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A República Democrática do Congo nos meandros da cooperação para a paz

Laurindo Tchinhama[1]

 

 

Desde o início das guerras civis em 1997 até os dias de hoje, a República Democrática do Congo (RDC) luta contra a insegurança e a instabilidade nacional que afetam principalmente a região Leste do país, fronteira com Ruanda e Uganda, ocupada por aproximadamente 130 grupos armados compostos por nacionais e estrangeiros.

Entre os principais problemas que mantêm a instabilidade está a incapacidade de resposta militar e técnica das Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) para desmantelar esses grupos. Por outro lado, a corrupção institucionalizada no setor de segurança, tanto no exército como na polícia nacional congolesa, afeta em grande medida as atividades do exército, bem como a má remuneração dos soldados. Ademais, a Reforma do Setor Segurança (RSS) realizada no país após o fim oficial dos conflitos em 2003, com inclusão de ex-membros de grupos rebeldes nas FARDC, fracassou e gerou revoltas internas em termos hierárquicos que se estenderam durante todo o governo do presidente Joseph Kabila.

Os esforços empreendidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), principalmente a Missão da Organização das Nações Unidas no Congo (MONUC) (1999-2010) e a Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas (MONUSCO) (2010 até os dias de hoje),  são insuficientes para atender de forma holística a proteção dos civis e o processo de RSS (MOBEKK, 2009). Historicamente, a MONUC teve a missão de acompanhar o cumprimento dos acordos de paz de Lusaka (1999) e de Sun City (2002), a RSS e a realização das eleições, porém, debilidades na coordenação e financiamento limitado ocasionaram o fracasso da proteção dos civis (MOBEKK, 2009). Por seu turno, a MONUSCO teve como objetivo primordial proteger os civis, pessoal humanitário e a equipe da missão com uso de todos os meios necessários.

Percebe-se que a estabilidade nacional depende primeiramente da vontade do governo para direcionar as prioridades para o setor de segurança com a ajuda de atores internacionais e regionais. Nesse contexto, desde que assumiu a presidência da RDC, em 2019, Félix Tshisekedi tem a difícil tarefa de realizar a RSS e garantir o controle e a estabilidade em território nacional com foco na reforma do exército. De acordo com Nantulya (2018) dois desafios devem marcar a nova administração: a profissionalização do setor segurança e a reforma da estrutura do poder marcado pelo clientelismo e corrupção desenfreada. O primeiro desafio é urgente e indispensável.

O primeiro movimento do presidente para criar condições de mudança foi garantir a lealdade do exército devido ao clima de desconfiança e desavença entre os membros da cúpula militar do país diante das atitudes do presidente. Vale ressaltar que essa mudança procura combater a corrupção e o desvio de armamentos perpetrados  por muitos oficiais superiores (KAM, 2020a). Nantulya (2018) lembra que a corrupção institucionalizada é resultado do desgoverno do regime de Mobutu cuja frase “você tem armas, não precisa de salários” parece perpetuar e direcionar os oficiais do exército.

Alguns observadores e críticos congoleses argumentam que atores internacionais influenciaram na escolha e reforma dos oficiais militares, inclusive com indicação de nomes. A título de exemplo, “Peter Pham, o enviado Especial dos EUA para os Grandes Lagos, visitou Kinshasa em fevereiro como um gesto para atender a essas demandas… colocou nomes específicos de generais na mesa e pediu ao presidente Tshisekedi para agir.” (KAM, 2020c, tradução nossa).

Outra iniciativa recrudescente do presidente congolês que causou enorme impacto foi a exigência de pagamentos de salários pontualmente aos soldados. Essa medida é um passo importante na reforma do exército para evitar desmotivação dos corpos militares na linha de frente, assim como saques, estupros e rebeliões anteriormente cometidas contra os civis como forma de sustento, pois alguns generais se apropriavam dos salários de seus subordinados (RAYROUX; WILÉN, 2014; KAM, 2020b). Nessa interface está o projeto de lei denominado “Uma nação – um exército”, medida com a qual o governo visa contornar a RSS.

Para responder a crise institucional na área de defesa e segurança, Tshisekedi tem assinado acordos bilaterais de cooperação militar para concretizar tais propostas, sobretudo no âmbito da formação e apoio de equipamento militar. Com a Sérvia, a RDC contará com apoio às reformas técnicas na área militar, além de setores agrícola, educação e saúde (ACTUALITÉ, 2020). Já com os Estados Unidos da América (EUA) e o Egito, os acordos  abordam treinamento civil militar, comunicação, engenharia e ensino de idiomas visando a consolidação da paz e segurança.

Com a França, o acordo enfoca na formação geral do exército congolês e na criação de uma escola de guerra para formação e treinamento de soldados na capital, Kinshasa.  Para auxiliar no desenvolvimento e paz, conta com o financiamento de cerca 65 milhões de euros (AFRICANEWS, 2019). A África do Sul irá colaborar na elaboração do documento chamado Estratégia Militar. Vale destacar que os sul-africanos vêm atuando no país desde a década de 1990, tanto na mediação de acordos de paz, como na RSS congolesa. Por último, com Angola, os acordos se atentaram à troca de experiência, acordo interministerial para controle fronteiriço e estabelecimento de um memorando para criação de uma Comissão Mista Permanente de Defesa e Segurança.(MAKI, 2020; DW, 2020).

É importante lembrar que as relações de ambos os Estados datam da divisão territorial colonial conturbada que os tornou mais próximos devido à região de Cabinda, rica em petróleo, pertencente à Angola, porém envolvida no território congolês. Ademais, a Angola participou da segunda guerra do Congo (1998-2002), quando deu suporte ao ex-presidente Laurent Kabila para combater as forças de Ruanda, Uganda, Burundi e grupos rebeldes apoiados por estes países. Vale destacar que Angola tem atuado como mediador nas negociações para a paz quadripartite entre esses países e a RDC mediante estabelecimento de memorandos de entendimento (OBSERVADOR, 2020).

Paradoxalmente, dos países priorizados para realização dos acordos e cooperação militar pelo governo congolês, chama atenção a pouca ênfase dada ao Ruanda, Uganda e Burundi. Apesar das iniciativas existentes entre a RDC com esses países, há necessidade de serem reforçados e reafirmados veementemente novos acordos devido à presença e atuação dos grupos armados oriundos desses países tais como as Forças Democráticas Aliadas (ADF, em inglês) de Uganda, Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda (FDLR) de Ruanda e as Forças de Libertação Nacional (FNL) de Burundi que ainda atuam na região leste do território congolês causando instabilidade e violações de direitos humanos.

Nesse sentido, o desmantelamento desses atores não estatais é primordial devido à proximidade geográfica, que lhes permite utilizar a RDC como seu reduto. Haja vista o histórico de participação destes países nos conflitos do Congo durante a primeira e segunda guerra (1996-1998; 1998-2002), seja por meio do apoio a grupos rebeldes ou participação no tráfico de recursos naturais. Também chama atenção fluxo migratório, de Ruandeses tutsis e hutus, principalmente, originado pelo genocídio de Ruanda em 1994 que permitiram a formação de grupos armados na região leste e comportamentos xenofóbicos de alguns cidadãos congoleses.

Vale observar que algumas atividades conjuntas realizadas entre a RDC e esses Estados, seja no âmbito bilateral ou multilateral, foram fundamentais durante o fim da década de 1990 e início dos anos 2000 e vários domínios. Com  Ruanda, por exemplo, destaca-se o Acordo de Lusaka assinado em 1999 no âmbito da ONU com o objetivo de retirar as tropas ruandesas da RDC e desmantelar a milícia Interahamwe, que culminou com a criação da Missão da Organização das Nações Unidas no Congo (MONUC) e o acordo para exploração conjunta de petróleo no Lago Kivu, região fronteiriça, descoberta em 2014 (OLUKYA, 2017; NACIONES UNIDAS, 1999).

Nesse contexto, Gras (2020) observa a falha no avanço do projeto regional, envolvendo  Ruanda, Burundi, Uganda e a RDC, para criação de um gabinete integrado dos exércitos da região cujo objetivo é combater grupos armados que atuam no leste. Ademais, outro acordo importante entre os países foi o Tripartite Plus Joint Commission assinado em 2007, tendo como facilitador e financiador os EUA (205 milhões de dólares em 2008 e 111 em 2009), com o objetivo de eliminar ameaças à paz e segurança regional e desmantelar e desmobilizar os grupos armados nacionais e estrangeiros  atuantes na RDC com auxílio da MONUC (MCCORMACK, 2007; DAGNE, 2012). No entanto, percebe-se a falha dos governos em robustecer as ações em andamento em prol da segurança e estabilidade da região.

Outro aspecto importante é o fato desses países serem membros da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (ICGLR), fundado em 2004, que tem dentre os seus objetivos garantir a paz, segurança e integração regional. Ou seja, uma cooperação militar de âmbito regional consistente, no primeiro momento, é imperiosa para o sucesso do combate e consolidação da paz e segurança na região. Ainda, a atuação de instituições como a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a União Africana (UA) são fundamentais para a paz e estabilidade da região.

Todavia, pelo histórico dos países, a indagação está na celeridade para a implementação e cumprimento desses acordos. De um lado, porque a RDC comumente tende a priorizar os acordos de cunho bilateral para resolução das questões internas e, de outro, fica claro que a resolução dos conflitos e a RSS no país passam por iniciativas regionais práticas mediante força tarefa quadripartite (Burundi, Ruanda, Uganda e RDC), do qual sua concretização depende em grande medida da contribuição das partes.

Ações no âmbito regional mostram não só capacidade e engajamento dos Estados africanos na busca pela paz, segurança e desenvolvimento na região, como também um olhar do papel emancipatório da perspectiva de construção da paz de baixo para cima (bottom up), rompendo com o princípio de cima para baixo (top down), uma vez que a paz sustentável depende da boa relação com os Estados vizinhos e da participação da sociedade civil congolesa. Por exemplo, em Goma, cerca de 500 organizações da sociedade civil instituíram uma campanha evocando a unidade nacional em prol do desenvolvimento e segurança do país. Na região do Kivu, a iniciativa veio da Associação das Conferências Episcopais da África Central (ACEAC) e da Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO) com a realização de um encontro ecumênico denominada “missa pelos tempos de guerra ou graves perturbações” (OKAPI, 2021). No entanto, percebe-se a existência de movimentos e iniciativa locais que buscam alcançar a paz que assola o país há anos.

Entretanto, argumenta-se que o mérito do presidente Tshisekedi na busca para consolidação da paz sustentável, estabilidade política e RSS é fundamental desde o momento em que valoriza tanto os atores regionais, extrarregionais e principalmente locais. Estes últimos, vítimas dos grupos beligerantes, devem ser mais ouvidos e terem suas necessidades atendidas. Contudo, os esforços para a consolidação da paz congolesa perpassam pelo tripé: atores locais (sociedade e líderes políticos), regional e extrarregional.

 

Referências Bibliográficas

ACTUALITÉ. RDC : la coopération technique militaire également au menu des échanges entre les présidents Congolais et Serbe | Actualite.cd. 2020. Disponível em:  https://actualite.cd/2019/10/25/rdc-la-cooperation-technique-militaire-egalement-au-menu-des-echanges-entre-les. Acesso: 21/012021.

AFRICANEWS. France to support DRC fight armed groups | Africanews. 13 Nov. 2019. Disponível em: https://www.africanews.com/2019/11/13/france-to-support-drc-fight-armed-groups/. Acesso: 24/01/2021.

DAGNE, T. The democratic republic of Congo: Background and current developments. Economic, Political and Social Issues of Africa, , p. 121–133, 2012. .

  1. Angola e RDC assinam acordos para combater crimes na fronteira | Angola | DW | 17.09.2020. 17 Sep. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/angola-e-rdc-assinam-acordos-para-combater-crimes-na-fronteira/a-54957097. Acesso: 24/01/2021.

GRAS, R. Rwanda: ‘Our rapprochement with the DRC can’t please everyone’ – Vincent Biruta. 2 Oct. 2020. Disponível em: https://www.theafricareport.com/44287/rwanda-our-rapprochement-with-the-drc-cant-please-everyone-vincent-biruta/. Acesso: 02/02/2021.

KAM, I. President Tshisekedi Demands For Loyalty From Army. 12 Jul. 2020a. Disponível em: https://taarifa.rw/president-tshisekedi-demands-for-loyalty-from-army/. Accessed on: 22 Jan. 2021.

