A MONUSCO e as mudanças nas operações de paz da ONU

No dia 19 de julho, Maman Sidikou afirmou que a Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO) está alterando seu modo de atuação, concentrando-se no desdobramento rápido das tropas e na vigilância aérea ao invés de bases fixas, a fim de garantir maior flexibilidade e mobilidade. Sidikou é Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas na República Democrática do Congo (RDC) desde 2015 e destacou que a mudança busca, especialmente, garantir a proteção de civis.
Estabelecida em 2010, por meio da Resolução 1925 do Conselho de Segurança da ONU (CSNU), a MONUSCO substituiu a antiga Missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC) e marcou uma nova fase da atuação. Enquanto a MONUC foi estabelecida em 1999 com o objetivo inicial de observar o cessar-fogo e a desmobilização de forças da RDC e de cinco países da região – Angola, Namíbia, Ruanda, Uganda e Zimbábue –, a MONUSCO tem seu início marcado em uma conjuntura de maior instabilidade interna e recebeu autorização para utilizar todos os meios de força necessários para garantir a execução de seu mandato.
Em 1998, um movimento de rebelião, com o apoio de Uganda e Ruanda, se revoltou contra o governo recém-estabelecido da República Democrática do Congo, o qual havia deposto o comando ditatorial do tenente-general Mobutu Seko. Em algumas semanas esse grupo insurgente dominou extensas áreas ao redor do país e Angola, Namíbia e Zimbábue ofereceram auxílio militar ao governo da RDC para contê-los. Foi nesse contexto que o Conselho de Segurança instou os países a assinarem um acordo de cessar-fogo e, por meio da Resolução 1279, estabeleceu a MONUC com o objetivo de observar o cumprimento do Acordo de Lusaka. No entanto, mesmo com as eleições ocorridas em 2006 – a primeira em 46 anos –, a MONUC permaneceu no país auxiliando em questões diversas tanto políticas quanto militares. Com a ocorrência de conflitos em diversas províncias e a fim de marcar uma nova fase da operação no país, em 2010 o Conselho de Segurança renomeia a missão, estabelecendo a MONUSCO sob um mandato mais amplo e complexo.
Sendo assim, essas missões podem ser enquadradas em dois tipos distintos de operações de paz. A MONUC – apesar de algumas particularidades – apresenta características do que comumente se intitula uma “operação clássica”, ou seja, missões que envolvem atuação em conflitos interestatais, iniciadas após o fim das hostilidades, com predominância de efetivos militares responsáveis por atividades como supervisão de cessar-fogo e garantia de zonas tampão.
Ao passo que a MONUSCO se enquadra nas denominadas “operações multidimensionais”, mais voltadas para conflitos intraestatais e que incorporam tarefas para além do âmbito militar, incluindo atividades de cunho humanitário e civil. A MONUSCO representa uma inflexão nos mandatos das operações de paz de um modo geral, uma vez que inclui não apenas a autorização do uso da força, mas também a aprovação de uma Brigada de Intervenção – especificamente voltada para ações ofensivas de neutralização e desarmamento.
Essas mudanças nas características das operações de paz atrelam-se a três motivos principais. Em primeiro lugar, o fim da Guerra Fria, tendo em vista a desestabilização interna que alguns processos de independência acarretaram e o consequente aumento no número de operações de paz instauradas. Em segundo lugar, a própria transformação dos conflitos e o aumento da velocidade no tráfego de informações e imagens, fator este que aumentou a pressão internacional por respostas mais rápidas e contundentes. E, por fim, as reformas propostas pelo Relatório Brahimi, de 2000, que apresentou sugestões para a maior eficácia das missões da ONU.
As operações de paz entre 1948 e 1988 foram marcadas pelo objetivo de impedir o ressurgimento de conflitos, atuando enquanto terceira parte observadora e atenuadora, orientada pelo princípio de uso mínimo da força a não ser em caso de autodefesa. Entretanto, após casos como os de Ruanda, onde os mandatos impediram a intervenção dos capacetes azuis mesmo quando estavam presentes em situações de violência e transgressão de direitos, as missões passaram a abarcar atividades como a proteção de civis.
Apesar de parecer uma resposta óbvia, no entanto, o uso da força em operações de paz também possui nuances e demanda análises mais profundas. Episódios como o genocídio de mais de oito mil pessoas em Srebrenica, em 1995, deixam claro que a simples presença dos capacetes azuis em solo com autorização para o uso da força não é um inibidor suficiente para que homens, mulheres e crianças em zonas de conflito não sejam afetados. No caso específico de Srebrenica, inclusive, o batalhão holandês presente foi recentemente julgado como parcialmente culpado pelo massacre, abrindo um importante precedente para a responsabilização dos Estados envolvidos nas operações de paz. Ademais, esse debate traz consigo uma tensão que não pode ser ignorada entre uso da força e imparcialidade das missões, um dos preceitos basilares da Organização.
Para além de questionarmos se os efetivos de uma operação de paz devem ou não estar habilitados a utilizar a força em defesa do mandato da missão, a questão que impera é como essa força deveria ser utilizada. É preciso considerar as particularidades de cada local e tipo de conflito, observar se os efetivos estão capacitados para o uso dessa força, e também se estão dotados de recursos e condições suficientes para tal.
Por fim, a falta de mandatos claros até mesmo sobre o que significa a paz que se busca com tanta veemência instaurar ou manter – se representa apenas o fim das hostilidades e retorno da situação anterior à eclosão do conflito ou o estabelecimento, de fato, de um sistema igualitário e participativo – é um dos principais problemas que as operações sob a égide da ONU apresentam, somada a pluralidade de visões, treinamentos e interesses.
Kimberly Alves Digolin é mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP), pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) e pesquisadora voluntária do Instituto Pandiá Calógeras do Ministério da Defesa (IPC/MD).

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