Gabriela Aparecida de Oliveira *
Maria Eduarda Kobayashi Rossi **
O Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher (25 de novembro) foi instituído em 17 de dezembro de 1999, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, e homenageia as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal. Elas foram assassinadas por seu ativismo contra a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo (1930-1961), na República Dominicana. A criação da data pode ser vista como um reflexo dos esforços de movimentos feministas, os quais objetivam operacionalizar transformações sociais pelo fim da violência de gênero ⎼ que atinge não apenas mulheres e meninas, mas também homens, meninos e a população LGBTQIA +.
O contexto de sua criação foi marcado por uma série de avanços sobre as questões de gênero na agenda internacional. Destaca-se, em ordem cronológica: a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw, 1979), a Declaração sobre Eliminação da Violência Contra a Mulher (1994), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (1995), bem como a elaboração da Resolução 1325/2000. Essa última originou a Agenda Mulheres, Paz e Segurança, ressaltando a necessidade da participação de mulheres nos espaços políticos, nos processos de resolução de conflitos e construção da paz.
Desde sua origem, a data objetiva mobilizar a consciência social crítica, estimulando a efetivação de projetos, políticas públicas e planos de ação nacionais para prevenir as violências contra as mulheres e meninas, bem como proporcionar a igualdade de gênero na política[1]. Incentiva-se, também, a realização de pesquisas e a difusão de dados sobre o tema em questão. Vale mencionar que, no âmbito da ONU, muitos projetos são financiados pelo Fundo internacional para a eliminação da violência contra as mulheres e pelo Fundo para a Igualdade de gênero, os quais foram criados, respectivamente, em 1996 e 2009.
No Brasil, desde 1997, tais órgãos contribuíram para o financiamento de diversos projetos como o “Iyà Àgbá – Rede de Mulheres Negras Contra a Violência”, realizado pela Fundação Criola em 2005, e o projeto “Juventude e Arte para qualquer parte: pelo fim da Violência contra as Mulheres” realizado pela Casa da Mulher Trabalhadora – CAMTRA, em 2017. Além disso, há cada vez mais iniciativas que buscam envolver os homens nas ações transformativas, incentivando a construção de masculinidades positivas. Nesse sentido, uma das instituições brasileiras que mais se destacou foi o Promundo, com os projetos “Engajando Homens para Acabar com a Violência Baseada em Gênero: um Estudo de Intervenção e Avaliação de Impacto em Vários Países” (2008) e “Envolvendo os jovens para acabar com a violência contra mulheres e meninas no Brasil e na República Democrática do Congo” (2016-2017).
No ano de 2021, em homenagem às pautas trazidas pelo dia 25 de novembro, a ONU Mulheres criou a campanha “Una-se pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, realizada entre os dias 20 de novembro e 10 de dezembro. As ações buscaram reduzir as violências que se manifestam das formas: direta (agressão física), estrutural, psíquica, sexual (como o estupro, mutilação genital), obstétrica e política. Tais violações cresceram durante o período da pandemia de COVID 19, e merecem atenção nacional e internacional. De acordo com a ONU Mulheres (2021): “A pandemia exacerbou fatores de risco para a violência contra mulheres e meninas, incluindo desemprego e pobreza, e reforçou muitas das causas profundas, como estereótipos de gênero e normas sociais preconceituosas. Estima-se que 11 milhões de meninas podem não retornar à escola por causa da COVID-19, o que aumenta o risco de casamento infantil. Estima-se também que os efeitos econômicos prejudiquem mais de 47 milhões de mulheres e meninas vivendo em situação de pobreza extrema em 2021, revertendo décadas de progresso e perpetuando desigualdades estruturais que reforçam a violência contra as mulheres e meninas”.
