No dia 6 de dezembro de 2017, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou mais uma mudança polêmica de seu governo: o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e, consequentemente, a mudança da embaixada estadunidense de Tel Aviv para Jerusalém. A mudança não foi bem recebida por grande parte da comunidade internacional, chegando a ser considerada nula pela Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 21 de dezembro. A União Europeia também se pronunciou afirmando que nenhum dos seus membros iria transferir sua embaixada para Jerusalém. No entanto, logo após o anúncio do governo estadunidense, Guatemala e Paraguai decidiram seguir os Estados Unidos e foram, respectivamente, o segundo e terceiro país a anunciar a transferência de embaixada.
Em relação ao Paraguai, já em abril, o presidente paraguaio, Horácio Cartes, anunciou a intenção de mudar a embaixada paraguaia em Israel de Tel Aviv a Jerusalém, sendo oficialmente confirmado no dia 7 de maio pelo chefe da missão diplomática do Estado de Israel, Zeev Harel. Para Harel, essa mudança significa um grande sinal de reconhecimento por parte do governo paraguaio que Jerusalém é a capital de Israel. Ademais, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Emmanuel Nahshon, ratificou essa decisão do presidente Horácio Cartes como um dos últimos gestos políticos antes do término do seu mandato.
No entanto, essa mudança não foi bem recebida tanto externamente quanto internamente. Externamente, a comunidade palestina proferiu duras críticas ao Paraguai. O líder da Frente para a Libertação Palestina, Wasel Abu Youssef, afirmou que essa decisão vai contra as leis do Direito Internacional e incentiva a ocupação israelense no território. Ademais, o presidente palestino, Mahmud Abas, em reunião na Venezuela com Nicolás Maduro, pediu que os países latino-americanos não transferissem sua embaixada, e reafirmou que a decisão do presidente Horácio Cartes feriu as leis do Direito Internacional. Internamente, essa resolução causou um mal-estar entre os membros do governo. No dia 9 de maio, o futuro ministro das Relações Exteriores, Luis Castiglioni, afirmou que Horácio Cartes rompeu com um equilíbrio nas relações diplomáticas com os palestinos, além de ter tomado essa decisão unilateralmente, sem consulta prévia ao recém presidente eleito, Mario Abdo Benítez, que assumirá o cargo logo mais em agosto. O ex ministro de Relações Exteriores do governo Fernando Lugo (2008-2012), Hector Lacognata, foi ainda mais duro, afirmando que essa decisão foi uma demonstração de um alto nível de irresponsabilidade e alienação à política exterior dos Estados Unidos. Por fim, após essa série de declarações, no dia 16 de maio, o presidente eleito, Mario Abdo, resolveu se pronunciar a respeito e deixou claro que analisará essa decisão com cuidado e não descartou a possibilidade de rever a transferência de embaixada.
Apesar da decisão de Horácio Cartes ter sido tomada como surpresa para muitos, não é a primeira vez que o Paraguai surpreende por aderir a decisões dos Estados Unidos em detrimento da maioria dos países, principalmente os sul-americanos. Historicamente, as relações Paraguai-Estados Unidos foram marcadas por um alto grau de dependência deste primeiro com o segundo. Na época da Guerra Fria, quando o Paraguai estava sendo governado pelo ditador Alfredo Stroessner (1954-1989), os Estados Unidos se tornaram os maiores parceiros políticos do país sul-americano, que tornou-se o terceiro maior beneficiário de dinheiro estadunidense. Esse alto grau de investimento está vinculado ao fato do Paraguai ter sido um dos primeiros países a aderir a Doutrina de Segurança Nacional, cujo objetivo era o combate ao comunismo. Assim, o Paraguai recebia o apoio estadunidense na área de Defesa e Segurança e em troca recebia investimentos econômicos. Dessa maneira, surge um doutrinamento e a criação de uma ideologia militar responsável pela prevalência de preceitos estadunidenses até o atual momento. Essa alienação com as políticas estadunidenses também tem ligação com o próprio partido de Horácio Cartes, o Partido Colorado, que comanda o país desde a época de Stroessner. Esse partido, constituído em sua maioria por membros da elite conservadora, é responsável pela manutenção de uma agenda política vinculada aos Estados Unidos.
O que chama atenção no caso da transferência de embaixada é que mesmo sendo do Partido Colorado, Horácio Cartes enfrenta duras críticas de setores do próprio partido além da oposição. Para muitos, essa rápida decisão não está vinculada somente a relação do Paraguai com os Estados Unidos, como também a relações pessoais do próprio Horácio Cartes. Cartes é amigo pessoal de Dario Messer, conhecido como o “doleiro dos doleiros”, alvo de investigação da Operação Lava-Jato no Brasil. Em 2016, Horácio Cartes tornou-se o primeiro presidente paraguaio a visitar Israel acompanhado de Messer, este que tem família com origem judia e possui importantes vínculos com poderosos grupos judeus. A partir disso, criou-se uma desconfiança que Horácio Cartes foi movido por interesses pessoais do próprio Messer, pessoa que considera como um “segundo pai”.
Independente do verdadeiro motivo da decisão do presidente Horácio Cartes, seja ela por um alinhamento histórico aos Estados Unidos ou por motivos pessoais, resta-nos acompanhar os próximos passos do governo para saber se de fato essa transferência será concretizada e como ficarão daqui para frente as relações com os palestinos, que há anos são pacíficas.
Joana Andrade é mestranda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
.Imagem: Cartes encontra-se com Netanyahu em 2017. Por: Agencia de Información Paraguaya.