Laurindo Paulo Ribeiro Tchinhama: Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). E-mail: laurindoprt@gmail.com
Uganda é um país africano localizado na região oriental da África fazendo fronteira com o Sudão do Sul, o Quênia, a Tanzânia, Ruanda e a República Democrática do Congo. O país tem um histórico marcado por conflitos civis e instabilidade política complexa desde a sua independência da Grã-Bretanha em 1962, caracterizada por golpes militares e ditaduras. Evidencia-se, no entanto, segundo Otunnu (2004, p. 11), que a crise do país “reflete a maneira como o Estado foi construído através da violência expansionista europeia, manipulação de diferenças preexistentes, políticas administrativas de divisão, domínio e políticas econômicas”.
Além da crise de legitimidade política, houve problemas relacionados a criação do nacionalismo ugandense causando divisões étnicas, religiosas, e administrativas – especialmente entre o Norte e Sul (OTUNNU, 2004). A fragmentação e divisão político-social do país abriu portas para as instabilidades, alianças e disputas políticas que ocasionaram a aliança dos partidos o Congresso do Povo de Uganda (UPC) de Milton Obote e do partido da monarquia de Buganda (Kabaka Yekka). Por conseguinte, Milton Obote se tornou o primeiro-ministro e Kababa Mutesa II, de Buganda, o presidente (OTUNNU, 2004).
O fracasso da aliança ocorreu em 1967 quando o primeiro-ministro deu um golpe de Estado contra o presidente com abolição do regime tribal e declarou Uganda como uma República. O rompimento da aliança deveu-se à luta por terras entre as etnias Bunyoro e Buganda, enquanto a declaração de estado de emergência foi causada pela percepção de conflito entre o Norte e o Sul no país (OTUNNU, 2004). A crise afetou a relação entre Milton Obote e o comandante do exército, Idi Amin, ocasionando um novo golpe de estado em 1971 executado por este último, que governou o país até 1979.
O governo de Idi Amin foi marcado por violência, mortes de membros da etnia Acholi e Langi, (membros centrais do exército) e de adversários políticos, além disso, Amin configurou o exército a sua maneira. O regime ditatorial de Amin evidenciou a cisma no país, o Sul assumiu os serviços públicos e de comércio, e o Norte os cargos no governo e exército (OTUNNU, 2004). Ademais, estima-se que houve 500,000 mortos e cerca de 1 milhão de deslocados internos, além de 200 mil exilados. O governo causou instabilidade no país resultando na queda do PIB em 25% e de 60% nas exportações, e provocou um aumento na inflação acima de 70%. Já a educação e saúde tiveram um impacto de 27% e 9% respectivamente (RUGUMAMU, GBLA, 2004).
Diante desse contexto, ocorreram sucessivos golpes militares no país. Amin sofreu golpe de militares Acholi e Langi, em 1979, exilados na Tanzânia, com auxílio deste país e do partido Frente de Salvação Nacional (FRONASA), liderado por Yoweri Museveni. Como resultado, Yusuf Lule assume o poder por pouco tempo e é derrubado por Godfrey Binaisa. Este é derrubado por Paulo Muwanga em 1980 que assume a presidência e escolhe Yoweri Museveni como seu vice. No entanto, na tentativa de democratizar o país, a nova administração realizou eleições em 1980 que culminou com a vitória e o retorno de Milton Obote ao poder (OTUNNU, 2004). O governo de Obote foi marcado por reivindicações da sua vitória, legitimidade, guerras declaradas pela maior parte dos partidos, assassinatos e o surgimento de grupos armados. Obote resistiu até 1985 quando sofreu o golpe dos soldados Langi e Acholi e Tito Okello assumiu o poder (OTUNNU, 2004).
Uma vez no poder, Okello inclui a maior parte dos partidos e grupos armados no seu governo. Por seu turno, o Exército de Resistência Nacional (NRA, sigla em inglês) ficou de fora do governo. Nesse sentido, buscaram a negociação de paz que ocorreu em 1985 com o Acordo de Nairóbi. Dentre os objetivos estavam o cessar-fogo entre o governo de Uganda e o NRA, a formação de um governo de coalização com partilha de poder e a nomeação de um representante no conselho militar (KIPLAGAT, 2004).
