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Primeiro como farsa, depois como tragédia: Crimeia, Ucrânia e as novas regiões anexadas pela Rússia

Danielle Amaral Makio*

Era março de 2014 quando Vladimir Putin, em seu segundo mandato presidencial, assinava o documento que reconhecia a anexação da península da Crimeia à Federação Russa. Oito anos mais tarde, a Ucrânia voltaria a ter parte de seu território integrado ao estado russo por decisão do Kremlin. O documento que reconhece as regiões de Kherson, da Zaporizhia e das Repúblicas Populares do Donbass, Donetsk (DNR) Luhansk (LNR), como parte da Rússia foi assinado em 29 de setembro de 2022, logo após a realização de referendos que sondaram o desejo das populações locais de serem anexadas. Segundo os resultados divulgados, respectivamente 87,05%, 93,11%, 99,23% e 98,42% dos habitantes de cada local apoiam a anexação. Apesar de terem contado com supostos observadores, as consultas populares, bem como a decisão pela violação da integridade territorial ucraniana, não conta com amplo reconhecimento internacional. Até mesmo a China, parceiro importante do governo russo, demonstrou cautela ao tratar do ocorrido, abstendo-se de abertamente condenar ou reconhecer a atitude de Putin. A decisão de Moscou acontece a despeito das afirmações feitas pelo Kremlin em 2014 e 2015, as quais garantem que a anexação da Crimeia não seria seguida por novas tomadas de território ucraniano pela Rússia. Nesse contexto, a nova onda de anexações levanta alguns questionamentos acerca de suas semelhanças em relação ao ocorrido em 2014, de suas motivações e de sua legitimidade.

Regiões anexadas pela Rússia, por SyntaxTerror/Wikimedia Commons.

De início, é preciso salientar que há diferenças e semelhanças fundamentais entre o contexto da Crimeia e das quatro regiões recentemente anexadas. O contexto político da primeira à época de sua anexação era razoavelmente distinto daquele que vemos nas outras. A península crimeia, em virtude de seu processo de formação populacional e política, passou por diversos períodos históricos nos quais seu pertencimento à Rússia ou Ucrânia foi contestado até chegar à situação em que gozava de relativa autonomia administrativa em relação a Kyiv. Tal “independência” era reconhecida pelas autoridades ucranianas e não tinha seu status contestado como o que ocorria em regiões do Donbass, desde 2014, quando coalizões irredentistas tomaram o poder em certas províncias e instalaram regimes próprios. Dessa forma, a península mantinha certo distanciamento, ainda que limitado, das decisões políticas da capital. É por conta destes dispositivos que, entre outros exemplos, a Crimeia foi capaz de criar diretrizes particulares acerca de algumas políticas linguísticas e educacionais.

Outro ponto de afastamento importante entre os locais aqui analisados são as vantagens estratégicas oferecidas por cada um. Ainda que Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Luhansk favoreçam Moscou na medida em que lhe oferecem maior presença nos mares de Azov e Negro e conectem a Rússia à Crimeia por terra, esta conta com atrativos únicos. Entre estes, destacamos (i) o acesso privilegiado ao Mar Negro, uma vez que a península se localiza em região muito propícia à navegação, é próxima de jazidas de hidrocarbonetos e tem boa estrutura portuária; e (ii) a presença da base naval de Sevastopol, onde se localiza o principal destacamento da Marinha russa. Para além das vantagens geopolíticas representadas pelo entreposto militar, Sevastopol é também importante para o Kremlin do ponto de vista afetivo e discursivo. Conhecida como a “cidade da glória”, o local é usualmente usado para invocar os avanços tecnológicos e militares que garantiram a grandeza do Império Russo, narrativa muito mobilizada por Vladimir Putin em sua política de grande potência.

Entre as semelhanças observadas entre a anexação das cinco regiões aqui mencionadas, podemos destacar (i) os fortes traços de russofonia e de aproximação a símbolos étnicos e culturais da Rússia; (ii) a queda nos níveis de aprovação popular em relação a Vladimir Putin, que também passava por um período de baixa popularidade às vésperas da incursão sobre a Crimeia; e (iii) a contestação da veracidade dos referendos realizados. Apesar de ter uma estrutura administrativa que permitia maior “alinhamento” à política russa, a Crimeia contou com um processo de consulta popular que, dada a ampla presença de militares russos e a rapidez com que se deu, levantou suspeitas acerca da legitimidade de seu resultado. Da mesma maneira, a ausência de cabines de votação e a intensa participação do Exército russo durante as votações nas regiões de Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Luhansk sugerem limites ao livre-arbítrio dos votantes.

Além desse contexto que torna a legitimidade dos referendos questionável, ainda deve-se considerar que, nos locais recentemente anexados, houve uma intensa onda de emigração de cidadãos e cidadãs que, podemos supor, eram em sua maioria opostos à integração à Rússia. Tal inferência é corroborada pelo resultado de pesquisas feitas antes mesmo do início da “incursão militar russa sobre a Ucrânia”, segundo as quais 80% e 90% da população de Kherson e Zaporizhia, respectivamente, era contrária à anexação. Os dados sugerem que, apesar de serem parte de uma região historicamente mais afeita a uma postura pró-Rússia, parte considerável da população local não estava disposta a renunciar à Ucrânia. Nesse contexto, na tentativa de garantir apoio irrestrito à secessão e subsequente união à Federação Russa, esta vem oferecendo uma série de benefícios aos locais, como acesso a passaporte russo, assistência social e médica, entre outros. Estas medidas, quando somadas a outras como adoção do rublo, veiculação de mídias russas e mudanças nas políticas educacionais das regiões, sugerem a estruturação de um projeto de dominação que se debruça sobre o estabelecimento de uma presença moscovita plena nos âmbitos militar, civil, burocrático e afetivo.

Apesar da legitimidade contestável do ocorrido, Vladimir Putin reiterou, à semelhança do ocorrido em 2014, que a Rússia está agindo em prol da defesa do direito de autodeterminação dos povos. A postura oficial do Kremlin se baseia em um entendimento do processo de formação estatal que julga ser a Ucrânia, sobretudo suas porções leste e sudeste – tradicionalmente mais afeitas a características etnolinguísticas tipicamente russas -, parte indissociável do estado russo. Na esteira desta narrativa, notamos também a centralidade do conceito de política externa do país, segundo o qual é dever deste proteger os povos russos e/ou russófonos, entre os quais se enquadram aqueles que habitam as regiões recém anexadas. Estas pessoas, no atual contexto de guerra que se estende desde fevereiro, estariam sob a ameaça de um governo ucraniano que persegue e intimida vida das minorias étnicas russas no país. O teor discursivo desta justificativa tem relação com a própria identidade que vem sendo promovida por Moscou sobretudo desde 2012, momento em que o Kremlin assevera sua busca por lugar de destaque na política internacional e fortalece discursos que legitimam a superioridade russa e seu dever cívico de proteger seu povo e seu Estado.

As motivações russas em relação às províncias de Kherson e Zaporizhia e às Repúblicas de Donetsk e Luhansk, porém, vão além do desejo de proteger a população. Após sofrer importantes reveses em fronts localizados na porção leste e centro-leste da Ucrânia, Moscou se vê encurralada por duas necessidades: de um lado, precisa garantir uma retomada da liderança militar do conflito, aumentando sua superioridade tática sobre a Ucrânia; do outro, precisa aumentar a moral do país perante a própria população russa, que já começa a demonstrar crescentes níveis de desaprovação das ações do governo em relação ao conflito. As anexações, nesse sentido, vêm em resposta a ambas as demandas.

Na medida em que fazem desses territórios parte da Rússia, abrem precedente para que qualquer ataque às províncias seja interpretado como um ataque ao próprio Estado russo, possibilitando, assim, uma declaração de guerra por parte do Kremlin – lembremos que, até o momento, a Rússia está oficialmente em uma “incursão militar especial”, não em guerra de fato, o que limita o número de efetivo militar que pode ser mobilizado pelo país e as armas que podem ser usadas. Uma declaração de guerra oficial, portanto, levaria ao uso total da capacidade militar de Moscou, possibilitando, inclusive, o uso de armamento nuclear. Ademais, como já mencionado, as anexações facilitam o estabelecimento de um corredor terrestre ligando Rússia à Crimeia, o que traz benefícios econômicos e militares à primeira. Do ponto de vista doméstico, a expectativa é que a união das províncias à Federação Russa aumente a aprovação do governo, seguindo os resultados positivos da guerra na Geórgia de 2008 e da anexação da Crimeia em 2014.

Os resultados de médio e longo prazo referentes aos recentes desdobramentos da guerra russo-ucraniana ainda são incertos. À semelhança do ocorrido em 2014, o Kremlin parece agir a partir de um cálculo que envolve interesses estratégicos, necessidade de garantir alta nos níveis de aprovação interna e desejo por tomar para si – ou retomar se considerarmos a visão do governo russo – regiões historicamente pertencentes ao Estado russo. Do complexo universo de razões que explicam os eventos aqui comentados, portanto, forma-se uma amálgama de identidade, afetos, memória, geopolítica e tentativa de sustentação de regime político. Nesse ínterim, ainda que Vladimir Putin tenha se declarado aberto a negociações, as recentes manobras de Moscou parecem afastá-lo de obter alguns de seus objetivos iniciais, como a desmilitarização da Ucrânia e a não adesão desta à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), de forma menos traumática.

 

Danielle Amaral Makio é mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e bolsista Erasmus Mundus no programa de mestrado internacional CEERES (Central and East European, Erausian and Russian Estudies). É também pesquisadora do Gedes e do Observatório de Conflitos.

Imagem em destaque: Putin em fevereiro de 2022, por Kremlin.ru, CC BY 4.0.

Imagem no corpo do texto: Regiões da Ucrânia anexadas pela Rússia. Por SyntaxTerror/Wikimedia Commons.

40 anos da primeira invasão israelense ao Líbano: consequências e lições

Karina Stange Calandrin*

Texto publicado originalmente no Estado de S. Paulo

 

Há 40 anos, especificamente em seis de junho de 1982, as forças armadas israelenses atravessaram sua fronteira norte e invadiram o Líbano. A operação militar, cunhada como “Paz para a Galiléia”, foi anunciada ao público como uma operação rápida que supostamente duraria  no máximo 48 horas, com o objetivo de expulsar as bases da Organização para Libertação da Palestina (OLP) que haviam se instalado no Líbano, próximo à fronteira com Israel. 

Todavia, a operação durou anos. As forças armadas israelenses se envolveram na guerra civil libanesa (1975-1990), enfrentaram o exército sírio que estava em solo libanês com o objetivo de levar a guerra civil a um cessar-fogo e entraram em combate com as forças paramilitares da OLP. Ainda, as tropas israelenses avançaram para além de Beirute, capital do Líbano, envolvendo palestinos, libaneses e sírios em batalhas. O que deveria ter sido uma operação de curta duração, com uma rápida vitória, acabou sendo a pior guerra de Israel até os dias atuais, contando com perdas materiais, humanas, políticas e econômicas não vistas antes pelo país. 

Passados 40 anos do início do conflito e olhando em perspectiva, quais as consequências da operação “Paz para a Galiléia”, não apenas imediatas, mas também contemporâneas?

Primeiro, parece que sua memória foi praticamente apagada da agenda nacional israelense. Quando a mídia local fala sobre o Líbano, ela tende a se concentrar em outros marcos: a Segunda Guerra do Líbano de 2006 e os anos de combate na zona de segurança, estabelecida na fronteira com Israel. Apesar de todos os eventos que sucederam a primeira invasão israelense ao Líbano – como a comissão de inquérito Kahan que levou a condenação do então Ministro da Defesa Ariel Sharon, os protestos que promoveram a queda do governo e a convocação de novas eleições, os massacres de Sabra e Chatila (1982), a criação do Hezbollah, entre outros -, a Primeira Guerra do Líbano nunca teve o mesmo lugar na consciência israelense que outros conflitos. Ainda hoje, gerações que não viveram a guerra de 1982 não a veem como uma derrota, ou até mesmo como uma operação que não atingiu os  seus objetivos propostos.

No entanto, em muitos aspectos, a guerra de junho de 1982 incutiu ideias e conceitos que ecoam nos debates militares israelenses atualmente. Foi a primeira guerra que despertou uma verdadeira controvérsia política em Israel, pois não só gerou uma reação da opinião pública que levou à queda do governo e o estabelecimento de uma comissão de inquérito, como também expôs as informações incorretas que estavam sendo utilizadas pelo governo israelense para legitimar a invasão. Uma das razões foi que a Primeira Guerra do Líbano foi noticiada amplamente pela mídia israelense e internacional, o que influenciou a opinião pública internacional e doméstica. Ademais, a guerra ilustrou para os israelenses problemas sérios no alto comando das Forças Armadas de Israel e do governo, como a noção de superioridade moral e invulnerabilidade.

Todos esses marcos estão conectados entre si. A falsa promessa que o Ministro da Defesa Ariel Sharon, em 1982, fez de limitar o avanço do exército a uma linha de 40 quilômetros da fronteira israelense foi dirigida mais ao público e seus colegas de gabinete no governo de Menachem Begin (1977-1983) do que à liderança da OLP. A enorme lacuna entre os discursos dos políticos e o que os soldados relataram quando voltaram para casa, gradualmente, fez com que a opinião pública israelense condenasse a guerra. 

Além de Israel, a invasão de 1982 ao Líbano levou ao envolvimento de outras potências na guerra civil libanesa, como Estados Unidos e a União Soviética, que acabaram por agravar a situação de segurança regional. Em resposta ao envolvimento israelense na guerra civil libanesa, um grupo paramilitar, que futuramente se tornaria também um partido político no Líbano, foi fundado: o Hezbollah. O grupo é visto por Israel como uma ameaça até hoje, tendo levado a mais uma invasão de Israel ao Líbano em 2006. Ainda hoje, o Hezbollah tensiona as relações com Israel, principalmente através de sua atuação na guerra civil síria (2011-presente). 

