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A Guerra ao Terror falhou

A utilização de automóveis para atingir indivíduos em locais públicos vem se mostrando uma forma recorrente de praticar atentados terroristas. Do ano passado até o presente momento, dois casos talvez sejam os mais emblemáticos: o de Nice, em julho de 2016, e o de Mogadíscio na Somália, que apesar de menos midiatizado que eventos com menos casualidades como os de Berlin e Londres, produziu pelo menos 300 mortes.
Antes e durante a minha exposição na Band News sobre o incidente que ocorreu em Nova York, percebi que também talvez tenha mais perguntas do que respostas, ou pelo menos respostas diferentes do que as comumente oferecidas por figuras públicas e alguns meios de comunicação para as costumeiras perguntas que surgem após momentos como o do dia 31 de outubro. De que forma o terrorismo mudou ao longo do tempo e como podemos olhar para história a fim de buscarmos ideias para o futuro? Existe alguma racionalidade por detrás desses atos – tanto do ponto de vista individual quanto organizacional? Quais são os meios para evitar que tais incidentes se repitam?
Em primeiro lugar, e sem nenhuma surpresa, as denominações de algo como um ataque terrorista são sempre atos políticos. Enquanto historicamente grupos como o IRA (Exército Revolucionário Irlandês) e o ETA (Pátria Basca e Liberdade) foram enquadrados na lógica do terrorismo, o Movimento de Resistência Afrikânder, o qual perseguia negros no sistema do apartheid, não era visto como terrorista pela elite branca na África do Sul. O mesmo se repete nos dias atuais. O ataque em Las Vegas, no qual um americano da janela de um hotel atirou em cidadãos que acompanhavam um festival, apesar de ter gerado mais de 50 mortes não foi intitulado pelo presidente Trump como um ato terrorista, mas apenas como ato vindo de um “homem doente”. No dia 31 de outubro, no entanto, pouco tempo após a divulgação na mídia de que o suspeito pelo ataque seria um nacional do Uzbequistão, a segunda publicação de Trump no Twitter foi declarandoque os Estados Unidos não poderiam permitir o retorno do ISIS ou que integrantes do grupo entrem no país e ameacem americanos. A comparação desses dois casos atuais nos sinaliza para este componente político na definição do que é ou não terrorismo. Ainda, ela nos mostra que fatores identitários de familiaridade e desconhecimento – tais como diferenças de nacionalidade, de religião, ou de pertencimento cultural, em um sentido mais amplo – talvez sejam a principal característica que fomenta essa rotulação enviesada.
Em 1 de novembro, no recrudescimento de políticas nacionais conservadoras que visam responder ao incidente do dia anterior, Trump advogou pela reformulação do Diversity Visa Lottery Program. Identificado enquanto meio pelo qual o cidadão uzbeque entrou em solo americano, este Programa visa conceder vistos para nacionais de países com baixa taxa de imigração para os Estados Unidos. Segundo Trump, o Lottery Program deveria ser transformado em um programa baseado na meritocracia. A proposta de Trump, se não totalmente vaga – afinal, o que define meritocracia? – é um tanto preconceituosa e distante dos ditos ideais norte-americanos. Preconceituosa pois assume que indivíduos com certas características – seja desde baixa escolaridade até pertencimento a grupos étnicos específicos – são terroristas em potencial; e distante dos ideais norte-americanos pois vai contra toda a lógica dos Estados Unidos como uma nação de imigrantes na qual qualquer cidadão que aqui se estabelecer tem todas as condições para prosperar.
Sobre a identificação de uma possível racionalidade, a melhor resposta que eu poderia dar seria a da identificação de um estado de coisas que fomenta desigualdades e, aos olhos dos ‘terroristas’, injustiças. E isso talvez valha tanto para a esfera nacional quanto a internacional. Nos Estados Unidos, o crescimento em exposição de movimentos de supremacia branca, atitudes violentas contra mulheres muçulmanas que usam qualquer tipo de véu ou até mesmo políticas governamentais, como a que propõe a criação de um muro entre Estados Unidos e México, são apenas exemplos de uma guinada conservadora que se apropria do medo para avançar certas agendas e afastar indivíduos. No plano internacional e na chamada “guerra contra o terror”, a conclusão que chego depois de quase um ano de pesquisa em Washington e entrevistas com pessoas de diversos setores – acadêmicos, diplomatas e membros de agências de inteligência – é que a ação armada contra o terrorismo não funcionou. Alguns analistas podem até aventar o argumento de que a ausência de um novo ataque aos Estados Unidos à la 11 de setembro é motivo suficiente para provar a eficiência das ações da política externa norte-americana. No entanto, não existe nenhuma evidência que comprove essa relação de causalidade e, se por um lado a intervenção no Afeganistão contribuiu para desorganizar a Al Qaeda, por outro a intervenção no Iraque muito contribuiu para o surgimento do ISIS. De modo ainda mais preocupante, a militarização da máquina de política externa dos Estados Unidos, que se intensificou na guerra ao terror, permitiu a substituição de instituições civis e da diplomacia por instituições militares no processo de reconstrução de países como Afeganistão e Iraque. O que o establishment de política externa norte-americana esquece é que não é banal o peso simbólico que tanques e comboios militares, em vez de agências humanitárias, exercem no imaginário dos nacionais desses países e do mundo. Isso, no entanto, é apenas a ponta do iceberg que deixa para uma próxima discussão os escândalos de tortura cometidos pelos Estados Unidos e as operações cirúrgicas autorizadas por um AUMF (Authorization for Use of Military Force) ainda de 2001, as quais continuam via drones ou special forces eliminado alvos pontuais em qualquer região do globo.
Para finalizar, a ação armada contra o terrorismo não só fomenta novos ataques como dissemina a insegurança. Por isso que a ‘guerra ao terror’ falhou e vai continuar falhando. O terrorismo precisa ser tratado pela via da criminalização, submetendo os indivíduos responsáveis aos critérios jurídicos nacionais e internacionais disponíveis, e não da militarização. O anseio por segurança e ‘justiça’ (palavra usada pelo Governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo) não podem gerar um revanchismo que perde de perspectiva o compromisso com os direitos humanos e com as instituições democráticas. Ainda, e de modo mais abrangente e sistêmico, o terrorismo de cunho internacional é primeiramente uma questão social. Dessa forma, perguntas como ‘o que gera o terrorismo’, ‘como esses grupos ganham força’, ‘como eles alcançam seguidores’ precisam ser respondidas antes mesmo que reações hiperbolicamente militares sejam lançadas. Como toda questão que passa a ser vista como um problema de segurança, mas tem por origem uma disrupção no tecido social, acabar com as condições para que grupos se valham do terrorismo e se fortaleçam passa inevitavelmente pela busca de melhores condições de desenvolvimento para certas regiões. Mas não o desenvolvimento que vem atrelado ao aparato militar, que como apontado anteriormente não só tem um peso simbólico inquestionável, mas principalmente traz consigo as capacidades de securizar a questão. Só apenas com a garantia de infraestrutura e desenvolvimento econômico por meio de agências humanitárias e de cunho civil que grupos como o ISIS vão perder força no local em que estão situados e suas ideologias terão cada vez menos condições de reverberar e produzir essa capilaridade tão assustadora que coopta indivíduos a quilômetros de distância.
Bárbara Motta é doutoranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.

O BRASIL ANTES E DEPOIS DA MINUSTAH

No dia 21 de outubro, o Ministro da Defesa, Raul Jungman, comentou a possibilidade de o Brasil participar de maneira mais robusta da Missão Integrada Multidimensional das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA). A fala ocorreu após evento que celebrou o fim da presença brasileira na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), realizado no Rio de Janeiro, no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. No entanto, a questão envolve aspectos mais profundos que a simples semelhança fonética entre os acrônimos das Missões.
A primeira participação do Brasil em uma operação de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas ocorreu ainda em 1956, quando o país enviou o intitulado “Batalhão de Suez” para a Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF I). Desde então o Brasil já participou de cerca de 40 Missões – desconsiderando as de assistência ou escritórios de apoio –, sendo que 86% dos mais de 46 mil militares e policiais brasileiros que estiveram em terreno sob a bandeira das Nações Unidas foram desdobrados nos últimos 25 anos (HAMANN, 2015). Isso porque, apesar de ser um dos membros fundadores da ONU, o Brasil participou de apenas cinco Missões entre 1945 e 1988.
Quadro 1. Participação brasileira em operações de manutenção da paz da ONU por década.