KAM, I. President Tshisekedi Instructs Quick Pay For DRC Army – Taarifa Rwanda. 5 Jul. 2020b. Disponível em: https://taarifa.rw/president-tshisekedi-instructs-quick-pay-for-drc-army/. Acesso: 22/02/2021.

KAM, I. President Tshisekedi Makes Major Changes In Military – Taarifa Rwanda. 23 Mar. 2020c. Disponível em: https://taarifa.rw/president-tshisekedi-makes-major-changes-in-military/. Acesso: 22/01/ 2021.

MAKI, P. Voici les pays qui ont conclu un accord militaire avec la RDC depuis l’arrivée au pouvoir de Félix Tshisekedi | Actualite.cd. 20 Nov. 2020. Disponível em: https://actualite.cd/2020/11/20/voici-les-pays-qui-ont-conclu-un-accord-militaire-avec-la-rdc-depuis-larrivee-au-pouvoir. Acesso: 21/01/ 2021.

MCCORMACK, S. Summary of Conclusions: Tripartite Plus Joint Commission Member States Meeting. 5 Dec. 2007. Disponível em:: https://2001-2009.state.gov/r/pa/prs/ps/2007/dec/96318.htm. Acesso: 02/02/ 2021.

MOBEKK, E. Security Sector Reform and the UN Mission in the Democratic Republic of Congo: Protecting Civilians in the East. International Peacekeeping, vol. 16, no. 2, p. 273–286, 2009. https://doi.org/10.1080/13533310802685844.

NANTULYA, P. La stabilité en République démocratique du Congo après les élections – Centre d’Études Stratégiques de l’Afrique. 10 Dec. 2018. Disponível em: https://africacenter.org/fr/spotlight/la-stabilite-en-republique-democratique-du-congo-apres-les-elections/. Acesso: 24/01/ 2021.

OBSERVADOR. João Lourenço participa em nova cimeira quadripartida no Ruanda – Observador. 20 Feb. 2020. Disponível em: https://observador.pt/2020/02/20/joao-lourenco-participa-em-nova-cimeira-quadripartida-no-ruanda/. Acesso: 24/01/2021.

OKAPI, R. Goma : 500 organisations de la société civile lancent une campagne de cohésion nationale | Radio Okapi. 20 Jan. 2021. Disponível em: https://www.radiookapi.net/2021/01/20/actualite/societe/goma-500-organisations-de-la-societe-civile-lancent-une-campagne-de. Acesso: 02/02/2021.

______ Disponível em: https://www.radiookapi.net/2021/01/19/actualite/societe/nord-kivu-les-populations-de-butembo-et-beni-appelees-lunite-pour-faire. Acesso: 02/02/2021.

OLUKYA, G. DRC and Rwanda agree to explore for oil in Lake Kivu. 24 Apr. 2017. Disponível em:: https://www.aa.com.tr/en/africa/drc-and-rwanda-agree-to-explore-for-oil-in-lake-kivu/804012#. Acesso: 02/02/2021.

RAYROUX, A.; WILÉN, N. Resisting Ownership: The Paralysis of EU Peacebuilding in the Congo. African Security, vol. 7, no. 1, p. 24–44, 2014. https://doi.org/10.1080/19392206.2014.880030.

[1] Laurindo Tchinhama é doutorando em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP).

Imagem: TARRIFA (2021). Disponível em: President Tshisekedi Makes Major Changes In Military – Taarifa Rwanda. Acesso:11/02/2021.

Elecciones en América del Sur

Gabriel Gaspar*

Ecuador: la sombra de Correa.

La historia reciente del Ecuador esta en gran parte marcada por los mas de diez años que gobernó el ex presidente Rafael Correa, quien impulsó lo que llamó la “revolución ciudadana”, expresión local del auge de gobiernos de izquierda y centro izquierda que florecieron en América del Sur al inicio del presente siglo.  Como sabemos, también fue el período del boom de las materias primas.  Con ello, la consecuente expansión del gasto público, el empuje a medidas redistributivas e inclusive, alianzas políticas que desafiaban la hegemonía de EEUU en la región.   Ecuador bajo la administración de Rafael Correa, adhirió a la Alianza Bolivariana de las Américas (ALBA) donde coincidió con la Venezuela de Chávez, la Cuba castrista, Nicaragua dirigida por Daniel Ortega y la Bolivia de tiempos de Evo Morales.

El amplio frente político y social que Correa logró estructurar en sus inicios sufrió quebrantos.  El alejamiento de los movimientos indigenistas fue uno de los primeros.  Posteriormente el régimen sufrió acusaciones de corrupción, aclaremos, estas no solo apuntan al oficialismo de entonces, pero también lo involucró, al punto de que su Vicepresidente terminó siendo procesado.  Era la sombra de Oderbrech en gran medida.  Correa apostó por la candidatura de Lenin Moreno, quien lo sucedió, pero una vez en el poder se distanció radicalmente de Correa y de buena parte de su obra.  El ex presidente ha sido acusado ante la Justicia y se ha radicado en Bélgica.

A las inminentes elecciones presidenciales se han presentado 16 candidatos.  Más, sólo tres tienen alguna posibilidad: son el joven economista Andrés Arauz, de centro izquierda (con el apoyo de Correa desde la distancia), el banquero Guillermo Lasso, candidato de centro derecha apoyado por el partido Social Cristiano, y Yaku Pérez, postulado por el indigenista Pachakutik.  Los trece candidatos restantes no tienen posibilidades según la mayoría de los sondeos.

En Ecuador esta prevista una segunda vuelta por si ninguno obtiene la primera mayoría.  Se efectuarían el 11 de abril próximo.  La mayoría de las encuestas dan los primeros lugares a Arauz y Lasso, Yaku figura siempre en tercer lugar.  El dato mas interesante es que entre un 30 y un 60% de los mas de 13 millones de votantes se declaran –a menos de dos semanas- indeciso.  Esto podría tener varias explicaciones.

Primero.  La mayoría ciudadana hoy está preocupada por la crisis económica y la amenaza del covid, para ello, la dispersión de candidaturas no la ayuda a elegir preferencia.  Entonces, esta se decidirá en los últimos días.  Segunda hipótesis: vamos a tener una alta abstención, quizás por las mismas razones de la indecisión.  Tercera hipótesis:  Una buena parte de los indecisos no lo son, están ocultando su voto, quizás porque razón, pero no es primera vez que pasa (recordemos el reciente triunfo del MAS en Bolivia, una sociedad con características muy similares a la ecuatoriana).  Esta opción podría ser la de algunos adherentes silenciosos de Arauz, y si en las encuestas supera hoy el 30%,  en una de esas podría ganar en primera vuelta.  Lo sabremos el 7 de febrero en la noche.

Por su parte Yaku jura que llegará a la segunda vuelta, en todo caso, en una elección anterior, le dió su apoyo a Lasso en el ballotage.  ¿Pasaría lo mismo con la derecha ecuatoriana si la segunda vuelta fuese entre Arauz y Yaku?

Perú:  bicentenario con pandemia.

El 2021 el Perú conmemora sus 200 años de vida independiente.  El poderoso virreinato fue el bastión realista en Sudamérica que resistió hasta el final.  Fue necesaria la unión de los independentistas peruanos con el apoyo de los Libertadores lo que pudo derrotar a las fuerzas colonialistas.  Nació el Perú moderno.

Este bicentenario encuentra al Perú en una crisis originada en largos procesos que se acumularon en los últimos años: un desgaste acelerado de su sistema político, unido a una cíclica crisis provocada por una economía basada en pocas actividades primarias, muchas de ellas extractivas y dependiente de los vaivenes de la economía global.

2020 fue elocuente en el Perú:  en el pasado año se sucedieron tres presidentes. Además, al igual que el resto del planeta, fue devastado por la pandemia. La economía peruana, con un 50% de trabajadores informales, experimentó un descenso que se calcula en mas de un 10%.   El último presidente electo fue el empresario Pedro Pablo Kuczynski.  Ganó en segunda vuelta, cuando muchos votaron por él para impedir el retorno del fujimorismo de la mano de Keiko, ganadora de la primera ronda.  El nuevo presidente tuvo un triunfo electoral pero sin construir una mayoría política, especialmente, sin apoyo en el congreso unicameral peruano.  Ya sabemos lo que pasó, en medio de acusaciones de corrupción, renunció al cargo y asumió su segundo vicepresidente, Martin Vizcarra, en una maniobra que implicó algún acuerdo con el congreso, entonces de mayoría fujimorista.

Pero Vizcarra eligió el camino de confrontar al Congreso el cual le correspondió con decisión, al final lo disolvió mediante Decreto el 30 de septiembre del 2019 y convocó a la elección de uno nuevo.  El nuevo legislativo, electo en enero del 2020, de composición variopinta y sin grandes mayorías, a poco andar volvió a chocar con el presidente y esta vez, el renunciado terminó siendo Vizcarra bajo acusaciones de corrupción aun en proceso. Tocó asumir al presidente del Congreso, Manuel Merino, pero se desato una poderosa protesta en las calles que terminó provocando la renuncia del flamante presidente quien alcanzo a durar cinco días. Fue sustituido por Francisco Sagasti quien asumió el 17 de noviembre del 2020.  En una semana, el Perú tuvo tres presidentes.  En suma, la inestabilidad se apodero del Perú, en medio de la pandemia y de la crisis económica.

Las elecciones presidenciales están programadas para el próximo 11 de abril, si ningún candidato obtiene mayoría se ira a una segunda vuelta.  El ganador tomaría posesión el 28 de julio del 2021. Tomemos nota de que en las últimas elecciones tenemos dos constantes: siempre ha habido segunda vuelta, y en estas, siempre ha ganado el candidato que llego segundo en la primera.

Como señalamos en la apretada síntesis histórica reciente, el Perú ha asistido también al desgaste del sistema de partidos. En estas ultimas décadas concurrimos al deterioro progresivo del Partido Popular Cristiano, a la disolución de Izquierda Unida, y al colapso del APRA, por nombrar los mas significativos.  Fue reemplazado por la emergencia de una prolífica camada de nuevos partidos, con escasa profundidad programática pero surgidos al amparo de figuras carismáticas, algunas de ellas a la vez mecenas de la organización.  La migración de dirigentes es abundante y asi, varias de estas nuevas organizaciones tienen lideres con pasado aprista o fujimorista, entre otros.

Este cuadro de dispersión explica la abundancia de candidaturas, que llegó en su mejor momento a alcanzar las dos docenas, aunque a la fecha algunas se han caído y es probable que otras las sigan.  Las encuestas ubican en primer lugar a George Forsyth, ex alcalde pero mas conocido como el ex arquero del popular Alianza Lima.  Lo postula el partido Victoria Nacional, si bien encabeza las encuestas hace algunos meses, su umbral de votos supera los 10 puntos, pero nunca alcanza a los 20.  Le siguen entre otras dos mujeres:  Keiko Fujimori y la frenteamplista Verónica Mendoza, ninguna de las cuales llega al 10% hoy.  El resto esta mas abajo aún.  Julio Guzmán, candidato del partido “Morados”, (al que pertenece el actual presidente Sagasti), no supera el 6% en las encuestas al día de hoy.

Con este cuadro, en medio de una segunda ola de la pandemia que ha generado una difícil situación sanitaria con la consecuente recesión, los votantes no muestran un gran entusiasmo.  La pandemia arrecia y el gobierno ha decretado recientemente una nueva cuarentena que amenaza con ser desobedecida por grandes sectores sociales. Pese a las reiteradas cadenas nacionales del ex presidente Vizcarra donde se prometían millones de vacunas para diciembre del año pasado, a la fecha no ha llegado ninguna, y todo indica negligencias y exceso de publicidad gubernamental,

En síntesis: elecciones en pandemia, sin grandes mayorías, con una crisis económica persistente y una bronca social en ascenso. El actual gobierno, debilitado y a ratos desbordado, a duras penas podrá conducir el proceso que le resta.  Pero la dureza de la segunda ola es tal que no son pocas las voces que empiezan a mencionar la necesidad de postergar las elecciones. ¿Resistirá el sistema?

Bolivia: el retorno del MAS.

El 7 de marzo los bolivianos volverán a las urnas.  En noviembre pasado el MAS logró una contundente victoria presidencial y parlamentaria que instaló en el gobierno a Luis Arce Catacora. Lo secunda como Vicepresidente el líder indigenista David Choquehuanca.