Dessa forma, a Primeira Guerra do Líbano é um conflito com importância ainda imensurável, tanto para a região em geral, quanto para Israel em particular. Vale destacar que Israel passou por mudanças políticas importantes, que levaram a um tensionamento ainda maior entre o partido Likud (de Menachem Begin) e o partido trabalhista que retornou ao poder em 1984, mudando inclusive as diretrizes das Forças Armadas em futuras operações. Ainda, mudou a dinâmica das potências no Oriente Médio, tanto as super potências, como Estados Unidos e União Soviética, quanto as potências regionais, como a Síria, e a inclusão de novos atores, como o Hezbollah. Logo, os efeitos dessa guerra ainda são percebidos hoje na conjuntura política do Oriente Médio e reverberam na política israelense.

* Karina Stange Calandrin é doutora em Relações Internacionais pelo PPG RI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), professora da Universidade de Sorocaba e pesquisadora do Observatório de Conflitos. Sua tese de doutorado discutiu o processo decisório em política externa israelense.

Imagem: foto aéra de Beirute, capital do Líbano. Por: Jo Kassis/Pexels.

As razões pelas quais a Rússia já perdeu a guerra da Ucrânia

Guilherme Cuter Rodel*

 

Uma das afirmações mais conhecidas e utilizadas nas Relações Internacionais é a máxima de Clausewitz: “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Desta declaração deve-se entender que o conflito armado é um meio utilizado para se alcançar objetivos políticos. 

Com relação à Guerra da Ucrânia, a despeito das declarações de Putin e de membros de seu governo sobre “desnazificar” a Ucrânia ou proteger minorias russas, podem ser depreendidos como objetivos que levaram a Rússia a invadir o país vizinho: alterar o governo ucraniano e fazer com que este Estado deixasse de ser um aliado dos países ocidentais; conquistar alguns novos territórios; desestabilizar e enfraquecer a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); impedir essa organização – e especialmente os Estados Unidos da América (EUA) – de se aproximar das fronteiras russas, talvez querendo até mesmo forçar a retirada de tropas e equipamentos da OTAN da Europa Oriental; e dissuadir outros países vizinhos – especialmente aqueles que faziam parte da União Soviética – de se aproximarem demais do Ocidente. 

Quando é dito, no título desse texto, que a Rússia já perdeu a guerra, eu quero dizer que, mesmo com o conflito ainda em andamento, os objetivos políticos russos já se encontram fora de alcance. Isto é afirmado, pois o oposto do pretendido pelo país euroasiático aconteceu após a invasão.

A começar pela OTAN, uma organização que estava, nos anos que antecederam 2022, em seu pior momento desde sua criação, em 1949. Após a presidência isolacionista e disruptiva de Donald Trump nos EUA e o Brexit no Reino Unido, as divergências entre os aliados ocidentais chegaram a tal ponto que Emmanuel Macron, presidente francês, declarou que a OTAN se encontrava em estado de “morte cerebral” em 2019. Porém, após a Rússia invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, os países-membros da OTAN apresentaram uma resposta unificada de oposição às ações do governo de Putin. Sanções foram anunciadas e uma grande quantidade de ajuda financeira e militar foi – e continua sendo – enviada para Kiev.

Este último ponto é especialmente importante, pois, antes do início das hostilidades, armamentos ocidentais serem alocados próximo das fronteiras russas era algo extremamente sensível para Moscou e considerado “inaceitável”. Os russos afirmavam que um dos motivos de sua invasão era exatamente se sentirem ameaçados pela maior presença militar estadunidense na Ucrânia e pelo potencial de mísseis, incluindo aqueles com capacidades nucleares, serem instalados no país vizinho. Todavia, como já foi dito, o número de armas ocidentais presentes na Ucrânia aumentou exponencialmente desde que o conflito começou e provavelmente os equipamentos militares permanecerão no país mesmo depois que a guerra acabar.

Além disso, a OTAN foi revitalizada, adquirindo uma importância que havia sido perdida nos debates internos de cada país-membro e nos assuntos internacionais. Junto com isso, o apoio das populações dos membros ao bloco militar aumentou consideravelmente depois do início da guerra. Ademais, a aliança ganhou um motivo claro para sua existência: opor-se à Rússia e quaisquer medidas expansionistas deste país. Como estabelecido pelo novo conceito estratégico da organização, publicado no fim de junho, a Rússia passa a ser considerada a principal ameaça para a segurança da OTAN e de seus Estados-membros.

Com base nisso, os assinantes do Tratado do Atlântico Norte que fazem fronteira com a Rússia receberam ainda mais apoio da organização após o início da guerra. A presença de soldados permanentes do bloco nos países bálticos – Letônia, Lituânia e Estônia – aumentou consideravelmente e países como Romênia e Polônia ganharam novos equipamentos e mais tropas.

Outrossim, demais países e organizações ocidentais – com destaque para Alemanha e União Europeia – estão quebrando precedentes ao enviar armas para a Ucrânia e propor embargos ao petróleo russo e diminuição drástica da compra de gás da nação agressora. Estas medidas sobre cortar importações de fontes de energia da Rússia são relevantes pelo fato de tais produtos, tradicionalmente, servirem de instrumento geopolítico russo para utilizar contra governos europeus. Ou seja, os países ocidentais estão mais unidos e dispostos a confrontar a Rússia, com este Estado perdendo mecanismos de contrabalancear e pressionar as nações europeias.

Outra tendência que vai na direção contrária dos objetivos russos é de países vizinhos à Rússia se aproximarem de instituições ocidentais. Suécia e Finlândia abandonaram suas políticas tradicionais de neutralidade e pediram para aderir à OTAN. A organização, por sua parte, já estendeu oficialmente o convite para os países nórdicos se juntarem à aliança. Logo, ao invés da Rússia fazer com que a OTAN recuasse para mais longe do território russo e estabelecer para seus vizinhos que entrar na organização ocidental estaria fora de questão, o que houve foi uma expansão considerável das fronteiras divididas entre o bloco militar e o país euroasiático, além da perspectiva de a OTAN se fortalecer ainda mais com a entrada de dois membros com significativas capacidades militares.

Seguindo a tendência descrita no último parágrafo, Geórgia e Moldávia fizeram pedidos para entrar na União Europeia após o início da guerra. Ao segundo foi concedido status de candidato oficial a entrar no bloco, enquanto ao primeiro foi requisitado que fizesse algumas reformas internas para poder também ser considerado um candidato. Deve-se dizer que simplesmente receber o status de candidato não é tão impactante, já que o processo de adesão à União Europeia costuma ser bem longo e pode ser revertido com facilidade. 

Entretanto, o que é relevante é o fato de, após o início da guerra na Ucrânia, esses dois países ex-soviéticos buscaram se aproximar do Ocidente. Ambos fazem parte de uma área que Moscou considera sua zona de influência e têm, atualmente, tropas russas ocupando partes de seus territórios, resquícios de intervenções militares. Logo, nessas condições, é notável que Geórgia e Moldávia tenham adotado a decisão de tentar entrar na União Europeia após a Rússia invadir a Ucrânia, assim buscando se aproximar do Ocidente, em contrariedade aos desejos russos.

No que se refere à situação da Ucrânia, na data em que este artigo é escrito parece certo que a Rússia conseguirá conquistar toda a região do Donbas. Com isto, as repúblicas separatistas ucranianas de Donetsk e de Luhansk se expandirão e, possivelmente, serão anexadas à Rússia. Apesar dessa conquista de território, deve ser destacado que os ataques russos contra as principais cidades ucranianas – Kiev e Kharkiv – fracassaram. Desse modo, no atual momento, a conquista total da Ucrânia parece estar fora de alcance, fazendo com que os objetivos russos de derrubar o governo de Volodymyr Zelensky e forçar Kiev a abandonar sua política externa pró-Ocidente não sejam mais realizáveis.

A Ucrânia, então, deve seguir uma política externa ainda mais pró-Ocidente e contra a Rússia do que já vinha fazendo antes de 2022. Além de ter recebido uma gigantesca quantidade de armamentos ocidentais e outros recursos para combater a guerra, o país fez o pedido para aderir a União Europeia – já tendo obtido status de candidato oficial – e esta mesma organização já se propôs a arcar com grande parte do custo para a reconstrução da Ucrânia. Logo, tal nação, mesmo que enfraquecida por todos os danos do conflito e por perdas territoriais, deve se consolidar como uma grande aliada dos países ocidentais.

Dado todo o exposto, conclui-se que a Guerra da Ucrânia já pode ser considerada um fracasso para o país agressor, a despeito da luta ainda não ter acabado. Eu defendo esse ponto de vista, pois, mesmo que seja impossível determinar com precisão tudo que a Rússia visava ganhar ao invadir o país vizinho, está claro que os objetivos políticos mais importantes já estão fora de alcance. Mais do que isso, em alguns aspectos o contrário do pretendido pelo país euroasiático aconteceu, como por exemplo a OTAN adicionar membros e se revitalizar ao invés de ser desestabilizada e enfraquecida. 

No final, a única coisa que a Rússia deve conquistar é um pouco mais de território ucraniano. Isto, apesar de fortalecer tanto a posição russa na Crimeia quanto as repúblicas separatistas ucranianas, ainda está muito aquém do esperado pelo país agressor, ao ponto de poder ser afirmado que tais conquistas não conseguem compensar pelo alto número de perdas russas – seja em termos de vidas, equipamentos, geopolítica ou até econômicas, visto as sanções e embargos ocidentais – e que a guerra, no final das contas, não deve ser considerada um sucesso para o país euroasiático.

* Guilherme Cuter Rodel é graduando do curso de Relações Internacionais na PUC-SP.

Imagem: Fotos de Bucha, na Ucrânia. Por: AP Photo/Felipe Dana/Flickr.

Onde estão as mulheres no conflito Ucrânia-Rússia? Exercendo uma curiosidade feminista na análise das Relações Internacionais

 Gabriela Aparecida de Oliveira*

Danielle Amaral Makio**

Helena Salim de Castro***

 

Desde o dia 24 de fevereiro, a Ucrânia tem sofrido com ataques russos a seu território e população. Motivações geopolíticas, econômicas, ideológicas e identitárias se entrelaçam criando um cenário complexo e incerto, cujos efeitos têm sido sentidos sobretudo pela população civil ucraniana. Até o momento de publicação deste texto, o observatório Global Conflict Tracker do Council on Foreign Relations contabilizava 2.685 vítimas civis do conflito, além de mais de 4,1 milhões de refugiados – em sua grande maioria mulheres e crianças, uma vez que homens entre 18 e 60 anos foram proibidos de deixar o país.

A maior vulnerabilidade de mulheres e crianças em cenários de guerra está longe de ser uma novidade. Ao olhar o conflito Rússia-Ucrânia a partir de uma lente feminista, é possível, entretanto, identificar os fatores políticos e econômicos que levam a uma maior exposição desse grupo a violências, além de identificar outros papéis que as mulheres ucranianas vêm desempenhando, voluntária ou involuntariamente, na guerra. Nesse sentido, nossa análise se guia por meio de uma pergunta que parece, em um primeiro momento, despretensiosa: onde estão as mulheres na guerra russo-ucraniana?

Como sugere Cynthia Enloe (2014), refletir sobre os lugares ocupados pelas mulheres na política internacional nos leva a uma análise mais precisa de vários fenômenos, tais como a guerra. Há uma literatura (ELSHTAIN, 1995; COHN, 2013; GOLDSTEIN, 2001) que se propõe a discutir os papéis desempenhados pelas mulheres nas guerras modernas e contemporâneas, em resposta às abordagens tradicionais que reduzem a guerra a uma atividade essencialmente masculina. Elshtain (2009) diz que muito do nosso imaginário sobre mulheres, homens e guerra encontra-se moldado por dois arquétipos: o das “belas almas” e a dos “guerreiros justos”. O primeiro, associado às mulheres, exalta sua suposta natureza não-beligerante e sua necessidade de ser protegida; ao passo que o segundo se refere aos homens, seres “naturalmente” propensos à guerra. Embora, em termos históricos, a maioria das mulheres tenha de fato se mantido longe dos campos de batalha, elas atuaram de outras formas, que têm sido recuperadas por meio de uma análise de suas memórias e testemunhos.

As narrativas sobre as mulheres e a guerra se desenvolveram ao ponto de incluírem mulheres soldado, pacificadoras e ativistas pelos direitos humanos, resultado dos esforços feministas[1] para preencher esses silêncios. Entretanto, na academia e em meios midiáticos, ainda predomina uma sub-representação feminina quando o assunto é a guerra. A mídia hegemônica e seus analistas de política internacional, muitos deles homens brancos privilegiados dentro da geopolítica do conhecimento[2], tendem a priorizar discussões acerca das batalhas e das negociações entre os governos envolvidos nos conflitos. Com a guerra entre Rússia e Ucrânia não é diferente: as vozes femininas constituem menos de um quarto (23%) do total de especialistas, protagonistas ou fontes citadas nas notícias digitais globais. Um dos motivos para que as mulheres – principalmente aquelas que se autodeclaram feministas – sejam deixadas de lado é que elas supostamente representam interesses específicos e pouco relevantes para compreender o “quadro geral” das guerras (ENLOE, 2014).

No entanto, conforme analisa Enloe (2014, p. 6), temos muito a ganhar ao exercer uma “curiosidade de gênero” sobre a política internacional, pois é por meio dela que podemos “descobrir exatamente como este mundo opera”. E essa “descoberta” só se torna possível na medida em que investigamos o poder: quais são suas formas, quem o exerce e como alguns exercícios de poder foram camuflados ao ponto de não se parecerem com o poder” (ENLOE, 2014, pp. 8-9). Nesse sentido, uma pergunta a se fazer é: quais narrativas sobre o conflito russo-ucraniano têm ganhado legitimidade e destaque na mídia?

