Leonardo Rodrigues Taquece: Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista CAPES. E-mail: taquece@gmail.com
Maria Aparecida Felix Mercadante: Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista CAPES. E-mail: mariaamercadante@hotmail.com
O conflito na Colômbia é um dos mais antigos da América Latina. Os episódios de violência se sustentam em um quadro duradouro de enfrentamentos entre diferentes grupos armados – guerrilhas insurgentes, grupos narcotraficantes, grupos paramilitares e grupos de delincuencia organizada (GAO) – entre si e, também, contra as forças do governo. Assim, cabe destacar que em cada região, cada departamento e em cada cidade, a interação entre os atores envolvidos e a intensidade dos conflitos combinaram-se e se desenvolveram muitas vezes com dinâmicas distintas e temporalidades diferentes. Um dos confrontos mais conhecidos é o que ocorre entre o governo colombiano e as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia – Ejército del Pluebo (FARC-EP) e quem tem início na década de 1960.
O surgimento das FARC-EP e o desenvolvimento da violência política na disputa pelo poder estão historicamente enraizados na cultura bipartidarista, oriunda do processo de independência da Colômbia, e nos confrontos ligados às disputas eleitorais do período. O progresso da violência entre o Partido Liberal e o Partido Conservador se desdobra no período La Violencia entre, aproximadamente, os anos de 1948 e 1958. Ainda que todas as regiões do país tenham sofrido de algum modo as consequências do imaginário político polarizado, as áreas rurais foram as mais afetadas pela violência armada, contribuindo para o desenvolvimento de movimentos de resistência campesina ou autodefensas – embriões dos futuros movimentos guerrilheiros (BUSHNELL, 2007; GRUPO DE MEMORIA HISTÓRICA, 2013).
De acordo com a narrativa oficial das FARC-EP, seu surgimento deve-se à exclusão política e aos ataques do Exército Nacional contra o que ficou conhecido como “Repúblicas Independientes”, zonas criadas por camponeses deslocados de suas antigas terras e que por via armada se colocavam à parte do controle estatal. Formadas por Charro Negro, Manuel Marulanda e Ciro Trujillo, as zonas de colonização campesina armada reforçavam os conceitos de ameaça à segurança interna no contexto de Guerra Fria. O ataque à Marquetalia e às demais colônias agrícolas, em 1964, se torna-se o marco de criação do grupo guerrilheiro, o porquê de a origem ter se dado nessa região estaria ligado a dois litígios históricos: a luta de indígenas pela posse da terra e a luta de reconhecimento dos direitos políticos por parte dos campesinos (MOLANO, 2016).
A Conferência Guerrilheira, em 1965, forma o Bloque Sur. O nome Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC) é resultado da segunda conferência guerrilheira no ano de 1966; e, o acréscimo de “Ejército del Pueblo” (-1983. Em seu estatuto, as FARC-EP se definem como um “um movimento político-militar que desenvolve sua ação ideológica, política, organizativa, propagandística e armada de guerrilha, conforme a tática de combinação de todas as formas de luta de massas pelo poder para o povo” (FARC-EP, 1993). Quase concomitante ao desenvolvimento das FARC-EP, ocorre o desenvolvimento de outros grupos guerrilheiros, sendo os mais conhecidos, o Ejército de Liberación Nacional (ELN), Ejército Popular de Liberación (EPL), Movimiento 19 de Abril (M-19) e o movimento indigenista Quintín Lame.
A resposta à ascensão da mobilização social realizada pelas guerrilhas foi evidentemente militar, com a multiplicação das zonas de atuação e a consolidação territorial de grupos paramilitares como força contrainsurgente, especialmente, a partir dos anos 80. A expansão do paramilitarismo combinou com políticas governamentais que possibilitaram esse processo, os grupos paramilitares pertenciam a uma fronteira ambígua entre legalidade e ilegalidade, muitas vezes servindo como força de apoio para as unidades militares do Estado (PÉCAULT, 2008). No grupo paramilitar Muerte a Secuestradores (MAS), por exemplo, uma investigação, em 1983, encontrou que 69 dos 163 membros eram integrantes das Forças Armadas (GRUPO DE MEMORIA HISTÓRICA, 2013, p. 137). A aliança dos grupos paramilitares resultou na formação da Autodefensas Unidas de Colombia (AUC), em 1995, com o objetivo de coordenar as ações contrainsurgentes.
Dada a conjuntura de Guerra Fria em que vivia o sistema internacional, o sucesso da Revolução Cubana, somado ao surgimento de organizações guerrilheiras com ideologias comunistas em território colombiano, contribuiu para que o conflito colombiano se inserisse na lógica internacional – e regional – de combate e contenção ao comunismo. As estratégias de atuação anticomunista dos Estados Unidos no continente americano são bem conhecidas, na Colômbia, a incorporação da doutrina de segurança nacional e a tese do inimigo interno encontraram reforço na exclusão de forças políticas distintas dos partidos tradicionais, justificando as ações repressivas em favor da manutenção da ordem social (GRUPO DE MEMORIA HISTÓRICA, 2013).
