Guilherme Cuter Rodel*
Uma das afirmações mais conhecidas e utilizadas nas Relações Internacionais é a máxima de Clausewitz: “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Desta declaração deve-se entender que o conflito armado é um meio utilizado para se alcançar objetivos políticos.
Com relação à Guerra da Ucrânia, a despeito das declarações de Putin e de membros de seu governo sobre “desnazificar” a Ucrânia ou proteger minorias russas, podem ser depreendidos como objetivos que levaram a Rússia a invadir o país vizinho: alterar o governo ucraniano e fazer com que este Estado deixasse de ser um aliado dos países ocidentais; conquistar alguns novos territórios; desestabilizar e enfraquecer a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); impedir essa organização – e especialmente os Estados Unidos da América (EUA) – de se aproximar das fronteiras russas, talvez querendo até mesmo forçar a retirada de tropas e equipamentos da OTAN da Europa Oriental; e dissuadir outros países vizinhos – especialmente aqueles que faziam parte da União Soviética – de se aproximarem demais do Ocidente.
Quando é dito, no título desse texto, que a Rússia já perdeu a guerra, eu quero dizer que, mesmo com o conflito ainda em andamento, os objetivos políticos russos já se encontram fora de alcance. Isto é afirmado, pois o oposto do pretendido pelo país euroasiático aconteceu após a invasão.
A começar pela OTAN, uma organização que estava, nos anos que antecederam 2022, em seu pior momento desde sua criação, em 1949. Após a presidência isolacionista e disruptiva de Donald Trump nos EUA e o Brexit no Reino Unido, as divergências entre os aliados ocidentais chegaram a tal ponto que Emmanuel Macron, presidente francês, declarou que a OTAN se encontrava em estado de “morte cerebral” em 2019. Porém, após a Rússia invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, os países-membros da OTAN apresentaram uma resposta unificada de oposição às ações do governo de Putin. Sanções foram anunciadas e uma grande quantidade de ajuda financeira e militar foi – e continua sendo – enviada para Kiev.
Este último ponto é especialmente importante, pois, antes do início das hostilidades, armamentos ocidentais serem alocados próximo das fronteiras russas era algo extremamente sensível para Moscou e considerado “inaceitável”. Os russos afirmavam que um dos motivos de sua invasão era exatamente se sentirem ameaçados pela maior presença militar estadunidense na Ucrânia e pelo potencial de mísseis, incluindo aqueles com capacidades nucleares, serem instalados no país vizinho. Todavia, como já foi dito, o número de armas ocidentais presentes na Ucrânia aumentou exponencialmente desde que o conflito começou e provavelmente os equipamentos militares permanecerão no país mesmo depois que a guerra acabar.
Além disso, a OTAN foi revitalizada, adquirindo uma importância que havia sido perdida nos debates internos de cada país-membro e nos assuntos internacionais. Junto com isso, o apoio das populações dos membros ao bloco militar aumentou consideravelmente depois do início da guerra. Ademais, a aliança ganhou um motivo claro para sua existência: opor-se à Rússia e quaisquer medidas expansionistas deste país. Como estabelecido pelo novo conceito estratégico da organização, publicado no fim de junho, a Rússia passa a ser considerada a principal ameaça para a segurança da OTAN e de seus Estados-membros.
Com base nisso, os assinantes do Tratado do Atlântico Norte que fazem fronteira com a Rússia receberam ainda mais apoio da organização após o início da guerra. A presença de soldados permanentes do bloco nos países bálticos – Letônia, Lituânia e Estônia – aumentou consideravelmente e países como Romênia e Polônia ganharam novos equipamentos e mais tropas.
Outrossim, demais países e organizações ocidentais – com destaque para Alemanha e União Europeia – estão quebrando precedentes ao enviar armas para a Ucrânia e propor embargos ao petróleo russo e diminuição drástica da compra de gás da nação agressora. Estas medidas sobre cortar importações de fontes de energia da Rússia são relevantes pelo fato de tais produtos, tradicionalmente, servirem de instrumento geopolítico russo para utilizar contra governos europeus. Ou seja, os países ocidentais estão mais unidos e dispostos a confrontar a Rússia, com este Estado perdendo mecanismos de contrabalancear e pressionar as nações europeias.