Fonte: Elaboração própria com base em United Nations Peacekeeping (2017a; 2017b).
O Quadro 1 acima demonstra a disposição temporal da atuação brasileira em operações de manutenção da paz da ONU, a partir do ano de início da participação. A despeito do diminuto envolvimento inicial, podemos observar que esse número mais que triplicou nos anos 1990, abarcando também uma diversificação nos efetivos enviados – uma vez que, enquanto nas cinco missões anteriores o Brasil enviara efetivos exclusivamente militares, ao longo da década constaram também 300 policiais e 40 civis (FONTOURA, 1999; UNITED NATIONS PEACEKEEPING, 2017a).
Um fator importante nesse período foi a formulação da Política de Defesa Nacional em 1996, a qual buscava determinar a inserção estratégica do país e suas prioridades no campo da Defesa. No documento, a projeção do Brasil no concerto das nações, sua maior inserção no processo decisório internacional e a contribuição para a manutenção da paz e segurança internacionais aparecem como objetivos da Defesa Nacional (BRASIL, 1996). Em mesma medida, a participação em operações de manutenção da paz passa a figurar enquanto diretriz nacional para alcançar tais objetivos. Ademais, ganha destaque a criação do Ministério da Defesa em 1999.
Com o advento dos anos 2000, o Brasil passou a atuar com maior robustez. Ou seja, apesar do menor número de operações de paz com efetivos brasileiros, o envolvimento do país nessas Missões foi muito mais aprofundado, sendo a MINUSTAH o principal exemplo dessa nova característica de participação. Além de ter contribuído com mais de 37 mil homens e mulheres, o comando de todos os militares da MINUSTAH foi exercido exclusivamente por generais brasileiros ao longo dos 13 anos da Missão – fato inédito em toda a história das operações de paz da ONU.
Essa mudança reflete a política externa do período, caracterizada pelo ímpeto em reforçar a capacidade propositiva do Brasil no cenário internacional, o desejo em ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), bem como a defesa do multilateralismo. Além disso, a elaboração e atualização dos documentos nacionais de defesa consolidaram o papel das operações de paz na política externa brasileira. Enquanto a Estratégia Nacional de Defesa (2012a) ressaltou a importância dessas operações como instrumento de cooperação entre os povos e meio para ampliar a projeção do país, o Livro Branco de Defesa Nacional apontou como interesse do Brasil intensificar sua participação em ações humanitárias e em missões de paz sob a égide de organismos multilaterais, além de “dispor de capacidade de projeção de poder, visando à eventual participação em outras operações estabelecidas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança” (2012b, p. 54).
Dessa forma, é natural que o fim de um marco tão significativo como a participação brasileira na MINUSTAH gere inquietações quanto aos próximos passos. Por um lado, aventa-se maior envolvimento com a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), a segunda mais antiga Missão sob a égide da ONU ainda em curso, que conta atualmente com mais de 10.500 militares envolvidos oriundos de 41 países diferentes. Estabelecida em 1978, a UNIFIL teve seu mandato ampliado em 2006 por meio da Resolução 1701, passando a abrigar os seguintes objetivos: coordenar a retirada das Forças Armadas de Israel do território libanês; monitorar a cessação das hostilidades; prover assistência para garantir ajuda humanitária à população civil, bem como o retorno seguro das pessoas deslocadas; auxiliar as Forças Armadas libanesas a estabelecerem uma área livre de armas entre a Linha Azul e o rio Litani; além de, a pedido do governo libanês, auxiliar na patrulha das fronteiras, a fim de evitar a entrada de armas ou matérias relacionados sem prévio consentimento (UN MISSIONS, 2017
Por outro lado, conforme exposto no início desse texto, alguns apontam como “próximo destino” do envolvimento brasileiro a República Centro-Africana. Estabelecida em 2014, por meio da Resolução 2149, a MINUSCA tem como objetivos: a proteção de civis; o apoio ao processo político e elementos-chave do período de transição, incluindo o reestabelecimento da autoridade estatal e sua extensão em todo o território; a criação de condições de segurança adequadas para a entrega de ajuda humanitária; promoção e proteção dos direitos humanos; promoção, mediação e reconciliação do diálogo nacional em todos os níveis; além de apoio ao desarmamento, desmobilização e reintegração dos grupos armados (UM MISSIONS, 2017b).
É importante destacar que o Brasil já participa de ambas, com 6 especialistas e 2 militares na MINUSCA, e com 269 militares na UNIFIL. A questão, portanto, não é estrear sua participação nessas Missões, mas sim enviar efetivos em maiores proporções e aprofundar seu envolvimento. Embora existam similaridades entre as duas, como o fato de possuírem autorização para o emprego da força no cumprimento de seus respectivos mandatos, a escolha também perpassa aspectos geopolíticos e mesmo de ordem orçamentária.
Por figurar o quarto maior envolvimento do Brasil dentre todas as operações de paz da ONU que o país já participou – atrás da MINUSTAH, UNEF I e UNAVEM –, poderia ser mais prática uma maior atuação na UNIFIL, em especial pelo fato de o Brasil já desempenhar um papel de liderança na Missão, sendo o primeiro país não membro da OTAN a assumir o comando da Força-Tarefa Marítima (FTM) no Líbano.
Além disso, historicamente, o Brasil costuma se envolver em operações ditas de “baixo risco”, mesmo aquelas autorizadas pelo Capítulo VII da Carta de São Francisco. O que não seria o caso da MINUSCA, uma vez que a Missão enfrenta uma situação muito mais grave do que a encontrada pelo Brasil no Timor Leste, em Angola e mesmo no Haiti em 2004. Um envio mais robusto para a República Centro-Africana seria, portanto, um possível novo ponto de inflexão na participação brasileira em operações de manutenção da paz. Sem contar o próprio entrave geográfico ocasionado pela falta de saída para o mar no país africano, o que dificultaria o envio de equipamentos militares de maior escala.
Por fim, e talvez principalmente, essa dificuldade em debater os próximos passos também encontra justificativa no atual cenário doméstico do Brasil, uma vez que a política externa tem sido pauta secundária nos últimos anos e a crise político-econômica pela qual passa o país marginaliza ainda mais questões de defesa e segurança internacional.
Esse texto foi publicado anteriormente no Mundorama.
Kimberly Alves Digolin é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP), pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) e pesquisadora voluntária do Instituto Pandiá Calógeras do Ministério da Defesa. (kimberly.alves.digolin@hotmail.com).
Imagem: Cerimônia de Encerramento da Minustah. Por: UN Photos.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Presidência da República. Política de Defesa Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/politica-de-defesa-nacional-1996.pdf >. Acesso em: 22 out. 2017.
BRASIL. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, 2012a. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/arquivos/estado_e_defesa/END-PND_Optimized.pdf>. Acesso em: 22 out. 2017.
BRASIL. Livro Branco de Defesa Nacional. Brasília, 2012b. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/arquivos/2012/mes07/lbdn.pdf>. Acesso em: 22 out. 2017.
CAVALCANTE, F. Rendering peacekeeping instrumental? The Brazilian approach to United Nations peacekeeping during the Lula da Silva years (2003-2010). Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 53, n. 2, p. 142-159, 2010.
FONTOURA, Paulo R. C. T. O Brasil e as operações de manutenção da paz das Nações Unidas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1999.
HAMANN, E. P. A força de uma trajetória: o Brasil e as operações de paz da ONU (1948-2015). Nota Estratégica 19. 2015. Disponível em: <https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2015/09/NE-19_Brasil-e-opera%C3%A7%C3%B5es-de-paz-da-ONU-web.pdf>. Acesso em: 22 out. 2017.
PLATONOW, V. Após saída do Haiti, Brasil poderá atuar em missão de paz na África. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 22 jun. 2017. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-10/apos-saida-do-haiti-brasil-podera-atuar-em-missao-de-paz-na-africa>. Acesso em: 22 out. 2017.
UNITED NATIONS PEACEKEEPING. Resources. Troop and Police Contributors Archive. 2017a. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/resources/statistics/contributors_archive.shtml>. Acesso em: 22 out. 2017.
UNITED NATIONS PEACEKEEPING. Where we operate. Past Peacekeeping Operations. 2017b. Disponível em: <https://peacekeeping.un.org/en/past-peacekeeping-operations>. Acesso em: 22 out. 2017.
UN MISSIONS. Unifil. 2017a. Disponível em: < https://unifil.unmissions.org/>. Acesso em 22 out. 2017.
UM MISSIONS. Minusca. 2017b. Disponível em: < https://minusca.unmissions.org/en>. Acesso em: 22 out. 2017.

(Des)Territorialização do Patrimônio Histórico da Humanidade: A saída dos Estados Unidos e de Israel da UNESCO

Os governos dos Estados Unidos e de Israel declararam que irão se retirar da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), alegando que a organização seria anti-Israel. Este pensamento advém da última votação da UNESCO relacionada à natureza cultural, histórica e legal da cidade de Jerusalém em relação aos israelenses, negando-lhes ligações de qualquer tipo com a cidade igualmente sagrada para as três maiores religiões monoteístas (cristianismo, judaísmo e islamismo). A decisão dos Estados Unidos e de Israel de deixar a instituição foi feita ao mesmo tempo em que a agência elegeu sua nova diretora-geral, Audrey Azoulay.
O apoio estadunidense foi recebido pelo governo israelense com euforia. Não só o Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, como Avi Gabbay, presidente do partido União Sionista, maior representante da esquerda, rapidamente publicou uma declaração de apoio à decisão dos Estados Unidos; Tzipi Livni, ex-ministra das Relações Exteriores de Israel e do mesmo partido, também declarou apoio, e juntos provaram que, hoje em dia, não há oposição em Israel sobre esta matéria.
Apesar de o governo israelense estar contente com a iniciativa estadunidense, é preocupante Israel depender politicamente e estrategicamente do governo imprevisível de Donald Trump. Também é preocupante pensar que os Estados Unidos estão prestes a abandonar uma importante agência internacional apenas por causa de Israel, de acordo com o que foi dito tanto pelo Presidente Trump, quanto pela chancelaria estadunidense, de que o organismo seria tendencioso em suas decisões relacionadas a Israel – um passo não teria tomado para nenhum dos seus demais aliados, nem a Grã-Bretanha, nem a Alemanha, nem o Japão, nem a Coreia do Sul, se estivessem em uma situação semelhante. E não é menos embaraçoso que, sob a influência de Israel, o acordo com o Irã, uma das conquistas internacionais mais importantes dos últimos anos, poderia entrar em colapso. Esse episódio pode evidenciar mudanças na política externa dos Estados Unidos, como citado na campanha eleitoral, uma tendência isolamento e afastamento do governo anterior.
A UNESCO tem sido muito crítica a Israel, como todas as agências internacionais. Mas, na maioria dos casos, suas críticas eram relevantes e adequadas, como em relação à ocupação na Cisjordânia. Jerusalém oriental é de fato um território ocupado, como é a Cisjordânia, não importa o quanto Israel tente negar. Entretanto, em um dos casos a UNESCO falhou seriamente: quando ignorou a conexão judaica com o Muro das Lamentações. A organização deveria ter sido repreendida por isso. Mas ao longo dos anos reconheceu seis locais em Israel como Patrimônios da Humanidade (Massada, Cidade Branca de Tel Aviv, Acre, Cidades no Deserto do Negev, Centro Mundial Baha’i em Haifa e as cavernas de Maressa) reconhecimento que trouxe honra e turistas.
Apesar de parecer que a atitude dos Estados Unidos é positiva para Israel, e até mesmo interpretada como tal pelo governo israelense, na verdade está prejudicando o país e o isolando no Sistema Internacional, já que não possui muitos aliados além dos Estados Unidos e a cada dia é mais criticado nos organismos internacionais por suas políticas em relação aos palestinos. O que podemos esperar para o futuro? Talvez uma saída conjunta das Nações Unidas?
Israel é um Estado pequeno que, apesar de atrair muita atenção internacional, não tem força militar, política ou econômica suficiente para alterar o status quo do Sistema Internacional sozinho – não podemos esperar que o governo errático de Donald Trump esteja sempre ao seu lado – e atitudes como se retirar de grandes organismos internacionais apenas o isolam ainda mais. Tão equivocada quanto a decisão da UNESCO em negar a ligação dos judeus com Jerusalém foi a deliberação estadunidense e israelense em deixar o órgão. Estas disputas que se dão em campos aparentemente supérfluos escondem problemas geopolíticos ainda maiores, sobretudo o conflito territorial israelo-palestino.
Karina Stange Calandrin é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES
Imagem: Conferência Geral da Unesco. Por: Unesco.