Na América Latina, o alto índice de violências de gênero e feminicídios – que coloca a região como o lugar mais perigoso no mundo para as mulheres – também sofreu um acréscimo durante a pandemia (TRICONTINENTAL, 2020). Em um contexto de crise econômica e ascensão de governos de direita e extrema direita na região, as violências contra mulheres e outros grupos marginalizados aumentam em número e crueldade. Observa-se, na América Latina, uma alta instabilidade política e econômica, bem como um acirramento do conservadorismo religioso (principalmente neopentecostal) e do neoliberalismo. Nesse contexto, atores de distintos perfis ideológicos coincidem no desprezo aos direitos humanos e aos tratados internacionais assinados para a garantia de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Ainda que o período anterior, marcado por governos de esquerda e centro esquerda, não tenha, necessariamente, promovido um avanço desses direitos, hoje vemos o fortalecimento da atuação de grupos conservadores religiosos e seculares. Assim, além da retirada de direitos de mulheres e outros grupos vulnerabilizados, presenciamos, em muitos países, a transformação de movimentos sociais em inimigos políticos. Como consequência, temos a deslegitimação de suas pautas e atos violentos dirigidos a ativistas (BIROLI et. al., 2020).
No Brasil, o projeto “Elas no Congresso” do Instituto AzMina, divulgou um levantamento das ações do governo de Jair Bolsonaro, constatando que os discursos misóginos, machistas, racistas e LGBTQIA+fóbicos do presidente de extrema-direita têm sido, de fato, colocados em prática. Em uma análise profunda de decretos, portarias, medidas provisórias, cartilhas de campanhas governamentais, direcionamento orçamentário, execução orçamentária e propostas legislativas, o AzMina concluiu que o ataque aos direitos das mulheres tem caracterizado as ações do atual governo.
Dentre essas ações, destacamos a perda de status ministerial por parte da antiga Secretaria de Políticas para Mulheres, a criação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (cujos discursos restringem a concepção de “família” à família patriarcal e heteronormativa, também conhecida como “família triangular”: composta por pai, mãe e filhos, na qual a mulher deve desempenhar papéis de gênero tradicionais como cuidar da casa e dos filhos), e a extinção do programa “Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência” (que foi substituído pelo programa “Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos”). Também se destaca a má gestão dos recursos que seriam destinados às políticas voltadas para a promoção de direitos e oportunidades sociais para mulheres. Dados mostram que o governo deixou de usar um terço dos recursos aprovados entre 2019 e o primeiro semestre de 2021, uma cifra de quase R$ 400 milhões que poderiam ter sido gastos no combate à violência de gênero, incentivo à autonomia e saúde feminina.
Ainda que o panorama das lutas feministas mostrem um avanço de suas conquistas e impactos sobre a sociedade, os dados recentes deixam evidente que muitas ações e políticas públicas devem ser feitas. Nesse sentido, é importante refletir sobre o papel do Estado na promoção da igualdade de gênero. Essa questão é assunto do artigo “Reflexões acerca das raízes da violência contra as mulheres e a questão do Estado” (clique aqui para ler!).
* Mestranda em Paz, Defesa e Segurança Internacional pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e pesquisadora do IARAS – Núcleo de Estudos de Gênero do GEDES.
** Graduanda em Relações Internacionais pela UNESP, bolsista FAPESP (processo 2021/04480-3).
Imagem por: UN WOMEN.
[1] Sobre este tema, é importante ressaltar que a ONU Mulheres da América Latina e Caribe publicou, em 2020, o documento “Rumo à paridade e à participação inclusiva na América Latina e no Caribe”, o qual foi elaborado em preparação para a 65º Comissão da ONU sobre a Situação da Mulher (CSW), trazendo avanços e desafios sobre a participação das mulheres em espaços públicos. Além disso, em 2020, a ONU esquematizou um mapa sobre a participação das mulheres na política, o qual pode ser consultado pelo link: <https://lac.unwomen.org/en/digiteca/publicaciones/2020/03/women-in-politics-map-2020>. Acesso em dezembro de 2021.