Murilo Motta*
Os drones são dispositivos de vigilância aérea, isto é, câmeras voadoras mobilizadas estrategicamente para coletar dados a partir do alto – que, em alguns casos, podem ser armadas com mísseis. Conforme Fernanda Bruno, a vigilância pode ser definida como “a observação sistemática e focalizada de indivíduos, populações ou informações relativas a eles, tendo em vista produzir conhecimento e intervir sobre os mesmos, de modo a conduzir suas condutas”. A vigilância permanente instaurada pela presença constante desses “olhos no céu” permite a coleta de diversos tipos de dados, que podem ser mobilizados em prol de estratégias de controle à distância sobre as populações que são seus alvos.
Desde 2010, a FAB emprega drones militares fabricados por empresas israelenses. Atualmente, quatro drones do modelo Hermes 450 (designado RQ 450 ao ser incorporado pela FAB) e um do modelo Hermes 900 (RQ 900), ambos fabricados pela Elbit Systems, são operados pelo Primeiro Esquadrão do Décimo Segundo Grupo de Aviação (1º/12º GAV), o Esquadrão Hórus, situado na base aérea de Santa Maria (RS). Além deles, dois Heron I (RQ 1150), fabricados pela Israel Aeroespace Industries (IAI), são operados desde 2020 pelo Esquadrão Orungan (1º/7º GAV), situado na base aérea de Santa Cruz (RJ).
Cabe ponderar as possíveis implicações da incorporação dos drones militares importados de Israel pela FAB, uma vez que podem ser estabelecidas conexões entre a ocupação dos Territórios Palestinos por Israel e a ocupação de favelas cariocas por Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP), a partir de 2008, e por Forças de Pacificação, entre 2010 e 2015. Além disso, as Forças Armadas brasileiras têm atuado crescentemente em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), tanto em territórios urbanos, notadamente no Rio de Janeiro, quanto em terras indígenas na região Norte do país, como na Operação Samaúma (2021).
Entre 2016 e 2020, Israel foi responsável por 3% do comércio global de armas, sendo o 8° maior exportador de armas do planeta. As empresas produtoras dos drones empregados pela FAB se destacam nesse mercado: a Elbit Systems é a maior empresa privada de armamentos de Israel, enquanto a IAI é a maior empresa estatal do setor.
A indústria de segurança israelense se desenvolveu simultaneamente aos conflitos com seus vizinhos árabes e às tentativas de ocupação dos Territórios Palestinos. Nas últimas décadas, o país se tornou um grande exportador de tecnologias militares, como os drones, notadamente desenvolvidas com base em suas experiências no controle e vigilância constantes sobre populações enquadradas como “ameaças à ordem social” nos Territórios Palestinos.
A “ocupação aérea” dos Territórios Palestinos por aviões, helicópteros e drones é crucial na ocupação colonial contemporânea da Palestina, já que a maior parte do policiamento é feita a partir do ar, através da mobilização dos sensores a bordo de veículos aéreos não tripulados, por exemplo. Nos Territórios Palestinos, a vigilância constante visa uma “condução de condutas” que objetiva subordinar a população palestina para que Israel possa explorar sua mão de obra e os recursos naturais dos Territórios da forma mais rentável possível.
No Brasil, os drones militares israelenses foram originalmente incorporados pela Força Aérea Brasileira (FAB) para integrar sua divisão de Aviação de Reconhecimento, que é responsável por fornecer dados para o Sistema de Inteligência das Forças Armadas. As principais justificativas para sua importação foram seus menores custos e sua maior versatilidade em relação a aeronaves tradicionais. Segundo estimativas de 2010, uma hora de voo de um drone custaria apenas um décimo do que custa uma hora de voo de uma aeronave tripulada. À época, representantes das Forças Armadas ressaltaram que os drones poderiam ser empregados tanto para fins militares, em missões de reconhecimento, designação de alvos, busca e resgate, vigilância urbana, costeira e de fronteiras, quanto em operações de segurança pública, de controle do desmatamento e em operações de defesa civil.
De fato, o emprego de drones pela FAB entre 2010 e 2022 aconteceu tanto em exercícios militares de simulação de conflitos, quanto em operações na faixa de fronteira e em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Nos exercícios de simulação de conflitos, seu emprego objetiva a captação de imagens que auxiliam no planejamento das missões, permitindo um melhor direcionamento das ações militares. Na faixa de fronteira terrestre, esse emprego acontece no contexto das operações Ágata, visando a coleta de informações com o objetivo de combater o narcotráfico e outros ilícitos transfronteiriços. Nas operações de GLO, os drones foram empregados na segurança de grandes eventos, no controle do desmatamento e em operações de ocupação em favelas cariocas, por exemplo.
É importante que a sociedade civil esteja atenta e seja crítica às formas de emprego desses drones, uma vez que eles foram desenvolvidos para emprego em contextos militares, mas são crescentemente empregados pela FAB dentro das fronteiras nacionais, o que contribui para borrar os limites entre a defesa nacional e a segurança interna, podendo levar ao uso de equipamentos inadequados, à ineficácia de resultados e até mesmo à violação de direitos civis.
Imagem: Ilustração do conceito de drone militar. Por Freepik.
Murilo Motta é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/Pucsp), bolsista CAPES (PROCAD-DEFESA) e membro da Rede de Pesquisa em Autonomia Estratégica, Tecnologia & Defesa (PAET&D)
Este ensaio é um resumo do artigo “Olhos no céu: a incorporação de veículos aéreos não tripulados israelenses pela Força Aérea Brasileira” publicado pela Revista Hoplos, v. 6, n. 11, 2022. A versão completa está disponível no site da revista.