Prêmio Nobel para os sonhadores

O começo de outubro é, anualmente, o momento de nos empolgarmos com os resultados do Prêmio Nobel, uma das mais reconhecidas honrarias do mundo. Este ano, o Prêmio Nobel da Paz foi concedido para a Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês), uma coalizão formada por organizações não-governamentais, por “atrair atenção para as consequências humanitárias catastróficas de qualquer uso de armas nucleares e por seus esforços inovadores para promover um tratado proibindo essas armas”.
Através dos esforços da ICAN, foram realizadas negociações, no âmbito da ONU, para a formulação de um tratado que abolisse as armas nucleares. O Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, concluído em 07 de julho, estipula que os Estados-parte se comprometem a não desenvolver, testar, produzir, adquirir, possuir ou armazenar armas nucleares ou outros dispositivos explosivos nucleares. Além disso, os termos do tratado incluem a obrigação de não utilizar, ou ameaçar empregar, armas nucleares e de não permitirem a colocação ou instalação de tais dispositivos em seus territórios. Evidentemente, essa iniciativa é embasada em fortes considerações normativas e tem um apelo humanitário fundamental.
O texto foi aprovado com 122 votos favoráveis, mas não estavam presentes representantes dos nove Estados que hoje possuem armamentos nucleares (China, Coreia do Norte, Estados Unidos, França, Índia, Israel, Paquistão, Reino Unido e Rússia), que boicotaram as negociações. Por meio de um comunicado conjunto, os representantes permanentes de Estados Unidos, França e Reino Unido na ONU declararam que seus países nunca pretendem aderir ao tratado e afirmaram que a iniciativa ignora a realidade do ambiente da segurança internacional.
O boicote dos Estados detentores de armas nucleares colocaria, para alguns, o Tratado no plano do utópico e do ineficaz. Contudo, a adesão das potências nucleares não era, de fato, esperada: esses países não têm incentivos reais para abrirem mão de seus arsenais. Mas quais seriam os interesses dos Estados que respaldam o Tratado, se não há perspectiva de que os países nuclearmente armados se somem aos esforços para banimento de tal tipo de armamento?
Em primeiro lugar, o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares pode ser entendido como uma forma de os Estados reiterarem compromissos assumidos com a não-proliferação no contexto de uma ordem nuclear global muitas vezes vista como desigual, imposta e frágil, estando em pauta então um movimento tanto de reforçar o comprometimento com o valor da não-proliferação desse ordenamento quanto de indicar o intento de sua modificação. Em segundo lugar, esse Tratado pode ser usado por certos governos como forma de fortalecer posicionamentos e pressões, especialmente no que tange ao tema do desarmamento nuclear. Isso é motivado pela percepção, de muitos Estados e atores não-estatais, de que os compromissos assumidos pelas potências nucleares no Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), para reduzirem seus arsenais e realizarem esforços concretos para o desarmamento, não foram cumpridos de forma satisfatória. Por fim, a negociação e a formalização do Tratado são uma maneira de se atrair a opinião pública e promover uma conscientização sobre as armas nucleares. Neste sentido, um aumento no envolvimento civil poderia gerar pressões sobre os governos para a promoção do fim da era nuclear e reforçar a posição dos Estados-parte nos dois sentidos citados acima.
Isso nos leva a um ponto central deste debate: qual é a real possibilidade de que a era nuclear chegue ao seu fim? A resposta parece ser que, no contexto atual, essa possibilidade é quase inexistente. De fato, os Estados desprovidos de armamentos nucleares não têm poder de barganha suficiente para fazer com que as potências nucleares destruam seus arsenais e, em assuntos internacionais, a voz democrática da maioria é, frequentemente, subjugada pela imposição silenciosa do poder. Assim, um tratado pode ser aprovado e ratificado por 190 países e, ainda assim, não ter efetividade (podemos nos lembrar, com muita pertinência, do Tratado Compreensivo para Proibição de Testes Nucleares).
Mas essa ineficácia da maioria nem sempre é algo negativo. De fato, há outra pergunta que também é de grande relevância ao considerarmos os esforços da ICAN: será que um mundo sem armas nucleares é algo desejável? Logo de partida, devemos nos atentar para o fato de que a eliminação dos armamentos não implica a eliminação da tecnologia. Ou seja, em um cenário hipotético em que as nove potências nucleares atuais eliminassem seus arsenais, o mundo poderia ser acometido por uma nova corrida armamentista, em que os mais diferentes Estados se empenhariam em produzir armamentos, sem os constrangimentos que hoje são impostos pelas atuais potências. Em tal cenário, o mundo não necessariamente estaria mais estável ou mais seguro, e parece razoável supor que o risco de conflitos armados continuaria sendo parte central da política internacional. De fato, uma nova corrida armamentista poderia trazer um contexto consideravelmente mais instável do que o atual equilíbrio nuclear, construído penosamente ao longo das últimas décadas. Assim, a abolição das armas nucleares, a menos que viesse acompanhada de uma abolição da tecnologia nuclear (não apenas em termos físicos – instalações e equipamentos –, mas também em termos do conhecimento acumulado) não resultaria em um mundo livre do espectro nuclear.
Que fique claro, no entanto, que nosso questionamento sobre a pertinência do desarmamento completo não equivale a uma defesa da proliferação ou a um desdém das questões humanitárias levantadas pela ICAN. A proliferação nuclear é um processo que tem inúmeras implicações negativas, incluindo a possibilidade de uma escalada de conflitos localizados e o aumento do risco de acidentes envolvendo explosivos nucleares. Além disso, a possibilidade de emprego de armas nucleares, sobretudo contra civis, não deve, em nenhuma circunstância, ser tratada de forma leviana.
Mas a questão nuclear deve ser abordada com uma dose adequada de realismo. Soluções utópicas não conseguem propor estratégias eficientes para os problemas existentes. Portanto, como iniciativas para despertar a atenção internacional, a ICAN e o Tratado para Proibição de Armas Nucleares são admiráveis, e merecem o reconhecimento que lhes foi concedido pelo comitê do Nobel. Mas tais iniciativas não devem ser vistas como uma panaceia para a insegurança no mundo. E talvez, enquanto não houver mudanças muito profundas no contexto internacional, o sonho de um mundo sem armas nucleares deva permanecer apenas isso: um sonho.
Luiza Januário é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP) e pesquisadora do GEDES. Raquel Gontijo é professora do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas e pesquisadora do GEDES.
Imagem: Logo do ICAN. Por: Pronunn.

O Centro Humanitário Russo-Sérvio: uma base russa nos Bálcãs?

Em visita a Belgrado no final de agosto, o senador dos EUA Ron Johnson apelouao presidente da Sérvia, Aleksandar Vučić, para que o país balcânico não conceda ao Centro Humanitário Russo-Sérvio (CHRS) benefícios diplomáticos solicitados por Moscou à instituição. O político norte-americano associou o CHRS a intenções agressivas da Rússia contrárias à aproximação da Sérvia às democracias ocidentais, afirmação que suscitou rechaço de Vučić.
A saia justa foi o episódio mais recente da longa controvérsia em torno do CHRS, que atua desde 2012 em operações de defesa civil na Sérvia e em países do seu entorno. Operado de forma conjunta pelo Ministério de Situações de Emergência da Rússia (EMERCOM) e pelo Ministério do Interior da Sérvia, o CHRS voltou nos últimos meses a estar na pauta das relações de Belgrado com as duas grandes potências. Na esteira de discussões a respeito da concessão de imunidade diplomática à instituição e seus funcionários, os EUA afirmam temer o uso do CHRS como infraestrutura de espionagem e outras “atividades nefastas” pela Rússia, ao passo que o Kremlin enfatiza o papel estritamente humanitário e civil da instalação. Frente a essas contraditórias versões, qual seria, de fato, o caráter do CHRS?
Especulações nesse sentido existem desde as negociações entre Rússia e Sérvia sobre seu estabelecimento, acordado em outubro de 2009. Elas foram alimentadas pelo desenvolvimento das relações bilaterais, que passavam naquela época por um ponto de inflexão. A convergência de posições entre Moscou e Belgrado a respeito da independência do Kosovo (declarada em fevereiro de 2008) consolidava, então, o papel da Rússia como principal defensora da integridade territorial sérvia a nível internacional, o que se dava de forma simultânea à penetração econômica russa nos Bálcãs a partir do setor energético. Datam daquele período o anúncio dos grandes investimentos russosna infraestrutura energética sérvia e a aquisição, pela Gazprom russa, de maioria acionária na companhia estatal de petróleo e gás do país balcânico, eventos vistos como contrapartida da Sérvia ao apoio diplomático do Kremlin quanto ao Kosovo. A Sérvia também foi incluída no ambicioso projeto energético russo envolvendo os Bálcãs, o gasoduto South Stream, abortado no final de 2014 em virtude da oposição da União Europeia e dos EUA.
Nesse contexto, a aproximação entre Rússia e Sérvia passou a ser enxergada como plataforma para um resgate do histórico protagonismo geopolítico de Moscou nos Bálcãs. Essa tendência possivelmente envolveria um componente militar, e é exatamente nesse sentido que surgiram as polêmicas em torno do CHRS. Um dia após a celebração do acordo entre os dois países, a famosa consultoria de inteligência norte-americana Stratfor repercutiu o evento em artigono qual discutia as implicações do estabelecimento do centro para a região. O texto, mencionando hipotéticas atribuições militares das atividades do EMERCOM, assim como seus laços com o establishment securitário da Rússia, aponta que o CHRS poderia cumprir finalidades estratégicas mais amplas do que o simples envolvimento em questões de defesa civil. A isso se somariam outras “provas” das reais intenções russas, como a localização na cidade de Niš, descrita como importante centro militar sérvio, e o envolvimento pessoal nas negociações do então chefe do EMERCOM, Sergey Shoygu, um dos mais próximos aliados de Vladimir Putin e atual Ministro de Defesa da Rússia.
Informações nesse sentido rapidamente ecoaram nos meios de comunicação regionais. Falava-se, por exemplo, na “transformação de Niš em uma base secreta russa”, voltada para contrabalançar a presença da OTAN nos Bálcãs e proteger os investimentos energéticos de Moscou na área, ou, de forma mais modesta, no simples estacionamento permanente de contingentes das forças armadas russas na operação do CHRS. A imagem conspiratória construída então permanece até hoje, rendendo cíclicas trocas de farpas diplomáticas, numerosas reportagens e discussões entre especialistas na mídia local e até mesmo boatos sobre a construção de uma outra “base militar" russa no norte da Sérvia, veiculados em 2016.
Na prática, contudo, há pouca substância que justifique tamanha inquietação. Em primeiro lugar, embora o EMERCOM de fato conte parcialmente com quadros militares e unidades armadas, estas não dispõem de armamentos pesados, nem possuem atribuições de combate. O ministério, em suas operações na Rússia e fora de suas fronteiras (estas reguladas por tratados internacionais e bilaterais), se concentra na provisão de ajuda humanitária e na proteção da população e da infraestrutura civis em casos de desastres naturais ou situações emergenciais ocasionadas por atividade humana, incluído aí as consequências de conflitos armados (em um caso particularmente controverso, nesse sentido, a Ucrânia acusa a Rússia de violar normas internacionais de auxílio humanitário e de utilizá-lo como cortina de fumaça para viabilizar logisticamente o esforço de guerra das repúblicas secessionistas do leste do país). A larga frota de aviões, helicópteros e outros tipos de veículos do ministério também é adaptada para tais fins, o que dificultaria seu emprego em operações bélicas.
Em segundo lugar, no caso específico da Sérvia, a atuação do CHRS tem se dado em conformidade com o acordo bilateral que regula seu funcionamento. Ela tem se restringido, portanto, à prevenção e provisão de socorro em situações de emergência como incêndios e enchentes, à remoção de minas terrestres e ao treinamento de pessoal para a execução de tais atividades. O centro foi instrumental, por exemplo, durante as pesadas enchentes que atingiram a Sérvia e a Bósnia-Herzegovina em 2014, e tem se envolvido também em outros episódios de menor repercussão midiática, como o combate a incêndios florestais na Sérvia e em seu entorno. Por fim, não há indícios da conversão para atividades militares, de inteligência ou de espionagem no local, cujo acesso, inclusive, é aberto ao público.
O “modesto” caráter do CHRS, em comparação com as sedimentadas visões descritas acima, é consonante com o quadro estratégico desfavorável para o Kremlin nos Bálcãs. A região está incorporada praticamente por completo à OTAN desde a época das negociações de estabelecimento do CHRS, e a Rússia deixou de ter contingentes militares na península desde sua retirada das missões de paz no Kosovo e na Bósnia-Herzegovina, em 2003. O avanço da aliança atlântica para as imediatas fronteiras russas no Pós-Guerra Fria tornou os Bálcãs estrategicamente supérfluos para o país, separado territorialmente da Sérvia por um enorme cordão de membros da aliança atlântica que se estende do Báltico ao Mar Negro. A própria Sérvia, não obstante sua autoproclamada neutralidade militar, possui elevado nível de cooperação com a OTAN, que, por meio de uma série de acordos, possui significativa influência sobre os assuntos de segurança e defesa do país balcânico. Ademais, se se aceita o ponto de vista de Belgrado sobre sua soberania sobre o Kosovo, a Sérvia sedia em seu território tropas da OTAN e a base norte-americana Camp Bondsteel, uma das maiores dos EUA na Europa. Em conjunto, esses fatores inviabilizam seriamente a penetração militar russa nos Bálcãs como parte de uma hipotética aliança com a Sérvia.
Levando em conta esses fatores, é razoável concordar com as opiniões do ministro de relações exteriores sérvio, Ivica Dačić, e da primeira-ministra, Ana Brnаbić, para quem o assunto do CHRS é excessivamente politizado. Na corrente rivalidade geopolítica entre os EUA e a Rússia, Washington e Moscou parecem utilizar o tema para testar até que ponto a Sérvia está disposta a acomodar seus interesses dentro da complexa tentativa que o país balcânico tem feito nos últimos anos de manter boas relações com ambas as potências.
Gustavo Oliveira é mestrando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação "San Tiago Dantas" (Unesp, Unicamp, PUC-SP).