Em entrevista recente para o Stance Podcast em que são abordadas narrativas marginalizadas sobre o conflito Rússia-Ucrânia, Enloe (2022) diz que no início de toda guerra há uma tendência em se classificar os envolvidos nas categorias de combatente, vítima ou vilão, em uma tentativa de simplificar a realidade. Dado isso, ela identifica duas representações sobre as mulheres ucranianas que têm predominado na mídia hegemônica e ocidental: a de vítimas e a de combatentes. São categorizações simplistas que impedem uma compreensão mais ampla acerca da atuação destas mulheres e que perdem de vista o fato de muitos papéis coexistirem entre si – como no caso de mulheres combatentes que foram vítimas de abusos sexuais perpetrados por seus próprios colegas.

A imagem das mulheres como vítimas é facilmente difundida, pois elas – juntamente com as crianças – são, de fato, as mais afetadas em contextos de guerra. No caso do conflito entre Rússia e Ucrânia, desde o início dos ataques russos, a ONU Mulheres alerta para uma escalada de violência contra esse grupo. Segundo a Agência, mulheres e meninas têm vivenciado diversas formas de violência ao saírem ou permanecerem no país. Existem histórias de violações dirigidas a mulheres mais velhas, que encontraram dificuldade em deixar a Ucrânia ou que optaram deliberadamente por se manterem no país. Ademais, grupos ucranianos de direitos humanos têm denunciado que tropas russas estariam utilizando do estupro de mulheres como “arma de guerra”, e grupos feministas têm explicitado o caráter misógino de discursos de Vladmir Putin a respeito da Ucrânia, os quais estariam reproduzindo a “cultura do estupro”.

A discussão do estupro como arma de guerra[3] impulsiona análises sobre o emprego simbólico-étnico da violência sexual. Esse tipo de violação, dirigido majoritariamente às mulheres, serviria como uma forma, direta e indireta, de subjugar e humilhar determinados grupos sociais, culturais e/ou étnicos. A violência contra as mulheres, assim, além de afetá-las individualmente, gera impactos nas comunidades como um todo, influindo sobre sua coesão social, segurança e resiliência.

No entanto, como ressalta Meger (2016), a perpetração de práticas de violência sexual e outras violências baseadas em gênero muitas vezes está vinculada a dinâmicas e interesses político-econômicos – a uma economia política que ronda o conflito. No caso aqui analisado, nos chamam atenção as denúncias de que mulheres e crianças que cruzam as fronteiras em busca de refúgio estariam vulneráveis a abusos e a serem vítimas de tráfico. Algumas denúncias apontam para casos de mulheres abordadas por grupos criminosos envolvidos com o tráfico de pessoas. Eles tentam aliciá-las para a prostituição ou para trabalhos forçados através de um discurso em que prometem abrigo e segurança, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade de seus alvos para obterem recursos econômicos. Defensores de direitos humanos, que estão trabalhando para que ucranianas e ucranianos se desloquem dos epicentros do conflito, têm relatado a atuação desses criminosos principalmente em estações de trem.

Outro exemplo que lança luz para essa “economia da violência” é o caso, denunciado em reportagem de uma revista feminista, da existência de uma “pornificação” da guerra. Imagens de violências sexuais contra mulheres e crianças traficadas são exibidas em websites mantidos por uma indústria pornográfica que tem lucrado com as visualizações. Nesse sentido, os casos de violência sexual devem ser investigados como práticas pertencentes a uma dinâmica político-econômica que conecta indivíduos e interesses transnacionais. É importante ressaltar que essas violências, por sua vez, não necessariamente acabam com o encerramento formal da guerra.

Em tempo, a segunda imagem das mulheres ucranianas que impera na mídia é a das combatentes. Elas representam cerca de 15% do efetivo militar do país, que tem um dos maiores exércitos da Europa. Milhares delas têm se alistado para participar da guerra incentivadas por discursos do presidente Volodymyr Zelensky. Nas duas primeiras semanas do conflito, várias imagens e vídeos de mulheres treinando para o combate e se opondo a soldados russos armados foram divulgadas nas redes sociais. No dia 15 de março, a CNN reportou que, depois de deixar seus pais e filhos na fronteira com a Polônia, algumas delas voltaram ao país para lutar. São comuns os relatos que exaltam a bravura, a independência e a determinação das ucranianas, vistas como um símbolo de resistência frente a uma Rússia opressora.

A narrativa sobre mulheres ucranianas extremamente independentes foi construída historicamente. Com base em fatores geográficos, tenta-se explicar o temperamento “distinto” destas mulheres no folclore do país. Assim, cria-se um discurso no qual é comum a figura da mulher solteira, quase sempre viúva, que pode sobreviver e prosperar sem um homem. Não obstante a repercussão “positiva” da imagem da mulher ucraniana combatente, ela continua sendo secundária. Como afirmou uma ucraniana à CNN, “as duas coisas mais importantes que uma mulher ucraniana precisa saber é como fazer borscht [sopa de beterraba] e coquetéis molotov”. Ou seja, ela ainda deve lidar com expectativas de gênero que a restringem a determinados papéis na guerra, tais como cozinhar e produzir explosivos para os homens, esses sim, vistos como “heróis” da nação. Se, por um lado, há mulheres que escolhem deliberadamente participar dos combates, outras têm encontrado dificuldades em se desvencilhar do serviço militar e sair do país: é o caso de mulheres trans que ainda não são reconhecidas legalmente pelo gênero feminino por causa de uma série de entraves burocráticos do governo que atrasam esse processo.

Para além da presença das mulheres em situações de vulnerabilidade e como combatentes no conflito, elas também estão trabalhando como voluntárias, serviço no qual são maioria, e agentes de fronteira, gerenciando o fluxo de pessoas e atuando na recepção dos refugiados – como ocorre na Moldávia. Da mesma maneira, muitas estão ainda dentro da Ucrânia prestando serviços humanitários como médicas e psicólogas, e nas linhas de frente dos confrontos para proteger os civis.

Ademais, as mulheres têm desempenhado um papel crucial para a denúncia de crimes de guerra à comunidade internacional e aos órgãos do governo ucraniano. Um coletivo de mais de 120 mulheres ucranianas chamado Dattalion, juntamente com mulheres não organizadas, têm tirado fotos e gravado vídeos das áreas de tensão para capturar execuções e bombardeios, divulgando as imagens em um banco de dados para amplo acesso. Na mesma linha, grupos feministas na Ucrânia, na Rússia, em Belarus e outros países têm feito campanhas anti-guerra nas ruas . Feministas russas auto-organizadas, além de pessoas LGBTQIA+, por exemplo, têm protestado através de pôsteres, performances e grafites em locais públicos, e usado o Telegram para mobilizar apoiadores. Contudo, elas têm sofrido represálias e sido detidas pelo governo russo. Segundo a Anistia Internacional, uma delas pode ficar na prisão por até dez anos somente por ter colocado cartazes com slogans anti-guerra em supermercados.

Por fim, outro papel pouco visível é o das mulheres voluntárias que costuram uniformes militares, redes que são usadas para camuflar o equipamento militar ucraniano nas imagens de satélite russas e capas verdes para cobrir snipers. Os pacotes com as encomendas são enviados a soldados ucranianos junto de doces e pó de café como uma forma de demonstrar seu apoio à “luta pela liberdade” do país. Assim, podemos identificar posicionamentos de mulheres que vão do “direito de lutar” – caso das combatentes ucranianas – à “abominação da guerra” – feministas antibelicistas -, sendo que ambos podem ser vistos como posicionamentos feministas. Apesar de parecer contraditório, há mulheres que podem sustentar essas duas posições ao mesmo tempo, como afirma Elshtain (1995).

Existem, portanto, diversas narrativas construídas sobre as mulheres, e homens, na guerra. Quando divulgadas pela grande mídia, elas são categorizadas como menos importantes e tendem a reproduzir estereótipos de gênero. A partir disso, nos perguntamos: Quem tem (re)produzido essas narrativas? E tendo em vista quais objetivos? O aprofundamento nessas questões, bem como em outras reflexões acerca dos diversos aspectos político-econômicos em torno da violência específica sobre as mulheres, como o estupro e o tráfico para a prostituição forçada, permite exercemos uma “curiosidade de gênero” sobre o conflito russo-ucraniano – e outros cenários de guerra e conflito armado. Essa “curiosidade” não tem um fim em si mesma, mas contribui para romper com os estereótipos sobre masculinidades e feminilidades e investigar os elementos que estruturam a violência. As mulheres estão nos diversos espaços e posições, sendo impactadas de formas particulares pela guerra. Assim, elas também devem ser chamadas para pensar nas possibilidades de encerramento dessa guerra e, principalmente, de enfrentamento das violências, que muitas vezes podem se prolongar mesmo após a paz acordada.

*Danielle Makio é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (Unesp, Unicamp, Puc-SP) e bolsista Erasmus Mundus no programa International Master in Central and East European, Russian and Eurasian Studies, na Universidade de Glasgow.

**Gabriela Aparecida Oliveira é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (Unesp, Unicamp, Puc-SP). Pesquisadora do Iaras – Núcleo de Estudos de Gênero do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Iaras-Gedes) e do Grupo de Pesquisa em Gênero e Relações Internacionais MaRIas do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).

***Helena Salim de Castro é doutora e mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, Puc-SP). Pesquisadora do Gedes, do Iaras-Gedes e do Núcleo de Estudos Transnacionais da Segurança (NETS).

Imagem: Ilustrações de mulheres. Por: UN Women.

Referências

COHN, Carol (Ed.). Women and wars: Contested histories, uncertain futures. John Wiley & Sons, 2013.

ELSHTAIN, Jean Bethke. On beautiful souls, just warriors and feminist consciousness. In: Women’s Studies International Forum. Pergamon, 1982. p. 341-348.

ELSHTAIN, Jean Bethke. Women and war. University of Chicago Press, 1995.

ENLOE, Cynthia. Bananas, beaches and bases. In: Bananas, Beaches and Bases. University of California Press, 2014.

GOLDSTEIN, Joshua S. War and gender: How gender shapes the war system and vice versa. Cambridge University Press, 2003.

MEGER, Sara. Rape Loot Pillage. The Political Economy of Sexual Violence in Armed Conflict. New York: Oxford University Press, 2016. ISBN: 9780190277666

MIGNOLO, Walter D. A geopolítica do conhecimento e a diferença colonial. Revista lusófona de educação, v. 48, n. 48, 2020. 

[1] O discurso feminista sobre a emancipação das mulheres inspirou, por exemplo, as últimas resoluções da Agenda Mulheres, Paz e Segurança das Nações Unidas (como a Resolução 2122, de 2013), que discorrem sobre o potencial de agência das mulheres em conflitos. Se nas primeiras resolução elas eram vistas como tão e somente vítimas a serem protegidas, elas passam a ser gradualmente concebidas como agentes cruciais para o processo de recuperação e manutenção da paz de suas comunidades no pós-conflito. No entanto, a Agenda continua a relacionar, ainda que não explicitamente, as mulheres à paz e os homens à guerra.

[2] A “geopolítica do conhecimento” é uma expressão usada por Walter Mignolo (2020) para refletir sobre as disparidades de poder existentes entre os produtores de conhecimento do Norte e do Sul global. Serve para denunciar o caráter eurocêntrico da ciência que se pretende “neutra” e “universal”, e que promove a marginalização de outros saberes, dentre eles, aqueles de mulheres, pessoas não-brancas e LGBTQIA+s.

[3] A discussão do “estupro como uma arma de guerra”, já trabalhada por autoras feministas, ganhou destaque na política e no direito internacional nos anos 1990 – no contexto das discussões do Tribunais Penais para a antiga Iusgoslávia e Ruanda – e viria a superar as reflexões desse tipo de violência como um produto inevitável dos conflitos. Como consequência, os crimes de violência sexual, cometidos em cenários de conflito e guerra, foram incluídos, posteriormente, no Estatuto de Roma, que constitui as bases legais do Tribunal Penal Internacional (MEGER, 2016).

Guerra Informacional no conflito Rússia e Ucrânia: a grande mídia e as três linhas narrativas sobre o conflito (Parte 2)      

Alcides Eduardo dos Reis Peron*

 

Neste atual conflito entre Rússia e Ucrânia, ainda que os EUA e OTAN não estejam diretamente engajados na violência do conflito – salvo pela disposição de armamentos –, é notável o modo como as construções midiáticas se assemelham às das coberturas do passado. As linhas mestras da narrativa ocidental se tornaram dominantes e se sobrepõem às frágeis tentativas de manipulação informacional direta do governo russo, que acabam isoladas e incapazes de produzir consensos fora do seu território. Afirmar que a guerra atual segue uma linha narrativa organizada pelo Ocidente não significa se mostrar favorável à invasão, ou acatar uma surreal legitimidade dessa violência organizada e de seus objetivos. Mas implica em observar como a economia dá atenção para este conflito ao desautorizar a ação russa a partir de pressupostos extremamente controversos, que afirmam um lugar de civilização e superioridade – que, por fim, são constructos comumente mobilizados em outros conflitos nos quais os países “ocidentais” estão embrenhados, para autorizar formas de intervenção e violência que se assemelham em barbárie (que como nos lembra Achilles Mbembe constituem o corpo noturno da democracia pós Guerra Fria).