Las elecciones de marzo son subnacionales: prefectos (jefes de departamentos) y municipales. La oposición aún no se repone de la derrota y enfrenta estas elecciones dispersan lo que augura un buen resultado para el oficialismo. Hasta ahí lo formal.

El Gobierno esta concluyendo su instalación donde se aprecia un marcado énfasis de parte del presidente Arce por la recuperación económica.  En esta materia, el presidente nada como pez en el agua.  Sabe, tiene experiencia y conoce todos los rincones de la economía boliviana. Choquehuanca, por su parte, permite mantener el perfil indigenista y campesino del MAS.

Decíamos que la dispersión de la oposición augura una victoria masista.  Es así, pero no es todo, en el oficialismo se han desatado dinámicas comprensibles, pero poco detectables desde fuera de Bolivia.  El proceso de selección de candidatos al interior del MAS develó nuevas realidades.

En efecto, pareciera que en esta recuperación del poder en el MAS emerge una tensión entre lo viejo y lo nuevo.  Se aplica en especial a su dirigencia.  La vieja guardia que acompaño a Evo sufre desgaste ante su propia militancia.  Vale para García Liniera, José Ramón Quintana, Hector Arce, Carlos Romero entre otros, en suma, el equipo que se turnó en el poder en los años de Evo.  Pareciera que también vale para el propio Evo, aunque con mas reconocimiento a su labor.  A modo de hipótesis, podríamos sostener que la base del MAS, la que resistió la hostilidad del gobierno de la Añez y su ministro Murillo, asume que el “fin del gobierno de facto”, se debe a su propio esfuerzo y a su movilización y su lucha.  Por cierto, también refleja una demanda de renovación.

En la primera reunión del partido en la que estuvieron presentes tanto Arce como Evo, tuvieron que escuchar durante largos minutos un coro de los delegados de base que gritaban a voz en cuello “queremos gente nueva, queremos gente nueva”. La selección de candidatos estuvo a cargo de Evo, luego de su retorno desde Argentina, pero parece que no escuchó a plenitud el reclamo. En Santa Cruz trato de imponer al ex ministro Romero y debió soportar un silletazo lanzado por un indignado militante.  En la selección del candidato en el combativo Alto, no reconoció el derecho de la ex senadora Eva Copa (presidenta del senado durante el gobierno de la Añez) y la margino.  ¿Resultado? Copa fue proclamada por las bases y hoy detenta el 66% de las preferencias.  En suma, esta emergiendo una nueva capa de dirigentes al interior del MAS e inclusive abarca a sensibilidades al interior del mundo indígena.

En efecto, Choquehuanca, quien fuera destituido sin miramientos de la Cancillería por parte de Evo, es el líder natural de los aymaras del altiplano central, con epicentro en Las Yungas y en el Alto.  Es la zona cocalera tradicional que produce la hoja para al akuyiku cotidiano (masticado ancestral).  Otra cosa es la realidad de los cocaleros del Chapare, donde Evo la lleva, ahí surgió y ahí también se produce la hoja de coca, nada mas que los que saben, dicen que es muy ácida para el masticado.  El líder del Chapare hoy es el joven Andrónico Rodríguez, senador por la zona, actual presidente del senado y a quien muchos ven como el delfín de Morales.

En suma, las elecciones de marzo próximo no sólo despejarán la relación entre gobierno y oposición en materia de poder local, servirán también para dirimir la hegemonía al interior del MAS y su gobierno.

A diferencia de Ecuador y Perú, el tema de quien mandará en los próximos años ya está resuelto en Bolivia.  Una consolidación del presidente Arce en el aparato estatal, despejando la sombra de Evo, crea condiciones para la estabilidad económica próxima.  Inclusive en medio de la dura pandemia, el gobierno ha logrado tomar rápidas medidas como la importación de vacunas Sputnic, con generoso apoyo ruso y argentino.  Bolivia tiene en el gobierno del presidente Fernández a su mejor aliado en la región, mucho mas que a Venezuela como fue en tiempos de Evo.  Para proseguir con su mejoría diplomática el nuevo gobierno ha logrado recomponer la relación con México y España, que se dañaron en tiempos del gobierno anterior por groseras violaciones a la inmunidad de sus sedes en La Paz.

Colofón

Los tres países andinos concurrirán a las urnas en los próximos días y meses.  El actual oficialismo camina por el Callejón de la Amargura en Ecuador y Perú.  En Bolivia puede consolidarse.

Los tres países, al igual que el resto de la región, están concentrados en la crisis sanitaria y económica.  Poco espacio tienen para referirse a su proyección internacional.  Su relación con Chile no está en la mesa de prioridades, tampoco parece haber cambiado drásticamente.

¿Permitirán estas elecciones resolver las tensiones acumuladas? ¿Que sucedería en caso negativo? ¿Rebotaran sus economías?  ¿Aumentará la migración? ¿Adonde se irían los nuevos migrantes?

 

Gabriel Gaspar fue viceministro de defensa de Chile, embajador en Colombia y embajador plenipotenciario para America Latina.

Imagem por pxhere.

O atual quadro de vulnerabilidade no Chifre da África: o retorno dos conflitos étnicos?

Lucas de Oliveira Ramos*

 

O Chifre da África, região a noroeste do continente africano, que contém as nações da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) — Djibouti, Eritreia, Etiópia, Quênia, Somália, Sudão, Sudão do Sul e Uganda, vem enfrentando vários problemas no que diz respeito às questões de segurança e estabilidade política. Uma onda de protestos no Sudão, em 2019, derrubou o ex-presidente Omar al-Bashir do poder, de modo que o país vive, atualmente, uma situação transitória e, para além das problemáticas na capital Cartum, enfrenta um árduo processo de construção de paz no Darfur, tem pendências fronteiriças com o Sudão do Sul e, em decorrência disso, sofre pressão dos estados do sul, especialmente o Nilo Azul e do Cordofão do Sul. O Sudão do Sul enfrenta, para além das questões territoriais com o Sudão, uma guerra civil; a Somália combate o al-Shabaab desde 2012; a Etiópia, desde novembro de 2020, administra  uma crise político-bélica contra a Frente de Libertação do Povo do Tigré (TPLF), em que um dos ataques da TPLF atingiu, a Eritreia; e Uganda, que está em período eleitoral, vem sofrendo com um movimento de protestos popular e retaliações com uso da força por parte do governo.

Seria possível, ainda, expandir esse quadro de instabilidade se pensarmos o entorno imediato da IGAD. A Nigéria não consegue vencer o Boko Haram e, recentemente, tem sofrido  pressão interna e internacional com relação à sua brutalidade policial; o Chade tem as suas pendências em relação à distribuição de terras e questões territoriais internas, sobremaneira no sul; a República Democrática do Congo vive em situação de guerra civil; a República Centro-Africana convive com a Missão de Estabilização na República Centro-Africana (MINUSCA). Apesar de o Chifre da África ser o foco dessa peça, não se pode ignorar o seu entorno regional também instável e a incapacidade de ajuda das nações vizinhas, haja vista seus próprios problemas internos.

Tendo dito isto, é necessário questionar a construção narrativa, predominante durante o século XX e, especialmente, na década de 1990, que os entendia como tendo causas étnico-religiosas. Tendo como ponto de partida a contribuição de Mahmood Mamdani (2007), em seu texto The Politics of Naming: genocide, civil war, insurgency, o autor argumenta que a utilização da narrativa étnica como causadora de conflitos é politicamente instrumentalizada, racista e facilitadora de intervenções. Posto isto, por que essa narrativa persiste e quais as consequências desse movimento político e narrativo?

Mamdani defende seu argumento em dois movimentos. Em primeiro lugar, a narrativa persiste pois, segundo o autor, existe uma conexão bastante clara nos governos e nas populações das grandes potências entre um conflito de causa étnico-racial e/ou religiosa, um quadro de limpeza étnica e um genocídio. Essa fácil associação entre a causalidade do conflito e um crime de guerra e contra a humanidade insta uma resposta rápida e efetiva da comunidade internacional, com o objetivo de evitar as atrocidades que outrora ocorreram no continente africano. E, em segundo lugar, por conta da missão civilizatória auto-atribuída ao Norte, aludindo ao fardo do Homem Branco, segundo o qual, a intervenção é um dever a se cumprir politicamente e  uma missão moral de combate ao mal no mundo.

O caso de Darfur é bastante ilustrativo do argumento. O conflito no Darfur, de acordo com as pesquisas históricas de Mamdani (2009), seria sobre a disputa territorial entre os grupos pastorais, que precisou peregrinar rumo ao sul devido às graves secas nas regiões desérticas do norte de Darfur, e grupos agricultores do sul, que possuem terra fértil de maneira constante devido à irrigação do Rio Nilo. Tendo em vista que esse conflito ocorreu concomitantemente ao movimento separatista do sul do Sudão (que veio a ser o Sudão do Sul, em 2011), o governo central de Cartum negligenciou o contencioso da região, privilegiando a luta contra o movimento de libertação no Sul. Pensando dessa forma, o conflito em Darfur teve início na década de 1970.

Entretanto, o queé relatado , na mídia e nos institutos formuladores de política, caso do think tank Council of Foreign Relations (CFR), é que o conflito teve início em 2003, quando grupos locais atacaram instalações do governo no Darfur. É interessante destacar essa passagem e o ano de 2003, pois há alguns elementos bastante importantes que dão base ao argumento de Mamdani. Em primeiro lugar, é fundado nos Estados Unidos o Save Darfur Coalition, grupo civil criado em 2004 para pressionar o governo estadunidense a fim de intervir e finalizar o conflito no Darfur, que foi entendido como caso de limpeza étnica (RAMOS, 2020).

Daí em diante, o conflito passou a ser entre os povos nômades árabe-muçulmanos versus povos não-muçulmanos. A coalizão conseguiu penetrar no congresso estadunidense, de maneira que se debateu qual seria a ação estadunidense para salvar o povo darfuri das atrocidades do ditador Omar al-Bashir, tendo como premissa que se tratava de um conflito étnico-religioso e um caso de genocídio. Alguns anos mais tarde, essa coalizão é reconhecida oficialmente como grupo lobista no congresso estadunidense (RAMOS, 2020).

O caso de Darfur é interessante também por demonstrar que o movimento da mídia não é desacompanhado. É possível identificar um corpo civil que entende os conflitos em África dessa forma. Servem de exemplo, na academia, a obra Choque das Civilizações, de Samuel Huntington (1996), o conceito de Novas Guerras, de Mary Kaldor (2012) e Robert Kaplan (1994) que, de maneira transversal, compreendem os conflitos na África como diferenças identitárias tribais, étnicas ou religiosas. Institutos como o CFR, o The Fund for Peace e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para além de tomarem como premissa as diferenças identitárias como causa de conflito, somam essa narrativa com a possível baixa capacidade, inabilidade ou indisposição dos governos centrais de lidarem com esses conflitos, o que chamam de Estado Frágil, Falido ou Colapsado.

Além desse movimento do centro em direção à periferia, também é importante salientar que há um movimento na mão oposta. Ao perceberem a racialização e etnização do conflito, os entes armados também adotam esta narrativa como parte integrante das motivações centrais pelas quais eles estão em guerra. Dessa forma, facilita-se o acesso a recursos financeiros, armamento, munição e treinamento. Ainda que não se possa dizer que os conflitos atuais seriam combatidos com as mesmas armas rudimentares do início do século XX, o armamento disponível no continente é defasado em relação às possibilidades que vêm dos pólos bélicos do mundo.

Apesar da exibição da problemática e das lições históricas que, aparentemente, o mundo desenvolvido não aprendeu (ou não quer aprender), o que se vê na produção de narrativas da sociedade civil nas grandes potências é a construção rápida e eficiente que compreende  todas as questões políticas ocorrendo no Chifre da África — sobre territorialidade, representação política, processo político, transição de governo, repressão e opressão de divergentes — como de matriz religiosa, étnica ou racial. Na esteira dessa evolução sobre as causas dos conflitos no Chifre da África, também se percebe um aumento da presença militar das grandes potências na região.

Ilustra o comentário o fato de a China possuir base militar no Djibouti, a primeira base militar extra-oceânica chinesa, desde 2017; a Rússia possuir projetos de retomar sua presença no continente, especialmente com os planejamentos de construção de uma base naval no Sudão; e os Estados Unidos estarem em múltiplos países na forma de base militar, entre eles, Somália e Quênia.