Nicarágua e as incertezas no setor de Defesa e Segurança

Dez anos após assumir a presidência da Nicarágua pela segunda vez, Daniel Ortega se mantém não só como chefe de Estado, mas como principal força política e econômica do referido país centro-americano. A primeira vez a ocupar o cargo foi após as eleições de 1984, em meio ao regime iniciado com a Revolução Sandinista de 1979. As derrotas eleitorais da Frente Sandinista de Liberación Nacional (FSLN) em 1990 e nos pleitos seguintes foram interrompidas em meados da primeira década do século XXI. Se em 2007 Ortega assumia em uma perspectiva considerada até certo ponto otimista e com significativas expectativas populares depois de três governos liberais, em 2017 o cenário é completamente distinto. Seu terceiro mandato consecutivo (2007-2011, 2012-2016, 2017-) se inicia com um crescente descontentamento de inúmeros setores, mobilizações sociais e um panorama exterior não tão favorável como em anos anteriores.
Desde os últimos anos, têm crescido as preocupações acerca da corrupção e da condução de processos políticos, com denúncias contra medidas autoritáriase violações de direitos e normas, especialmente com a deposição de deputados opositores e partidos não aliados colocados na ilegalidade. Envolto nesse panorama, o setor de Defesa e Segurança revela-se outro tema delicado e inquietante em âmbito nacional e regional. As recentes relações e cooperações militares com a Rússia e a desnaturalização de referido setor a favor de interesses políticos particulares tornaram-se epicentros das incertezas em relação aos caminhos tomados pelo governo nicaraguense.
Tais dúvidas se sobressaem a partir da percepção, por exemplo, das mudanças no conceito de Segurança a partir da década de 1990, não apenas na Nicarágua, mas no istmo centro-americano. No plano regional, o Tratado Marco de Seguridad Democrática en Centroamérica firmado em 1995 estabeleceu um novo padrão ao realçar a necessidade de medidas de confiança mútua, com um equilíbrio de forças e a preocupação com a segurança das pessoas em um contexto de paz. Estava estabelecido, então, o conceito de Segurança envolto nas condições que propiciem o bem-estar dos cidadãos, buscando a ausência de riscos e ameaças, bem como o desenvolvimento de formas representativas da vida política.
O retorno de Daniel Ortega à presidência e sua consolidação como figura central em praticamente todas as esferas de influência do país tiveram reflexo na noção de “segurança democrática” e em sua consequente alteração. Reformas constitucionais realizadas em 2014 efetivaram um vínculo direto de instituições associadas ao setor de Defesa e Segurança com a Presidência da República. Com isso, no campo que aqui nos interessa, o Ministério da Defesa teve suas competências reduzidas e passou-se para uma relação de subordinação individual em detrimento de elos institucionais.
Se o controle civil foi prejudicado com essas reformas, o mesmo podemos considerar em relação à agenda de Defesa e Segurança nicaraguense e à aplicação de um novo conceito, o de “segurança soberana” (Ley de Seguridad Soberana, aprovada em 2015). Inexistente nas principais referências de estudo da área, tal conceito envolve uma ampla variedade de concepções e níveis de atuação, como as seguranças humana, cidadã, interna e externa, alimentícia e agropecuária. Essa elasticidade e mescla de assuntos parece firmar certa função onipresente à ideia de Segurança, dominando o espaço político e suas ações.
Posto isso, a ambiguidade das ideias aplicadas e a não delimitação do funcionamento das mesmas, além da indefinição de possíveis ameaças e/ou da regulação e supervisão das instâncias cabíveis, permite que Daniel Ortega estabeleça mais um amparo político, reforçando uma histórica cultura política local de uso da força e da violência como suporte às instâncias políticas.
Nesse sentido, o processo de remilitarização promovido na Nicarágua, principalmente com a aquisição de cinquenta tanques russos (avaliados em U$ 80 milhões) e com a confirmação de uma cooperação com a mesma Rússia que ultrapassa U$ 26,5 milhões desde 2009 (apoio, armas, uniformes, veículos), suscita uma tensa dinâmica entre os países da região. Honduras iniciou cooperações com Israel, o governo da Costa Rica recebeu doações de veículos e armamentos estadunidenses como salvaguarda às aquisições nicaraguenses e El Salvador incrementou os investimentos nas Forças Armadas. Todas essas medidas dão mostras e reafirmam como a militarização é uma resposta ainda recorrente na América Central, mesmo que dita alternativa não corresponda às necessidades regionais ou às razões dos problemas estruturais na área de Defesa e Segurança.
Em um cenário de deterioração de uma já frágil democracia, o regime de Ortega consegue reforçar ainda mais os traços autoritários e centralizadores na figura de seu líder máximo, subordinando quase completamente todos os aparatos estatais, inclusive as Forças Armadas. A relevante modificação aplicada em sua última reeleição foi a ascensão da primeira-dama Rosario Murillo ao posto de vice-presidente, sublinhando a marca familiar e personalista do poder em vigor na Nicarágua. Assim, numa lógica de interesses e negócios particulares se sobrepondo a questões nacionais e com a incerta noção de “segurança soberana”, é compreensível (por mais equivocado que seja) o crescente uso castrense em atividades de segurança interna ou cidadã, resultando em controle social sustentado na repressão e em uma abrangente instabilidade em meio à sociedade nicaraguense.
De modo concreto, a principal ameaça identificável à segurança regional recai no crime organizado, notadamente o narcotráfico. Contudo, a mencionada militarização da segurança e a progressiva participação das Forças Armadas em questões internas não demonstram atender às causas estruturais de tais ameaças e tampouco são respostas eficazes aos problemas sociais. Em uma análise mais ampla, podemos considerar que as noções de Defesa e Segurança (na Nicarágua e na América Central) estão intimamente relacionadas aos processos de consolidação dos Estados, satisfazendo carências e se adequando às realidades. Um dos grandes desafios atuais é conseguir pôr em prática a formulação da política de Defesa amparada em um consenso nacional, assim como descreve sua legislação vigente. Ademais, a confusão entre os conceitos de Defesa e Segurança, associada a outras adversidades como as debilidades institucionais e de coesão social, a busca pela recuperação econômica e a considerável presença da corrupção fazem com que existam apenas planos conjunturais, respostas imediatistas que estão longe de uma política estatal de longo prazo.
Portanto, parece evidente que a região centro-americana segue com desafios pendentes nos âmbitos da Defesa e Segurança. Na Nicarágua, o histórico de acordos e pactos entre elites também demonstra manter sua força; uma frágil democracia pactada que se transveste de tempos em tempos somente para tentar esconder erros e incongruências. O istmo conseguiu se assentar como uma região sem conflitos armados, porém, as dificuldades em torno de uma governabilidade democrática ainda revelam as complexidades de um caminho até legítimos períodos de paz.
Fred Maciel é doutorando em História pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCHS – UNESP/campus Franca).