Assim sendo, entendo que a cobertura midiática deste conflito pelas empresas de jornalismo americanas e europeias – e mesmo o controle sobre o enxame informacional nas redes – parecem figurar como linhas auxiliares da estratégia da OTAN sobre o conflito: negação de condicionantes históricos, deslegitimação do conflito, e estímulo à resistência independente ucraniana. Isso se manifesta através de estímulos à aceleração das decisões (com a profusão de imagens de destruições causadas pelos russos), bem como de agenda setting, legitimando o fornecimento de armamentos à Ucrânia, bem como colocando em evidência as mortes de civis para subsidiar pedidos de cessar fogo e de proteção humanitária. Nesse sentido, identifico, a priori, 3 linhas narrativas que parecem orientar interpretação e condenação da guerra a partir das redes de informação e desinformação: a) Excepcionalidade e sacralização do espaço europeu; b) Individualização e confusão estratégica; c) Disputas informacionais pela quantidade de mortos.

a) Excepcionalidade e sacralização do espaço europeu

É notório como a linha narrativa das reportagens, artigos e análises sobre a guerra tem como foco a sua deslegitimação com base na omissão de questões relativas à sua dimensão político-estratégica da guerra – isto é, ignorando as raízes históricas do conflito e a perene estabilidade europeia –, destacando uma suposta ruptura da paz no espaço europeu desde a Segunda Guerra Mundial. 

Na análise de Nic Robertson, da CNN, a Europa vinha a meio século experimentando uma paz duradoura, construída a partir da solidez e robustez das suas instituições políticas e monetárias, e esta seria a primeira vez desde 1939 que o espectro da guerra volta ao espaço europeu, descrito como civilizado, remontando uma ideia de invasões bárbaras, sem história ou contexto. Em primeiro lugar, os meios operam um argumento que restringe o espaço europeu ao que seria a Europa “ocidental”, pacífica, e que convenientemente, agora, se estende até a Ucrânia para produzir o argumento de violação da paz. Com isso, são descartadas todas as tensões militares, genocídios e bombardeios ao longo dos anos 1990 resultantes do esfacelamento da Iugoslávia, e se constrói uma imagem de ineditismo de conflito no continente. Em um segundo momento, tal argumento ignora que desde meados da década de 70, ainda que a Europa “ocidental” não tenha sido assolada por operações convencionais de guerra, ela foi berço de uma série de atentados terroristas contra a população, infraestruturas e autoridades produzidas pelos próprios Europeus do grupo Baader Meinhoff, do IRA e do ETA – que em geral questionavam fronteiras, formas de controle político, etc. 

Em sua capa do mês de março, a Time Magazine argumentou criticamente sobre o “retorno da história”, em uma alusão à expressão “fim da História” de Fukuyama, com a ascensão do capitalismo liberal e o fim da URSS. Ainda que de forma crítica, é fundamental destacar que a história nunca saiu da mesa para aqueles que vivem às margens da ordem neoliberal: ela se faz presente nos bombardeios em Belgrado, na Líbia e em Gaza, nos golpes na América Latina, e nas incursões policialescas nos morros e favelas, assim como na disposição de sistemas de vigilância e controle nas periferias e fronteiras estadunidenses, europeias, chinesas e russas. Essa história não é registrada ao vivo, mas como nota de rodapé da política internacional.

Essa narrativa acerca da excepcionalidade acaba tendo uma função aceleracionista, que legitima manobras militares, gastos e transferências de armas sob a justificativa de ameaça à estabilidade europeia. Tal narrativa é determinante para compor os discursos de parlamentares europeus e estadunidenses para a autorização de sanções contra a Rússia. De acordo com Simon Tisdal, essa narrativa presta suporte a uma ação militar mais engajada das forças da OTAN, a partir da percepção de uma inédita e brutal ameaça à civilização ocidental. Por um lado, apesar dessa narrativa favorecer a aceleração de mecanismos de contenção da ação russa, ela acaba por o fazer ignorando os determinantes históricos, militares e estratégicos que levaram ao conflito, e coloca a Europa num lugar de estabilidade civilizacional, perturbada por constantes barbarismos – uma narrativa característica de períodos anteriores que reforçava medidas duras contra imigrantes, evocando os casos de atentados terroristas (numa dualidade barbárie x civilização). 

b) Individualizacão e confusão estratégica

Um outro caminho adotado pelos conglomerados midiáticos tem sido o de contornar as importantes discussões relativas às dimensões político-estratégicas da guerra, atribuindo os dilemas e decisões aos indivíduos envolvidos no conflito, particularmente Vladmir Putin e Volodmyr Zelentsky. Essa individualização novamente ignora as razões históricas e militares do conflito, reduzindo as decisões de guerra, de comando e estratégia aos desígnios individuais dos presidentes.

Isso ocorre de modo mais sutil. A todo momento reportagens como a de Lucy Burton atribuem a guerra a uma decisão individual, quase discricionária de Putin: “Putin ordenou a invasão”;  “Putin mobilizou o exército”, e assim por diante. Um destaque foi dado à declaração do presidente estadunidense, Joe Biden, que classificara Putin como criminoso de guerra, e não a Rússia – ignorando que as decisões de guerra, militares e estratégicas pertencem a um corpo burocrático e não a governantes. Reduzir essa “razão de Estado” a decisões individuais é operar um argumento que corrobora com a ideia de barbárie e arbitrariedade (ainda que Putin, de fato, seja um líder autoritário), remetendo as decisões político-estratégicas a uma situação de instabilidade e desequilíbrio emocional das lideranças: o que novamente ignora as questões relativas aos avanços da OTAN, e que dificulta o debate sobre efetivos processos de negociação.

Em uma reportagem da CNN estadunidense, às vésperas do discurso State of the Union, inúmeros comentaristas buscaram descrever Putin como instável, nervoso e titubeante em seus primeiros discursos de guerra, algo que supostamente refletiria sobre as decisões tático-estratégicas supostamente equivocadas. Segundo diversas reportagens como as da Vox Magazine e do El País, os avanços russos estariam sendo comprometidos devido a características de contratação e formação dos soldados, por falta de combustível nos tanques, e tudo isso estaria alinhado a uma decisão individual de Putin ao ingressar no conflito.

Essa imagem de confusão e arbitrariedade forma uma linha auxiliar à estratégia dos EUA e OTAN, de modo a acelerar decisões políticas e estimular a opinião pública na direção de um êxito possível em caso de uma resistência militar ucraniana, legitimando a transferência de armamentos e medidas excepcionais para auxiliar o país no conflito. Nesse sentido, de acordo com uma pesquisa promovida pela Gallup, em torno de 73% dos cidadãos estadunidenses simpatizam com a Ucrânia, e dois terços dos americanos acreditam que os EUA devem manter seu compromisso com a OTAN.

Um outro lado dessa linha narrativa é a construção da ideia de resistência heroica de Zelentsky. O presidente ucraniano já tem sua trajetória política resultante de uma confusão entre ficção e realidade, ao protagonizar uma série – “Servo do Povo”, a qual, inclusive, o Netflix voltou a exibir – às vésperas da eleição, na qual ele se tornava presidente do país (livrando-o da corrupção e buscando integrá-lo à União Europeia). Não há um só dia em que seus discursos não sejam reproduzidos e analisados pela grande mídia, destacando sua perspicácia e enquadramento da OTAN para seu engajamento no conflito – como quando ele se direcionou ao parlamento dos países europeus, da União Europeia, e dos EUA, em cada um utilizando um artifício discursivo; ou quando o presidente apareceu de surpresa na transmissão do Grammy. Com frequência, no entanto, os meios passaram a enaltecer a decisão do presidente em comandar uma resistência popular em Kiev, conclamando civis a se engajarem no conflito – algo que para muitos analistas seria extremamente arriscado. 

Essas construções forçam uma dialética entre um herói esquemático e um autocrata ensandecido, um movimento que, novamente, descarta o debate histórico estratégico, e força um envolvimento emocional com a disputa. Nessa dinâmica, mesmo em uma situação de profunda desvantagem militar entre Ucrânia e Rússia, constrói-se uma hipótese de resistência possível – pela contraditória via de engajamento civil no conflito – ante uma confusão estratégica russa. Com isso, o apoio popular ao armamentismo da Ucrânia e ao estabelecimento de uma zona de exclusão aérea vem crescendo entre os países da OTAN. 

c) Corpos e Imagens

Uma vertente comum em todas as guerras, e que geralmente produz um efeito não apenas sobre a população em geral, mas sobre a moral dos combatentes também, é a disputa pela quantidade de mortos (civis e combatentes). Potencialmente, um número elevado de mortes de combatentes de um lado tende a afetar a moral desta tropa, a qual se questiona sobre a eficácia da estratégia e o sentido do conflito – portanto aumentando a fricção de guerra, como debate Clausewitz. Esse efeito também é sentido pela população, que paulatinamente retira seu apoio sobre a empreitada militar, algo que foi verificado nos EUA durante a Guerra do Vietnã, principalmente a partir da ação de jornalistas independentes, que revelavam a quantidade de mortes de combatentes e as condições precárias no campo de batalha[1]. Quando a questão de mortes civis é trazida à tona, isso tem um efeito ainda mais intenso sobre a população, que passa a pressionar por um cessar fogo e medidas humanitárias.

Nesse caso, a ação midiática tem a função de pressionar o estabelecimento de uma agenda humanitária e de desmobilizar o apoio popular aos conflitos – algo extremamente positivo. No entanto, em diversas ocasiões, o não registro adequado de mortes de civis e combatentes tem como função a produção de um conflito Tragedy-Free, ou seja, sanitarizado, supostamente cirúrgico e, portanto, legítimo, como aponta Der Derian em sua teoria da Virtuous War. O autor entende que os conflitos nos quais EUA e OTAN se inseriram nos últimos anos contaram com uma ação midiática que buscava inicialmente engajar a sociedade e, ao mesmo tempo, tolerar os abusos estadunidenses contra civis, além das práticas de tortura em prisões militares – ora escondendo as mortes de civis provocadas por sua incursão, ora assumindo discurso oficialista de “efeito colateral”.

No caso do atual conflito, verifica-se uma crescente disputa informacional a respeito da quantidade de mortos que envolve três diferentes atores, a Ucrânia, a Rússia e o grupo formado por EUA/OTAN/ONU, em três categorias diferentes “Mortes Civis”, “Mortes de Combatentes Russos” e Mortes de Combatentes Ucranianos”. Enquanto o governo da Ucrânia estima em torno de 7 mil mortos civis, dados das Nações Unidas confirmam a morte de pouco mais de 2 mil civis, enquanto o governo russo não confirma nenhuma dessas mortes. No que tange à morte de combatentes ucranianos, os EUA estimam em torno de 4 mil mortos, algo confirmado pelo governo ucraniano. Por fim, no que tange a morte de combatentes russos, os dados são muito discrepantes: as estimativas da OTAN são de mais de 15 mil mortos, enquanto as do governo russo são de menos de 1400 mortos[2]. Tamanha discrepância em relação às mortes civis e de combatentes russos revela as estratégias das partes envolvidas em minimizar seus erros estratégicos e maximizar seus êxitos. 

No entanto, a linha dominante da narrativa midiática tem sido a de evitar a relativização dos números (ou seja, essa disputa discrepante que se constrói), ora se apoiando nas estimativas mais conservadoras, ora se apoiando nas estimativas mais amplas. No entanto, com o anúncio de um elevado número de mortes civis na cidade de Bucha – e a proliferação de inúmeras imagens e fotos da catástrofe humanitária – o argumento principal do governo Zelentsky tem sido de um genocídio por parte dos russos, algo que já é tomado como certo em algumas análises e publicações.  Ainda que quaisquer mortes civis devam ser condenadas em um conflito, e suas condições investigadas para a identificação de culpados, há um salto significativo para uma situação de genocídio, e a urgente associação das imagens e narrativas nesse sentido tem um enorme impacto não apenas sobre o conflito, mas reforça ainda mais as tensões entre os países.

Ainda, a produção de imagens de guerra e destruição veiculadas nas mídias sociais e, consequentemente, nos veículos televisivos e portais de notícia tem sido um importante mecanismo de produção de efeitos de impedimento e desmobilização na Guerra. Boa parte da cobertura televisiva e das mídias sociais tem buscado circular imagens de destruição e sofrimento humano, as quais produzem efeitos de constrangimento e impedimento das ações militares – principalmente russas. No entanto, a urgência dessa prática tem levado a situações vexatórias de desinformação, como a das imagens veiculadas pela mídia ocidental a partir das redes sociais, de um tanque russo que teria atropelado um carro civil em Kiev – quando na verdade se tratava de um tanque ucraniano. Um caso semelhante é o de um vídeo de um drone que teria registrado a destruição de um comboio russo, compartilhado por uma conta oficial da Ucrânia, mas que ao fim se tratava de um vídeo da guerra da Síria em 2020

Isso reforça que a desinformação não é apenas uma ação exclusiva das forças russas, mas uma estratégia mobilizada por ambas as partes no conflito. Em uma reportagem conduzida pela BBC, fica evidente como inúmeros casos de vídeos, imagens falsas ou antigas têm sido utilizados pelos enxames favoráveis e contrários à invasão da Ucrânia, construindo um amplo leque desinformacional.

Reitero que é fundamental a condenação desta e de quaisquer guerras, seja na sua dimensão de bombardeios estratégicos, como no caso do bombardeio da coalisão europeia sobre a Líbia, sob a forma de guerras de contra insurgência – como nas fases finais da invasão estadunidense do Iraque pelos EUA –, de assassinatos extrajudiciais com drones como as promovidas pelos EUA e Israel, e fundamentalmente como esta guerra convencional mobilizada pela Rússia. No entanto, tal condenação deve se dar sobre bases e princípios sólidos da Carta das Nações Unidas, do Direito Humanitário Internacional, e das múltiplas convenções sobre armamentos, e não se sustentando sobre frágeis dualidades e constructos históricos que reforçam auto-imagens duvidosas – as quais ao mesmo tempo que condenam a guerra, eximem as potencias europeias os EUA, e mesmo a Rússia, de sua responsabilidade nas intervenções e conflitos provocados nos últimos 40 anos. Mais do que isso, a condenação deve considerar as razões políticas do conflito, compreendendo e discutindo de forma ampla as condições históricas e mesmo os argumentos da potência agressora, o que teria o potencial de produzir discussões e respostas mais adequadas e ao conflito, contribuindo de forma mais eficaz para seu encerramento.