Para além das disputas envolvendo as questões militares e ideológicas, a consolidação da economia da droga nas regiões de atuação dos grupos armados e o desenvolvimento dos grandes cartéis – Cartel de Cali e Cartel de Medellín – promoveram o agravamento do conflito colombiano nos anos 80 e 90 (CAMACHO, 2011). Uma das primeiras expressões da vinculação do narcotráfico com as organizações foi o desenvolvimento do narcoparamilitarismo, de modo que os efeitos dessa aliança na luta contrainsurgente tornaram mais complexa a relação entre os atores. Embora as organizações de paramilitares tivessem um caráter antissubverssivo, aliado aos interesses do Estado colombiano, se colocavam, ao mesmo tempo, como inimigas na luta nacional e internacional contra o narcotráfico. Ademais, a economia da droga, progressivamente, somava-se ao sequestro extorsivo como principais fontes de renda para financiar a expansão territorial e militar das guerrilhas, especialmente, das FARC-EP. Os narcotraficantes têm um papel central no conflito colombiano, uma vez que forneciam os recursos econômicos para os demais atores envolvidos (GRUPO DE MEMORIA HISTÓRICA, 2013; TICKNER, GARCÍA e ARREAZA, 2011; PÉCAULT, 2008).
A atuação violenta do Cartel de Medellín merece destaque, uma vez que o cartel foi responsável, em 1989, por alguns dos atentados que marcaram a história da Colômbia: a explosão de um Boeing 727 da Avianca, que deixou 107 mortos, e a explosão do carro-bomba em frente ao Departamento Administrativo de Seguridad, que deixou ao menos 63 mortos e mais de 600 pessoas feridas. A expansão dos cultivos ilícitos qualificaria a Colômbia como a maior produtora mundial de cocaína e a política nacional de combate ao narcotráfico passaria a ser apoiada na estratégia internacional do governo norte-americano, uma estratégia militarizada de combate à oferta que nasce na “Guerra às Drogas” e se mantém com os programas de ajuda militar do governo norte-americano aos países andinos.
O envolvimento do narcotráfico com a política colombiana e a denúncia do Cartel de Cali ter financiado a campanha presidencial de Ernesto Samper, em 1994, levou à mobilização do conceito de narcodemocracia para referir-se ao país. Fato este que contribuiu para que, mesmo com a posterior desmobilização dos grandes cartéis, a cooperação no campo militar com os Estados Unidos permanecesse sob a justificativa de falta de capacidade do governo colombiano lidar com o problema das drogas e pelo progressivo envolvimento das FARC-EP com o narcotráfico. A campanha contrainsurgente e a campanha antinarcóticos se transformaria em uma só e direcionaria a assistência técnica-militar norte-americana. O Plano Colômbia, em 1999, e a campanha militar do Plano Patriota, em 2003, são exemplos da ofensiva contra as FARC-EP, que sofreria os impactos da modernização das Forças Armadas com perdas significativas de combatentes e territórios (PÉCAULT, 2008). A respeito da estratégia militarizada do período, cabe destacar as execuções extrajudiciais realizadas pelo Exército Nacional, os militares promoviam o assassinato de civis e estes eram apresentados como guerrilheiros. O escândalo que ficou conhecido como ‘falsos positivos‘ tinha como objetivo manipular as estatísticas e mostrar resultados no combate às guerrilhas.
O enfraquecimento militar das FARC-EP, a diminuição dos aportes financeiros norte-americanos após a crise de 2008, a eleição do presidente colombiano Juan Manuel Santos em 2010 e algumas mudanças na política de Defesa e Segurança, orientadas para democracia e desenvolvimento social, são alguns dos fatores que propiciaram o desenvolvimento de uma nova tentativa de resolução do conflito colombiano por meio de processos de paz. Em 2012 são iniciadas mesas de diálogo com as FARC-EP e, em 2014, reuniões exploratórias para o início do diálogo com o ELN. Os diálogos com as FARC-EP resultariam, em 2016, no Acordo Final para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura firmado entre o governo e a guerrilha em Cuba. As FARC-EP foram convertidas no Partido Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC) e passa então a atuar nos processos eleitorais desde 2017.
A entrega das armas pela guerrilha das FARC, entretanto, não garantiu o fim do problema das drogas nem o fim da violência armada em território colombiano. A Colômbia continua sendo o maior produtor de cocaína do mundo, com cerca de 169.000ha de cultivo de coca no ano de 2018. Os diálogos com o ELN foram encerrados sem Acordo em fevereiro de 2019. A manutenção dos cultivos permite que as unidades dissidentes das FARC-EP, que não aderiram ao Acordo Final, continuem atuando e que novos grupos armados organizados continuem surgindo e ocupando as zonas estratégicas para operar o narcotráfico, como as Bandas Criminales (Bacrim) ou Grupos de Delincuencia Organizada (GDO) (FUNDACIÓN IDEAS PARA LA PAZ, 2017). Outra questão importante foi o anúncio, em agosto de 2019, da “refundação” da guerrilha FARC-EP e do abandono do processo de reincorporação por parte de alguns de alguns ex-combatentes, incluindo Iván Márquez , ex-chefe negociador do processo de paz de Havana.