É primordial que se reflita acerca do papel da sociedade civil das grandes potências na construção narrativa sobre os problemas que o Chifre atualmente enfrenta. Além de tentar resolver um não-problema, adotar este tipo de narrativa como causa dos conflitos diz mais sobre a permanência de uma mentalidade preconceituosa e etnofóbica que alicerçou o desenvolvimento do capitalismo e das sociedades capitalistas, do que, de fato, sobre o contexto daquela localidade. Isso sem mencionar que o entendimento de urgência e a ação externa militar das potências pode acarretar na escalada do quadro instável e dinamitar uma região historicamente fragilizada e à iminência de conflitos. Por conta disso, é mais producente a reflexão aprofundada sobre cada um dos conflitos, de maneira particular, do que se valer de debates rápidos e superficiais.

Com os focos de conflito eclodindo diariamente em seis dos oito países do Chifre, é preocupante perceber o duplo movimento de costura narrativa e militarização das grandes potências na região. Das múltiplas lições que aprendemos no longo século XX sobre os conflitos em África, uma das mais valiosas é de que a incorporação das potências externas nesses conflitos aumenta a capacidade bélica dos entes armados, o que, invariavelmente, amplia a letalidade do conflito.

 

Referências:

HUNTINGTON, Samuel. (1996). O choque de civilizações. São Paulo: Ed. Objetiva.

KALDOR, Mary. (1999) New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era. Stanford, Calif: Stanford University Press. Print.

KAPLAN, Robert, (1994). The Coming Anarchy: How scarcity, crime, overpopulation, tribalism, and disease are rapidly destroying the social fabric of our planet. The Atlantic, feb 1994. Disponível em: <https://www.theatlantic.com/magazine/archive/1994/02/the-coming-anarchy/304670/>. Acesso em: 12 de dezembro de 2020.

MAMDANI, Mahmood. (2007). The Politics of Naming: Genocide, Civil War, Insurgency. London Review of Books, v29 n5. Disponível em: <https://www.lrb.co.uk/the-paper/v29/n05/mahmood-mamdani/the-politics-of-naming-genocide-civil-war-insurgency>. Acesso em: 07 de dezembro de 2020.

MAMDANI, Mahmood. (2009). Saviors and survivors: Darfur, politics, and the War on Terror. New York :Pantheon Books.

RAMOS, Lucas de Oliveira. (2020). As Empresas Militares Privadas e o processo de pacificação do Darfur. 138 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

 

Lucas de Oliveira Ramos é mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisador do Gedes.

Imagem: Mapa da África, por: Samuel Mitchell.

Eleições e milícias no Rio de Janeiro: simbiose entre o poder público e o crime organizado

Thaiane Mendonça

 

No Rio de Janeiro, é inevitável falar de milícias e segurança pública quando se debate política, principalmente durante o período eleitoral. As milícias fazem parte do imaginário e do cotidiano da cidade, já viraram  tema de filme[1] e, desde 2019, com as acusações de proximidade da família Bolsonaro com as milícias no Rio, o tema tem chamado atenção nacional. Ainda que, historicamente, o termo “milícia” tenha sido utilizado para designar diferentes experiências de forças de segurança, atualmente no Brasil o termo é usado para tratar de grupos criminosos formados por policiais, ex-policiais, bombeiros e agentes

O fenômeno das milícias deriva dos chamados “grupos de extermínio” ou “justiceiros”, presentes mesmo em outras cidades do país, ao menos desde a década de 1960.  Moradores e comerciantes de determinada região possuíam um acordo tácito com estes grupos, relacionados até com as lideranças locais das comunidades e ações assistenciais, para garantir a sua proteção contra grupos traficantes e outros criminosos. Com o acordo, estabelecia-se uma “paz cínica” através de um poder tutelar: os grupos mantinham o território sob um controle militarizado e violento à margem do controle estatal enquanto proviam uma sensação de segurança para os moradores do local contra os “verdadeiros criminosos”. Ainda é comum encontrar como “mito de origem” para as milícias atuais a experiência “bem-sucedida” de segurança de Rio das Pedras, favela/bairro na zona oeste do Rio de Janeiro.

Há diversas configurações possíveis de milícias e uma particularidade interessante dos grupos, hoje em dia, é a diversificação dos serviços oferecidos à população. Além dos serviços de segurança, os milicianos controlam o fornecimento local de botijões de gás, cobram “pedágios” e taxas para proteção, fornecem sinal clandestino de televisão a cabo, linhas de transporte alternativo e, mais recentemente, cobrança de aluguéis ilegais. Nota-se que as milícias emulam tanto atividades de responsabilidade do Estado quanto aquelas oferecidas pela iniciativa privada justamente em locais  com presença historicamente precária de ambos.

Há uma outra particularidade interessante desses grupos: suas relações com a política e o poder público. Desde os anos 1990, é possível observar a ocupação de cargos eletivos por integrantes de milícias, principalmente aqueles que já exerciam algum tipo de liderança local. Sobre isto, foi  notável, em 2004, a eleição de Nadinho, liderança comunitária de Rio das Pedras e acusado de ser chefe da milícia na região, já indicando um movimento que se tornaria mais comum nos anos seguintes de ocupação de cargos públicos por candidatos relacionados às milícias na cidade. Em certa medida, até meados dos anos 2000, a classe política não identificava as milícias como um problema, sendo mesmo consideradas como uma forma de conter o “verdadeiro” problema, os traficantes. A própria família Bolsonaro chegou a se pronunciar publicamente de forma positiva e favorável às milícias. Esta perspectiva começa a se alterar em 2008 quando jornalistas do O Dia foram presos e torturados pela milícia do Batan, na Zona Oeste, enquanto faziam uma reportagem sobre a atuação dos grupos.

Como consequência, ainda em 2008, foi aberta a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, com autoria do então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). Dentre os mais de duzentos indiciados estavam diversos vereadores e deputados do estado, principalmente ligados às milícias de Campo Grande e de Rio das Pedras, na Zona Oeste da cidade. Dentre eles estava também Nadinho, que acabou assassinado em 2009, assim como ocorreu com diversos outros nomes da lista da CPI. É notável ainda o caso da milícia conhecida como “Liga da Justiça”, maior milícia do estado, predominante no bairro de Campo Grande, mais populoso e um dos maiores colégios eleitorais. Os líderes do grupo, os irmãos Jerominho e Natalino Guimarães, ex-vereador e ex-deputado estadual, respectivamente, além de ex-policiais, foram presos em resultado da CPI e soltos em 2018. Além do envolvimento de outros membros da família com a política na cidade desde então, agora em 2020, a sobrinha de Jerominho, Jéssica Natalino, foi candidata à vice-prefeita na chapa de Suêd Haidar (PMB), chapa atualmente investigada pela Polícia Federal por envolvimento com as milícias.

Além das candidaturas de figuras reconhecidamente relacionadas às milícias, é notável também que as campanhas políticas nos territórios controlados só podem ocorrer caso sejam autorizadas pelos grupos daquela localidade. Ainda, os moradores costumam ser coagidos, até com ameaças de morte, a votar nos candidatos apoiados pelos milicianos. De acordo com informações fornecidas por um morador à Revista Veja sobre as eleições deste ano: “Os milicianos convocam a população para uma reunião, portando identidade e título de eleitor. Cadastram um a um e passam a monitorá-los para impedir que apoiem candidatos “de fora”. No dia do pleito, com o mapa eleitoral da região em mãos, fazem sua boca de urna, ameaçando quem chega ao local de votação com “olha bem em quem você vai votar” — às vezes na cara da polícia. “A maioria cede à pressão, por medo de morrer”, diz o morador.”

Junta-se à coação dos milicianos o fato de controlarem bairros populosos na cidade, principalmente na zona oeste, e é assombrosa a capacidade desses grupos de influenciar o resultado do pleito no estado.

No Rio de Janeiro, a vereadora Marielle Franco (PSOL) era conhecida por suas denúncias de uma prática comum das milícias, a grilagem, que consiste na construção, venda ou locação ilegal de imóveis nos territórios controlados. Marielle foi assassinada em março de 2018 juntamente com o motorista Anderson Gomes e as investigações, ainda que não estejam concluídas, apontam que a motivação do crime tenha sido a luta contra as milícias no estado. O Ministério Público Federal indica, até o momento, que há fortes indícios de que os assassinatos foram cometidos pelo Escritório do Crime, milícia que atua em Rio das Pedras e cujo comando era apontado como pertencendo a Adriano da Nóbrega, ex-policial militar. Além desta investigação, o ex-policial era também investigado por fazer parte do esquema de “rachadinhas” operado por Fabrício Queiroz no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. Apesar de ter chamado a atenção da mídia nos últimos dois anos, Adriano da Nóbrega foi homenageado, na cadeia, por Flávio Bolsonaro, ainda em 2005, com a Medalha Tiradentes, honraria mais alta da Assembleia Legislativa. Adriano foi morto em uma operação policial em fevereiro de 2020, na Bahia, quando estava foragido.

Atualmente, as milícias não são formadas apenas por pessoal advindo das forças de segurança. Há alguns casos de cooptação, inclusive de membros de grupos traficantes, o que a mídia tem chamado recentemente de “narcomilícias”. Isso revela a força desses grupos e sua capacidade de influência na política do estado, além da capacidade da mídia de ditar e legitimar o debate sobre segurança pública no estado.

Ao observar o modo de atuação das milícias no Rio de Janeiro, fica evidente sua profunda associação e infiltração na burocracia pública e em órgãos representativos das instituições estatais, sejam elas as próprias forças de segurança, de onde vem a maior parte de seus integrantes, sejam elas os gabinetes de funcionários eleitos pelo povo – além de o próprio processo eleitoral já ser influenciado pela ação dos milicianos.

Dessa constatação, duas outras são possíveis. Em primeiro lugar, o combate ao crime organizado efetivo e eficiente não pode ser restrito a operações violentas e ostensivas de polícia em territórios marginalizados, como tem sido a política de segurança pública no Rio de Janeiro. Relacionado a isso, em segundo lugar, isolar casos e individualizar a culpa e a punição – nos poucos casos em que há punição – apenas contribui para a invisibilização de uma questão estrutural: a simbiose entre as forças de segurança e o crime organizado, que vem se projetando em demais instituições do Estado, nos mais diversos níveis da administração pública. Assim sendo, apenas propostas de reforma das instituições ou punição dos “agentes desviantes” não são suficientes para lidar com um modus operandi relacionado à própria estrutura das instituições democráticas, o que ressalta a necessidade de se repensar o tipo de democracia que se quer daqui para frente.

 

Thaiane Mendonça é doutoranda no PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), pesquisadora do GEDES (UNESP) e do LASInTec (UNIFESP).

Imagem por: Rafael Defavari; Wikimedia Commons.

[1]          As milícias foram abordadas na sequência do filme “Tropa de Elite” (2007), intitulado “Tropa de Elite: o inimigo agora é outro” (2010).

Entre dos pandemias: la ONU ante la violencia de género y la covid-19

Cristian Daniel Valdivieso [1]

Joyce Miranda Leão Martins [2]

 

En noviembre de 2018, el Secretario General de las Naciones Unidas, António Guterres, mencionaba, por motivo de la celebración del Día Internacional para la Eliminación de la Violencia Contra la Mujer, que la violencia contra las mujeres y las niñas es una pandemia. El actual máximo representante de la ONU ha apelado de forma incesante para la necesidad de promoción de medidas que permitan hacer de la igualdad de género una realidad consolidada en el respeto, la solidaridad y el trabajo conjunto entre representantes, ciudadanos y ciudadanas de los países del sistema internacional. El uso del término género, que indica la distinción entre condicionamientos biológicos de construcciones sociales, enseña que la institución cree que el enfrentamiento de esa pandemia también pasa por el combate a los simbolismos prejudiciales.

La enfermedad diagnosticada hace dos años por Guterres se ha agudizado con la llegada de otra pandemia, la Covid-19. Pese a que la propagación del virus y el prolongado impacto económico, ya evidente en todas las latitudes del planeta, son actualmente los grandes faroles de atención internacional, se acumulan víctimas invisibles de la violencia de género. Datos de la organización ONU Mujeres indican que la violencia de género se ve agravada por el confinamiento.