*Alcides Eduardo dos Reis Peron é doutor (2016) em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), autor do livro “American way of war: ‘guerra cirúrgica’ e o emprego de drones armados em conflitos internacionais” e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe.

Imagem em destaque: vila de Novoselivka, Ucrânia. Por: UNDP Ukraine.

[1] O jornalista Jonh Pilger foi um dos correspondentes de guerra que furaram os bloqueios estadunidenses, e produziu a extensa reportagem “The Quiet Minority”, revelando as condições precárias de guerra e as mortes de soldados não mostradas na mídia: https://www.youtube.com/watch?v=krcNTkAgRrA. Ela contribuiu para reforçar a chamada “Síndrome do Vietnã”, um temor generalizado da sociedade em ingressar em conflitos de grande proporção.

[2] Vide o compilado de informações feito pelo Wikipedia a partir de dados oficiais que podem ser acessados na própria página. O autor verificou cada uma das fontes indicadas no site, averiguando sua atualização até o dia da escrita deste artigo.

Una Aproximación a la Crisis Ruso-Ucraniana

Carlos Gutierrez*

Texto publicado originalmente em SIC Notícias

En toda crisis, y particularmente si esta conlleva el uso de la fuerza, nos podemos encontrar con tres componentes básicos iniciales: la desinformación, la retórica y el cinismo.

No quiero detenerme en ellos porque no me parece lo más relevante de la coyuntura, pero es indudable que juegan un rol muy importante en la opinión pública, en las perspectivas de los analistas (especialmente aquellos que son especialistas de última hora en todo), y sobre todo en ocultar los intereses vitales que condujeron a la crisis.

La desinformación (“se está haciendo una masacre de ciudadanos”, “se están bombardeando ciudades”, “esta es una operación limitada”, y un largo etc.), la retórica (“esto llevará a la tercera guerra mundial”, “ahora vendrá el ataque al resto de Europa”, “se aplicarán las sanciones más grandes de la historia”, y otro largo etc.), y el cinismo (“apoyaremos la lucha por la libertad y la democracia”, “es inaceptable el ataque a un país soberano”, “no se puede aceptar la independencia de regiones de un país soberano”, “siempre optaremos por la paz”, y un etc. más largo aun escondiendo guerras injustas y preventivas, masacres, desconocimiento de la ONU, golpes de estado), hacen de estas coyunturas espacios para el maniqueísmo de los líderes y medios de comunicación de todas las improntas y orientaciones ideológicas, quizás el más recurrente por su facilismo que es el de caracterizar a unos como buenos y a otros como malos, no auscultando los intereses que mueven a unos y a otros.

Por lo tanto, trataré de identificar algunas líneas interpretativas a modo de hipótesis y en forma sucinta (porque estamos ante hechos que transcurren con mucha velocidad) que cubran las explicaciones de por qué se ha llegado a la crisis, los elementos que son develados por esta, y los escenarios y conceptos que quedan abiertos.

1- El origen profundo de la crisis

Según la BBC (quizás uno de los medios considerados más serios en el mundo), el actual conflicto tiene sus inicios en la anexión de Crimea por parte de la Federación Rusa en el año 2014, lo que ya demuestra el sesgo interpretativo de una situación de mucho más larga data y de mayores complejidades.

En el discurso presidencial de Putin del 21 de febrero, hay una larga explicación de lo que significa Ucrania y el eslavismo para los rusos, arraigado en lo más profundo de su “fondo cultural” (de allí la crítica a lo que hizo la URSS con Ucrania), y que al parecer el occidente europeo y Estados Unidos nunca han logrado comprender. Incluso llegar a decir del “dolor inmenso que les provoca su alejamiento de Rusia”.

Se explaya al respecto con estas afirmaciones:

“El bienestar, la existencia misma de Estados y pueblos enteros, su éxito y vitalidad tienen origen en un poderoso sistema de raíces de su cultura y sus valores, la experiencia y las tradiciones de sus antepasados y, por supuesto, dependen directamente de la capacidad de adaptarse rápidamente a una vida en constante cambio, de la cohesión de la sociedad, de su voluntad de consolidarse, de reunir todas sus fuerzas para seguir adelante.

Pero ustedes y yo sabemos que la verdadera fuerza está en la justicia y la verdad, que están de nuestra parte. Y si esto es cierto, entonces es difícil no estar de acuerdo en que la fuerza y la voluntad de lucha son la base de la independencia y la soberanía, la base necesaria sobre la que se puede construir un futuro, un hogar, una familia, nuestra patria.”

En el fondo histórico de Rusia siempre se han encontrado dos paradigmas político-culturales: el europeísmo y el eslavismo, que han vivido las vicisitudes propias en cada época y dependiendo de la hegemonía de uno u otro, se entienden las políticas exteriores de Rusia. Durante la URSS esta tensión se vio morigerada por el conflicto mayor de corte ideológico, pero nunca despareció.

Se reactivó con la desaparición de la URSS. Gorbachov y Yelstin más europeístas esperaron de estos la buena voluntad de acogerlos en el seno europeo, pero la debilidad política y económica de Rusia alentó la tentación estadounidense del hegemón unilateral.

Como lo dice el propio Putin en su discurso del 24 de febrero:

“La respuesta es clara, comprensible y obvia. La Unión Soviética se debilitó a finales de la década de 1980 y luego se derrumbó. Todo el curso de los acontecimientos de entonces es una buena lección para nosotros y ahora se ha demostrado convincentemente que la parálisis del poder y la voluntad es el primer paso hacia la degradación y el olvido por completo. Una vez que habíamos perdido la confianza por un tiempo, el equilibrio de poder en el mundo se rompió.”

Hoy están en su cénit los eslavistas que, sin despreocuparse de Europa, sienten que su estatura histórica reside en la fortaleza y riqueza del eslavismo y para eso fortalecen su espacio étnico-cultural, así como consecuencia directa el cuidado de sus fronteras, que es lo que sintetiza su visión de Ucrania.

2- El papel de los líderes

Más allá de las caricaturas de cada uno de los líderes principales del conflicto (Putin, Zelensky y Biden) y sus respectivas orientaciones políticas e ideológicas en el plano interno de sus estados, lo cierto es que se puede apreciar un acercamiento muy distinto a la profundidad de la crisis y al modelo de liderazgo de cada uno de ellos.

Los liderazgos más recientes de Estados Unidos están en deuda: el disruptivo Trump que ninguneó a la política internacional y el debilitado Biden, que vive en una realidad paralela entre su visión conservadora del poder de Estados Unidos que ya no tiene y la realidad brutal que le demuestra su derrota en Siria y Afganistán. Su liderazgo se asocia también a ese cinismo calculador que abusa de sus socios, pero que no trepida en dejarlos: al gobierno afgano ante los talibanes, a los kurdos ante los turcos, a la agrupación democrática siria que formó ante el gobierno sirio y la respuesta militar de Rusia.

El liderazgo estadounidense quiere recuperarse, con un discurso fuerte e intransigente, pero lo más probable es que su frente interno esté tan descompuesto y su economía en deterioro, que tampoco se jugará a fondo ante esta crisis que no puede controlar del todo.

El presidente ucraniano Zelensky, que sigue un comportamiento autoritario y corrupto de todos los presidentes anteriores en Ucrania, ha demostrado su inmadurez en estas lides. Se jugó todo a la credibilidad de los discursos de Biden y la OTAN, sin sopesar los verdaderos intereses de ellos, su real poder y disposición a apoyar a Ucrania en la crisis y no dimensionar los intereses rusos. No aprendió de la crisis del año 2014 en Crimea, de la guerra de Chechenia en 1999, ni la del 2008 en Georgia, donde Putin demostró que sí tenía el poder y la voluntad de resolver crisis mediante la fuerza. Es lo más probable que sea el que más pierda en esta crisis.

El presidente Putin creo que ha sido caracterizado correctamente como un conservador nacionalista, con una larga experiencia política y militar, y una visión estratégica sobre el futuro y el papel de Rusia en la política internacional, que en esta materia ha logrado gozar de un alto consenso en la elite interna. Su prestigio y trascendencia se juega precisamente en su proyecto del refortalecimiento de Rusia y su proyección internacional, y así como ha salido victorioso de los conflictos anteriores (particularmente Chechenia y Georgia, y en el reciente apoyo en Siria), lo más probable que de este salga aún más fortalecido.

3- Los objetivos políticos declarados por el Presidente Putin

Hay dos discursos de Putin que son muy claros en dilucidar sus objetivos políticos en la relación con Ucrania, el del 21 de febrero que acepta reconocer la independencia de las regiones ucranianas autoproclamadas autónomas de Donetsk y Lugansk y el del 24 de febrero que anuncia el inicio de la Operación Militar Especial contra Ucrania.

Ambos discursos son muy decisivos y claros en expresar la visión política de fondo del gobierno ruso, que claramente se podría catalogar como fuertemente nacionalista y realista en política internacional, asumiendo la lógica de defensa de los intereses nacionales y recogiendo la histórica tradición de la cultura y política rusa (que va bastante más allá de lo que muchos analistas han querido identificar como la reconstitución de la Unión Soviética) que la ubica como un actor relevante en un espacio mixto que es Europa y Oriente.

Los objetivos aducidos de alcance estratégico son: la NO expansión de la OTAN hacia el este europeo de países que colinden con la Federación Rusa, así como la NO instalación de infraestructura militar cerca de sus fronteras y que esta alianza regrese a sus fronteras que tenía al año 1997, es decir a la situación previa del ingreso de países que fueron parte del bloque del Pacto de Varsovia que se inició en el año 1999.

Los objetivos inmediatos fueron declarados en el discurso del 24 de febrero que da inicio a la Operación Militar Especial que busca “desmilitarizar, desnazificar y juzgar a criminales de guerra que operaron contra los ciudadanos de las regiones de Donetsk y Lugansk”. A esto, claramente habría que agregar que buscará asegurar la independencia de las dos repúblicas, así como el reconocimiento de una Crimea rusa.

El objetivo de la desnazificación pudiera parecer extraño, pero desde el golpe militar del año 2014, fuerzas políticas de extrema derecha y específicamente sectores neonazis han tenido una influencia muy decisiva en el devenir político de Ucrania, no solo con dirigentes y partidos políticos en puestos relevantes del gobierno y de las fuerzas militares, sino con medidas concretas como la prohibición del uso del idioma ruso, la glorificación de la colaboración nazi en tiempos de la Segunda Guerra Mundial, la concentración de fuerzas de extrema derecha mundial para su organización internacional, y la creación del Regimiento Azov, que es una milicia neonazi incorporada a la Guardia Nacional Ucraniana.

4- El componente económico

Nunca va estar declarado explícitamente si hay intereses económicos en el conflicto, pero es evidente que por lo menos hay consecuencias.

Las acciones más visibles y retóricas por parte de la OTAN y Estados Unidos han estado centradas en las medidas económicas, particularmente financieras. Pero hay mucha discusión actual sobre los verdaderos efectos en Rusia, los impactos que estas tendrán en la propia Europa y los efectos de mediano y largo plazo que están en el fondo del conflicto.

Por lo menos, por ahora se pueden enunciar algunos temas relacionados:

  • Rusia viene viviendo sanciones hace varios años, y para esto se ha ido preparando a enfrentar estos escenarios como algunos más duros. Actualmente Rusia tiene reservas líquidas en dólares bastante alto, al igual que en otras monedas y sobre todo de reservas en oro, logrando en enero de 2022 una cifra récord e histórica.
  • Los ingresos a la economía rusa (por lo tanto dólares) son esencialmente en venta de comodities, energía y material bélico. Todas, difíciles de terminar en forma abrupta, particularmente la energía de la cual depende mucho Europa, al igual que determinados productos alimenticios.
  • Los precios de las energías han subido de precios, lo que afectará especialmente a los europeos.
  • Las medidas financieras europeas tendrán también efectos negativos en su propio territorio: inflación; aumento importante de las primas de riesgo que encarecerá los préstamos; faltará liquidez de dólares que tendrán que ser suplidos por la Reserva Federal de Estados Unidos a través de la emisión;
  • El impacto más profundo tendrá la economía financiera mundial, donde el dólar es que corre con el riesgo de ser moneda de reserva y la posibilidad cierta de acelerar la tendencia que exista una economía paralela a la estadounidense-europea con otra china-rusa-oriente, donde no prime el dólar y con un sistema interbancario propio, que ya funciona entre ambos desde el año 2014 (en este sentido el retiro de los bancos rusos del sistema Swift, acelera esta posibilidad).
  • Hay que recordar que la economía europea todavía está en cuidados intensivos producto de los efectos no totalmente superados de la pandemia.
  • El gran ganador económico será China, con la potenciación del yuan, el acopio de oro y nuevas posibilidades comerciales.

5- La disputa por una nueva configuración mundial

El principal elemento develado por esta crisis es que la actual situación de poder a nivel mundial choca con la arquitectura de poder existente, y se aprecia una tensión dirigida al status quo que impuso Estados Unidos desde el momento en que rompe la dualidad bipolar propia de la Guerra Fría.