De acordo com as estatísticas do Centro Nacional de Memória História da Colômbia, 218,094 pessoas foram mortas entre os anos de 1958 e 2012 — sendo 177,307 civis e apenas 40,787 combatentes. Outro dado capaz de mostrar a dimensão da violência gerada pelo conflito colombiano é o registro de vítimas realizado pelo governo, neste registro, 8.944.137 pessoas haviam sido vítimas direta ou indiretamente pelo conflito armado até janeiro de 2020. De acordo com o relatório da Agência da ONU para Refugiados, a Colômbia ocupa desde 2015 a primeira colocação no ranking de países com maiores vítimas de deslocamentos internos, chegando a mais de 7 milhões de pessoas internamente deslocadas (UNHCR, 2019, p. 35).
Com respeito à manutenção da violência em tempos de “paz”, desde a firma do Acordo Final, tem-se registrado o assassinato sistemático de líderes sociais e de defensores dos direitos humanos em território colombiano, ainda que não haja consenso, uma vez que os métodos empregados para definição de “líderes” são distintos nas organizações, o Instituto de Estudios para el Desarrollo y la Paz aponta que o número de vítimas pode chegar em até 760 pessoas entre 2016 e 2019. Os ex-combatentes das FARC também tem sido vítimas dessa violência, a Misión de Verificación das Naciones Unidas en Colombia (2020) divulgou no último dia 26 de março, que 194 ex-combatentes firmantes dos acordos foram mortos e 13 ex-combatentes estão desaparecidos. O caminho atual parece levar a Colômbia a reviver a história de outra tentativa de participação partidária por parte dos ex-combatentes das FARC-EP: o genocídio contra a União Patriótica nos anos 80.
REFERÊNCIAS
BUSHNELL, David. Colombia: Una nación a pesar de sí misma. Bogotá: Planeta. 2007
CAMACHO, Adriana; MEJÍA, Daniel. Consecuencias de la aspersión aérea en la salud: evidencia desde el caso colombiano. In: ARIAS, Maria; CAMACHO, Adriana; IBÁÑEZ, Ana María; MEJÍA, Daniel; RODRIGUEZ, Catherine. (comp.). Costos Económicos y Sociales del Conflicto en Colombia: ¿Cómo construir un posconflicto sostenible? Bogotá: Universidad de los Andes. 2014.
FARC-EP. Estatuto de las Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC-EP). 1993. Disponível em: https://www.farc-ep.co/octava-conferencia/estatuto-farc-ep.html. Acesso em: 20 maio 2020.
FUNDACIÓN IDEAS PARA LA PAZ. Crimen organizado y saboteadores armados en tiempos de transición. Bogotá, jul, 2017. Disponível em: ttp://ideaspaz.org/media/website/FIP_crimenorganizado.pdf. Acesso em: 20 maio 2020.
GRUPO DE MEMÓRIA HISTÓRICA – GMH. ¡BASTA YA! Colombia: Memorias de guerra y dignidad. Bogotá: Imprensa Nacional, 2013. Disponível em: http://centrodememoriahistorica.gov.co/descargas/informes2013/bastaYa/basta-ya-colombia-memorias-de-guerra-y-dignidad-2016.pdf. Acesso em: 20 maio 2020
MISIÓN DE VERIFICACIÓN DAS NACIONES UNIDAS EN COLOMBIA. Informe trimestral del Secretario General. 26 de março de 2020. Disponível em: https://colombia.unmissions.org/sites/default/files/informe_sg_unvmc_marzo_2020_act._8_abr.pdf. Acesso em: 20 maio 2020.
MOLANO, Alfredo. A lomo de mula: viajes al corazón de las Farc. Bogotá: Aguilar. 2016.
PÉCAUT, Daniel. Las FARC: fuentes de su longevidad y de la conservación de su cohesión. Análisis político [Bogotá], n.63, pp. 22-50, maio./agost. 2008.
ROJAS, Diana. Estados Unidos y la guerra en Colombia. In: INSTITUTO DE ESTUDIOS POLÍTICOS Y RELACIONES INTERNACIONALES. Nuestra guerra sin nombre. Las transformaciones del conflicto en Colombia. Bogotá: Editorial Norma, 2005.
TICKNER, Arlene; GARCÍA, Diego; ARREAZA, Catalina. Actores violentos no estatales y narcotráfico en Colombia. In: GAVÍRIA, Alejandro; MEJÍA, Daniel (comp.). Políticas antidroga en Colombia: éxitos, fracasos y extravíos. Bogotá: Universidad de los Andes. 2011.
UNHCR. The UN Refugee Agency. Global Trends: Forced displacement in 2018. 2019. Disponível em: https://www.unhcr.org/5d08d7ee7.pdf#_ga=2.214246807.1642386792.1589554806-1068563153.1589554806 Acesso em: 20 maio 2020.
Imagem: Manifestantes em Bogotá. Fonte: depositphotos