COMANDO SUR – A la reconquista de América Latina

Crimen organizado, terrorismo, injerencia de Rusia, China e Irán que socavan valores compartidos por Estados Unidos y el resto del continente, son las amenazas que hay que enfrentar en América Latina de acuerdo a la óptica estadounidense. Por ello el Comando Sur se propone recuperar protagonismo conformando redes militares y de inteligencia con las demás agencias estadounidenses y con los países socios y aliados en una proyección regional y extracontinental que encubre un juego de poder a nivel mundial en el que se verían envueltos los países de América Latina y el Caribe.
Introducción
Volver a ganar el terreno perdido. Ésta es la consigna claramente expresada por el almirante Kurt W. Tidd, jefe del Comando Sur (USSOUTHCOM), en la relatoría presentada ante el Comité de Servicios Armados del Senado estadounidense el 6 de abril de este año[1].
Del documento se desprende que la supuesta pérdida de peso específico en América Latina y el Caribe tiene como grandes responsables a los mismos Estados Unidos, que han provocado una sensación de abandono y retirada en los países socios de la región. Esto se debe a una ausencia de claridad respecto de las prioridades de Washington, de la importancia que tiene América Latina para los Estados Unidos y del compromiso profundo del país del norte para con la región, más que a la intromisión, expansión y reforzamiento del accionar de actores internos y externos.
Se asistiría por lo tanto a una merma del liderazgo de Washington, que redundaría en un debilitamiento de los valores y principios americanos e interamericanos que estarían siendo socavados por no estar suficientemente protegidos y promovidos[2].
Según el Comando Sur la región mantiene con los Estados Unidos fuertes vínculos relacionados con la cultura y los valores compartidos, además de una vecindad geográfica y un constante flujo de mercancías, personas e información a lo largo de todo el continente. Cualquier problema y fenómeno adverso que crea escenarios de desestabilización e inseguridad al sur de la frontera, termina por tanto por afectar al país. Por ende se vuelve necesario dar una mayor atención a esta parte del mundo puesta en segundo plano en la agenda exterior de Washington, que prioriza otras regiones y volver a recrear confianza en los socios que han visto disminuir la presencia militar en las embajadas, la reducción de las plataformas interagenciales, además del número y magnitud de los ejercicios militares, y una limitación en la capacidad de interactuar con los aliados.
La situación se fue generando a través de los años por los recortes financieros al Comando Sur. En el 2014 el general John F. Kelly, su comandante en aquel entonces, se vio obligado a aplicar un recorte del 20% en presupuesto y personal, evaluado como pernicioso para los intereses y la seguridad nacional, puesta en entredicho por una mala evaluación o “falta de conciencia” de las amenazas que acechan el continente y la poca preparación para responder en caso de que éstas llegaran a provocar una crisis.
La falta de presupuesto siguió siendo tema de quejas a comienzo del 2017, a pesar de los paquetes de ayuda suplementaria a Centroamérica durante la administración Obama y el anuncio del presidente Donald Trump de un aumento del presupuesto militar para el 2018[3]. El aumento posiblemente beneficie también al Comando Sur que pone el acento en la seguridad de la nación desde un territorio contiguo y amenazado, según la perspectiva militar, por fenómenos que pueden destruir el trabajo realizado en años de construcción de una Alianza para las Américas[4] de responsabilidades compartidas, colaboración entre iguales y unificación de intereses y valores.
América Latina y el Caribe bajo la lupa del Comando Sur
En el 2016 la evaluación del continente latinoamericano de parte del Comando Sur no fue del todo benévola. Se reconocía que no existe riesgo de conflictos armados entre países; que los diferendos limítrofes se canalizan diplomáticamente para su resolución; que hubo un crecimiento de la clase media que exige transparencia y gobiernos capaces de ofrecer los servicios prometidos; que las fuerzas de seguridad y militar están profesionalizándose cada vez más; que hay más respeto por los derechos humanos, más democracia y que hay un interés específico en la colaboración con Estados Unidos.
Al mismo tiempo se señalaba la persistencia de problemáticas como la de la desigualdad, del desempleo crónico, de las limitadas oportunidades económicas, de la corrupción devastadora para las instituciones, máxime las de seguridad, de la ausencia del estado, la fragilidad institucional, los bajos niveles de gobernabilidad y un estado de derecho debilitado. En resumen la existencia de democracias de baja intensidad.
Se reconocía que este panorama poco alentador era el caldo de cultivo para que se desarrollen fenómenos definidos como “amenazas” que provocan inestabilidad e inseguridad social, nacional y hemisférica. Estas amenazas, cuyas clasificación y medición en grado de peligrosidad fueron variando a lo largo de los años de acuerdo a su evolución, siguen vigentes hasta hoy a pesar de los esfuerzos (evidentemente fallidos) para contrarrestarlas de parte del Pentágono. A ellas se fueron sumando otros fenómenos que alcanzaron la categoría de amenazas para los Estados Unidos, y que fueron apareciendo recientemente en el horizonte. En su conjunto se tornaron en el centro de las preocupaciones del Comando Sur y alrededor de ellas se van organizando las estrategias y los planes de intervención para circunscribirlas, contenerlas, eventualmente eliminarlas y en determinada circunstancias reducir los daños que ocasionan.
Hoy las amenazas -que remplazaron el concepto de enemigo, caído en desuso a partir del derrumbe de la Unión Soviética y que determinó la revisión de doctrinas militares y la elaboración de nuevas acordes a un escenario internacional novedoso e impulsó el rediseño del aparato militar puesto en entredicho por la ausencia de enemigos a la vista[5]– pueden ser clasificadas como voluntarias algunas, involuntarias otras[6]. En América Latina y el Caribe las amenazas son de ambas clases.
Un continente amenazado
La primera amenaza sobre la cual se concentró el Pentágono por décadas fue el narcotráfico hoy devenido en crimen organizado, al que se fueron añadiendo paulatinamente las catástrofes naturales, las crisis humanitarias y finalmente el terrorismo, cuada cual con sus consecuencias específicas sobre sociedades, gobiernos latinoamericanos y caribeños y la seguridad estadounidense. A éstas se sumaron en los últimos tiempos, las injerencias e influencias de tres países extracontinentales, Rusia, China e Irán y situaciones políticas estimadas como desestabilizantes al interior de la región.
Crimen organizado
En la actualidad ya no es el tráfico de drogas la única preocupación del Comando Sur, sino las redes transnacionales del crimen organizado que traspasan fronteras, acumulan poder y dinero, desafían institucionalidad, siembran violencia y corrupción y pueden, por su capacidad y alcance, socavar los intereses de los estados incluyendo a los Estados Unidos en varios dominios y en muchas regiones, más allá del ámbito geográfico de influencia del Comando Sur. Según el diagnóstico de esta institución militar, existe una propagación de empresas delictivas que además de inundar el mercado consumidor de Estados Unidos de heroína, metanfetaminas y cocaína, así como el de Europa, vía África y el de Australia, se dedican al contrabando de precursores químicos provenientes de distintos lugares del planeta, incluyendo China, a la minería ilegal de oro en Guyana, Perú y Colombia o se han convertido en empresas multi-rubro que se dedican al secuestro, a la extorsión, al sicariato, al lavado de dinero, al tráfico de armas y de personas.
Instituciones débiles, sistema financiero interconectado, desarrollo del transporte y la comunicación y el aprovechamiento de las grietas del sistema permiten una acumulación de poder y riqueza integrado a nivel mundial, lo cual constituye una amenaza muy seria a la seguridad nacional, agravada por la penetración de los grupos criminales al interior de los Estados Unidos o la conexión de éstos con grupos existentes al norte de la frontera mexicana[7].
Los corredores creados por la criminalidad organizada son vías de posible uso de otros actores que amenazan la seguridad, los miembros de organizaciones terroristas. Hasta el momento se desconoce si existe una colusión real entre criminalidad y terrorismo, de todas formas el Comando Sur sugiere esta posibilidad y alerta sobre el hecho que sobre estos corredores es posible que no exista un control total y absoluto de parte de los grupos criminales. Esta situación podría ser aprovechada por las otras organizaciones arriba mencionadas, para introducir elementos terroristas y/o armas de destrucción masiva, químicas, bacteriológicas a usarse en atentados en territorio estadounidense[8], lo cual representaría el peor de los escenarios.
El terrorismo
El terrorismo se ha vuelto el tema que preocupa y ocupa a los seis Comandos estadounidenses esparcidos por el mundo, entre ellos el Comando Sur. Éste habría detectado la presencia de dos organizaciones de esta clase en el continente, el Estado Islámico, ISIS, y Hezbollah, la milicia chiita libanés, que integra con el ISIS el listado de las organizaciones terroristas elaborado por los Estados Unidos.
Se señala al ISIS como al reclutador de milicianos, mediante un proceso de adoctrinamiento en Centro y Sudamérica. Se habrían detectados yihadistas que fueron a Siria desde Trinidad Tobago, que habrían invitado a la población musulmana a seguir su ejemplo y a unirse a las filas de los combatientes. El temor del Comando Sur es por un lado la posible radicalización de residentes en América Latina y la posibilidad que franqueen la frontera estadounidense y por el otro el regreso de milicianos de Medio Oriente, entrenados para cometer atentados.
Hezbollah en cambio estaría dedicándose a crear infraestructura en el continente, recaudar armas y apoyar a la organización en Medio Oriente con fondos producto de actividades ilícitas. Hay que destacar que Hezbollah aparece con frecuencia en los informes sobre presencia terrorista en América Latina, en especial en la zona de la Triple Frontera, Brasil-Paraguay-Argentina, donde según la inteligencia norteamericana se habrían detectado células dormidas sucesivamente de Hamás, al-Qaeda y finalmente Hezbollah. Para monitorear las actividades de estas organizaciones se conformó en el 2002 el Grupo 3+1 de inteligencia conformados por Brasil, Paraguay y Argentina (3) más Estados Unidos (1).
La mención a Hezbollah, muy activo en el escenario bélico de Siria, donde combate al lado del ejército del presidente sirio al-Assad conjuntamente con Rusia y Turquía en contra del ISIS, nos remite a Irán, por los vínculos existentes entre la organización y el gobierno de Teherán, acusado de ampararla. E Irán es uno de los tres países cuya presencia por estas tierras no es de agrado de Washington.
Irán, Rusia y China
Irán despliega en el continente una amplia gama de actividades en un intento de reestablecer lazos. Son diplomáticas, científicas, tecnológicas y económicas. Abre centros culturales, se calculaba que en el 2015 había unos 80, y estaría formando una red que respondería a los intereses de esa nación que no son consideradas del todo inofensivas de parte de las autoridades norteamericanas, por las relaciones con Hezbollah, arriba mencionadas.
Decididamente ofensiva e intimidante resulta ser en cambio la progresiva presencia de Rusia, denunciada desde cuando se detectaron actividades supuestamente científicas, que posiblemente encubrían recolección de datos de inteligencia llevadas a cabo por buques rusos. Desde mediados de diciembre del 2014 en menos de doce meses hubo cuatro despliegues navales rusos para estudios e investigaciones oceanográficas en la costa este de Centroamérica y el Caribe e hídricas en Nicaragua, donde obtuvieron del gobierno local permiso de anclaje. Siempre en Nicaragua, Rusia emprendió la construcción de un centro de entrenamiento policial antinarcóticos de carácter internacional y cobertura regional, algo evidentemente inadmisibles para Estados Unidos, que se ve desplazado en una de las actividades centrales que justifican el despliegue militar propio y de los países de la región bajo su tutelaje en la llamada guerra contra las drogas. Rusia además alentó y entregó financiación para la producción de vacunas y medicamentos para el área centroamericana, una interferencia más en las labores de ayuda humanitaria del país del norte, realizada por el Comando Sur. En lo referente al sector propiamente militar, los rusos entregaron tanques a Nicaragua, lo que determinaría un desequilibrio de fuerzas en Centroamérica, que provocaría desvío de fondos hacia el sector militar de parte de los países vecinos, para paliarlo.
A estos hechos se suma la propaganda rusa que, a través de RT-Español y la agencia Sputnik, difunde noticias desvirtuadas en un claro intento, según Washington, de crear un sentimiento antinorteamericano en todo el continente.
El Comando Sur opina que la inserción de Rusia en Sudamérica responde a la búsqueda de parte de este país de recobrar el peso y el rol de gran potencia que tenía a nivel mundial mediante un enfoque holístico, que por su misma naturaleza debe ser contrarrestado de forma integral y transregional.
China, la gran competidora a nivel mundial de los Estados Unidos en tanto que potencia económica, apunta con su diplomacia a intercambios comerciales, compra de materia prima e inversiones millonarias para infraestructuras, todas actividades que convierten a este país en un rival de Norteamérica en el sector comercio, más ayuda humanitaria. La potencia oriental está implementando programas espaciales, de energía atómica y redes de comunicación, lo cual plantea problemas de seguridad desde la óptica estadounidense, conjuntamente con financiación a ejércitos regionales, ventas de armas no atadas a cláusulas restrictivas y formación gratuita.
China tiene la tendencia a priorizar los compromisos con los organismos regionales como la Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños, CELAC, que no cuenta entre sus miembros a los Estados Unidos y avanza, mediante estas relaciones, en la reforma de las instituciones económico-financieras a nivel internacional, lo cual puede hacer trastabillar el andamiaje de un proyecto neoliberal a ultranza, cuya expansión es el objetivo primario de los Estados Unidos y de las corporaciones que están detrás del poder político de ese país.
Los focos de desestabilización en el continente
Venezuela es la gran protagonista. El análisis del Comando Sur se centra en la debacle económica debida en parte por la baja del precio del petróleo, las penurias de alimentos y medicamentos, la devaluación, la violencia. Implícita está la condena al gobierno de Maduro, directamente responsabilizado de mal desempeño que habría llevado el país a la destrucción. Un gobierno al que se acusa y condena sin apelación de encarcelar opositores, mandar a reprimir las protestas callejeras y violar los derechos humanos, mostrando su rostro antidemocrático, en sintonía con la versión de la oposición.
Si bien en un documento del Comando sur del 2016 se afirma que no hay en América Latina ningún país que es una amenaza directa a los Estados Unidos, no hay que olvidarse que en marzo del 2015 el Presidente Obama emitió una orden ejecutiva de emergencia nacional por “amenaza inusual y extraordinaria” a la seguridad nacional y a la política exterior de su país, por parte de Venezuela. Se decretaron sanciones contra siete funcionarios, todos policías y militares de alto rango por violación de los derechos humanos y actos de corrupción.
Ante la situación de inestabilidad y la creciente crisis económica y humanitaria, a comienzo del 2017, el Comandante Tidd deslizó la propuesta de una posible respuesta regional[9], que dio lugar a especulaciones alrededor de una eventual intervención militar directa o la aplicación de la Carta Democrática impulsada por el Secretario de la OEA, Luis Almagro, en aparente y por supuesto desmentido contubernio con el Comando Sur[10].
Otro país, que se menciona y por primera vez en los últimos años por posibles crisis, es Bolivia por problemas de falta de agua y las protestas callejeras, lo cual significa que este país se encuentra actualmente al centro de la atención del Comando Sur[11].
Las amenazas involuntarias
El continente está expuesto a amenazas involuntarias, catástrofes naturales, terremotos, inundaciones, tornados, huracanes y epidemias. Efectivamente ese tipo de fenómenos son independientes de la voluntad humana, sin embargo muchos de ellos son el resultado del accionar humano e irresponsable sobre el planeta.
Para el Comando Sur las consecuencias de estos fenómenos agravan situaciones ya de por sí deterioradas, por lo tanto se han armado programas de intervención en catástrofes y ayuda humanitaria con la participación de distintas agencias y organizaciones de la sociedad civil de Estados Unidos, de los países receptores y empresariado.
Muy activa es USAID, una ONG que recibe financiación estatal y que es conocida en toda América Latina y en otros continentes por su participación en programas dirigidos a comunidades con objetivos de desarrollo económico, empresarial, social, educativo y de capacitación. Es una entidad sospechada y acusada de recabar información sensible sobre poblaciones, lugares, tendencias, que sería aprovechada por los organismos de inteligencia y militares y de vehicular una ideología acorde a un desarrollo capitalista que incide negativamente en tramas sociales y culturales de las comunidades receptoras de la ayuda.
Detrás de la preocupación por situaciones límite determinadas por accidentes naturales que pueda vivir una población, es evidente de los documentos oficiales que el problema mayor para los Estados Unidos es el flujo migratorio que se puede desencadenar[12]. No se trata sólo de la cantidad de individuos en busca de refugio, el problema, sugiere el Comando Sur, está en la probabilidad de que las “personas de interés”, es decir todos aquellos sospechosos de pertenecer al crimen organizado o a los grupos terroristas, ingresen a territorio estadounidense aprovechando las olas migratorias.
Eso hace que también la atención del Comando Sur se dirija hacia las amenazas involuntarias por hacer peligrar la seguridad no sólo de las naciones afectadas, sino también de los mismos Estados Unidos. Por tanto se ha diseñado una política de intervención directa, al mismo tiempo que se contemplan programas de capacitación e instalación de centros de ayuda humanitaria dislocados en zonas vulnerables para que se cumpla con uno de los requisitos de seguridad, que es contener y evitar las migraciones[13].
Ante este escenario, tal como lo presenta el Comando Sur, la institución militar tiene diseñada sus estrategias.
Las estrategias

