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O Starlink e a importância da internet via satélite para o conflito entre Rússia e Ucrânia

Larissa Aguiar*

 

Com o início da campanha russa na Ucrânia, o receio de que a Rússia poderia estrategicamente prejudicar, ou até mesmo utilizar a seu favor, a conexão de internet ucraniana se tornou uma preocupação válida das esferas governamental, militar e civil do país. Essa estratégia de usar as dimensões cibernética e informacional para obter vantagens no conflito já havia sido utilizada na Criméia durante a anexação do território ao Kremlin em 2014. Desde então, a dependência da Ucrânia em relação a servidores russos se tornou uma preocupação válida e constante. O controle dos meios de comunicação e, principalmente, do tipo de mídia que os cidadãos consomem, pode ser uma determinante na política internacional. Tendo em vista esses fatores, nosso objetivo neste texto é analisar os impactos da utilização da internet via satélite no conflito entre Rússia e Ucrânia.

Com a possibilidade de que os eventos de 2014 se repetissem, dois dias após o início da campanha russa na Ucrânia, o então vice-Primeiro Ministro e Ministro da Transformação Digital ucraniano, Mykhailo Fedorov, pediu, via Twitter, que  o empresário estadunidense Elon Musk, dono da SpaceX, fornecesse terminais da rede de satélites Starlink à Ucrânia. A partir disso, a tecnologia de comunicação via satélite e o projeto Starlink adquiriram uma posição central nas discussões do recente conflito, e passaram a ser uma das salvaguardas da conexão ucraniana com o mundo exterior. 

Primeiramente, é importante esclarecer o que é o Starlink. Trata-se de um projeto da empresa privada SpaceX que visa o desenvolvimento de uma constelação de satélites e objetiva a implementação de tecnologia espacial para a disseminação da internet via satélite em todo o mundo. Para além dos interesses privados da SpaceX em desenvolver uma constelação de satélites, o projeto Starlink, assim como outros projetos de internet via satélite, como a HughesNet e a ViaSat, contribuem para o acesso à internet em áreas isoladas, como as rurais, onde a internet via fibra ótica se torna de difícil acesso.

A recepção da internet via satélites acontece por meio de uma triangulação dos sinais. A princípio, instalam-se estações terrenas – ou gateways – em pontos estratégicos do globo, que fornecerão o sinal primário de internet através de uma conexão de fibra óptica previamente hospedada. Em seguida, é necessário lançar satélites LEO, um tipo de satélite específico para este serviço, que se estabelece na órbita terrestre baixa – uma órbita próxima à superfície terrestre, não ultrapassando os 1000 km de altitude em relação ao espaço. Atualmente, o projeto Starlink possui 1587 satélites estabelecidos, mapeados e ativos, que formam a chamada “constelação de satélites” e refletem o sinal emitido pelas estações terrestres do projeto. As estações terrenas são as responsáveis por conectar o sinal da fibra óptica aos satélites que orbitam a Terra e que, mais tarde, repassam esse sinal aos terminais domésticos adquiridos por civis, empresas e governos, responsáveis pela reprodução do sinal de internet em equipamentos eletrônicos.

A internet via satélite, então, permite a conexão de terminais domésticos em muitos locais inalcançáveis pela fibra óptica comum. A simples passagem de um satélite em órbita e o espaço a céu aberto permitem que os terminais captem o sinal e forneçam conexão de banda larga efetiva, embora não tão rápida quanto a fibra óptica comum. 

Tal tecnologia pode ser útil durante conflitos armados, visto que as forças armadas e os civis estão em permanente estado de alerta em relação à localização das forças inimigas. As investidas militares por parte das forças armadas russas, na intenção de dominar parte do território em guerra, bem como as esquivas ucranianas, demandam comunicação urgente e eficaz. A necessidade do lado agressor receber, processar e tomar decisões com base no território inimigo perpassa, antes de mais nada, a comunicação entre os centros de controle e as forças. Por outro lado, a resistência das forças defensoras depende, diretamente, da capacidade de obter informações precisas acerca da posição inimiga. Entender o campo de guerra é um aspecto estratégico e vital para ambas as partes. O que nos leva, então, à importância da comunicação rápida, eficiente, direta e correta, e também à importância de neutralizar a comunicação das forças inimigas, o que pode significar uma vantagem massiva durante as campanhas de ambos os lados.

