Israel completou, no último 14 de maio, 70 anos de independência com cerimônias oficiais e eventos abertos. O assunto que já despontava em 1948 permanece, entretanto, sendo o cerne da política nacional e do debate público na sociedade israelense: a questão palestina. Para os cidadãos árabes de Israel e para os palestinos que vivem sob ocupação israelense há 51 anos.
Mas a situação é ainda mais grave. Um olhar histórico mostra que a Nakba (termo em árabe que significa tragédia, utilizado para descrever a expulsão de palestinos na criação do Estado de Israel) dos palestinos não terminou com o estabelecimento do Estado de Israel. Só começou naquele momento e, de fato, continua até hoje. Israel não desenvolveu uma nova abordagem que leve em conta também os interesses do povo palestino. A política de desapropriação e despejo começou em 1948 e continua desde o começo da ocupação nas áreas de 1967, ano da Guerra dos Seis Dias que despontou o começo da construção de assentamentos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza (desocupada em 2005), com a política de construção de assentamentos.
Enquanto um Estado palestino não for estabelecido, a Nakba e o luto dos palestinos – e dos cidadãos árabes de Israel – não acabarão. O líder do partido Lista Árabe Conjunta, o parlamentar Ayman Odeh, disse em meio as comemorações: "enquanto você se recusa a reconhecer o passado e agir para reparar a realidade atual, não podemos construir juntos um futuro para os judeus e árabes neste país.”
Todavia, o aumento dos assentamentos na região da Cisjordânia promovido por Israel pressiona o cenário no sentido da unificação. A ampliação dos assentamentos pode ser entendida como uma forma de pressão da parte do governo de Benjamin Netanyahu, visando eventualmente à formação da Grande Israel bíblica, mas que terá muitos custos políticos para Israel.
A questão se torna mais complexa uma vez que os assentamentos na Cisjordânia estão se tornando cada vez maiores em número e extensão territorial, com aproximadamente meio milhão de habitantes israelenses, tornando uma desocupação extremamente custosa para o Estado de Israel; caso que já ocorreu em 2005 com a desocupação dos assentamentos israelenses na Faixa de Gaza, mas com uma população muito menor, de aproximadamente 50 mil habitantes. Sendo feita a anexação da Cisjordânia e a cidadania israelense estendida aos palestinos da região, Israel terá um problema demográfico, pois perderá a maioria judaica da população dificultando a manutenção desta característica considerada essencial para o Estado. Se a anexação for realizada, mas sem a cidadania para os palestinos, Israel se consolidará como um Estado de exclusão. Para a manutenção de Israel como um Estado judaico a melhor opção é a criação de um Estado palestino.
As decisões do governo atual do partido Likud estão tornando cada vez mais distante a solução de dois Estados nos moldes dos Acordos de Oslo de 1993, e tornando insustentável a atual realidade de um Estado para Israel pré-1967, um segundo Estado para os colonos da Cisjordânia e um terceiro para os palestinos da Cisjordânia. Se Israel não puder mais transferir os colonos – ou os palestinos – para fora da Cisjordânia, se Israel se recusar a dar aos palestinos o direito à cidadania israelense e ao voto, então o próprio governo estará criando as condições sob as quais uma confederação pode ser a opção mais provável para o futuro na região.
E o que acontece enquanto isso? Israel vai aos poucos deixando de ser o país refúgio para os judeus de todo o mundo e revelando-se uma aberração política no sentido do direito internacional que se aproveita da sua atual condição para obter vantagens territoriais e trabalhistas, uma vez que os palestinos que habitam a Cisjordânia e Gaza não possuem cidadania israelense, mas muitos são obrigados a trabalhar diariamente em Israel por não possuírem oportunidades de trabalho suficientes nos territórios. E por não serem cidadãos israelenses de fato não possuem direitos trabalhistas iguais aos dos habitantes de Israel. Uma brecha que permite ao governo israelense se aproveitar da situação, não tendo anexado a Cisjordânia, entretanto usufruindo diariamente de seu território.
Ao mesmo tempo, o governo de Benjamin Netanyahu, envolvido diretamente em escândalos de corrupção, promove o repúdio a todos aqueles que criticam as ações de sua administração, desde a construção de assentamentos, ocupação, deportação forçada de solicitantes de refúgio africanos até atirar e matar manifestantes desarmados do outro lado de uma fronteira.
A imagem de Israel no cenário internacional continua a se deteriorar progressivamente. Todavia, enquanto a maioria dos organismos internacionais e ONGs condena as políticas de construção de assentamentos e da ocupação dos Territórios Palestinos, os Estados Unidos inauguraram no mesmo dia 14 de maio a Embaixada estadunidense na cidade de Jerusalém, reconhecendo a mesma como capital oficial de Israel. Não é esperado que muitos outros países acompanhem a decisão dos Estados Unidos, mas alguns já sinalizaram ações parecidas, como o Paraguai e a Guatemala. Estas decisões legitimam as políticas realizadas pelo governo de Benjamin Netanyahu, dificultando ainda mais uma resolução pacífica para os dois povos.
Karina Stange Calandrin é doutoranda em Relações Internacionais pelo PPG RI San Tiago Dantas, pesquisadora do Gedes e professora da Universidade Sagrado Coração (UCS).
Imagem: Força Aérea de Israel faz desfile para comemorar os 63 anos do Estado. Por: Forças de Defesa de Israel.