Los desafíos son múltiples de naturaleza transregional, multidominio y multifuncional y múltiples son las estrategias con una matriz única aunque diversificada, la militar.
A partir del 2016 hubo modificaciones a las estrategias clásicas enfocadas más bien a combatir el tráfico de drogas. Ya no se trata de una lucha contra el narcotráfico, sino de una lucha contra las redes de amenazas transnacionales y transregionales, las T3Ns. Para ello se crearon equipos multifuncionales que abarcan tres áreas que se enfocan en “contrarrestar” (las redes de amenazas), dar “respuesta rápida” y finalmente “cimentar relaciones”.
Para “contrarrestar” se construyó y se sigue construyendo una red que integre la experiencia y las competencias adquiridas por el Comando Sur y los socios interinstitucionales y regionales. Con esta finalidad se ha formado una multiplicidad de “Comunidades de interés”, las COI. Estas están constituidas por agencias de los Estados Unidos que se reúnen cada semana para compartir datos de inteligencia e información. A una de estas Comunidades, la de Centroamérica la CENTAM-COI se está sumando el Comando Norte, por los éxitos que ha tenido en la protección de la seguridad en la frontera sur de Estados Unidos.
Al mismo tiempo se ha formado un equipo de analistas contra las redes de amenazas (counter-T3N cross-directorate team) que trabaja con los socios interagenciales y cruza la información que facilita el análisis y las operaciones de inteligencia. El Comando al que pertenece este equipo, el C-T3N, tiene la tarea de detener el flujo de las “personas de interés especial” (terroristas y criminales de alta monta) y los combatientes terroristas extranjeros. Su sede se encuentra en Doral, Florida.
Por las tareas de inteligencia asumidas, el Comando Sur ha visto necesario asociarse con el conjunto de la Comunidad de Inteligencia para integrar fuentes sin clasificar, medios de comunicación social e información de dominio público en una base de datos, que permita caracterizar mejor los entornos relacionados con la seguridad e intercambiar datos de inteligencia con los socios regionales e interinstitucionales. Además provee apoyo al Departamento de Seguridad Nacional (Homeland Security) para cumplir con la Estrategia Nacional para Combatir el Terrorismo, (National Strategy to Combat Terrorist Travel Act 2016)[14].
La Fuerza de Tarea Interagencial Conjunta-Sur (Joint Interagency Task Force–South, JIATF-S) subordinada al Comando Sur con sede en Key West, Florida, y con vasta experiencia en detección y monitoreo del tráfico de drogas, irá ampliando su ámbito incluyendo otros fenómenos delictivos como el lavado de dinero a nivel global, el contrabando de dinero en efectivo en gran escala y otros ilícitos.
El andamiaje que involucra la asociación interagencial entre organismos estatales, se va completando con otras asociaciones en el hemisferio. La asociación o “partnership” con agencias extranjeras siempre fue unos de los objetivos estratégicos de los seis Comandos estadounidenses que cubren las áreas en las que los Estados Unidos han dividido del planeta. En el caso del Comando Sur, bien se podría hablar de tres distintos niveles de “partnership”.
El nivel más bajo es la asociación puntual en ejercicios, simulacros, intervenciones y actividades de capacitación en seguridad promovidas por el Comando con la intencionalidad de entrenar las fuerzas de los socios y las propias. En el segundo nivel, los socios actúan e interactúan entre ellos bajo el tutelaje del Comando, pero sin participación del mismo. En América Central el 50% de las actividades de interdicción marítima están siendo llevadas a cabo por las fuerzas de seguridad y militar de los países del istmo. En el tercer nivel los socios actúan a la par del Comando en tareas encomendadas por esa institución.
También con los socios del continente se adopta el enfoque de red para una mayor efectividad y para tener alejadas las amenazas y prevenirlas lo más lejos posible de las fronteras estadounidenses, además de fomentar una red de socios para contribuir a la seguridad internacional, involucrándolos con otras fuerzas multinacionales por fuera de las fronteras, internacionalizando su rol. De esta forma, por ejemplo, a través de la Iniciativa Global de Operaciones de Paz, se han enviado fuerzas de paz de Guatemala y Uruguay a República Democrática del Congo y a Haití, de Paraguay a África, Haití, Chipre y Colombia; efectivos de El Salvador en misión ONU en Mali y de las Fuerza Aérea de Perú a República Centroafricana.
Chile participa anualmente y pronto será el líder de los ejercicios Rim of the Pacific, RIMPAC, organizados por el Comando del Pacífico, USPACOM. Colombia[15], que se ha convertido en el país con una experiencia en lucha antinarcóticos y guerrillera que está siendo aprovechada por el Comando Sur en los distintos foros y cursos de capacitación en América Latina, a su vez lidera un esfuerzo para conformar un bloque de naciones de la Alianza Pacífico para el simposio Naval del Pacífico Occidental y está ampliando la cooperación en materia de defensa con Corea del Sur, Japón y posiblemente con Vietnam. Brasil está cooperando con África occidental por la seguridad marítima y en contra del comercio ilícito entre los dos continentes.
Con USPACOM el Comando Sur mantiene estrechas relaciones. En el 2018 se realizará una reunión a la que estarán invitados aliados y socios sobre temas de seguridad y redes de amenazas transregionales para el área Asia y Pacífico. Comparte inteligencia no sólo con el Comando arriba mencionado, sino también con el Comando Europeo, USEUCOM y con el Comando Central, USCENTCOM a raíz de la presencia de Rusia y China en el continente, sobre la cual informa directamente al Departamento de Defensa.
Las actividades
Son múltiples y más allá de los ejercicios tradicionales como PANAMAX (respuesta a ataques contra estructura crítica, migraciones masivas, crisis humanitarias, desastres naturales, evacuación de ciudadanos estadounidenses), TRADEWINDS (desastres naturales y amenazas marítimas), BEYOND THE HORIZON (asistencia civil) y NEW HORIZONS (asistencia humanitaria y cívica), existe movimiento de tropa en el continente. Hay fuerte presencia de marines en Perú en el VRAEM, valle de Apurimac para entrenamiento antiguerrilla y antiterrorista y al finalizar el año habrá la implantación de una base “temporaria” de Estados Unidos en la selva amazónica brasileña para ejercitaciones en la Triple Frontera entre Brasil, Perú y Colombia, sólo para citar algunos ejemplos.
No todas las actividades son puramente militares. El entrenamiento a las fuerzas de seguridad prevé, además de un entrenamiento militar[16], capacitación sobre los distintos aspectos del crimen organizado y el lavado de dinero, dirigidos también, aunque de forma diferenciada, a los fiscales del continente en un intento de homogeneizar el pensamiento jurídico para que responda a una sola lógica, la estadounidense. Para ello existe la Academia internacional para el cumplimiento de la ley, ILEA que funciona en El Salvador, aunque las fuerzas de seguridad reciben capacitación también en otros sitios.
Más allá de los objetivos declarados
Movimiento de tropas, diseminación de infraestructura militar desde bases, Centros de Seguridad Cooperativa, radares, pistas de aterrizaje, acceso a bases y a otra infraestructura (puertos, aeropuertos) de países socios con los que los Estados Unidos han firmado tratados de libre comercio, que abren las puertas a acuerdos militares; centro de investigación científica con personal militar como el que se quiere abrir en Tierra del Fuego en Argentina; centros de ayuda en caso de catástrofe y ayuda humanitaria, sospechadas de ser centros de inteligencia; misiones militares para preparación y entrenamiento a cargo también de otras agencias como la de los reservistas que conforman el personal de las Guardias Nacionales; las redes de inteligencia e información que incluye el continente americano y los otros continentes y se alimenta también de la presencia de la Mossad de Israel, la mejor inteligencia del mundo; la participación en los ejercicios de fuerzas militares europeas, presente en las maniobras por tener territorios ultramar en zonas caribeñas o en el Atlántico sur (Francia y Países Bajos y Gran Bretaña); las ayuda al desarrollo, construcción de escuelas y hospitales y atención médica con participación de civiles, empresarios, ONGs y organizaciones de la sociedad civil; la participación de centros de excelencia en investigaciones médicas y de prevención de crisis relacionadas a la violencia (inteligencia); todo esto constituye un andamiaje, que permitiría, de acuerdo a los objetivos del Comando, garantizar seguridad para todo el hemisferio, liberándolo de las amenazas y creando confianza entre socios y población, a veces un tanto reacia a aceptar presencia estadounidense, para que prosperidad, democracia, respeto por los derechos humanos y paz (aunque sea paz armada), en la acepción que a estos términos le confieren los Estados Unidos, habiten el continente.
Sin embargo, detrás de los objetivos declarados asoman otros que se traslucen en los documentos del Comando Sur y que no consisten solamente, como muchos expertos sostienen y con razón, en establecer un control territorial que permitiría a los Estados Unidos el acceso a los recursos del continente.
Lo que está en juego tiene una dimensión planetaria. Estamos asistiendo a una confrontación entre dos visiones del mundo, la unipolar y la multipolar, la que representa la supremacía del capital financiero globalizado y excluyente, el que sólo necesita para su óptimo funcionamiento una tercera parte de la humanidad (las otras dos sobran), al capital productivo más incluyente, representado por China en su alianza con Rusia. La presencia de estos dos países en el continente con su avanzada comercial China y más militar Rusia ponen en riesgo el proyecto neoliberal y conservador de los Estados Unidos en un territorio sobre el cual quieren ejercer su influencia sin aceptar otras foráneas.
La presencia de las amenazas reales (criminalidad organizada que habría que enfrentar con otras políticas), probables o ficticias (el terrorismo islámico) permiten involucrar a los países de América Latina en conflictos extendidos, extra regionales y transcontinentales para frenar el avance de estos países, sobre todo de China, tendiéndole un cerco a través del océano Pacífico, lugar de expansión natural del país asiático.
La consigna por lo tanto es reconquistar el terreno perdido, eliminar todo lo que se interpone en el esfuerzo (los gobiernos progresistas) de recuperar una hegemonía absoluta que ellos mismo consideran perdida y disciplinar gobiernos y sociedades utilizando entre otros instrumentos a redes militares y de inteligencia manejadas por el Comando Sur y el Comando Norte en estrecha alianza en un proyecto de alcance mundial.
Adriana Rossi es doctora en filosofía, docente en la Facultad de Ciencia Política y Relaciones Internacionales de la Universidad Nacional de Rosario (UNR), en Argentina, y directora del Observatorio Geopolítico de los Conflictos (OGeoC).
Ese análisis fue publicado anteriormente en el Observatorio Geopolítico de los Conflictos (OGeoC).
Imagem 1: Logo do Comando Sul. Por: U.S. Federal Government.
Imagem 2: Mapa: . Por. U. S. SOUTHCOM Public Affairs.
Mapa: Shaded relief map of Djibouti, original from 1991, with the border between Ethiopia and Eritrea added in 2006. Por: CIA,
[1] Posture Statement of Admiral Kurt W. Tidd Commander, United States Southern Command befor the 115th Congress Senate Armed Services Committee 6 April 2017, en https://www.armed-services.senate.gov/imo/media/doc/Tidd_04-06-17.pdf
[2] La mención al “desengagement” ha sido puesta de relieve ante la misma Comisión en el 2015 por el antecesor de Tidd, John F. Kelly.
[3] El presidente Donald Trump anunció en febrero de este año el aumento del 9,27% para el presupuesto militar equivalente a un incremento de 54.000 millones de dólares, sobre un total de 600.000 millones que es el actual gasto en defensa. Es el mayor aumento otorgado al sector desde el 11-S. Deberá ser aprobado por el Congreso.
[4] Posture Statement of Admiral Kurt W. Tidd Commander, United States Souther Command befor the 114th Congress Senate Armed Services Committee 20 March 2016, en https://www.armed-services.senate.gov/imo/media/doc/Tidd_03-10-16.pdf
[5] En esta doctrina conocida como doctrina de los Ataques Preventivos o Guerra Preventiva, cuyos fundamentos se encuentran en “Rebuilding America’s Defences” parte del Project for the New American Century, entre las amenazas se computan los estados llamados “fallidos” que no pueden autoadministrarse y los estados que integran al “eje del mal”, expresión resucitada recientemente por Donald Trump. Son estados que no respetan Derechos Humanos, que son poseedores de armas de destrucción masiva y que amparan al terrorismo. Entre estos últimos se encontraría Irán en la óptica norteamericana.
[6] Las amenazas voluntarias son aquellas provocadas intencionalmente por el ser humano. Las involuntarias se manifiestan independientemente de la participación del hombre.
[7] Según lo afirmado por el General John F. Kelly, dentro de las Maras, organizaciones delictivas juveniles muy violentas de Centroamérica, la salvadoreña M-13, tendría filiales en 42 estados de los Estados Unidos. En http://www.defenseinnovationmarketplace.mil/resources/SOUTHCOM_POSTURE_STATEMENT_FINAL_2015.pdf
[8] Hasta ahora se tiene noticia de personas provenientes de Medio Oriente que habiendo ingresado a Brasil habrían llegado a los Estados Unidos con la complicidad de miembros de alguna organización que se dedica al tráfico de personas. Arrestados por la Guardia Nacional sólo uno quedó a disposición de las autoridades por figurar en el listado de personas “de interés”, es decir sospechosa de vínculos con organizaciones terroristas, aunque haya discrepancias en sus datos biométricos. Las demás fueron dejadas libres por un error en la base de datos.
[9] “The growing humanitarian crisis in Venezuela could eventually compel a regional reponse”. Posture Statement of Admiral Kurt W. Tidd Commander, op.cit.
[10] Se dio a conocer en el 2016 la traducción de un supuesto Documento del Comando Sur, “Venezuela – Freedom 2” con los planes detallados para desestabilizar al país mediante la aplicación de estrategias e instrumentos previstos por la doctrina de la Guerra de Cuarta Generación. El documento es inaccesible en su versión original en inglés. Su autenticidad ha sido negada por la Coronel Lisa García perteneciente al Comando Sur.
[11] Es llamativo que los países que podrían desestabilizar áreas continentales son aquellos que tienen gobiernos llamados populistas, y que no se señalen gobiernos acusados hasta internacionalmente de corrupción (la corrupción es una de las grandes preocupaciones del Comando Sur), que avanzan sobre los derechos de población y clase trabajadora (el Comando Sur tiene como bandera la defensa y el respeto por los Derechos Humanos), que han llegado al poder mediante golpes que aunque sean institucionales siguen siendo golpes, no merecen ningún señalamiento, más bien son considerados socios y aliados.
[12] El país ya se confrontó a una crisis determinada por una masiva inmigración que incluyó a más de 50.000 niños no acompañados y sin papeles que en este caso huían de condiciones económicas desastrosas y de una ola de violencia sin precedentes.
[13] USAID y el Departamento de Estado tienen un programa de cinco años en Centroamérica de desarrollo con la finalidad de atacar de raíz las causas de las migraciones.
[14] Mediante estos mecanismos interconectados, en el 2016 se llevó a cabo la Operación Citadel que logró desmantelar una red de traficantes de personas e identificar migrantes que posiblemente representen una amenaza a la seguridad nacional.
[15] Colombia es el socio más importante en el continente. Los Estados Unidos siguen apoyándolo en la transición hacia la paz definitiva y el desmantelamiento de las guerrillas y con un programa US – Colombia Plan de acción para la seguridad regional, USCAP, contra las redes narcotraficantes. Además quieren reforzar su rol en tanto que aliado extra-OTAN.
[16] El límite entre defensa y seguridad se desdibujó por la naturaleza de las amenazas, lo que llevó a la militarización de las fuerzas de seguridad y a la securitización de las fuerzas armadas.

