Católica e aos primeiros movimentos campesinos da região norte do Paraguai. Em abril de 1990, Juan Arrom e Alcides Oviedo se conheceram na Universidade Católica de Assunção, e ambos viriam a se tornar os líderes-fundadores do EPP. Em 1992, Oviedo e outros estudantes fundaram o Movimiento Monseñor Oscar Romero (MMOR), um movimento radical católico que rapidamente se converteria no Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP), uma ala militar nominalmente independente, porém sob o controle do embrionário Partido Patria Libre (PPL). Em 1997, o ERP se mudou para o departamento de San Pedro onde estabeleceria contato com os membros restantes da LAC.

O ERP e as suas reivindicações viriam a ganhar espaço na mídia após o sequestro de Maria Edith Bordon de Debernardi, filha do diretor paraguaio da Itaipú Binacional, em 2001. Bordon foi libertada 64 dias depois de seu sequestro sob o pagamento de aproximadamente 1 milhão de dólares. Em 2004, a filha do ex-presidente Raúl Cubas Grau, Cecilia Cubas, foi também sequestrada. O grupo recebeu o pagamento de 300 mil dólares e, mais de dois meses após o pagamento, o corpo de Cubas foi encontrado em uma casa em Ñemby. Depois desse episódio, o Partido Patria Libre rompeu laços com o então ERP. Em março de 2008, o ERP seria renomeado Ejército del Pueblo Paraguayo e realizaria o seu primeiro ataque sob a autoria do novo grupo: um incêndio de maquinários agrícolas pertencentes a um latifundiário brasiguayo produtor de soja (McDERMOTT, 2015).

A zona geográfica de atuação do EPP – os departamentos de Concepción, San Pedro e Amambay – possuem algumas características específicas que desvelam aspectos importantes da perenidade do grupo na região. Concepción, San Pedro e Amambay juntos somam cerca de 32% de todo o território Oriental do Paraguai, com uma população de quase 700 mil pessoas. Concepción e San Pedro são departamentos onde há grande presença da pecuária bovina e, segundo dados oficias do Ministério da Agricultura do Paraguai (2012), em ambos departamentos, 22.020 pessoas possuem entre 1 a 20 cabeças de gado, enquanto menos de 500 pessoas possuem o poder econômico para ter mais de 1.000 cabeças de gado bovino (IRALA; CARDOZO, 2016). Ademais, nas últimas décadas, o cultivo de soja e grãos têm crescido exponencialmente na região, o que se soma ao processo de “estrangeirização” e concentração da posse da terra no Paraguai, processo no qual o Brasil possui um papel determinante (PEREIRA, 2016). Tais dados revelam consequências da desigual distribuição de terras e das perniciosas consequências da Era Stroessner para o campesinato.

Além disso, os departamentos da fronteira nordeste do Paraguai coincidem com a área de atuação de grupos brasileiros ligados ao narcotráfico internacional, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Os territórios de Concepción e Amambay, principalmente, são usados como portos de entrada para a cocaína boliviana, peruana ou colombiana que entram no Paraguai para seguir, via terrestre, para o mercado brasileiro (MARTENS, 2019).

Apesar de haver especulações sobre a vinculação do EPP ao narcotráfico, especialmente às grandes plantações de cannabis na região, fontes do Ministério do Interior, da Procuradoria Geral e da Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai declararam que não há casos abertos que vincule diretamente o EPP ao narcotráfico e nem evidências que comprovem tal relação. (McDERMOTT, 2015; MARTENS, 2017).

Desde a sua criação, o EPP realizou mais de cem ações armadas, a grande maioria nos departamentos de Concepción e San Pedro. Essas ações consistem em sequestros, ataques a propriedades, atentados contra postos policiais ou militares isolados, bombas colocadas em meios de comunicação e em uma sucursal da Procuradoria Geral, dois ataques a torres de eletricidade e diversas emboscadas. Nestes atentados, morreram mais de sessenta pessoas, tanto civis como de forças policiais ou militares (McDERMOTT, 2015; MARTENS, 2017).

Em 2010 e 2011, o presidente Fernando Lugo declarou Estado de Exceção (lei 3994/10 e lei 4473/1), por 30 e 60 dias respectivamente, e ambas as declarações abarcavam os departamentos de Concepción e San Pedro. Nas duas ocasiões, os motivos para as declarações referiam-se ao combate ao EPP devido aos ataques cometidos pelo grupo (IRALA; CARDOZO, 2016). Em 2013, logo após assumir a presidência do Paraguai, Horacio Cartes enviou ao Congresso uma reforma para permitir a atuação do exército contra o EPP. A lei 5036/13 modificou a lei 1337 “De Defensa Nacional y de Seguridad Interna” com a finalidade de permitir a participação dos militares na segurança doméstica do país. Em 24 de agosto de 2013, o presidente Cartes estabeleceu a Fuerza de Tarea Conjunta (FTC, Força-Tarefa Conjunta) através do Decreto n° 103, uma força armada integrada por efetivos militares, policiais e da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), cujo objetivo é combater o crime organizado e grupos criminais que operam na zona norte do país (McDERMOTT, 2015; MARTENS, 2017). Desde então, os departamentos de Concepción, San Pedro e Amambay, têm presença militar extraordinária permanente, apesar de terem sido alvo de intervenções pelas Forças Armadas desde 2010 sob a forma de estados de exceção ou operações militares (MARTENS, 2017).

