No dia 15 de fevereiro, o Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, esteve nos Estados Unidos para a primeira visita oficial ao novo presidente estadunidense, Donald Trump. A coletiva de imprensa conjunta deixou um sentimento de confusão, que foi reforçado pelas contraditórias conclusões de vários meios de comunicação. Algumas manchetes declararam que Trump acabara de romper com "décadas de política dos EUA" por supostamente "abandonar a solução de dois Estados". Outros focaram em quão fortemente Trump enfatizou seu desejo de ver um acordo de paz no Oriente Médio, ao ponto de dizer diretamente a Netanyahu que Israel terá que fazer compromissos e mostrar flexibilidade.
O presidente americano não mencionou a solução de dois Estados em suas declarações, em vez disso, falou apenas em termos gerais sobre um acordo de paz que exigirá "flexibilidade" e "compromissos" de ambos os lados. Quando questionado especificamente sobre a solução de dois Estados, Trump disse que não descarta qualquer opção, um Estado, dois Estados ou qualquer outra coisa, desde que seja aceito por ambas as partes, Israel e os palestinos. Esta resposta estava de acordo com o que diferentes funcionários da administração disseram recentemente, que Trump quer um acordo de paz, e deixaria os dois lados determinarem seus "termos".
Trump também afirmou a Netanyahu que Israel teria que "se segurar um pouco" sobre os assentamentos, o que implica que ele percebe que há uma dimensão territorial para o conflito entre Israel e Palestina. Seu tom e palavras sobre os assentamentos não foram tão duros quanto os de seu antecessor, Barack Obama, mas ele também deixou claro que aqueles em Israel que poderiam ter esperado carta branca de Trump no estabelecimento de assentamentos, provavelmente serão decepcionados.
Em Israel, alguns políticos de direita abertamente celebraram as palavras de Trump, e interpretaram como um atestado de morte oficial da resolução de dois Estados. Outros, no entanto, viram a frase como simplesmente uma afirmação de que os termos do acordo de paz terão de ser negociados por ambas as partes e os Estados Unidos não irão impor condições sobre as partes. Deve-se notar que o primeiro presidente estadunidense a endossar formalmente uma resolução de dois Estados foi George W. Bush, que o fez somente no ano de 2001.
Trump não se opõe, necessariamente, a uma resolução de dois Estados. O ponto importante do seu ponto de vista é um acordo que ambos os lados possam aceitar. Até agora, depois de décadas de negociações, nenhuma outra fórmula foi aceita pelos palestinos.
Trump mencionou uma série de ideias na coletiva de imprensa. Em primeiro lugar, ele afirmou o óbvio, que ambos os lados terão que fazer concessões e mostrar flexibilidade. Em relação a Israel, mencionou a suspensão da construção dos assentamentos. Com relação aos palestinos, sua linguagem foi mais forte, enfatizou que precisam parar de incitar Israel, inclusive em suas escolas. Trump falou sobre "parar o ódio" contra israelenses e judeus. Além disso, afirmou que queria conseguir um acordo de paz regional com o envolvimento de outros países árabes.
Uma declaração importante de Donald Trump, que não recebeu muita atenção da mídia, foi que acreditava que um acordo regional permitiria que Israel "mostrasse mais flexibilidade" do que mostrou no passado. Esta citação realmente se encaixa com tentativas de administrações anteriores dos EUA, de Clinton a Obama, para envolver o mundo árabe em negociações de paz, de modo que Israel receba maiores benefícios diplomáticos, econômicos e de segurança por quaisquer compromissos territoriais que ele fizer. Trump não é o primeiro presidente dos EUA a adotar essa linha de pensamento, mas ainda pode ser o primeiro a fazê-lo realmente funcionar.
Ao contrário de Trump, Netanyahu foi mais claro em suas declarações e deu um grande passo para rejeição da resolução de dois Estados. Netanyahu afirmou que, em sua visão de um acordo de paz, Israel terá que manter o controle sobre toda a terra a oeste do rio Jordão. O que isto significa, de fato, é que o futuro Estado palestino permanecerá sob controle israelense.No passado, Netanyahu insistiu publicamente em duas condições para a paz: o reconhecimento palestino de Israel como um estado judeu e que o Estado palestino será desmilitarizado, não podendo atacar Israel militarmente. O primeiro-ministro também exigiu nas últimas negociações que Israel possa manter uma presença militar no Vale do Jordão, a área que separa os principais centros populacionais palestinos na Cisjordânia da Jordânia.
Netanyahu também ressaltou que ele e o presidente palestino, Mahmoud Abbas, não concordaram com uma resolução de dois Estados. De fato, provavelmente nenhum líder palestino concordará com um Estado palestino sob controle militar israelense. Este ponto de discordância foi uma das principais razões pelas quais a tentativa de John Kerry por um acordo de paz falhou em 2014. Resta ver como Trump vai lidar com isso.
O júbilo da direita israelense certamente serve as necessidades políticas de curto prazo de Netanyahu, e não há dúvida de que, mesmo a partir de uma perspectiva de centro-esquerda, as palavras de Trump eram música para os ouvidos de Netanyahu quando comparadas com algumas das que o Presidente Obama lhe havia dito nos últimos oito anos.
Se Israel tiver que escolher entre dois Estados ou um Estado, provavelmente ainda escolheria a primeira opção e não se tornaria um Estado binacional, onde quase metade da população está abaixo da linha de pobreza. Trump disse que estaria bem com tal realidade, mas Netanyahu provavelmente não. Isso deixa um fardo para ele oferecer outras ideias e tentar convencer Trump de que elas podem ser aceitas pelos palestinos e pelo mundo árabe.
Karina Stange Calandrin é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.
Imagem: U.S. and Israeli flags are flown in preparation for a media event during Austere Challenge 2012 in Israel Oct. 24, 2012. By: Maj Stephanie Addison.
Vídeo: Joint Press Conference w/ Prime Minister Netanyahu. Por: The White House.