En estos momentos de resguardo social, los efectos psicológicos de la pandemia pueden resultar en el incremento de variados tipos de violencia, incluso la física. A esto se acompaña la ausencia de mecanismos de denuncia de casos de violencia familiar. En países como Argentina, Brasil, Colombia y México, la violencia contra las mujeres incrementó entre 30% y 50%. Asimismo, en Ecuador y Honduras, los hogares provisorios de acogida a mujeres maltratadas quedaron abarrotados, y los mecanismos de ayuda telefónica o virtual se han visto anulados por la inevitable presencia de los agresores en los hogares. Casos como Colombia, con más de 300 feminicidios entre enero y mayo, y Chile, con un aumento del 500% de pedidos de socorro por violencia de género, son el reflejo de la realidad regional.

En Argentina, Chile y España, los gobiernos han recurrido a la creación de códigos secretos, como el pedido de la “mascarilla 19” o “el tapabocas rojo” en farmacias, para que las víctimas puedan denunciar a sus agresores de forma segura y accionar efectivos policiales. Entretanto, ¿qué acciones están siendo promovidas por organizaciones internacionales para reforzar el combate a la violencia de género?

En primer término, es importante destacar que las acciones internacionales en función de la lucha por la igualdad de género comenzaron de forma tardía. Las convenciones de la ONU iniciaron solo en 1975, en las cuales, por motivo del Día Internacional de la Mujer, se organizó la Primera Conferencia Mundial sobre la Mujer, en México, y se promovió una agenda permanente para eliminar la discriminación contra la mujer y promover la igualdad de género. Como consecuencia de ello, uno de los principales marcos de la historia contemporánea a respecto de este tema es la resolución 1325 del Consejo de Seguridad que, buscando la igualdad e inclusión real en actividades político-sociales, insta a que las mujeres sean apoyadas por sus respectivo Estados en funciones de promoción de la paz en toda la verticalidad de sus jerarquías.

Como bien indica el art. 1 de la Carta de la ONU, de 1945, el objetivo principal de la institución es “mantener la paz y la seguridad internacionales”, meta irrealizable sin la igualdad, que involucra justicia y representación política, como señala Nancy Fraser. El art. 8 de la misiva reza que no se establecerá restricciones para la participación de mujeres y hombres en la ONU, respetando condiciones de igualdad de género. Sin embargo, la realidad muestra la existencia de brechas que denuncian por sí mismas la desigualdad en el propio seno de la entidad.

En el mismo año en que Guterres denunciaba la violencia de género como una pandemia, se anunciaba que, por primera vez en la historia de la institución, los altos cargos del organismo alcanzaban la paridad entre hombres y mujeres. Esto es evidencia de que, si bien la lucha por la igualdad está ocurriendo, lo hace a paso lento. Además, como la realidad lo refleja, la escaza divulgación mediática de este acontecimiento inédito refleja el bajo grado de relevancia que se otorga a estos temas a nivel internacional.

En segundo término, y bajo este crítico escenario de pandemias, la ONU y sus Estados-miembros enfrentan un complejo rompecabezas. La coyuntura demanda la reestructuración de los mecanismos que hasta ahora han permitido dar aquellos pasos lentos en favor de la igualdad. El momento exige urgencia.

Los impactos de la Covid-19, además del drástico incremento de violencia, gira en torno a aspectos económicos, profesionales, sociales y de movilidad en momentos de ampliación de flujos migratorios. Para las mujeres, dadas las condiciones de desigualdad de género, esos impactos son todavía peores: ellas ven una deterioración de sus ya precarias condiciones de vida, principalmente en lugares periféricos. Los cuerpos de salud en América Latina están constituidos en un 70% por mujeres, lo cual indica que ellas se encuentran más vulnerables en varios ámbitos, como ocurrió con el incremento de violencia hacia el personal médico en el trasporte público. Las mujeres también constituyen la principal mano de obra del subempleo, sin garantías ni resguardo de derechos. Desde otro ángulo, el trabajo no remunerado en el hogar es un peso duplicado por la presencia de sus hijos que no pueden acudir a las escuelas.

Otros impactos que se profundizan son la falta de acceso a créditos que permitan promover incentivos económicos de medios de subsistencia. La precaria situación de la mayoría de mujeres en Latinoamérica las vuelve más vulnerables en la medida en que ni siquiera poseen acceso a servicios básicos. Muchas de ellas son víctimas de explotación sexual. Aquellas que dependen de servicios públicos de salud, una grande mayoría, ven sus prioridades eliminadas. Si bien la crisis sanitaria actual demanda de esfuerzos conjuntos, el ya precario servicio de salud pública de algunos países de la región hoy se ve en la necesidad de robustecer en tiempo récord sus profundos déficits, muchas veces sacrificando la atención a gestantes.

Dado este complejo campo de batalla, ONU Mujeres ha emitido documentos que pretenden contribuir con respuestas a la crisis. Entre los puntos principales encontramos sugerencias para que los países trabajen en función de garantizar la atención reproductiva de las mujeres, sin dejar que sea una prioridad. Garantizar que las mujeres que forman parte de ese 70% del cuerpo médico latinoamericano tengan los instrumentos necesarios para enfrentar de forma adecuada la pandemia. Ese punto viene al encuentro de episodios en los cuales trabajadoras de salud han denunciado la falta de insumos para su propia protección, como ocurrió en el Ecuador.

Otro elemento es el aprovechamiento de la tecnología para facilitar la circulación de informaciones confiables que permitan que las víctimas de violencia de género encuentren vías seguras de denuncia y para prevenir el ciberacoso. Sugiere también que los datos gubernamentales en las diversas instancias político-sociales sean discriminados por sexo para que mejores políticas públicas sean destinadas de acuerdo a las necesidades y para combatir la sub-representación. Esta medida se vuelve central al momento de pensar que, conforme se aproxima la ya llamada “nueva normalidad”, es urgente que el uso de datos permita visibilizar las necesidades de mujeres que sufren de forma profunda los efectos de la epidemia de Covid-19 y para la elaboración de propuestas que permitan que ellas tengan garantías laborales, político-sociales y económicas que inclusive antes no tenían.

Por último, la ONU sugiere que los Estados promuevan políticas que permitan una división igualitaria con relación al trabajo no remunerado. Este punto refuerza la constante llamada al trabajo conjunto que realiza Naciones Unidas, pues la igualdad de género no es una tarea únicamente de las mujeres o que deba ser luchada apenas por ellas. Por el contrario, para conquistar una verdadera igualdad de género se requiere de la conciencia de hombres y de toda la sociedad para fortalecer la justicia social y aproximar a las mujeres que fueron excluidas de los contratos sociales.

Tal vez el principal enemigo de tan necesarias conquistas sea la mentalidad autoritaria, que no desea que tan antigua pandemia tenga un punto final. Que rechaza la participación de las mujeres en el espacio público y la libertad de ellas. Por eso, la lucha contra la violencia de género es también una lucha por más y mejor democracia.

El día 25 de noviembre se cumplieron 60 años que la dictadura de Rafael Trujillo, en República Dominicana, asesinó a las hermanas Mirabal, activistas contrarias a su régimen. La muerte de Minerva, Patria y María Teresa, debido a la gran conmoción que causó, fue también el inicio del fin del gobierno de Trujillo. Desde 1981, Latinoamérica conmemora el 25 de noviembre el día contra la violencia de género. Consecuentemente, marca también la lucha por igualdad y por derechos. Son justamente estos que no pueden quedar en el olvido. Aunque sean positivas las urgentes sugerencias de ONU, el reconocimiento de los derechos, y la exigencia relacionada al hecho, es fundamental para que las mujeres estén más fuertes ante otras pandemias y violencias. Para vencerlas, es preciso apresurar el paso.

 

Cristian Daniel Valdivieso es doctorando en el PPGRI San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP) y investigador del GEDES; Joyce Miranda Leão Martins es doctora en Ciencias Políticas por UFRGS y investigadora de posdoctorado en PUC/SP.

 

Imagen de: Naciones Unidas.

[1] Doutorando do PPGRI San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP). Membro do GEDES.

[2] Doutorada em Ciência Política pela UFRGS. Pós-doutorado em Ciência Política pela PUC/SP.

Hábitos que se recusam a morrer: a cooptação de militares pelas elites civis

Lis Barreto

 

Como cidadã de um País que viveu 21 anos de ditadura militar e possuidor de uma democracia que logrou chegar aos 30, mas que ainda tem dificuldades em se consolidar, é difícil olhar para a composição do governo Bolsonaro e não se intrigar com a quantidade de militares envolvidos nele. Será que as coisas não mudaram tanto assim, de lá para cá?

A participação militar na política brasileira é de longa data. Nossa República foi declarada através de um golpe militar e de 1889 até hoje, a história brasileira foi marcada por intervenções militares que destituíram e instituíram governos, levando-nos de um grupo civil ao outro, até que, em 1964, foi dado o golpe que estabeleceu o poder para os próprios militares.

À época, os acadêmicos e políticos não se surpreenderam com a intervenção militar em si. Militar intervindo na política e atuando como um tipo de “poder moderador” era algo tão corriqueiro, tão tradicional e enraizado, que dificilmente impressionava. A cooptação dos militares por elites políticas civis era uma instituição informal bem estabelecida e tanto os ocupantes do Executivo quanto sua oposição recorriam, quando fragilizados, ao apoio militar para fazer a balança ir ao seu favor.

Foi esse perigoso jogo estabelecido entre elites civis e jogado durante quase um século que, ao fim, queimou a todos. O golpe de 1964 foi apoiado por elites que não voltaram a recuperar o poder tão cedo e que descobriram que a repressão e censura não eram apenas para seus opositores, ainda que estas se manifestassem de formas desiguais entre os grupos políticos e sociais[1].

Na década de 1980, com a abertura política e iniciada à transição para a democracia, um novo pacto entre elites civis foi firmado e uma nova Constituição, promulgada. Nela, a participação militar não era nem legitimada, nem objetivamente vedada. Esta ambiguidade foi resultado de uma transição negociada, em que os civis da Subcomissão de Defesa, com suas visões tão acostumadas à política como ela sempre havia sido, pareciam não conseguir visualizar um funcionamento político que alijasse completamente a presença militar. A verdade é que haviam estado tanto tempo dependentes da participação militar para dirimir suas disputas políticas, que lhes soava improvável a capacidade de construir um sistema político que funcionasse por si só.

Com todas as críticas que possam ser feitas à Carta de 1988, ela logrou funcionar e sobreviver. As crises políticas, como previsto, nunca deixaram de existir, mas as elites civis encontraram outras formas de se confrontar, muitas vezes dentro das regras do jogo, algumas vezes manipulando-as. Contudo, nunca através da intervenção militar direta. Parecia que após 21 anos de restrições políticas por brincar com forças que não podiam controlar, as elites civis finalmente teriam entendido que valia mais a pena esperar 4 anos para voltarem a brigar pelo poder.

Entretanto, o jogo democrático é para quem sabe jogar. Melhor dizendo, para quem aceita jogar. Quando as turbulências políticas e econômicas que emergiram em 2013 decidiram atacar não apenas ao governo, mas às regras do sistema político, um pacto começou a se desintegrar. Naquele marco, víamos que 25 anos foram suficientes para começar a borrar os riscos de brincar com fogo, pois tornavam-se claras as tentativas de, novamente, tornar os militares os fiéis da balança, independente da escolha das urnas.

Apesar dos percalços, a democracia ainda se manteve e se mantém. As urnas se viram respeitadas e o procedimento democrático ainda existe. Contudo, como bem observou Alfred Stepan, ainda na década de 1970, a cooptação militar não era só feita por elites de oposição que queriam o poder para si, ela era feita por qualquer elite política que se encontrasse fragilizada no jogo político, o que inclui o próprio Poder Executivo. Isso quer dizer que um Presidente sem apoio político para governar pode ser enquadrado nesta categoria[2].

Após 1988, os dois casos de Presidentes sem apoio político terminaram em renúncia e impeachment. Collor e Rousseff são casos muito distintos, mas ambos provaram do dissabor da falta de apoio político no Congresso para governar e se manter, e deixaram clara a mensagem de que quem não tem apoio, cai. Mensagem muito bem assimilada por Bolsonaro.