Todavia, ao assumir o poder após o acordo, o NRA conseguiu desmobilizar os soldados Acholi e vivia-se com clima de relativa tranquilidade, porém o acordo não foi implementado na prática (OTUNNU, 2004). O governo do NRA consolidou a divisão Norte-Sul e os conflitos se intensificaram e ficaram marcados pela elevada violação de Direitos Humanos, discriminação regional, sequestros, saques, dentre outras atrocidades cometidas (OMACH, 2009). Nesse contexto, Yoweri Museveni em 1986 com um golpe de Estado assume o governo alegando a pretensão de garantir a estabilidade e o respeito aos direitos humanos no país. Yoweri Museveni está no poder até o presente.
No poder, Yoweri Museveni realizou algumas mudanças. Durante a década de 1990 uma nova constituição foi instituída e os partidos políticos foram legalizados. Em 1998, os conflitos entre o governo e grupos armados persistiram no Norte e Oeste do país que ficou marcado pela morte de 80 estudantes numa escola. Estima-se um total de 800 pessoas mortas. Em 1999, civis e tribos locais foram atacados pelos grupos rebeldes Forças Democráticas Aliadas (ADF), Exército de Resistência do Senhor (LRA) e Hutus Ruandeses provocando pelo menos mil mortes. Ademais, os conflitos resultaram em 350,000 deslocados de guerras. Vale ressaltar que o conflito com a LRA é um dos mais longos. O grupo, liderado por Joseph Kony, ganhou protagonismo por sequestros de aproximadamente 60,000 crianças para servirem como soldados e escravas sexuais.
A incapacidade do governo em conter os conflitos civis ficou evidente. No ano 2000, o combate entre o governo e os grupos rebeldes ocasionou pelo menos 150 mortes, resultado de ataques contra os civis. No ano seguinte, os novos ataques foram realizados e centenas de pessoas foram mortas, porém pelo menos 5,000 rebeldes se renderam à investida do governo. Por seu turno, entre 2002 e 2000, o LRA realizou ataques contra os civis no Norte e Nordeste do país ocasionando a morte de mil e sequestrando centenas de pessoas.
Os combates se prolongaram em 2005 chegando a atingir o Sudão, em Darfur. Como reação, a comunidade internacional emitiu mandado de prisão aos líderes da LRA. As tentativas de negociações de paz ocorreram entre o governo e o LRA em 2004 e 2006, mas não obtiveram o resultado esperado. Apesar do fracasso, um dos resultados do governo foi reintegração alguns ex-combatentes do LRA às Forças de Defesa do Povo de Uganda (UPDF) e anistia a alguns líderes do grupo.
Entre 2006 e 2008 o fracasso das negociações de paz levaram a retomada dos conflitos. Em 2008, um ultimato foi proposto ao LRA devido à resistência do líder Joseph Kony em negociar por conta do mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) ao mesmo. A sua resistência levou uma ação conjunta da Uganda, da República Democrática do Congo e do Sudão, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos Estados Unidos (EUA), obrigando o refúgio do grupo na República Centro Africana (RCA) onde realizaram ataques a civis com cerca de 500 mortes entre 2008 a 2009. Sobre a captura dos líderes do LRA, em 2015 Dominic Ongwen foi capturado e posto em julgamento desde 2017 enquanto Kony continua foragido.
Fica claro, dessa forma, que os conflitos na Uganda se tornaram regional ao tornar outros Estados vizinhos palco dos ataques do LRA. Assim, fica claro a notoriedade e o protagonismo do LRA dentre os vinte grupos mais influentes nesse país. No entanto, a captura de Kony continua sendo o desafio do governo ugandês, porém, a exposição das suas fragilidades e o declínio do seu exército, bem como a prisão de alguns líderes do seu grupo deixam claro a sua fraqueza (NYEKO, LUCIMA, 2004).
Figura 1- Mapa das áreas mais afetadas pelos conflitos no Uganda sobretudo no Norte
Fonte: RELIEFWEB (2007). Disponível em: https://reliefweb.int/map/uganda/map-uganda-showing-conflict-affected-areas-august-2007. Acesso 18 de junho de 2020.
Os conflitos tiveram consequências de dimensão política, social, econômica e principalmente humanitária (OTUNNU, 2004). No âmbito social, gerou órfãos de guerra, destruição de cultura, cerca de 1,8 milhão de deslocados internos, sobretudo na região norte, principal local dos conflitos, e a desintegração do país. Esforços têm sido feitos na luta pelos direitos humanos e prevenção de conflitos com atividade de monitoramento e treinamento com apoio da USAID. As ajudas humanitárias chegaram às regiões mais afetadas com a melhoria da segurança a partir de 2006 (OCHA, 2007).