O que está acontecendo entre israelenses e palestinos no Monte do Templo?

Os esforços para entender a abordagem do governo de Israel em relação aos cidadãos árabes do Estado tornaram-se mais complicados ao longo do ano passado. Muitos judeus e árabes israelenses são incapazes de compreender qual é a verdadeira política do governo em relação ao que equivale a um quinto dos cidadãos de Israel. Ainda assim, isso não é surpreendente, quando consideramos que o governo de Netanyahu quebrou dois registros em relação aos cidadãos árabes: por um lado, um investimento orçamentário extensivo em relação à segurança na Cisjordânia e, por outro lado, uma ofensiva política degradante aos habitantes árabes da região.
Enquanto com uma mão, o governo transfere orçamentos novos e significativos para cidades árabes, com a outra desencadeou uma onda de legislação sem precedentes dirigida contra cidadãos árabes de Israel. O ataque na sexta-feira, 14 de julho de 2017, quando três cidadãos árabes mataram dois policiais no Monte do Templo em Jerusalém, agravou a situação.
Os homens, ambos da cidade do norte de Umm al-Fahm, entraram no complexo através do Lions Gate, a entrada designada para muçulmanos, com armas escondidas sob suas roupas e atiraram nos policiais da fronteira. A polícia israelense respondeu fechando o complexo e cancelando as orações naquele dia. Vinte e quatro horas depois, antes de partir para uma viagem de cinco dias para a França e a Hungria, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenou que os detectores de metais fossem instalados no lugar, sob-recomendação da Polícia de Israel.
Como um ato de protesto civil, os palestinos religiosos se recusaram a passar pelos detectores de metais, e ao longo da semana seguinte, realizaram suas orações fora do prédio do Monte do Templo. Os muçulmanos realizam o seu principal serviço de oração semanal na sexta-feira, e, quando esse dia se aproximou, a pressão aumentou em relação ao governo para retirar os detectores de metal. O governo resistiu à pressão e reprimiram os manifestantes palestinos. Três palestinos foram mortos nesses confrontos, e posteriormente, o líder da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, respondeu ao anunciar que estava suspendendo a cooperação com Israel.
Na noite de sexta-feira (21 de julho de 2017), um palestino infiltrou-se na Cisjordânia, mais especificamente no assentamento israelense de Halamish, e esfaqueou um idoso e seus dois filhos adultos durante o jantar de Shabat. O agressor foi baleado e ferido por um vizinho, um soldado israelense fora de serviço. No domingo (23 de julho), Israel instalou câmeras de vigilância no Lions Gate e disse que elas deveriam complementar – não substituir – os detectores de metais.
Na verdade, os detectores de metal podem ser encontrados praticamente em todos os lugares em Israel, seja na entrada de um shopping ou na entrada do Muro Ocidental de Jerusalém. Mesmo no Brasil, vários prédios judaicos possuem detectores de metais na entrada. Para os israelenses, eles são vistos como uma precaução de segurança necessária e certamente nada fora do comum – especialmente em um local que é propenso a confrontos violentos. No entanto, os palestinos foram surpreendidos com o movimento, antes de tudo, porque a decisão foi tomada unilateralmente sem consultas. Pior ainda, eles interpretaram a atitude como uma tentativa de Israel de afirmar o controle sobre o local sagrado e enfraquecer o status quo delicado que prevalece lá.
O Monte do Templo goza de um status único. Israel controla toda a entrada, mas o próprio local é administrado pela autoridade religiosa. O Monte do Templo, também conhecido pelos muçulmanos como o Nobre Santuário, é o local da mesquita de Al-Aqsa, um dos mais sagrados locais para os muçulmanos.
Agora que Israel entende o que o problema desses detectores de metal está causando, por que simplesmente não os retirou de prontidão? Neste ponto, consideramos que é uma questão de honra e ego para ambos os lados. Se Israel removesse os detectores de metais tão rápido, a ação seria vista como fraqueza e cessão à pressão palestina, e pior ainda, ao terrorismo. Netanyahu também teme que seus adversários políticos à direita irão usar a ação contra ele politicamente. Para os palestinos também, tornou-se uma questão de princípio não passar pelas máquinas, gerando um impasse.
Na quinta-feira, 27 de julho, as forças policiais israelenses entraram no complexo, a partir do lado sul da Mesquita Al-Aqsa, para dispersar aqueles que faziam uma barricada por dentro. Um número de pessoas considerável foi ferido, incluindo um manifestante que foi supostamente baleado na perna e levado para um hospital.
Após as negociações entre o Waqf, a autoridade muçulmana que administra o templo sagrado e a Polícia de Israel, o Portão de Huta foi aberto. Milhares se reuniram em uma longa fila para entrar na Mesquita Al-Aqsa. Alguns adoradores entraram em confronto com as forças de segurança na entrada do local, com a polícia usando meios de dispersão. A Sociedade do Crescente Vermelho Palestino disse que 115 palestinos foram feridos, dos quais 15 foram levados para o hospital.
Algum acordo de compromisso terá que ser formulado para que Israel possa sair desta situação aparentemente instransponível. O fato de Israel ter instalado novas câmeras de vigilância perto do Lions Gate no domingo provavelmente mostrou que a situação iria piorar antes de melhorar, o que ocorreu. Podemos estar vivenciando o início de uma terceira intifada
Karina Stange Calandrin é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.
Imagem: Jerusalem, Dome of the Rock and the Western Wall. Por: Berthold Werner.