Não precisava ser nenhum grande entendido de política para saber, já em 2018, que a vitória de Bolsonaro nas urnas ia resultar em um Presidente frágil. Sem um partido forte, sem uma coligação e, posteriormente, uma coalizão estável, desde a campanha Bolsonaro retomou a postura antiga de buscar seus aliados nos militares, o que fica evidente na escolha do seu vice. E por mais que os militares não mais se enquadrem na visão de “Partido Fardado”[3], como denominou Oliveiros Ferreira, e não atuem como atores principais que dispõem de uma agenda própria para o poder político, eles cumprem perfeitamente a função coadjuvante desejada por seu cooptador: de modificar o peso político dos atores. Quanto mais Bolsonaro balança, mais militares entram no governo e, assim, aquele segue sem cair. Mas até quando? Ou melhor, a que custo?

O que é possível dizer até agora é que voltamos a brincar com fogo. O crescimento de militares no governo retoma memórias de um passado que se recusa a morrer, o hábito de resolver disputas políticas cooptando militares, que parecia esquecido, mas que,  talvez por nunca ter sido eliminado de forma consciente e objetiva, volta quando o sistema se encontra duramente questionado e fragilizado. É um momento de autoanálise política, da razão pela qual repetimos certos padrões. Acredito que a chave para começarmos entender foi apontada por Stepan em 1975 “[…] o fenômeno que existe em muitos países da América Latina – e que precisa ser analisado – não é o ‘militarismo’, mas o ‘militarismo civil’”[4]. É entendendo o mecanismo de funcionamento desta mentalidade militarista por parte dos civis, que acredita que a presença militar na política não é apenas positiva como necessária, que será possível alterarmos esse padrão de comportamento.

 

 

Lis Barreto é doutoranda em Ciência Política em regime de cotutela entre Universidade Federal de São Carlos e a Universidade de Lisboa, mestre pelo PPG RI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP). Orientadores: Simone Diniz (UFSCar); Andrés Malamud (Ulisboa)

 

[1] STEPAN, Alfred. Os Militares na Política. As mudanças de padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro: Artenova. 1975, p. 159-163.

[2] STEPAN, Alfred. Os Militares na Política. As mudanças de padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro: Artenova. 1975.

[3] FERREIRA, Oliveiros. Vida e Morte do Partido Fardado. São Paulo: Editora Senac. 2000.

[4] No contexto, A. Stepan usa a frase para ilustrar o peso que os civis tiveram para sancionar e legitimar as intervenções militares na vida política brasileira. STEPAN, Alfred. Os Militares na Política. As mudanças de padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro: Artenova. 1975, p.52.

 

Imagem por: Ministério da Defesa; Flickr.

Peregrinación por la paz y la defensa de la vida

Alejo Vargas Velásquez

Texto originalmente publicado na Revista Sur

https://www.sur.org.co/peregrinacion-por-la-paz-y-la-defensa-de-la-vida/

 

Los dirigentes y excombatientes de las extintas FARC, en su calidad de signatarios del Acuerdo de Paz, ante la continuación del asesinato de los exguerrilleros en proceso de reincorporación –ya van 238 asesinados desde cuando se firmó el Acuerdo-, tomaron una decisión política valerosa, a pesar de lo dolorosa: iniciar una peregrinación hacia la capital del país, desde varios de los Espacios Territoriales en que han venido adelantando sus procesos de reincorporación en lo económicos, lo social y lo político. La iniciaron el 21 de octubre en Mesetas, después del asesinato y sepelio de uno de sus líderes conocido como ‘Albeiro Suarez’. A la misma se sumaron delegaciones de excombatientes con sus familias de Guaviare, Meta, Antioquia, Choco, el Eje Cafetero, La Guajira, Cesar, Arauca, Norte de Santander, Sur de Bolívar Y efectivamente después de cerca de dos semanas de desplazamiento colectivo, combinando caminatas y trayectos en vehículos, llegaron a la capital del país el 1 de noviembre.

Es importante resaltar la denominación que le dieron a esta movilización de protesta, más que justificada, una ‘peregrinación’, porque se trata en lo fundamental de una expresión usada en el ámbito religioso, especialmente por las tres grandes religiones monoteístas, el cristianismo, el judaísmo y el islamismo para dirigirse por parte de un grupo de creyentes hacia un santuario o un sitio de especial relevancia para ellos, pero también realizada por excluidos o expatriados, para significar con ello, los miembros de ese especie de ‘movimiento social en construcción de los firmantes del Acuerdo de Paz’, como lo recalcaron varios de sus dirigentes, que no se trataba de buscar la selva como en el pasado de su lucha armada, sino justamente darle la espalda a la selva y marchar hacia el centro del poder político del país, para pedir en forma pacífica, de ese poder político nacional soluciones, especialmente la de salvaguardar sus vidas, pero también la de dar respuesta a derechos básicos y demandas que no fueron incluidas en los acuerdos, como el tema de vivienda o tierra para los antiguos miembros de la guerrilla, pero ahora desmovilizados y en proceso de reincorporación, tienen todo el derecho como cualquier poblador rural.

La ‘peregrinación’ permitió, además, que muchos colombianos del común, situados en las rutas que siguieron los distintos grupos de caminantes, no sólo se sensibilizaran acerca de la situación que estaban viviendo, quienes le están jugando limpio a la paz, sino adicionalmente tener la oportunidad los excombatientes de explicar la gravedad del drama que han estado viviendo: En un sitio cercano a Villavicencio conocido como Pipiral, hicieron un acto simbólico de perdón por los secuestros masivos –conocidos como ‘las pescas milagrosas’- con una bandera blanca clavada en la tierra, en esa vía donde sembraron de temor a los viajeros en el pasado; también permitió que gobiernos territoriales igualmente se solidarizaran con los caminantes y contribuyeran a suministrarles sitios de alojamiento, además de apoyos para alimentación, siendo esto especialmente relevante en el gobierno de Bogotá. Pero también era simbólicamente relevante mostrar con la ‘peregrinación’ su condición de excluidos por las políticas de un Estado que justamente se comprometió en los Acuerdos de La Habana y del Teatro Colón a apoyarlos plenamente en su proceso de tránsito de alzados en armas a ciudadanos del común.

Ahora bien, hay que resaltar que estaba claro desde siempre que el proceso de implementación de los Acuerdos era y será, un campo de disputa política con cualquier gobierno que esté al frente de esta tarea –si se priorizaba la desmovilización y reincorporación colectiva o individual, con todas las implicaciones que esto conlleva; cómo iba a ser el enfoque de los programas de desarrollo rural con enfoque territorial, los conocidos PDETs; etc.-, por cuanto es probable que los miembros de las extintas FARC buscaran que en ese proceso de implementación se reflejara su propia visión política de cómo hacerlo y en igual sentido lo haría cualquier gobierno. Eso no es un tema novedoso, era algo plenamente previsible y mucho más cuando la Corte Constitucional al avalar la constitucionalidad y legalidad de los Acuerdos, estableció que era responsabilidad de los siguientes tres gobiernos la implementación, pero en concordancia con las políticas públicas de cada gobierno, dejando allí un margen de maniobra a los gobiernos, pero también de controversia acerca del enfoque de la implementación.

Los cerca de dos mil excombatientes y sus familias hicieron marchas en la ciudad de Bogotá, acompañadas por sectores ciudadanos y especialmente en la Plaza de Bolívar, planteando de manera clara y precisa las razones de su peregrinación, eso sí buscando ser una peregrinación sin alborotos, ni bulliciosa, y por supuesto sin acudir a la violencia. Y se produjo lo que pocos esperaban: el Presidente Duque aceptó recibir una delegación de la ‘peregrinación’. En esto hay que decirlo, jugaron un papel fundamental, el apoyo de la comunidad internacional –la Misión de la ONU, los embajadores de la Unión Europea y los países garantes-, el propio manejo de la ‘peregrinación’ y dos funcionarios del Alto Gobierno que han estado al frente de la implementación y la reincorporación, el Consejero Presidencial para la Estabilización y Consolidación, Emilio Archila y el Director de la Agencia de Reincorporación, Andrés Felipe Stapper, quienes estuvieron pendientes de la peregrinación y de buscar salidas positivas a la misma.

Efectivamente el viernes 6 de noviembre el presidente Duque recibió en la Casa de Nariño, junto con los funcionarios Archila y Stapper, a una delegación de siete líderes de la ‘peregrinación’ –uno por cada región donde están los procesos de reincorporación-, encabezada por Pastor Alape el delegado ante el Consejo Nacional de Reincorporación (CNR). Esta reunión, que fue un desayuno de trabajo, se llevó a cabo en un ambiente amable entre las dos partes y se llegaron a unos puntos de acuerdo. Pero lo más relevante, desde el punto de vista simbólico, fue el inicio del desmonte de la estigmatización que hasta el momento se ha dado a los firmantes del Acuerdo, expresado en el hecho mismo de la reunión con el jefe de Estado.

Es necesario resaltar la actitud positiva de apoyo a la reincorporación de los excombatientes, por parte del Presidente. Así como su compromiso en que se acelere el proceso de definir la asignación de tierras y vivienda para los firmantes del Acuerdo y una reunión con la Ministra del Interior, el Viceministro y el director de la Unidad Nacional de Protección (UNP) para revisar requerimientos de seguridad y los dispositivos estatales en esa dirección. Igualmente se acordó realizar siete reuniones territoriales, con la participación de los firmantes del Acuerdo en los territorios para valorar el proceso de implementación y las necesidades que tienen ellos y cómo darles respuesta. Igualmente insistieron los delegados de los firmantes del Acuerdo, en la importancia de estructurar un ‘sistema integral de reincorporación’ que articule la acción de los diversos entes estatales.

No hay duda que fue una iniciativa novedosa la adelantada por los firmantes del Acuerdo de Paz, donde lo más relevante va a ser comenzar a mostrarse como parte de ese ‘movimiento social en construcción de los firmantes’, que se manifiesta por sus derechos y demandas derivadas del Acuerdo, del cual fueron signatarios y acudiendo a formas novedosas de visibilización de las cuales está claramente ausente el uso de la violencia, ni simbólica ni real, mostrando así el contraste de anteriores hombres guerreros que ahora actúan como constructores de paz.

 

 

Alejo Vargas Velásquez é Director del Centro de Pensamiento y Seguimiento al Diálogo de Paz – UN

 

Imagem: Colombia Fighting for Peace

Por: Leon Hernandez

Operação do SOUTHCOM no Caribe: objetivos políticos das operações antidrogas dos EUA

João Estevam dos Santos Filho

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).

 

No dia primeiro de abril de 2020, a administração de Donald Trump anunciou a implementação de uma operação antidrogas no Mar do Caribe, com a finalidade de impedir que os cartéis presentes na região aproveitassem a situação de pandemia do COVID-19 para aumentar a comercialização de drogas. Assim como em outras operações antinarcóticos lideradas pelos EUA, esta também é organizada pelo Comando Sul (SOUTHCOM), responsável pera área que vai da América Central ao sul do continente. A operação conta com embarcações de combate e de patrulhamento costeiro, helicópteros de apoio e de combate, bem como aeronaves de inteligência, resultando em um aumento expressivo no número de equipamentos utilizados no Mar do Caribe e no Pacífico Oriental.

Por outro lado, também participam forças de países da região andina (Colômbia) e centro-americana (Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Panamá) – como parte da Força Tarefa Conjunta Interagências – Sul, e de países europeus, que contribuiriam com apoio de inteligência. Além disso, é coordenada com outras agências de segurança norte-americanas, como a Alfândega e Proteção de Fronteiras e a Administração de Fiscalização de Drogas.

Outro componente importante dessa operação é o envio de efetivos do Exército dos EUA para a Colômbia. Trata-se de 48 militares da Brigada de Assistência de Força de Segurança, trabalhando no SOUTHCOM, destinados a apoiar operações contra o narcotráfico desempenhadas pelas Forças Armadas colombianas, através de assessoramento técnico e treinamento em áreas como logística, serviços e inteligência, atuando também no intercâmbio de informações entre EUA e Colômbia. O tempo da presença desses efetivos será inicialmente de quatro meses, sujeito a ampliação. Essa missão mlitar – a primeira na América Latina – tem sido objeto de discussões entre membros dos três Poderes da Colômbia: por um lado, os críticos dessa presença afirmam que é necessária a autorização do Congresso colombiano; entretanto, o governo de Iván Duque nega essa necessidade pelo fato de não ser o caso de tropas que atuarão em combate no país. Apesar dessas controvérsias, a presença das tropas estadunidenses não foi revogada, tendo suas atividades sido reiniciadas.