Um dos desafios a serem superados pelo país é concernente a Governança. Quando assumiu o poder, em 1985, Museveni prometeu estabilidade e transição política no país, porém sua postura mudou em 2005 ao estabelecer mudanças constitucionais no limite de mandatos presidenciais apesar de ter criado um sistema multipartidário (RUGUMAMU, GBLA, 2004). Até então é um dos presidentes do mundo com mais tempo no poder e com as eleições se aproximando em 2021 parece cogitar uma possível recandidatura ao negar aposentadoria. Assim sendo, a postura de Museveni representa a crise de governança e da democracia com um regime ditatorial com características democráticas que oprime, ameaça, abusa de poder militar (KAKA, 2016) e prende seus oponentes, como, por exemplo, o atual candidato da oposição Bobi Wine. Contudo, tal comportamento vem sendo visto desde as eleições de 2001, 2006, 2011 e 2016 (NYEKO, LUCIMA, 2004).
Ao analisarmos o histórico da Uganda podemos traçar algumas considerações. Torna-se evidente, portanto, que a solução dos conflitos não se limita ao estabelecimento da paz negativa, o fim do conflito violento por meio do cessar-fogo, mas passa também por processo de paz positiva com a integração social. Segundo, o processo de construção da paz e democratização em sociedade com características divididas demandam mais abertura ao diálogo por contas das rivalidades étnicas e do regionalismo que foi implantado desde o pós-independência no país. No que tange a segurança, há necessidade de atividade de DDR e Reforma do Setor de Segurança (RSS) no intuito de estabelecer um exército nacional de modo a evitar o retorno de novos conflitos, considerando que o grupo LRA ainda se encontra foragido. Vale ressaltar a relevância do setor por conta do histórico militar e debilidade dos regimes ditatorial e autoritário vivenciado pelo país e reproduzido por Museveni de forma inconstitucional (KAKA, 2016).
Por último, a debilidade político-institucional deixa claro a necessidade de reformas institucionais que garantam o funcionamento e atuação imparcial. No entanto, fica aberta a possibilidade de futuros estudos sobre governança, institucionalização e RSS no país de modo a garantir a estabilidade e segurança dos cidadãos. Porém, apesar da sua postura e do regime autoritário, considerando o histórico conflituoso do país, Museveni não sofreu golpe e tem tido uma atitude de negociador para a manutenção da paz na região.
FONTE IMAGÉTICA: Manifestação da oposição queimando a foto do presidente Yoweri Museveni durante a campanha eleitoral. Fonte: DW (2020). Disponível em: https://www.dw.com/en/uganda-blocks-a-million-first-time-voters/a-5257519. Acesso 17 de junho de 2020.
REFERÊNCIAS
KAKA, Julius. Uganda’s 2016 Elections: Another Setback for Democracy in Africa. Global Observatory: February 24, 2016. Disponível em: https://theglobalobservatory.org/2016/02/ugandas-2016-elections-another-setback-for-democracy-in-africa/. Acesso 18 de junho de 2020.
KIPLAGAT, Bethuel. Reaching the 1985 Nairobi Agreement. In: Accord: protracted conflict, elusive peace: initiatives to end the violence in northern Uganda. Org. LUCIMA, Okello. Conciliation Resources: London, 2002.
OMACH, Paul. Democratization and Conflict Resolution in Uganda. Les Cahiers d’Afrique de l’Est / The East African Review. nº 41, p. 1-20, may, 2009.
OTUNNU, Ogenga. Causes and consequences of the war in Acholiland. In: Accord: protracted conflict, elusive peace: initiatives to end the violence in northern Uganda. Org. LUCIMA, Okello. Conciliation Resources: London, 2002.
LUCIMA, Okello; NYEKO, Balam. Profiles of the parties of conflict. In: Accord: protracted conflict, elusive peace: initiatives to end the violence in northern Uganda. Org. LUCIMA, Okello. Conciliation Resources: London, 2002.
RUGUMAMU, Severine; GBLA, Osman. Studies in reconstruction and capacity building in post-conflict countries in Africa: Some Lessons Of Experience From Uganda. Harare, Zimbabwe, 2004. Disponível em: https://elibrary.acbfpact.org/acbf/collect/acbf/index/assoc/HASH0180/96b7bb1c/f63e60fd/31a4.dir/Thematic94.pdf. Acesso 17 de junho de 2020.
Uganda blocks a million first-time voters. DW. Fev. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/en/uganda-blocks-a-million-first-time-voters/a-5257519. Acesso 17 de junho de 2020.
United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs. OCHA’S MISSION. África. Disponível em: https://www.unocha.org/sites/unocha/files/OCHAin2007_0.pdf. Acesso 18 de junio de 2020.