La hegemonía unilateral ejercida con toda fuerza por Estados Unidos desde el año 1991 está cuestionada por otro hegemón de magnitud creciente que es China (y que sin lugar a dudas en un futuro próximo superará a EEUU) y por otros poderes que, siendo menores, sí representan influencias determinantes en espacios geográficos más acotados, como pasa con la misma Federación Rusa en un espacio interméstico entre Europa y parte de Asia; India en la zona indo-pacífica; Irán en la zona medio oriente.

Por lo tanto, esta quebradiza estructura internacional, que se expresa en organismos internacionales y alianzas militares, ya no da plenamente cuenta de la realidad política y económica internacional y tiende a buscar su cauce abriendo las nuevas posibilidades de multicentros que tenderán a organizarse y ordenarse en torno a espacios sustanciales.

Este es el gran problema de Estados Unidos y su tendencia al agotamiento de su hegemonía unilateral, que no está dispuesto a este reconocimiento de la nueva realidad mundial y cierra los espacios a esta configuración a través de “cordones sanitarios” que adquieren expresión concreta por ejemplo en la expansión de la OTAN en referencia a la Federación Rusa.

En el discurso del 24 de febrero, Putin lo explica así:

“Una mayor expansión de la infraestructura de la Alianza del Atlántico Norte, la exploración militar de los territorios de Ucrania que ya ha comenzado es inaceptable para nosotros. El punto, por supuesto, no es la OTAN en sí misma, que es solo un instrumento de la política exterior de Estados Unidos. El problema es que en los territorios adyacentes a nosotros —quiero señalar, en nuestros propios territorios históricos— se está creando una anti-Rusia hostil a nosotros, que ha sido puesta bajo un control externo completo, se están acomodándose las fuerzas armadas de los países de la OTAN y están llenado estos territorios con las armas más modernas.

Para Estados Unidos y sus aliados se trata de la llamada política de contención de Rusia, un evidente dividendo geopolítico.”

En este análisis crítico está implícita la discusión sobre la relación entre diplomacia y poder hegemónico absoluto, donde pierde centralidad la opción política para dar paso a la amenaza del uso de la fuerza, lo que abre la necesidad del debate de un nuevo orden con discusión de los conceptos que deberían darle sentido. Según el propio Putin:

En un estado de euforia de superioridad absoluta, de una especie de absolutismo moderno e incluso en el contexto del bajo nivel de cultura general y la arrogancia de aquellos que prepararon, tomaron y cabildearon decisiones beneficiosas solo para ellos mismos, la situación comenzó a desarrollarse en un escenario diferente.

Como he dicho antes, Rusia ha aceptado las nuevas realidades geopolíticas tras el colapso de la URSS. Respetamos y seguiremos respetando a todos los países recién formados en el espacio postsoviético. Respetamos y seguiremos respetando su soberanía, y un ejemplo de ello es la ayuda que hemos prestado a Kazajistán, que se ha enfrentado a unos acontecimientos trágicos y a un desafío a su condición de Estado y a su integridad. Pero Rusia no puede sentirse segura, desarrollarse, ni existir con una amenaza constante procedente del territorio de la actual Ucrania.”

6- El concepto de Autodeterminación de los pueblos y la Seguridad Indivisible

En esta crisis se han planteado conceptos claves existentes que también serán parte de su interpretación para escenarios futuros.

El principal de ellos es la relación entre la Autodeterminación de los pueblos y el de la Seguridad Indivisible, que han sacado a relucir en varias oportunidades los líderes involucrados en el conflicto.

Nadie ha puesto en interdicción el derecho a la autodeterminación de los pueblos (aunque pudiéramos tener dudas razonables del respeto que se ha tenido sobre este derecho), pero progresivamente la humanidad ha ido incorporando determinadas limitaciones a lo que pudiera ser un derecho absoluto, como por ejemplo el respeto universal de los derechos humanos, la existencia de cortes penales internacionales y otros. Pero, justamente en el año 1990 ante la firma de la Carta de París que da forma a la Organización para la Seguridad y Cooperación Europea (OSCE), se expresa que, en el campo de la seguridad, el concepto de Seguridad Indivisible, que apunta justamente a una limitación implícita para cada Estado.

Es una suerte de reverso conceptual al concepto de disuasión, donde prima el derecho de cada país a generar un poder de tal magnitud que convenza a un hipotético enemigo a no hacer uso de la fuerza; en cambio, el de Seguridad Indivisible se basa en el hecho de que un Estado no debe generar condiciones para que otro estado se sienta inseguro. En palabras de la Carta:

“Finalizada la división de Europa, nos esforzaremos por conferir una nueva calidad a nuestras relaciones de seguridad respetando plenamente la libertad de cada uno de elegir en esta materia. La seguridad es indivisible y la seguridad de cada Estado participante está inseparablemente vinculada a la de todos los demás. Por consiguiente, nos comprometemos a cooperar en el fortalecimiento de la confianza y la seguridad entre nosotros y a fomentar el control de las armas y el desarme”. (Carta de París para una nueva Europa, página 3).

¿Y no es, entonces, precisamente lo contrario a este acuerdo lo que sucede con la expansión de la OTAN a países contiguos geográficamente con la Federación Rusa?

Sería muy interesante, para ir delineando escenarios futuros, retomar este concepto de la Seguridad Indivisible como un paso sustancial en la creación de una nueva arquitectura internacional.

7- El límite a la actual diplomacia

Para llegar a una situación de crisis que conlleva el uso de la fuerza militar, sea esta limitada o extensiva, hay que reconocer que ha habido un fracaso de la diplomacia.

Este es otro punto esencial que ha develado esta coyuntura, en cuanto a los límites que la actual diplomacia tiene en el marco de una configuración política internacional con un hegemón unilateral agresivo, en una fase de larga duración de decadencia que impide la constitución de otros poderes globales.

Como se puede demostrar a través de un largo recuento de espacios diplomáticos llevados a cabo por la Federación Rusa y Estados Unidos para encontrar un nuevo paradigma de relaciones en Europa que incluyera a Rusia, este caminó demostró sus limitaciones.

Efectivamente, con el ocaso de la Unión Soviética y el término del Pacto de Varsovia, no sucedió lo mismo con la OTAN (teniendo en cuenta que era una alianza defensiva contra la URSS), pero se aseguró que esta no crecería hacia el este. Esta política duró hasta el año 1999 cuando hicieron su ingreso Polonia, Hungría y República Checa. Y así siguieron 4 oleadas más: el 2004 con Bulgaria, Eslovaquia, Eslovenia, Rumania, Estonia, Letonia y Lituania. El año 2009 con Croacia y Albania. El año 2017 con Montenegro y el 2020 con Macedonia del Norte. Estaba en los planes Georgia, pero después de la guerra del año 2008 no continuó con el proceso. Y en el caso de Ucrania los planes comenzaron el año 2008.

Este continuo desprecio por los acuerdos (de palabra y escritos), ha mermado la capacidad de la diplomacia para frenar el uso de la fuerza, y eso conlleva una profunda reflexión sobre una nueva conceptualización y rol de la diplomacia, para que vuelva a ser el instrumento principal y creíble en la resolución de conflictos.

El líder ruso lo sintetiza de esta forma:

“Esto ha provocado que los tratados y acuerdos ya no sean válidos en la práctica. La persuasión y las propuestas no ayudan. Todo lo que no conviene a la hegemonía, al poder, se declara arcaico, obsoleto e innecesario. Y viceversa, todo lo que les parece conveniente se presenta como la verdad definitiva que impulsan a toda costa, groseramente por todos los medios. A quienes no están de acuerdo, los destruyen.

De lo que estoy hablando ahora se refiere no solo a Rusia, y no solo a nosotros nos preocupa. Esto se refiere a todo el sistema de relaciones internacionales y, a veces, incluso a los propios aliados de Estados Unidos. Después del colapso de la URSS, de hecho, comenzó la redistribución del mundo y las normas del derecho internacional que se habían establecido en ese momento —y las normas principales, básicas que fueron adoptadas después de la Segunda Guerra Mundial y consolidaron en gran medida sus resultados— comenzaron a obstaculizar a los que se autoproclamaron vencedores de la guerra fría.

Por supuesto, en la parte práctica de la vida, en las relaciones internacionales y en las reglas que la rigen, era necesario tener en cuenta los cambios de la situación mundial y del equilibrio de poder. Sin embargo, esto se debía hacer con profesionalismo, despacio, con paciencia, teniendo en cuenta y respetando los intereses de todos los países así como entendiendo su propia responsabilidad.”

8- El eurocentrismo

Si bien esta crisis está centrada geográficamente en Europa, el núcleo del conflicto es entre Rusia y Estados Unidos, pero también es indudable que sus alcances políticos, económicos y geopolíticos lo trascienden grandemente.

Las actuaciones más notorias corresponden a los países de Europa, particularmente los miembros de la OTAN, lo que también produce un sesgo importante en el análisis de la crisis, justamente por el carácter todavía atlanticista del enfoque (con este barbarismo quiero centrar el problema de la llamada lectura de la “comunidad internacional” en la OTAN).

Puede observarse con claridad que los alineamientos con uno u otro de los actores en el conflicto obedecen a sus alianzas o afinidades políticas; como ejemplo por el lado de Rusia e encuentra Siria, Irán, Cuba, Venezuela, etc., y por el lado de Estados Unidos fuera de la OTAN y la UE están sus aliados del Pacífico como Japón, Australia, etc.

Los dos más grandes estados, India y China, han mantenido una distancia prudente de la vociferencia atlantista, absteniéndose en la votación del Consejo de Seguridad de la ONU, algo parecido a lo que pasó con Argentina y Brasil en la OEA. Toda la zona sur de Asia no se ha involucrado en el conflicto, incluso el Primer Ministro pakistaní viajó a Moscú por primera vez en 23 años.

Por lo tanto, muy lejos de existir una posición unánime de la llamada “comunidad internacional”, que también en la amplitud correcta del término están sacando sus propias conclusiones de este conflicto y las preguntas que quedan abiertas al respecto, tanto en lo geopolítico como en lo económico.

9- Qué logra cada uno

Por supuesto que, con la crisis en curso, lo que se configure como escenarios futuros es todavía muy incierto. Pero, esbozo algunas ideas:

  1. La Federación Rusa podría alcanzar sus objetivos de neutralidad oficial de Ucrania, la independencia de las dos regiones del Donbás, y el reconocimiento de Crimea. Esos logros políticos deberían ser suficientes.
  2. La desmilitarización de Ucrania podría ser parte de su estatus de neutralidad, pero también probablemente como resultados de las operaciones militares propiamente tal, la infraestructura militar ucraniana quede muy debilitada.
  3. Ucrania debiera mantener su independencia y régimen político propio.
  4. Vendrá una situación económica compleja tanto para Rusia como en Europa, pero que también tenderá a nuevas reconfiguraciones, poniendo atención a lo que pase con el dólar como moneda de reserva, sistemas interbancarios, etc.
  5. Estados Unidos no obtendrá ganancias estructurales, excepto una administración publicitaria de la crisis.
  6. La UE y la OTAN entrarán en un nuevo momento de reflexión, una vez pasada la euforia tendrán que enfrentarse a las limitaciones actuales a su poder económico y político, y de su excesiva dependencia de la política estadounidense.
  7. Hay un riesgo general de las lecturas nacionalistas sobre esta crisis, que pondrá en tensión a los proyectos democráticos internos e internacionales.

 

*Carlos Gutiérrez es analista en defensa y miembro de Grupo de Análisis de Defensa y Fuerzas Armadas (GADFA).

Imagen: Rally in Donetsk. Por: Wikimedia Commons.

Israel-Palestina: permanecem as velhas perguntas sem novas respostas

Maitê Pereira Lamesa, mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). E-mail: maitelamesa@gmail.com 

O Conflito Israel-Palestina foi deflagrado a partir da aprovação pela Assembleia Geral da ONU, em 29 de novembro de 1947, do Plano de Partilha da Palestina em dois estados (Resolução 181), elaborado pela Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP). Logo após a declaração de independência do Estado de Israel pela Agência Judaica, teve início a guerra de 1948. 

Entretanto, suas raízes históricas e contextos geopolíticos, remontam ao fim do século XIX, a partir do atraso tecnológico do Império Otomano, o surgimento do Movimento Sionista [1], e os arranjos hegemônicos que se consolidam com o término da Primeira Guerra Mundial. Como reflexo, foram firmados uma série de compromissos contraditórios em relação às aspirações dos povos árabes e judeus (Declaração de Balfour e a Correspondência Hussayn-McMahon), bem como ajustes velados entre França e Inglaterra em relação aos territórios do Império Otomano (Acordo de Sykes-Picot), extinto a partir da assinatura do Tratado de Sèvres (1920). Tais ações seguiram o pano de fundo do contexto neocolonialista da época. 

No pós-Segunda Guerra, o ambiente político tornou-se favorável à questão judaica, em virtude do reconhecimento do holocausto e de resultados consistentes das negociações sionistas junto às grandes potências. Como consequência, houve a autorização formal para a divisão das terras palestinas – que até então estavam sob o julgo da Inglaterra (mandato britânico) desde 1917 – e a conseguinte instituição do estado judeu.  

Na guerra em 1948, as forças árabes compostas por milícias palestinas, o Exército de Liberação Árabe (Jaysh Al Inqadh) da Liga Árabe, e contingentes de exércitos do Egito, Síria, Iraque, Jordânia, Líbano e Arábia Saudita, concentraram esforços para responder à declaração de independência de Israel, e engajaram em conflito com as forças judaicas, integradas pelas forças militares da Hagana, às quais se somaram as forças paramilitares da Irgun (Etzel) e Stern Gang (Lehi), com auxílio decisivo da Palmach (PAPPE, 2007, p. 45). A disparidade das forças era evidente e acabou levando não apenas à vitória da guerra por Israel, com ampliação do território para além do plano original (chegando a 78% do território do mandato britânico), mas também à “Al-Nakba”, ou “A Catástrofe” palestina. Esse acontecimento  indica tanto o período de êxodo e expulsão da população palestina dos territórios onde foi estabelecido o Estado de Israel, quanto todos os eventos que afetaram os palestinos entre dezembro de 1947 a janeiro de 1949.  