Esses eventos se dão num contexto de intensificação da crise política venezuelana, tendo o Departamento de Justiça norte-americano acusado Nicolás Maduro de tráfico internacional de drogas, oferecendo uma recompensa de US$15 milhões por informações a fim de condená-lo à prisão. Também foram acusados de tráfico outros membros do governo, como o ministro da Defesa, o ex-diretor da inteligência militar e o ministro de Indústria e Produção Nacional; no caso destes, o governo norte-americano oferece US$10 milhões por informações que levem os à prisão. Além disso, em maio deste ano, foi desarticulada uma operação conduzida por mercenários norte-americanos e dissidentes militares venezuelanos para derrubar e apreender Maduro. Apesar de não haver provas de participação de autoridades políticas dos EUA, esse foi um acontecimento que demarcou o clima de tensão entre os dois governos.

Apesar de oficialmente não ser dirigida contra o governo de Nicolás Maduro, a recente operação antidrogas é mais um episódio nas relações entre EUA e América Latina que demonstra o caráter político das iniciativas contra o narcotráfico promovidas pelo Estado norte-americano. A justificativa de combate às drogas também foi utilizada para a intervenção militar no Panamá em 1989 (com a apreensão do presidente do país, Manuel Noriega, que foi condenado e preso nos EUA). A elaboração e execução do Plano Colômbia também teria ocorrido para promover os interesses de membros das elites políticas norte-americanas e colombianas ligados a empresas transnacionais, com interesses no combate aos grupos guerrilheiros (STOKES, 2005). O interesse em construir um ambiente minimamente estável para os investimentos de empresas transnacionais também teria guiado a implementação da Iniciativa Mérida no México (MERCILLE, 2011; AVILÉS, 2017).

Assim, a operação antidrogas promovida pelo Comando estadunidense parece oferecer mais uma fonte de pressão política contra o governo de Nicolás Maduro. Apesar de não significar uma intervenção, como no caso panamenho, essa ação militar implica em uma tentativa de intimidação, bem como uma justificativa para o estacionamento de recursos perto do mar territorial venezuelano. Desse modo, o episódio lança luz para o modo como as iniciativas de combate às drogas, segundo o discurso de “guerra às drogas” – promovida pelas sucessivas administrações norte-americanas desde a década de 1970 – possuem um caráter fortemente político, sendo usado para deslegitimar os oponentes e justificar ações mais “duras”.

Por outro lado, também cabe ressaltar o papel que a Colômbia ainda desempenha nas ações norte-americanas voltadas para a região. Desde o início da década de 2010, com o enfraquecimento das guerrilhas, o governo colombiano tem oferecido seus recursos a fim de contribuir com a política de segurança estadunidense para a América Latina, como no caso do treinamento de forças de segurança de países centro-americanos e caribenhos conforme o know-how deixado pelo Plano Colômbia. Essa situação, por sua vez, implica em uma continuidade da dependência colombiana na área de segurança (TICKNER; MORALES, 2016). Nessa situação, o país andino busca desempenhar o papel de aliado dos EUA inclusive em situações de tensão regional. Nesse sentido, o presidente colombiano reuniu-se em Bogotá com Juan Guaidó, autodeclarado presidente interino da Venezuela e Mike Pompeo, secretário de Estado norte-americano na Conferência Hemisférica contra o Terrorismo a fim de discutir a situação venezuelana. Também em outra ocasião, o presidente colombiano comprometeu-se com o governo norte-americano em “restaurar a democracia” na Venezuela em uma reunião anterior ao encontro do Grupo de Lima – criado para pressionar a administração de Maduro.

Portanto, a operação antidrogas comandada pelo SOUTHCOM demonstra o uso político do combate ao narcotráfico pelo Estado norte-americano na América Latina, como também ocorreu nos casos do Panamá, da Colômbia e do México. Ademais, também mostra como, para a realização dessas ações, são utilizados aliados regionais, como é o caso da Colômbia, que deu continuidade a sua inserção internacional dependente em relação aos EUA, contribuindo para a realização dos objetivos políticos da grande potência na região.

 

Referências bibliográficas

AVILÉS, W. The drug war in Latin America : hegemony and global capitalism. Abingdon, Oxon ; New York, Ny: Routledge, 2017.

MERCILLE, J. Violent Narco-Cartels or US Hegemony? The political economy of the ‘war on drugs’ in Mexico. Third World Quarterly, [S. l.], v. 32, n. 9, p. 1637–1653, 2011.

TICKNER, Arlene; MORALES, Mateo. Cooperación dependiente asociada: Relaciones estratégicas asimétricas entre Colombia y Estados Unidos. Colombia Internacional, Bogotá, v. 1, n. 85, p.171-205, 2016.

STOKES, D. America’s other war: Terrorizing Colombia. Londres: Zed Books, 2005.

 

Imagens: https://www.southcom.mil

Entre máscaras e armas, Brasil de Bolsonaro escolhe seus heróis

Laura M. Donadelli, doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa “San Tiago Dantas” (UNESP/UNICAMP/PUC-SP)
Juliana de Paula Bigatão Puig, professora do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Supervisoras do Informe Brasil do Observatório Sul-Americano de Defesa e Forças Armadas e pesquisadoras do GEDES

 

Na semana em que o Brasil atingiu a marca de 10 mil mortos pelo novo coronavírus, Jair Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto o tenente-coronel do Exército Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió.  Militar reformado, ex-oficial do Centro de Informações do Exército (CIE) e ex-agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), Curió foi um dos responsáveis pela repressão à Guerrilha do Araguaia (1972-1975). A visita não constava na agenda oficial da Presidência, e somente foi incluída por volta das 21h20 do mesmo dia.

Em publicação intitulada “Heróis do Brasil” em suas redes sociais, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) publicou foto da audiência, acompanhada de um texto que enaltecia a figura de Curió, tratando-o como “herói de guerra”. Bolsonaro e Curió se conheceram em Serra Pelada, no estado do Pará. Em 1986, Curió, então deputado federal, enviou uma carta a Bolsonaro, dizendo que desejava “passar o bastão” ao capitão: “Competirá a você, meu jovem companheiro, carregar este bastão, levando-o à vitória, com a graça de Deus e a ajuda dos homens de bem desta Nação”.

Curió é o autor da frase “quem procura osso é cachorro”, dita numa tentativa de desqualificar os esforços para encontrar os corpos de mortos e desaparecidos do Araguaia. O enunciado estampou um cartaz contrário aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) que Bolsonaro pendurou na porta de seu gabinete. Após a visita de Curió ao Planalto, Bolsonaro foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), por descumprir sentença unânime que condenou o Brasil pelo desaparecimento forçado e morte de dezenas de pessoas durante o período do regime militar (1964-1985).

Concluiu-se no texto da denúncia que “o governo de Jair Bolsonaro não apenas faz com que o Estado brasileiro deixe de cumprir a Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos em Gomes Lund e outros vs. Brasil, como promove novas violações do direito à verdade, divulgando informações falsas sobre o que aconteceu nas operações contra a “Guerrilha do Araguaia” e na ditadura em geral”. Por meio de nota de seu secretário-executivo, Pablo Saavedra Alessandri, a CIDH acatou a denúncia

 

Quem é o Major Curió?

Curió foi um dos primeiros agentes a serem denunciados no Brasil por crimes cometidos durante a ditadura, num total de seis denúncias – todas relacionadas a crimes como sequestro, assassinato e ocultação de cadáver. Dentre as vítimas, estão militantes do partido comunista que atuavam na região do Araguaia, localizada entre os estados do Pará e do Tocantins, e camponeses locais. As últimas três denúncias foram apresentadas contra Curió em dezembro de 2019, quando o Ministério Público Federal (MPF) fez um balanço sobre as ações relacionadas à guerrilha. Antes disso, em 2011, Curió foi detido por porte ilegal de arma durante uma operação de busca e apreensão, realizada pela Polícia Federal e pelo MPF, que tinha como objetivo encontrar documentos que pudessem revelar a localização de corpos de vítimas da repressão da ditadura brasileira.

Em março de 2012, o MPF encaminhou à Justiça Federal em Marabá, no Pará, a primeira denúncia de crime permanente, referente a violações de direitos humanos praticadas por agentes do regime, tendo Curió como indiciado, acusado de sequestrar cinco militantes: Maria Célia Corrêa, Hélio Luiz Navarro Magalhães, Daniel Ribeiro Callado, Antônio de Pádua Costa e Telma Regina Corrêa. À época, o procurador da República Sérgio Gardenghi afirmou que “o crime de sequestro é de natureza permanente e só termina quando a vítima é posta em liberdade ou quando o corpo é localizado”. Por sua vez, o então procurador-geral da República Roberto Gurgel evitou comentar sobre a possibilidade de Curió responder pelos crimes, reafirmando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os fatos estão abarcados pela Lei de Anistia (6.683/1979). Como prenunciado, o juiz federal João Cezar de Matos, da 2ª Vara Federal de Marabá, rejeitou a denúncia feita pelo MPF, sob alegação de que a Anistia já havia absolvido os supostos criminosos políticos do regime e que os desaparecidos na guerrilha já foram reconhecidos oficialmente como mortos por lei de 1995.

Em agosto de 2012, a 2ª Vara da Justiça Federal no estado do Pará aceitou nova denúncia do MPF contra Curió e Lício Augusto Maciel, acusados de terem sequestrado presos capturados no Araguaia durante a Operação Marajoara. De acordo com a Procuradoria da República no Pará, a responsabilização penal de Curió e Maciel é uma obrigação do Brasil diante da sentença da CIDH, que determinou em 2009 a punição dos repressores da Guerrilha. Os procuradores afirmaram que “não há notícias de sequer um militante que, privado de liberdade pelas Forças Armadas, durante a Operação Marajoara, tenha sido encontrado livre posteriormente”. A ação foi suspensa em dezembro do mesmo ano em caráter liminar.

O MPF voltou a ingressar na Justiça com uma ação civil pública contra a União e Maciel pela prisão, tortura e homicídio de quatro militantes do Movimento de Libertação Popular (Molipo). Os corpos de Ruy Carlos Vieira Berbert, Jeová Assis Gomes, Boanerges de Souza Massa e Arno Preiss nunca foram encontrados. Na ação, o MPF pediu a preservação da prisão onde Berbert morreu e que a União seja declarada responsável pelos crimes e pelas omissões na identificação dos responsáveis e nas circunstâncias que os atos de violência ocorreram. Maciel, em entrevista para O Estado de S. Paulo, afirmou que “estava combatendo comunistas guerrilheiros, como esses vagabundos da Molipo” e que “os que resistiram, morreram; quem não reagiu, viveu”. À época, Maciel e Curió já figuravam entre os agentes mais processados pelo Ministério Público por violações de direitos humanos.

Entre uma denúncia e outra, e após dez anos de consultas aos arquivos pessoais de Curió, o jornalista Leonencio Nossa lançou o livro “Mata! – O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia”. O livro lança novas informações que contestam os relatórios falsos divulgados pelo regime sobre as circunstâncias das mortes que ocorreram na região do Araguaia, além do total de indivíduos executados, que totalizariam 41 e não 25 – como informado oficialmente. A segunda parte do livro associa a participação do tenente-coronel como comandante da região garimpeira de Serra Pelada. Nas palavras de Curió ao jornalista: “em Serra Pelada eram dois os objetivos: extrair o ouro para encher o cofre do Banco Central e continuar o trabalho político. […] Araguaia foi uma guerra, nunca esqueça”.

Como parte de seus trabalhos em Marabá, em 2014 a CNV colheu depoimentos de moradores da região que sofreram violações de direitos humanos durante a campanha do Exército. Os depoimentos revelaram como os moradores da região, sob tortura e ameaças, foram obrigados a colaborar. Em depoimento, Abel Honorato, preso em 1972 acusado de ser amigo de “Osvaldão” (um dos militantes da guerrilha mais temidos pelo Exército) relembrou: “Me prenderam em casa. Depois me botaram no caminhão e me levaram pra Casa Azul. Lá me bateram com vontade. Me retiraram daqui [de Marabá] semi-morto. Saí vestido numa saia, pois não podia botar uma calça [em virtude dos ferimentos]”. Depois da tortura, por conhecer a região, Honorato foi obrigado a servir de mateiro para os militares. “Disseram pra mim: ‘você vai agora voltar e vai ter que dar conta dos seus companheiros’. Fui obrigado a trabalhar de guia até depois da guerra, sob os olhos de Curió. Até em Serra Pelada, fiz missões para ele”, disse.