Outro ponto vital do conflito entre Ucrânia e Rússia que é impactado pela internet via satélite é a crise de refugiados de guerra gerada desde o início da invasão russa. De acordo com Filippo Grandi, o atual Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, mais de 2 milhões de civis ucranianos já deixaram o país fugindo do cenário de guerra que se instalou em suas cidades natais. Com a crise de refugiados, órgãos de toda a Europa têm disponibilizado, via sites e aplicativos, informações úteis para que ucranianos possam sair de seu território em segurança. É o caso da União Europeia, que tem utilizado o próprio site como hospedagem para postagens informativas rápidas. Ademais, o Fórum Econômico Mundial lista que, para além de informações, outras ações importantes têm alcançado os ucranianos on-line, como doações globais para a compra de alimentos e serviço médico gratuito.

Diante da relevância da conexão com a internet para a resistência ucraniana e a resposta humanitária, uma questão que se mostra relevante é a possibilidade de bloqueio dos sinais e terminais do Starlink pela Rússia. Para que um bloqueio fosse devidamente efetivo, a Rússia deveria acionar dispositivos aéreos que desviem, dificultem ou, ao menos, desequilibrem a triangulação dos sinais de internet. No entanto, dois desafios se colocam entre essa realidade. O primeiro deles é a dificuldade em atingir a estação terrena que emite o sinal captado pelos terminais ucranianos, que se situa em Wola Krobowska, uma vila no centro-oeste da Polônia, com alcance suficiente para conectar os terminais ucranianos. O projeto de Elon Musk, atualmente, possui mais de 50 estações terrenas espalhadas principalmente entre Estados Unidos e Europa Ocidental, sendo outras 7 na América do Sul. A Polônia, no entanto, é um país-membro da União Europeia desde 2004 e da OTAN desde 1999, e qualquer avanço russo em suas fronteiras neste momento é inconcebível, tendo em vista a resposta bélica que aguarda Putin. Vale lembrar que, de acordo com o Artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, a violência contra um membro da OTAN significa a violência contra todos os membros, e deve ser respondida pela organização como um todo, o que torna altos os custos dessa decisão . 

Outro problema enfrentado pela Rússia é a falta de superioridade aérea do espaço de conflito. Após duas semanas de investida, a campanha russa ainda não conseguiu estabelecer um controle definitivo do espaço aéreo ucraniano. Desse modo, a inviabilização de sinais, pela via aérea, se torna uma tarefa difícil de ser alcançada pelas forças russas.

Enquanto o espaço aéreo for preservado, e os altos custos da OTAN permanecerem, as condições indicam  que ucranianos continuem acessando livremente a internet provida via satélite, sem controle estatal russo, e sem qualquer influência direta do Kremlin. A guerra informacional e midiática, até então, foi vencida pela Ucrânia, seus civis e pelo governo de Zelensky, que comoveram milhões de pessoas ao redor do mundo, enquanto arrecadam milhões de dólares e, ainda mais, traçam estratégias de refúgio e contra-ataque. O fluxo veloz e eficiente de informações, que possibilita aos ucranianos até mesmo encontrar e observar tropas russas, mostra-se um componente cada vez mais relevante para os conflitos. A investida russa enfrenta, para além de resistência, sanções e votos contrários na Organização das Nações Unidas, um obstáculo que cresce cada vez mais: a comunicação global e a narrativa a favor do lado ucraniano. No que tange a essa questão, a importância da troca de informações eficaz, menos custosa e mais acessível se torna essencial para os atores internacionais. A tecnologia capaz de atender essas demandas se faz, então, cada vez mais relevante, bem como a presença de atores – privados ou públicos – que possam pesquisar, desenvolver e aplicar tais inovações em situações como o conflito entre Rússia e Ucrânia. Com isso, a internet via satélites, bem como o projeto Starlink, se tornam, para além de um produto comercial e inovador, uma ferramenta estratégica capaz de influenciar  diretamente conflitos internacionais.

 

*Larissa Aguiar é graduanda em Relações Internacionais e bolsista de iniciação científica (FIP) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Imagem: Starlink Bedienungsanleitung, por Tim Reckmann.

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