Durante a Nakba, calcula-se que entre 750.000 e 800.000 palestinos deixaram suas terras e vilas ou foram delas expulsos, representando cerca de 50% de toda a população palestina (árabe) da época (FLÜCHTLINGSKINDER; ZOCHROT, 2013). Muitos daqueles que deixaram suas terras agiam em resposta a massacres planejados e levados a cabo pelas milícias israelenses. O ataque israelense mais expressivo desse período foi o massacre de Deir Yassin, executado em abril de 1948 pela Irgun e Lehi e, posteriormente, com auxílio da Palmach,  resultou na morte de 254 palestinos [2]. Em 1949, foi criada a “United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees” (UNRWA), agência da ONU cuja responsabilidade era atuar junto aos refugiados palestinos, que se espalharam para Gaza, Cisjordânia e países vizinhos, primordialmente Líbano, Síria, Jordânia. 

Na década subsequente, Israel envolveu-se nos embates contra o Egito, em torno de tensões na região do Sinai, que se desenrolam até culminar na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967. As consequências foram ainda mais desastrosas para a Palestina: perda expressiva de território, que passaram então a ter controle militar israelense, sendo elas: (a) Colinas do Golã (Síria); (b) Cisjordânia; (c) Jerusalém Oriental (Jordânia); (d) Gaza (Egito) e a Península do Sinai (Egito) [3]. 

Com exceção do Sinai, os demais territórios palestinos conquistados foram ocupados por Israel, com a imediata intensificação de construção de assentamentos – questão que representa atualmente um dos imbróglios centrais para a resolução do conflito –, maior controle da vida quotidiana dos palestinos, com a consequente precarização das condições dessa população, e crescimento da população refugiada. 

Nesse período, também se estruturou a resistência palestina, basicamente a partir da criação da OLP em 1964 pela Liga Árabe, cuja liderança de Yasser Arafat, a partir de 1968, é a mais emblemática, com melhor organização da luta armada palestina, bem como criação de estruturas de assistência em campos de refugiados, reforçando e até substituindo a atuação da UNRWA, que era insuficiente para prover as condições mínimas necessárias de sobrevivência. Ao prover serviços sociais à população refugiada, que era numerosa e sofria com sérias restrições de trabalho, vedações à aquisição de terras e outros direitos nos países de refúgio, essa aproximação atraía combatentes (os “fida´iyyun”) à sua esfera de gravitação (PAPPE, 2007, p 229).  

A elaboração de estratégias para a libertação palestina, sobretudo após a nomeação de Arafat para a liderança da OLP levou a dissidências internas, distanciando a organização da visão inicial pan-arabista e aproximando-a das ideologias de guerras de libertação popular, com inspiração socialista. Foram ainda formadas outras organizações: a Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) por George Habash e Naif Hawatmeh, e a Frente Democrática Popular de Libertação da Palestina (FDPLP), por iniciativa de Hawatmeh. 

Foi a partir desse período que a luta palestina adquiriu o caráter de resistência e necessidade de libertação popular, sendo que a atuação da OLP se estruturou inicialmente a partir da Jordânia, tendo sido transferida ao Líbano na década de 1970, após crise deflagrada com o líder jordaniano, rei Hussein, conhecida como “Setembro Negro”.  

Em 1977, uma série de fatores determinaram a eleição do líder israelense Menachem Begin, representante do Likud, partido que ele próprio fundara. Nesta época, evoluiu-se a construção de assentamentos, sendo que em 1987 existiam já 110 assentamentos na Cisjordânia, e 15 assentamentos em Gaza (HUBERMAN, 2014, p. 96), além das estradas para interconectá-los. A lógica de construção seguiu a ótica militarizada que refletia a experiência de Ariel Sharon na guerra do Yom Kippur (1973). Com Begin, a OLP passou a ser mais perseguida, tendo sido classificada como um elemento subversivo. O combate à organização levaria à primeira invasão no Líbano por Israel em 1982, a fim de conter os ataques lançados a partir da base da OLP junto a campos de refugiados palestinos na região sul do país. 

Com o advento da Primeira Intifada, em dezembro de 1987, concretizou-se a resposta da população dos Territórios Palestinos Ocupados (TPOs), frustrada ante a insuficiência das estratégias da OLP, as tentativas de acordos malfadadas e à falta de resposta da comunidade internacional, enquanto Israel ignorava diversas resoluções aprovadas pela ONU. Além disso, os efeitos da expansão do livre-mercado, seguindo a lógica neoliberal da época, acentuava a precarização da mão-de-obra palestina, cada vez mais dependente dos empregadores israelenses. 

A insurgência palestina teve início junto aos campos de refugiados de Gaza, ganhando adesão generalizada da população sob ocupação, bem como dos palestinos em Israel. A desigualdade de armas era patente e resultou em 1551 mortes do lado palestino, e 421 do lado israelense, dentre eles 271 civis (B´TSELEM, [2020]). Tal processo conduziu às tratativas dos Acordos de Oslo [4], na década seguinte, período de grande otimismo em torno da resolução do conflito. 

Os resultados obtidos dos acordos não conduziram à criação do Estado palestino, nem conseguiram pôr fim à ocupação israelense, sendo que a onda otimista rapidamente dissolveu-se no início do século XXI. A subdivisão territorial da Cisjordânia nas áreas A, B e C (KAPELIOUK, 2004, p. 369-370), por exemplo, foi uma das graves consequências de Oslo, permitindo o alargamento da presença israelense no território palestino para além dos assentamentos construído ao longo das décadas anteriores, fazendo da Cisjordânia um território fragmentado em pequenas ilhas desconexas.  

Com efeito, no alvorecer do novo milênio, a ocupação tornou-se sistemática, ganhando aspecto legítimo e os projetos de assentamento e de anexação de terras palestinas avançaram. O controle de Israel da “área C” deu vazão às demolições de casas, fosse por falta de permissão para construir, fosse para “fins militares”. Desde 2006 até 30 de junho de 2020, Israel demoliu 1.584 casas palestinas na Cisjordânia por falta de permissão para construir, deixando 6.880 pessoas desabrigadas (B´TSELEM, [2020]). Já entre 2004 até 2011, Israel demoliu 5.494 casas palestinas para “fins militares” incluindo Cisjordânia e Gaza. Em Gaza, durante a Operação Margem Protetora (2014), foram destruídas 18.000 casas palestinas, resultando em 100.000 palestinos desabrigados (B´TSELEM, [2020]).  

Além disso, após a Segunda Intifada, o governo israelense deu início à construção de muros que cercam Jerusalém Oriental e a Cisjordânia, sendo que a barreira isolou vilas, cidades, áreas rurais, e segregaram a população e suas economias locais, além de anexar mais terras palestinas. Os postos de comando (“checkpoints”) estabelecidos para controlar o fluxo de pessoas autorizadas a transitarem geraram ainda mais violações ao direito de locomoção e de acesso a serviços básicos como a saúde, e permanecem como uma grave violação de direitos fundamentais. 

Assim, medidas que trariam maior segurança à população israelense contra atentados palestinos produzem, na realidade, maior violência, incertezas e impedimentos a iniciativas para a construção da paz de forma consistente. A militarização crescente da sociedade israelense também não oferece a resposta adequada ao conflito, e perpetua o ciclo de revoltas, além de minar possibilidades de desenvolvimento da sociedade civil palestina. 

Desde 2005, Israel retirou suas tropas da Faixa de Gaza, que passou então a ser administrada pelo grupo Hamas em 2007. Em contrapartida, Israel impôs um bloqueio das fronteiras, com exceção da entrada de Rafah, administrada pelo Egito, controlando também o espaço aéreo e a saída para o mar. Dessa forma, a locomoção de pessoas, mercadorias, incluindo assistência humanitária, depende de prévia autorização israelense, a qual é extremamente limitada, sendo quase impossível a saída dos residentes. 

Desde a ascensão do Hamas ao poder em Gaza, a região passou a ser vista como um território inimigo, o que levou a diversas incursões militares, com a finalidade de desestruturar as redes dessa liderança ou em resposta a ataques de mísseis do grupo. Contudo, as incursões resultaram em altas perdas civis, inclusive de mulheres e de crianças. Desde a saída de Israel, foram feitas 3 incursões: (a) Operação Chumbo Fundido (2008); (b) Operação Pilar Defensivo (2012); e (c) Operação Margem Protetora (2014).  

Os desdobramentos do conflito têm, portanto, agravado um conflito já bastante longevo, tornando a paz uma “miragem” (FLINT, 2009). Os prejuízos de tantas hostilidades reverberam na sociedade israelense, e na sociedade palestina eles são sentidos de forma ainda mais severa, criando-se um sistema de precarização generalizada, dependência econômica acentuada, detenções injustificadas (inclusive de crianças e adolescentes), mortes, falta de acesso à infraestrutura adequada, restrições no acesso à água, ordens de demolição ou despejo, campos de refugiados, desemprego e restrições severas ao direito de locomoção (OCHA-OPt, [2020]). As mortes aproximadas desde o advento da Segunda Intifada até junho de 2020 eram de 10.564 palestinos e de 1.271 israelenses (B´TSELEM, [2020]).  

De modo geral, é possível concluir que o conflito Israel-Palestina tem características multidimensionais, diversas fases, e uma multiplicidade de atores envolvidos, tanto estatais quanto não-estatais. De qualquer forma, conforme dados da Uppsala Conflict Data Program  (UCDP), cerca de 80% das mortes registradas decorrem de ações de atores estatais.  

Mais recentemente, a maior aproximação ideológica entre Estados Unidos (sob a liderança de Donald Trump) e Israel (comandado por Netanyahu), bem como as eleições de 2019 e a estrutura do sistema político permitiram a reeleição de Netanyahu e a perpetuação do Likud no poder. A permanência de conservadores sionistas tem permitido a evolução e desenvolvimento de projetos de anexação de terras palestinas, o que dificulta ainda mais as possibilidades de diálogo e mina a solução de dois Estados, princípio norteador em Oslo e em negociações posteriores. O decurso do tempo pesa contra a população palestina, que vê diuturnamente suas condições de vida reduzidas, sem alternativas ante a ocupação israelense. É preciso destacar que os prejuízos também são sentidos pela população israelense, posto que a inviabilidade do diálogo adia as perspectivas de uma vida menos militarizada, belicosa e violenta.  

As inúmeras tentativas falhas de resolução do conflito trazem à tona as debilidades da solução de dois Estados, que pode estar com seu prazo vencido. Porém, de outro lado, resta incerta a viabilidade de implantação de um único Estado que garanta, na prática, direitos iguais tanto aos israelenses quanto aos palestinos, uma vez que essa medida põe em xeque questões essenciais para Israel, como a manutenção da prevalência da demografia judia do estado israelense.  

Uma passagem do livro de Miko Peled (The General´s Son), reflete essas incertezas, ao relatar seus diálogos acerca da solução de um estado (PELED, 2016, p. 247): “Meu cunhado estava perdendo a paciência a cada minuto. ‘Você não entende nada! Você não vê que isso levará à guerra civil? Será outro Kosovo ou Líbano e o derramamento de sangue será irrefreável.’ Mas eu não podia deixar passar. ‘Ou Suíça ou Bélgica. Se você nos comparar com outros estados multinacionais, a nossa não é uma questão muito complicada’.” [5]  

Até o momento, o conflito se prolonga sem que tais respostas possam ser dadas com exatidão. Sem a perspectiva de uma via para a solução, perpetuam-se medidas questionáveis e contrárias às normas de Direito Internacional, como é o caso da possível anexação de terras palestinas por Israel, prevista no acordo anunciado pelo governo Trump no início deste ano (Acordo do Século).  

Esse acordo, formulado sem a consulta de qualquer representação palestina, tem sido muito criticado, já que previu a anexação de terras no Vale do Jordão, onde situam-se assentamentos israelenses, área que é essencial ao abastecimento de água e alimentos à Cisjordânia. Em 1º de julho estavam previstas as discussões sobre esse acordo no parlamento israelense (Knesset), contudo, foram adiadas face às pressões internas e internacionais. 

 

Fonte imagética: Mohamed Asad | Monitor do Oriente Médio. Disponível em:  https://www.monitordooriente.com/20191202-358022/. Acesso em 20.07.2020. 

NOTAS 

[1] O Movimento Sionista tem origem a partir das ideias de Theodor Herzl, defendidas no Primeiro Congresso Sionista Mundial, realizado em 1897 na Basileia (Suíça). O Sionismo, em sua origem, apresentou-se como movimento umbilicalmente atrelado a ideais nacionalistas, como necessidade de compor um Estado-nação para um povo composto por minorias distribuídas ao redor de todo o mundo, vivendo na “diáspora”, e compor tal Estado-nação significava uma população unida em um território pelo sentimento natural e, portanto, espontâneo de povo, o que se costuma denominar identidade. 

[2] O massacre de Deir Yassin, uma vila palestina nas proximidades de Jerusalém, estava inserido no escopo do Plano Dalet (Plano D), desenvolvido pela liderança sionista e colocado em prática antes mesmo da declaração de independência de Israel. De acordo com Ilan Pappe: “Em março de 1948, o Plano Dalet foi adotado. Os primeiros alvos eram os centros urbanos da Palestina, os quais haviam sido ocupados até o final de abril. Cerca de 250.000 palestinos foram expulsos nesta fase, além de diversos massacres postos em prática, o mais notável deles foi o massacre de Deir Yassin.“ (PAPPE, 2006, p. 40). [Tradução Livre] 

[3] Vale destacar que a Península do Sinai foi posteriormente devolvida ao Egitoincluída na negociação dos Acordos de Camp David, firmados entre Menachen Begin na Casa Branca, durante o governo Carter. O ato foi visto pela Organização pela Liberação da Palestina (OLP) como traição políticaposto que tornava a Palestina ainda mais vulnerávelalém de enfraquecer os demais países árabescomo Líbano e Síria (FISK, 2007, p. 208). 