 

E daí?

Em 2009, Curió abriu arquivos pessoais ao jornal O Estado de S. Paulo e confirmou a execução de 41 militantes presos, que não ofereciam perigo às tropas. Muitos se entregaram maltrapilhos e famintos, após meses de fuga na floresta. Vale lembrar que as Convenções de Genebra tratam a execução de prisioneiros como crime de guerra, e mesmo as leis do próprio regime não autorizavam o que se fez no Araguaia. O MPF pede a condenação de Curió desde 2012, mas ele continua solto graças a uma interpretação benevolente da Lei da Anistia – aprovada, diga-se de passagem, com uma diferença de apenas 5 votos (206 da ARENA contra 201 do MDB).

Não obstante as violações de direitos humanos aqui brevemente apresentadas, Curió coleciona acusações em outras instâncias que não apenas aquelas ligadas à repressão na ditadura: ainda durante o regime, coordenou o garimpo de Serra Pelada, fato este que lhe rendeu – para além da amizade com o atual presidente do Brasil – a prefeitura de Curionópolis, cidade que ajudou a fundar no estado do Pará. Em 2008, teve o mandato cassado por compra de votos e abuso de poder econômico. O ex-prefeito foi ainda condenado ao pagamento de R$ 1,1 milhão por improbidades administrativas ocorridas entre 2001 e 2004, durante sua penúltima gestão.

O juiz federal Carlos Henrique Haddad imputou a Curió as infrações de enriquecimento ilícito, fraude em licitações e desrespeito aos princípios de honestidade e legalidade na administração pública. As irregularidades foram praticadas principalmente com verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). As fraudes abrangem a contratação de empresas fantasmas, o uso de notas fiscais falsas, a inexistência de processos licitatórios ou processos irregulares.

No Brasil de Bolsonaro, os mortos pela pandemia do novo coronavírus não são lamentados e profissionais da área da saúde são hostilizados e agredidos, inclusive fisicamente. Não por acaso, é o país no qual notórios torturadores são chamados pelo governo de “heróis”. O saldo da transição pactuada sempre se fez presente, mas apresenta sua face mais nefasta neste momento de urgente zelo à vida. Triste o país que chora as mortes de hoje (e do amanhã) sem conhecer os mortos do passado recente e os nomes de seus algozes.

 

 

Foto: Reprodução/Facebook

Forças Armadas no governo Bolsonaro – Parte II

Ana Penido, Jorge M. Oliveira Rodrigues e Suzeley Kalil Mathias

 

Este texto é uma atualização do artigo publicado – Forças Armadas no Governo Bolsonaro – pelos autores no Portal do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Ele será referenciado algumas vezes ao longo do texto.

 

No dia 19 de abril, dia do Exército brasileiro, o Brasil viveu mais um ato de sua tragédia. Em cidades por todo o país, manifestantes apoiadores do governo Bolsonaro saíram às ruas contra as medidas de isolamento social diante da pandemia adotadas pelo Ministério da Saúde e por prefeitos e governadores. Alegavam se sentir lesados em seu direito de ir e vir. Contraditórios, exigiam em sua luta pela liberdade uma intervenção militar com Bolsonaro a frente e a edição de um novo Ato Institucional no 5, nos moldes da norma adotada durante o regime burocrático-autoritário no Brasil. A cereja do bolo foi a presença do próprio presidente  na manifestação ocorrida em frente ao Quartel Geral do Exército; e a promoção, via Twitter, de vídeo em que aparece discursando tendo como fundo de tela faixas clamando pela intervenção.

Gerson Camarotti aponta que, entre integrantes da chamada “ala militar” do governo, o sentimento era de mal-estar com a participação do presidente no ato, seja pela emergência sanitária que sugere evitar aglomerações, seja em virtude do local escolhido, uma vez que, como uma zona de segurança nacional, o trânsito nesse local deveria ser restrito. Não houve comentários quanto ao conteúdo antidemocrático da ação. Os maus humores também estariam associados ao local escolhido para a manifestação. Um dos oficiais ouvidos pela reportagem do Estadão dizia: “se a manifestação tivesse sido na Esplanada, na Praça dos Três Poderes ou em qualquer outro lugar seria mais do mesmo […]. Mas em frente ao QG, no dia do Exército, tem uma simbologia dupla muito forte. Não foi bom porque as Forças Armadas estão cuidando apenas das suas missões constitucionais, sem interferir em questões políticas”. O agravante da participação presidencial não passou despercebido. Melindrosos quanto às críticas ao comandante constitucional das Forças Armadas, as palavras utilizadas foram: “provocação”, “desnecessária” e “fora de hora”.

Mas foi o general da reserva e ex-ministro do governo Bolsonaro, Carlos Alberto Santos Cruz, quem deu um rosto a esse discurso. Em comentários sobre os atos, primeiro via Twitter e posteriormente em entrevista ao UOL, Santos Cruz reforçou a ideia de que, enquanto instituição, as Forças Armadas não representam governo algum. Referindo-se à participação de Bolsonaro no ato, Santos Cruz reforçou que os clamores por intervenção militar não tinham representação institucional [das Forças]. Perguntado se a participação das Forças Armadas no governo Bolsonaro não poderia manchar a credibilidade da instituição, Santos Cruz rebateu: “O que eu vejo é que não existe essa, vamos dizer assim, essa marcha junto com o governo. […] Não é um alinhamento de governo. O Exército não é partidário. Não é de governo”.

O esforço em desconectar a imagem dos militares à do governo não é novo. Mesmo antes do início efetivo do governo Bolsonaro, a preocupação com o alto número de militares nos quadros governamentais e as consequências disso para a imagem das forças já era latente entre membros do alto escalão castrense. É o caso, por exemplo, da insistência de Villas Bôas, ainda em novembro de 2018, em ressaltar que, mesmo com elevado número de fardados no governo, não se tratava de um governo de militares.

A cada dia que passa, essa narrativa cai por terra. Ainda em abril de 2019, o vice-presidente Hamilton Mourão reconhecia: “se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas”. Desde então, cresceu muitíssimo em relevância a participação do partido militar[1] no governo, que passou a ser seu principal pilar de sustentação política quantitativa e qualitativamente. Com isso, os apontamentos de Rodrigues feitos em artigo também veiculado pelo Eris se confirmaram, trata-se de um governo militarizado. Isso fez com que o tom de parte da imprensa também se modificasse, como no histórico editorial do Estadão de 21 de abril. “Mas a guerra de Bolsonaro, já está claro, é contra as instituições da República e contra a maioria absoluta dos brasileiros, afrontados por um presidente que só se importa com o poder. Quem estiver na trincheira com Bolsonaro, seja no governo, seja em movimentos golpistas, vai se desmoralizar junto com ele”.

As FFAA parecem entender parcialmente a encalacrada a que foram arrastadas pelo partido militar, e começam algumas discretas manobras de distanciamento no intuito de estabelecer um cordão sanitário entre governo e as Forças. Se de início os fardados pretendiam-se como poder moderador, hoje é certo que se vêm assoberbados com preocupações sobre a própria fiabilidade da instituição. O Exército mantém sua preponderância, embora a participação da Marinha venha crescendo. Enfim, Mourão estava correto.

Em estudo recente publicado pelo instituto Tricontinental discutíamos a névoa que pairou sobre aspirações, ressentimentos e incursões políticas das forças castrenses no Brasil durante os últimos anos. Dizíamos então que o período de relativa equidistância vigente durante os dois mandatos de Lula da Silva ajudou a construir uma falsa imagem de distanciamento dos militares da política.

Em coluna recente na Folha de São Paulo, Janio de Freitas pontuava “historicamente, nenhum outro segmento feriu tanto a disciplina, e com tamanha gravidade, quanto os militares”. Com efeito, não faltam em nossa história exemplos em que o peso da “mão amiga” se fez sentir. Para nos atermos aos mais recentes: a saída de José Viegas do ministério da Defesa após confronto com comandante do Exército; o antagonismo à presidenta Dilma Rousseff no marco da criação da Comissão Nacional da Verdade; a restauração e retorno ao controle militar do Gabinete de Segurança Institucional sob Michel Temer; e com especial menção, a pressão do então comandante do Exército, general Villas Boas, ao Supremo Tribunal Federal no marco do julgamento do habeas corpus de Lula.

Podemos dizer que ao subir no palanque, as Forças Armadas assumiram posição de vidraça, sujeitando-se às pedras. Temos então um cenário em que não é a atuação política dos militares a novidade desta quadratura histórica, mas sim a preocupação que o governo da vez traga à Instituição revezes de credibilidade.

Por outro lado, é incorreta (ao menos quanto a forma) a pergunta que um conjunto de analistas tem se colocado: “até quando as FFAA irão com Bolsonaro? Até quando segurarão a mão dele?” Dizemos incorreta pois é irreal pensar que o principal partido do governo, detentor dos principais cargos, vá sair do governo, nos moldes do visto com Luiz Henrique Mandetta, Osmar Terra ou outros. Em outras palavras, não acreditamos que as FFAA deixarão o governo, muito menos em plena pandemia. Da mesma maneira, pode-se afirmar que o partido militar não deu um golpe, ele entrou como parte do jogo, e se orgulham disso, terem voltado ao centro da política através da democracia. Nesse sentido, se seguirão com Bolsonaro, é uma questão que diz menos respeito as FFAA e sim às ferramentas democráticas de afastamento do presidente, baseadas no legislativo, no judiciário e na pressão popular.

Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, Kalil Mathias provoca: “as brigas palacianas são apenas pela forma, não pelo conteúdo”. Assim, mesmo que a preocupação com as manchas à imagem da instituição seja latente, mantêm-se as conveniências de permanecer no poder contando com uma figura “messiânica” e utilizando-se de seu apoio popular. São muitos os pontos de comunhão na agenda política: 1) uma nítida agenda moralizante, calcada numa vocação salvacionista auto-outorgada; 2) congruência na visão econômica e gerencialista, não mais pautada pelo nacional-desenvolvimentismo modernizante de Geisel[2]; 3) uma dimensão de crenças, baseada na negação à esquerda, as pautas consideradas identitárias, e a um patriotismo baseado no culto aos símbolos nacionais.

Vale mencionar um quarto aspecto intrigante da relação entre o partido militar e governo: a condução atabalhoada da política externa brasileira. Por sua função precípua, qual seja, a defesa do país contra ameaças externas, espera-se dos militares uma atenção especial às relações internacionais. Entretanto, apesar de algumas ações para amortecer impulsos olavistas do governo – como a fala conciliatória de Mourão no episódio “Dudu Bananinha”, em que Eduardo Bolsonaro acusou a China de ter sido criminosa quanto ao tratamento do Covid-19 – não temos por parte dos militares um posicionamento explícito em assuntos de política externa. Visto estarem se manifestando tanto, e sobre tantos assuntos, o silêncio da ala militar é ensurdecedor nesse tema.

Temos, portanto, um cenário dúbio, mas complementar. Por um lado, o partido fardado circunda a Presidência, vendendo-se como polo racional e como alternativa aceitável num eventual impeachment de Bolsonaro. Por outro, permanecem no governo pelo cálculo de que Bolsonaro possui os votos que eles não tem para a condução de um projeto com o qual mais concordam que discordam. As cicatrizes e o ônus adquirido com o golpe de 64 fez com agissem sorrateiramente. Hoje, a atuação partidarizada é levada a cabo em paralelo o um esforço discursivo de separação institucional entre governo e FFAA. Nesse processo, revezam-se em carcereiros e prisioneiros.

Por fim, é absurdo que em meio a uma pandemia, com milhares de mortos no mundo inteiro e o crescimento rápido dos índices de óbitos no Brasil, superando o número de brasileiros mortos na Segunda Guerra, essa seja a nossa preocupação. Esperamos, com a esperança dos pessimistas, que o governo Bolsonaro seja findado e que a democracia se imponha antes de chegarmos no fundo do abismo.

 

Créditos da imagem: Marcos Corrêa/PR. Solenidade de transmissão do cargo de Comandante Militar do Sul. Porto Alegre- RS, 30/04/2020.