Apesar do EPP atuar em uma zona geográfica restrita, as ações tanto da polícia como da FTC foram insuficientes para a dissolução ou contenção do grupo. A grande mídia insinua que não há vontade política em combater o grupo efetivamente, e que as redes de corrupção tanto na polícia como no exército são muito desenvolvidas e profundas. Um estudo acadêmico realizado pelo Instituto de Estudos Comparados em Ciências Penais e Sociais (Inecip-Py, acrônimo em espanhol), com apoio da organização Serviço de Paz e Justiça (Serpaj-Py) e o financiamento da agência sueca Diakonia, revelou padrões violentos e abusos por parte da FTC nas comunidades de Concepción e San Pedro. De acordo com o estudo, baseado em cerca de 72 entrevistas com moradores destes departamentos, os abusos da FTC vão desde execuções extrajudiciais à tortura, buscas ilegais e detenções arbitrárias.

Devido às denúncias de violações de direitos humanos cometidas pelos militares da Força-Tarefa Conjunta, o Serjap apresentou em junho de 2019 um documento ao Congresso representando várias organizações civis e camponesas que pedem a revogação da lei 5036/13, que proporcionou a criação da FTC. Ademais, o orçamento da FTC para o ano de 2019 é de mais de 14 milhões de dólares, dinheiro que, de acordo com estas organizações, poderia ser utilizado para melhorar as condições de vida dos moradores de Concepción e San Pedro. Percebe-se que as medidas estatais adotadas para o combate ao EPP se converteram em uma indústria que gera milhões de dólares, administrada pelos mesmos chefes policias e militares responsáveis por este enfrentamento, e que são provenientes de uma cultura institucional com altos índices de corrupção (MARTENS, 2017, 2019).

Em junho deste ano, a Asociación Rural del Paraguay (ARP, Associação Rural do Paraguai) celebrou o trabalho realizado pela Força-Tarefa Conjunta no combate ao EPP, cujos ataques têm impacto direto no trabalho dos latifundiários produtores de soja e gado bovino da região. Não obstante, a opinião pública revela enorme insatisfação com os esforços do governo vigente, de Mario Abdo Benítez, contra o grupo, devido às várias denúncias de violações de direitos humanos pela FTC, aos altos orçamentos e gastos públicos destinados à Força-Tarefa, e aos altos índices de corrupção dentre os policiais e militares envolvidos no combate ao grupo guerrilheiro. O confronto entre a FTC e o EPP na região norte do Paraguai acaba por agravar os problemas que a região enfrenta há décadas, quais sejam, a desigualdade social, a pobreza, a violência, a ausência do Estado, e a presença patente do crime organizado e do tráfico internacional de drogas.

 

 

Fonte Imagética: Gentileza (2020). Disponível em: https://www.ultimahora.com/fuerza-tarea-conjunta-indaga-quema-tractores-concepcion-n2884279.html

 

NOTAS

[1] Para obter mais informações sobre o EPP, ver: MARTENS, Juan A. Aproximaciones a la naturaleza del EPP desde la perspectiva de la insurgencia, onde são abordadas suas características e formas de ação, áreas de atuação e número de membros, meios propaganda, ações de confronto realizadas, relacionamento com o narcotráfico, fontes de financiamento, relações internacionais, entre outros aspectos. Disponível em: http://novapolis.pyglobal.com/pdf/novapolis_ns_12.pdf

 

REFERÊNCIAS

DIAZ, Fernanda D. Paraguay y el estado de excepción frente al EPP como nuevo actor armado. Boletín Informativo del CENSUD, n. 21, abr. 2010. Disponível em: http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/37538. Acesso em: 10 jun. 2020.

IRALA, Abel Enrique; CARDOZO, Hugo J. P. Violencia armada y avance de la soja en el norte del Paraguay. Revista Conflicto Social, v. 9, n. 15, p. 180-208, 2016.

MARTENS, Juan A. Entre grupos armados, crimen organizado e ilegalismos: actores e impactos políticos y sociales de la violência en la frontera noreste de Paraguay con Brasil. Revista sobre Acesso à Justiça e Direitos nas Américas, Brasília, v. 3, n. 3, p. 65-87, ago./dez. 2019.

MARTENS, Juan A. Aproximaciones a la naturaleza del EPP desde la perspectiva de la insurgencia. Revista Novapolis, Asunción: Arandurã, n. 12, p. 43-68, diciembre 2017. Disponível em: http://novapolis.pyglobal.com/pdf/novapolis_ns_12.pdf. Acesso em: 10 jun. 2020.

McDERMOTT, Jeremy. Ejército del Pueblo Paraguayo, ¿un nuevo grupo insurgente o simples bandidos? Programa de Cooperación en Seguridad Regional. Friedrich-Ebert-Stiftung (FES), Bogotá, 2015.

NICKSON, Andrew. Revolutionary Movements in Latin America after the Cold War: The Case of the Ejército del Pueblo Paraguayo. Bulletin of Latin American Research, Society of Latin American Studies. United Kingdom: Oxford: John Wiley & Sons Ltd, 2018.

PEREIRA, Lorena I. Estrangeirização da terra no Paraguai: Migração de camponeses e latifundiários brasileiros para o Paraguai. Boletim DATALUTA, n. 97, jan. 2016.