Outra tendência que vai na direção contrária dos objetivos russos é de países vizinhos à Rússia se aproximarem de instituições ocidentais. Suécia e Finlândia abandonaram suas políticas tradicionais de neutralidade e pediram para aderir à OTAN. A organização, por sua parte, já estendeu oficialmente o convite para os países nórdicos se juntarem à aliança. Logo, ao invés da Rússia fazer com que a OTAN recuasse para mais longe do território russo e estabelecer para seus vizinhos que entrar na organização ocidental estaria fora de questão, o que houve foi uma expansão considerável das fronteiras divididas entre o bloco militar e o país euroasiático, além da perspectiva de a OTAN se fortalecer ainda mais com a entrada de dois membros com significativas capacidades militares.
Seguindo a tendência descrita no último parágrafo, Geórgia e Moldávia fizeram pedidos para entrar na União Europeia após o início da guerra. Ao segundo foi concedido status de candidato oficial a entrar no bloco, enquanto ao primeiro foi requisitado que fizesse algumas reformas internas para poder também ser considerado um candidato. Deve-se dizer que simplesmente receber o status de candidato não é tão impactante, já que o processo de adesão à União Europeia costuma ser bem longo e pode ser revertido com facilidade.
Entretanto, o que é relevante é o fato de, após o início da guerra na Ucrânia, esses dois países ex-soviéticos buscaram se aproximar do Ocidente. Ambos fazem parte de uma área que Moscou considera sua zona de influência e têm, atualmente, tropas russas ocupando partes de seus territórios, resquícios de intervenções militares. Logo, nessas condições, é notável que Geórgia e Moldávia tenham adotado a decisão de tentar entrar na União Europeia após a Rússia invadir a Ucrânia, assim buscando se aproximar do Ocidente, em contrariedade aos desejos russos.
No que se refere à situação da Ucrânia, na data em que este artigo é escrito parece certo que a Rússia conseguirá conquistar toda a região do Donbas. Com isto, as repúblicas separatistas ucranianas de Donetsk e de Luhansk se expandirão e, possivelmente, serão anexadas à Rússia. Apesar dessa conquista de território, deve ser destacado que os ataques russos contra as principais cidades ucranianas – Kiev e Kharkiv – fracassaram. Desse modo, no atual momento, a conquista total da Ucrânia parece estar fora de alcance, fazendo com que os objetivos russos de derrubar o governo de Volodymyr Zelensky e forçar Kiev a abandonar sua política externa pró-Ocidente não sejam mais realizáveis.
A Ucrânia, então, deve seguir uma política externa ainda mais pró-Ocidente e contra a Rússia do que já vinha fazendo antes de 2022. Além de ter recebido uma gigantesca quantidade de armamentos ocidentais e outros recursos para combater a guerra, o país fez o pedido para aderir a União Europeia – já tendo obtido status de candidato oficial – e esta mesma organização já se propôs a arcar com grande parte do custo para a reconstrução da Ucrânia. Logo, tal nação, mesmo que enfraquecida por todos os danos do conflito e por perdas territoriais, deve se consolidar como uma grande aliada dos países ocidentais.
Dado todo o exposto, conclui-se que a Guerra da Ucrânia já pode ser considerada um fracasso para o país agressor, a despeito da luta ainda não ter acabado. Eu defendo esse ponto de vista, pois, mesmo que seja impossível determinar com precisão tudo que a Rússia visava ganhar ao invadir o país vizinho, está claro que os objetivos políticos mais importantes já estão fora de alcance. Mais do que isso, em alguns aspectos o contrário do pretendido pelo país euroasiático aconteceu, como por exemplo a OTAN adicionar membros e se revitalizar ao invés de ser desestabilizada e enfraquecida.
No final, a única coisa que a Rússia deve conquistar é um pouco mais de território ucraniano. Isto, apesar de fortalecer tanto a posição russa na Crimeia quanto as repúblicas separatistas ucranianas, ainda está muito aquém do esperado pelo país agressor, ao ponto de poder ser afirmado que tais conquistas não conseguem compensar pelo alto número de perdas russas – seja em termos de vidas, equipamentos, geopolítica ou até econômicas, visto as sanções e embargos ocidentais – e que a guerra, no final das contas, não deve ser considerada um sucesso para o país euroasiático.
* Guilherme Cuter Rodel é graduando do curso de Relações Internacionais na PUC-SP.
Imagem: Fotos de Bucha, na Ucrânia. Por: AP Photo/Felipe Dana/Flickr.