[4] Os Acordos de Oslo foram firmados em 1993 e 1995 entre o Primeiro-Ministro israelense na época, Ytzhak Rabin e o líder da OLP, Yasser Arafat, mediados pelo governo de Clinton. A celebração desses acordos era vista pela comunidade internacional com tamanho otimismo, o que se reflete na edição pela Assembleia Geral da ONU da Resolução 49/88 aprovada em 16 de dezembro de 1994, a qual clamava a necessidade de se chegar à paz compreensível, justa e duradoura no Oriente Médio e expressava o apoio à rápida concretização do processo de paz em curso até aquele momento (ONU, 1994). 

[5] Na versão original em inglês: “My brother-in-law was losing his patience by the minute. ‘You don´t understand a thing! Can´t you see it will lead to civil war? It will be another Kosovo or Lebanon and the bloodshed will be unstoppable.’ But I couldn´t let it go. ‘Or Switzerland or Belgium. If you compare us to other multinational states, ours is not a very complicated issue.” 

 

REFERÊNCIAS 

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Conflito no México: dos movimentos guerrilheiros aos cartéis de drogas

João Estevam dos Santos Filho: mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). E-mail: joaoestevam08@gmail.com

 

Atualmente, o México é palco de cinco conflitos armados: primeiro, entre o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e o governo nacional; segundo, entre o Exército Popular Revolucionário (EPR) e o governo nacional; terceiro, entre os grupos de autodefesa e o governo nacional. Além desses, o país também passa por conflitos entre as Forças Armadas e os cartéis de drogas, que têm gerado um número muito alto de mortos e feridos por todo o país e, por último, cabe ressaltar os grupos paramilitares que se formaram sobretudo no estado de Chiapas.

O primeiro dos conflitos  citados, entre o Estado mexicano e o Exército Zapatista, iniciou-se em 1994 com a ocupação de seis cidades em Chiapas, com reivindicações de pautas sociais pelos zapatistas (educação, saúde, trabalho, terra, dentre outros). A maioria de seus integrantes são indígenas, provenientes de distintas etnias maias de Chiapas (HAAR, 2012a). O cessar-fogo foi decretado pelo governo mexicano em 12 de janeiro de 1994, mas desde então vem se desenrolando o que muitos chamam de “guerra de baixa intensidade”, com episódios de ocupação militar pelo governo na chamada “zona de conflito” (municípios de Ocosingo, Altamirano y Las Margaritas e regiões adjuntas). Entre 1994 e 1996 o conflito produziu 155 mortes, mas nenhuma foi registrada desde então – o conflito entre o grupo insurgente e o governo persiste, mesmo sem enfrentamentos armados (UPSALA, 2019a). As negociações entre o governo mexicano e o grupo zapatista resultaram na aprovação de uma Lei Indígena em 2001 que legitimava as ocupações zapatistas em determinadas localidades do território de Chiapas. A estrutura de governo criada pelo EZLN incluiu a criação de “municípios autônomos” e de Juntas de Bom Governo a partir de 2003 (HAAR, 2012b).

Até finais da década de 1990, o conflito entre o Estado mexicano e o Exército Zapatista podia ser considerado um “conflito de baixa intensidade”. Nesse sentido, o Exército mexicano reestruturou as suas tropas para utilizar unidades militares menores, com presença dispersa pelo território de Chiapas, para dissuadir novos surtos guerrilheiros. Além disso, a mídia também teve papel importante nesse tipo de conflito, uma vez que o governo utilizava as imagens mostradas na televisão para mobilizar a opinião pública a seu favor. Também cabe ressaltar que, nesses confrontos, as Forças Armadas mexicanas também utilizavam métodos “ilegais”, como tortura, massacres a população civil, dentre outros (CISNEROS, 2015). Atualmente, o EZLN ainda mantém uma postura revolucionária contra o Estado mexicano tal qual encontra-se atualmente, mesmo após  a vitória eleitoral do candidato de esquerda Manuel López Obrador, que venceu as eleições presidenciais de 2018.

O segundo conflito se dá entre o governo nacional mexicano e o grupo guerrilheiro denominado Exército Popular Revolucionário (EPR). O EPR surgiu em 1994, influenciado pelas ações do movimento zapatista, sendo constituído por um conjunto de 14 organizações guerrilheiras, com a fusão Partido Revolucionário Trabalhador Clandestino União do Povo (PROCUP, na sigla em espanhol), mas estes começaram a sair do grupo a partir de 2001. O ponto de partida das ações do EPR foi o Massacre de Aguas Blancas, no qual 17 camponeses foram assassinados. Embora o conflito entre o EPR  e governo tenham deixado um total de 53 mortos entre 1996 e 1998, não foram registradas mais mortes deste então – ainda que o EPR tenha seguido a realizar algumas ações armadas com pouca expressão, como, por exemplo, explosões de infraestruturas (LOFREDO, 2006).

O terceiro conflito existente no México expressa-se entre o governo e as autodefesas comunitárias. Estas surgiram a partir dos primeiros meses de 2013, tendo como ação inicial a tomada de armas de policiais pela Autodefesa de La Ruana. Algumas horas depois uma ação semelhante foi feita no município de Tepalcatepec e, alguns dias depois, em Buenavista Tomatlán. A partir de novembro de 2013, o Conselho de Autodefesas decidiu expandir suas ações a outros municípios da região de Tierras Calientes. No final desse ano já tinham ocupado 17 municípios e em outros sete tinham uma presença periférica; ao passo que em janeiro de 2014 ocupavam 26 municípios e seguiram avançando. Dentre esses grupos, encontravam-se as Autodefesas de Michoacán, uma das principais e cujos enfrentamentos com grupos narcotraficantes gerou 66 mortes entre 2013 e 2015 (MANZO, 2015).

Diferentemente dos grupos guerrilheiros, o principal objetivo das autodefesas é combater as ações do grupo ligado ao crime organizado Los Cabelleros Templarios, cuja influência na região de Michoacán e outras áreas de Tierras Calientes é bastante intensa. Dessa forma, ao invés de se insurgirem contra o Estado mexicano, essas organizações buscavam muitas vezes ajudar as forças da Polícia Federal e do Exército na garantia da segurança de várias comunidades (sobretudo as periféricas). Em inícios de 2014 uma grande parcela dos indivíduos ligados às Autodefesas de Michoacán foram desmobilizados e reincorporados nos Corpos de Defesa Rural – entretanto, alguns integrantes não entregaram as armas, por isso, muitas autodefesas continuam em operação (MANZO, 2015). Em 2019, foram registrados a presença de ao menos 50 grupos de autodefesa que operam nos municípios de Guerrero, Michoacán, Veracruz, Morelos, Tamaupalias e Tabasco; desses, apenas seus se institucionalizaram, formando polícias comunitárias (que são reconhecidas legalmente). É importante notar também que alguns desses grupos entram em confronto entre si por disputas territoriais e outros são suspeitos de se envolverem com organizações criminosas – ou até serem grupos de fachada para atividade de crime organizado.

O México também é palco de confronto entre as forças do Estado e de grupos paramilitares. Tais grupos foram criados entre 1994 e 1995, nos estados de Chiapas, Guerrero e Oaxaca, relacionado à emergência do EZLN e à falta de autonomia que passaram a ter elites locais, membros do Exército e da Polícia e políticos do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país durante a maior parte do século XX. Desse modo, esses grupos paramilitares surgiram com o propósito de combater o EZLN no estado de Chiapas, por meio de estratégias de contrainsurgência. Dentre os financiadores e apoiadores dos paramilitares encontram-se: grupos externos a Chiapas, membros do governo federal, grupos partidários do PRI a nível local e membros da força pública. Esses grupos também foram responsáveis por diversos crimes humanitários, incluindo a realização de massacres contra a população civil. Apesar de esforços do governo federal (como no caso da administração de Vicente Fox) em combater esses grupos, eles ainda persistem e realizam confrontos com tropas públicas. Dentre eles, o principal é o intitulado “Desenvolvimento, Paz e Justiça” ou apenas “Paz e Justiça”, formado em 1995 (OLNEY, 2011).

Por fim, o conflito armado que mais tem feito vítimas nos anos recentes é o confronto entre as Forças Armadas (sobretudo o Exército) e os cartéis de drogas, presentes a nível nacional. Durante as décadas de 1980 e 1990, o México surgiu como rota de passagem das drogas – sobretudo cocaína – que era produzida nos países andinos (Colômbia, Peru e Bolívia, principalmente) em direção ao mercado norte-americano. Com a militarização do combate ao narcotráfico, por parte dos Estados andinos, com a utilização das Forças Armadas no combate à produção e comercialização de entorpecentes e com a implementação de programas de interdição e fumigação aérea por parte do governo dos Estados Unidos, os grandes cartéis da Colômbia e dos demais países andinos passaram por um processo de declínio (ÁLVAREZ; LANDÍNEZ; NIETO, 2011).

Assim, a partir da década de 2000, os grupos narcotraficantes mexicanos, a princípio de “pequeno porte” passaram a ganhar importância e, dessa forma, crescer em recursos e poder. Desse modo, foram criados os grandes cartéis de drogas no território mexicano, os quais exportavam o produto para os Estados Unidos. Esse crescimento também acabou gerando maior violência, com os confrontos entre as forças estatais e as dos cartéis, além de acabar por influenciar o poder público, corrompendo tanto políticos quanto membros da Polícia (ÁLVAREZ; LANDÍNEZ; NIETO, 2011).

O território mexicano encontra-se dividido em zonas de influência sob o domínio de oito cartéis: Cartel de Sinaloa, Cartel do Golfo, Los Zetas, Los Cabelleros Templarios, Jalisco Nueva Generación, Cartel de Juárez, Organização Béltrán-Leyva e La Familia Michoacana, sendo o maior deles o Cartel de Sinaloa, que atua nos estados fronteiriços de Chiahuahua e Baja California e controla entre 40% e 60% do tráfico de drogas do país. Seu líder anterior era o famoso traficante Joaquín “El Chapo”. Entre 2006 e 2016, o conflito referente ao narcotráfico gerou cerca de 80.000 mortos. Além disso, mesmo atualmente o México passa por uma onda de violência que advém sobretudo de confrontos entre narcotraficantes e entre estes e as forças policiais e militares.

A partir de 2006, no governo de Felipe Calderón (2006-2012), o Estado mexicano passou a empregar as Forças Armadas, sobretudo o Exército, para combater o crime organizado no país, militarizando assim a segurança pública. Essa política também continuou durante o governo de Enrique Peña Nieto (2012-2018) e permanece até hoje, durante o governo de Manuel López Obrador (eleito em 2018). Entretanto, essa estratégia de combate ao narcotráfico não tem gerado grandes resultados na resolução dos conflitos no país, o que levou ao atual governo prometer uma reversão dessa política, com a criação de uma Guarda Nacional para lidar com o narcotráfico e a imigração ilegal (BENÍTEZ, 2019). Apesar disso, a proposta de criação dessa Guarda Nacional ainda tem sido vista como uma forma de militarização da segurança pública mexicana, uma vez que o Exército ainda continua com grande voz e atuação nessa nova instituição.

Além disso, em 2007, os governos do México e dos Estados Unidos – sendo George W. Bush como presidente na época – implementaram um programa de assistência de segurança (com grandes componentes militares) para fazer frente ao narcotráfico e à imigração ilegal na fronteira sul do México com Guatemala e Belize. Esse programa ficou conhecido como Iniciativa Mérida e esteve acoplada à política de segurança norte-americana denominada “guerra às drogas” e também à chamada “guerra ao terror”. Por meio dele foram transferidos equipamentos de defesa e treinamentos de unidades das Forças Armadas mexicanas para atuarem na área de segurança pública (TURBIVILLE JR., 2010).

Tendo em vista essas fontes de conflito, o que se pode perceber do México é que o Estado ainda enfrenta resistência de grupos armados que ameaçam o seu monopólio do uso da força coercitiva. Além disso, a grande fragmentação dessas ações armadas acabam tornando o seu enfrentamento uma tarefa difícil para as forças estatais. Porém, mais do que isso, essa situação como um todo evidencia um cenário caracterizado pela existência de fraturas entre as elites locais e nacionais, a pouca atenção que é dada a questões sociais por parte das autoridades nacionais, estaduais e municipais, bem como às complexidades dos processos sociais no México, mesmo após a perda de hegemonia do PRI, no início do século XXI. Além disso, também ressalta-se a importância da penetração norte-americana no Estado mexicano, incluindo (mas não somente) nas Forças Armadas do país, investindo em estratégias que se demonstraram falhas – como a militarização da segurança pública – e que servem aos interesses apenas de uma parcela da sociedade. Assim, os conflitos armados no México são fruto dos problemas sociais, econômicos e políticos por que tem passado o país, principalmente a partir do final da Guerra Fria.

 

 

REFERÊNCIAS

 ÁLVAREZ Gómez, Christian; LANDÍNEZ Aceros, Jaime; NIETO Rojas, Johanna. Drogas y narcotráfico en México: percepción de amenaza y construcción del enemigo. In: VARGAS Velásquez, Alejo. Fuerzas Armadas en la política antidrogas: bolivia, colombia y méxico. Bolivia, Colombia y México. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2011. p. 137-170.

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Fonte Imagética: Ferri (2017). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/10/internacional/1486690615_255067.html.