A MONUSCO e as mudanças nas operações de paz da ONU

No dia 19 de julho, Maman Sidikou afirmou que a Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO) está alterando seu modo de atuação, concentrando-se no desdobramento rápido das tropas e na vigilância aérea ao invés de bases fixas, a fim de garantir maior flexibilidade e mobilidade. Sidikou é Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas na República Democrática do Congo (RDC) desde 2015 e destacou que a mudança busca, especialmente, garantir a proteção de civis.
Estabelecida em 2010, por meio da Resolução 1925 do Conselho de Segurança da ONU (CSNU), a MONUSCO substituiu a antiga Missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC) e marcou uma nova fase da atuação. Enquanto a MONUC foi estabelecida em 1999 com o objetivo inicial de observar o cessar-fogo e a desmobilização de forças da RDC e de cinco países da região – Angola, Namíbia, Ruanda, Uganda e Zimbábue –, a MONUSCO tem seu início marcado em uma conjuntura de maior instabilidade interna e recebeu autorização para utilizar todos os meios de força necessários para garantir a execução de seu mandato.
Em 1998, um movimento de rebelião, com o apoio de Uganda e Ruanda, se revoltou contra o governo recém-estabelecido da República Democrática do Congo, o qual havia deposto o comando ditatorial do tenente-general Mobutu Seko. Em algumas semanas esse grupo insurgente dominou extensas áreas ao redor do país e Angola, Namíbia e Zimbábue ofereceram auxílio militar ao governo da RDC para contê-los. Foi nesse contexto que o Conselho de Segurança instou os países a assinarem um acordo de cessar-fogo e, por meio da Resolução 1279, estabeleceu a MONUC com o objetivo de observar o cumprimento do Acordo de Lusaka. No entanto, mesmo com as eleições ocorridas em 2006 – a primeira em 46 anos –, a MONUC permaneceu no país auxiliando em questões diversas tanto políticas quanto militares. Com a ocorrência de conflitos em diversas províncias e a fim de marcar uma nova fase da operação no país, em 2010 o Conselho de Segurança renomeia a missão, estabelecendo a MONUSCO sob um mandato mais amplo e complexo.
Sendo assim, essas missões podem ser enquadradas em dois tipos distintos de operações de paz. A MONUC – apesar de algumas particularidades – apresenta características do que comumente se intitula uma “operação clássica”, ou seja, missões que envolvem atuação em conflitos interestatais, iniciadas após o fim das hostilidades, com predominância de efetivos militares responsáveis por atividades como supervisão de cessar-fogo e garantia de zonas tampão.
Ao passo que a MONUSCO se enquadra nas denominadas “operações multidimensionais”, mais voltadas para conflitos intraestatais e que incorporam tarefas para além do âmbito militar, incluindo atividades de cunho humanitário e civil. A MONUSCO representa uma inflexão nos mandatos das operações de paz de um modo geral, uma vez que inclui não apenas a autorização do uso da força, mas também a aprovação de uma Brigada de Intervenção – especificamente voltada para ações ofensivas de neutralização e desarmamento.
Essas mudanças nas características das operações de paz atrelam-se a três motivos principais. Em primeiro lugar, o fim da Guerra Fria, tendo em vista a desestabilização interna que alguns processos de independência acarretaram e o consequente aumento no número de operações de paz instauradas. Em segundo lugar, a própria transformação dos conflitos e o aumento da velocidade no tráfego de informações e imagens, fator este que aumentou a pressão internacional por respostas mais rápidas e contundentes. E, por fim, as reformas propostas pelo Relatório Brahimi, de 2000, que apresentou sugestões para a maior eficácia das missões da ONU.
As operações de paz entre 1948 e 1988 foram marcadas pelo objetivo de impedir o ressurgimento de conflitos, atuando enquanto terceira parte observadora e atenuadora, orientada pelo princípio de uso mínimo da força a não ser em caso de autodefesa. Entretanto, após casos como os de Ruanda, onde os mandatos impediram a intervenção dos capacetes azuis mesmo quando estavam presentes em situações de violência e transgressão de direitos, as missões passaram a abarcar atividades como a proteção de civis.
Apesar de parecer uma resposta óbvia, no entanto, o uso da força em operações de paz também possui nuances e demanda análises mais profundas. Episódios como o genocídio de mais de oito mil pessoas em Srebrenica, em 1995, deixam claro que a simples presença dos capacetes azuis em solo com autorização para o uso da força não é um inibidor suficiente para que homens, mulheres e crianças em zonas de conflito não sejam afetados. No caso específico de Srebrenica, inclusive, o batalhão holandês presente foi recentemente julgado como parcialmente culpado pelo massacre, abrindo um importante precedente para a responsabilização dos Estados envolvidos nas operações de paz. Ademais, esse debate traz consigo uma tensão que não pode ser ignorada entre uso da força e imparcialidade das missões, um dos preceitos basilares da Organização.
Para além de questionarmos se os efetivos de uma operação de paz devem ou não estar habilitados a utilizar a força em defesa do mandato da missão, a questão que impera é como essa força deveria ser utilizada. É preciso considerar as particularidades de cada local e tipo de conflito, observar se os efetivos estão capacitados para o uso dessa força, e também se estão dotados de recursos e condições suficientes para tal.
Por fim, a falta de mandatos claros até mesmo sobre o que significa a paz que se busca com tanta veemência instaurar ou manter – se representa apenas o fim das hostilidades e retorno da situação anterior à eclosão do conflito ou o estabelecimento, de fato, de um sistema igualitário e participativo – é um dos principais problemas que as operações sob a égide da ONU apresentam, somada a pluralidade de visões, treinamentos e interesses.
Kimberly Alves Digolin é mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP), pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) e pesquisadora voluntária do Instituto Pandiá Calógeras do Ministério da Defesa (IPC/MD).

O que a atualização dos documentos nos diz sobre a condução da Política de Defesa do Brasil?

A Estratégia Nacional de Defesa, a Política Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional estão em processo de atualização. De acordo com o que foi estabelecido pela chamada Lei da Nova Defesa – que prevê a atualização dos documentos a cada quatro anos, contados a partir de 2012 –, a versão final deveria ter sido entregue e disponibilizada à população em 2016. Entretanto, o que foi divulgado – em setembro do referido ano – foram as minutas desses documentos, que ainda se encontram sob apreciação do Congresso Nacional.
Os três documentos são um marco importante para a Defesa no país, no sentido de tentar estabelecer maior clareza e direcionamento efetivamente político para as ações e iniciativas nesse setor. Vale lembrar que os documentos foram criados em um contexto bastante específico, quando considerada a posição internacional do Brasil no período entre 2005 e 2012, e a preponderância de um pensamento mais autonomista e nacionalista na formulação da Política Externa do país.
Não é necessária uma leitura muito aprofundada para notar que a atual versão, ainda que preliminar, busca se diferenciar das anteriores. Nota-se isso pela exclusão de conceitos antes marcantes, como entorno estratégico; o reposicionamento em relação à escolha dos parceiros e áreas de interesse do país, que agora passa a dar maior peso à regiões como a América do Norte e Europa; e pela linguagem menos ambiciosa no sentido da busca por maior protagonismo no cenário internacional.
De fato, modificações eram necessárias e também esperadas. Eram necessárias, uma vez que mudanças importantes ocorreram no cenário nacional – destacamos nesse sentido, o papel da crise política e econômica, que se desenrola desde 2013 – e internacional – dadas as transformações na esfera da política como, por exemplo, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, a eleição de Donald Trump, a posição mais assertiva da Rússia nesse cenário, entre outros fatores. Frente a isso, os documentos precisavam ser adaptados, a fim de situar o Brasil frente a essa nova situação interna e externa. Em mesma medida, essas modificações eram também esperadas, dada a troca de governo e a abrupta substituição da agenda política estabelecida a partir de então, consideravelmente distinta da anterior no que diz respeito às intenções internacionais do país.
Essas mudanças são curiosas, pois nos permitem levantar algumas – antigas – questões sobre o pensamento e a condução da política de Defesa no Brasil. É preciso ter em mente que, como parte da Política Externa, a política de Defesa corresponde a um “horizonte temporal dilatado”, como colocado por Proença Júnior e Eugênio Diniz. Isso significa que algum grau de continuidade da política de Defesa entre um governo e outro é necessário, não apenas porque qualquer mudança em relação à preparação e treinamento das Forças Armadas pode ser financeiramente custosa, mas também porque é importante para garantir a consolidação de uma imagem e de credibilidade perante outros atores da comunidade internacional.
O diplomata Alsina Júnior afirma que um dos fatores que contribuem para a baixa prioridade da Defesa no país é justamente o elevado grau de turnover quando da troca de governos. Nesse sentido, as agendas políticas para a área costumam ser substancialmente distintas, dificultando a manutenção de algum nível de continuidade entre um e outro governo. É certo que a condução da Defesa dependerá do direcionamento e das intenções no âmbito da Política Externa do país e as agendas políticas entre os partidos podem ser consideravelmente divergentes nesse quesito. Entretanto, a perenidade – ou ao menos coerência – entre as políticas de um e outro governo depende do maior interesse e envolvimento dos representantes políticos em assistir e acompanhar as iniciativas nesse setor.
No Brasil, porém, Defesa Nacional não é eleitoralmente interessante e são poucos os incentivos dos parlamentares para acompanhar mais de perto as políticas nessa área. É nesse sentido que Alsina Júnior reconhece que existe uma capacidade limitada, por parte do Poder Legislativo, em propor e fiscalizar políticas públicas mais complexas, como é o caso da Defesa. Essa reduzida participação e interesse por parte do Legislativo colabora para que o pensamento e a condução da política de Defesa se tornem mais suscetíveis às oscilações entre as agendas dos partidos e grupos políticos que assumem o Executivo. Ademais, a inexistência de uma carreira para civis na área da Defesa resulta na ausência de um corpo profissional que possa supervisionar o processo de atualização e manutenção dessa política, algo que criasse algum tipo de tradição ou institucionalização de práticas que garantissem certo grau de coerência entre as políticas de governos distintos.
Isso não implica dizer, no entanto, que a política de Defesa esteja – ou deva estar – acima da disputa político-partidária. A política de Defesa é uma política pública. Portanto, deve ser definida pelo governo vigente e está sujeita às demandas da população e às movimentações dos interesses e agendas dos partidos políticos, assim como ocorre na área da saúde e da educação. É, inclusive, nesse sentido que – em um regime democrático – as revisões e adaptações dos documentos de Defesa são importantes, altamente desejáveis e encorajadas. É esperado, então, que as iniciativas nessa área reflitam, em alguma medida, o pensamento e as visões de mundo do grupo ou partido político que estiver no poder, principalmente quando consideramos que existe um relativo sobrepeso do Poder Executivo na formulação e condução dessa política. Esse aspecto, inclusive, é igualmente importante no debate sobre a relação entre democracia e política de defesa. Sem uma participação mais ativa do Legislativo nessa área, o Executivo acaba por não desempenhar completamente o controle civil sobre os assuntos militares que, por sua vez, acabam garantindo alguma autonomia na condução da Defesa Nacional.
Atualmente, a questão crucial é saber até que ponto a agenda e a visão de mundo dos representantes políticos correspondem às demandas e expectativas da população brasileira, como deve ocorrer em uma democracia. Com isso, mais uma vez, é colocada a importância de se ter uma participação e fiscalização mais ativa por parte do Legislativo, além de um corpo civil profissional, interessado e especializado em acompanhar a manutenção e coerência – além da própria condução política – da Defesa entre um governo e outro.
Voltamos, então, a pergunta inicial: o que a atualização dos documentos nos diz sobre a condução da política de defesa do Brasil? É difícil ignorar que tem havido maior esforço político no sentido de conduzir a política de Defesa Nacional. Esse aspecto é bastante relevante, uma vez que há pouco tempo atrás os próprios militares ocupavam a cadeira da Presidência da República. Sendo assim, é necessário reconhecer o esforço de produzir e atualizar os documentos de Defesa que indicam maior direção política, ao tentarem estabelecer os objetivos para a área e suas motivações.
No entanto, ainda há muito que avançar, principalmente no sentido de estabelecer uma condução política de fato da Defesa Nacional e, a partir daí, a consolidação de uma relação civil-militar mais democrática. Isso porque os documentos de Defesa ainda são elaborados e atualizados intramuros – quando não dentro das instituições militares, pelos próprios militares –, com pouca ou nenhuma consulta popular durante esse processo. Além disso, observa-se que as análises e críticas aos documentos formulados pelos acadêmicos especializados na área tampouco são consultadas ou levadas em consideração. É necessário reconhecer que uma consulta pública foi aberta à população após a divulgação das minutas. Essa é uma medida importante, mas não suficiente para garantir a participação popular – e democrática – de fato na condução dessa política pública. Por esse caminho, o pensamento e a condução da política de Defesa permanecem, portanto, restrito ao pensamento e aos interesses militares, e sujeito às mudanças no Poder Executivo.
Patricia Capelini Borelli é doutoranda em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.
Imagem: Política Nacional de Defesa. Por: Ministério da Defesa.