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40 anos da primeira invasão israelense ao Líbano: consequências e lições

Karina Stange Calandrin*

Texto publicado originalmente no Estado de S. Paulo

 

Há 40 anos, especificamente em seis de junho de 1982, as forças armadas israelenses atravessaram sua fronteira norte e invadiram o Líbano. A operação militar, cunhada como “Paz para a Galiléia”, foi anunciada ao público como uma operação rápida que supostamente duraria  no máximo 48 horas, com o objetivo de expulsar as bases da Organização para Libertação da Palestina (OLP) que haviam se instalado no Líbano, próximo à fronteira com Israel. 

Todavia, a operação durou anos. As forças armadas israelenses se envolveram na guerra civil libanesa (1975-1990), enfrentaram o exército sírio que estava em solo libanês com o objetivo de levar a guerra civil a um cessar-fogo e entraram em combate com as forças paramilitares da OLP. Ainda, as tropas israelenses avançaram para além de Beirute, capital do Líbano, envolvendo palestinos, libaneses e sírios em batalhas. O que deveria ter sido uma operação de curta duração, com uma rápida vitória, acabou sendo a pior guerra de Israel até os dias atuais, contando com perdas materiais, humanas, políticas e econômicas não vistas antes pelo país. 

Passados 40 anos do início do conflito e olhando em perspectiva, quais as consequências da operação “Paz para a Galiléia”, não apenas imediatas, mas também contemporâneas?

Primeiro, parece que sua memória foi praticamente apagada da agenda nacional israelense. Quando a mídia local fala sobre o Líbano, ela tende a se concentrar em outros marcos: a Segunda Guerra do Líbano de 2006 e os anos de combate na zona de segurança, estabelecida na fronteira com Israel. Apesar de todos os eventos que sucederam a primeira invasão israelense ao Líbano – como a comissão de inquérito Kahan que levou a condenação do então Ministro da Defesa Ariel Sharon, os protestos que promoveram a queda do governo e a convocação de novas eleições, os massacres de Sabra e Chatila (1982), a criação do Hezbollah, entre outros -, a Primeira Guerra do Líbano nunca teve o mesmo lugar na consciência israelense que outros conflitos. Ainda hoje, gerações que não viveram a guerra de 1982 não a veem como uma derrota, ou até mesmo como uma operação que não atingiu os  seus objetivos propostos.

No entanto, em muitos aspectos, a guerra de junho de 1982 incutiu ideias e conceitos que ecoam nos debates militares israelenses atualmente. Foi a primeira guerra que despertou uma verdadeira controvérsia política em Israel, pois não só gerou uma reação da opinião pública que levou à queda do governo e o estabelecimento de uma comissão de inquérito, como também expôs as informações incorretas que estavam sendo utilizadas pelo governo israelense para legitimar a invasão. Uma das razões foi que a Primeira Guerra do Líbano foi noticiada amplamente pela mídia israelense e internacional, o que influenciou a opinião pública internacional e doméstica. Ademais, a guerra ilustrou para os israelenses problemas sérios no alto comando das Forças Armadas de Israel e do governo, como a noção de superioridade moral e invulnerabilidade.

Todos esses marcos estão conectados entre si. A falsa promessa que o Ministro da Defesa Ariel Sharon, em 1982, fez de limitar o avanço do exército a uma linha de 40 quilômetros da fronteira israelense foi dirigida mais ao público e seus colegas de gabinete no governo de Menachem Begin (1977-1983) do que à liderança da OLP. A enorme lacuna entre os discursos dos políticos e o que os soldados relataram quando voltaram para casa, gradualmente, fez com que a opinião pública israelense condenasse a guerra. 

Além de Israel, a invasão de 1982 ao Líbano levou ao envolvimento de outras potências na guerra civil libanesa, como Estados Unidos e a União Soviética, que acabaram por agravar a situação de segurança regional. Em resposta ao envolvimento israelense na guerra civil libanesa, um grupo paramilitar, que futuramente se tornaria também um partido político no Líbano, foi fundado: o Hezbollah. O grupo é visto por Israel como uma ameaça até hoje, tendo levado a mais uma invasão de Israel ao Líbano em 2006. Ainda hoje, o Hezbollah tensiona as relações com Israel, principalmente através de sua atuação na guerra civil síria (2011-presente). 

Dessa forma, a Primeira Guerra do Líbano é um conflito com importância ainda imensurável, tanto para a região em geral, quanto para Israel em particular. Vale destacar que Israel passou por mudanças políticas importantes, que levaram a um tensionamento ainda maior entre o partido Likud (de Menachem Begin) e o partido trabalhista que retornou ao poder em 1984, mudando inclusive as diretrizes das Forças Armadas em futuras operações. Ainda, mudou a dinâmica das potências no Oriente Médio, tanto as super potências, como Estados Unidos e União Soviética, quanto as potências regionais, como a Síria, e a inclusão de novos atores, como o Hezbollah. Logo, os efeitos dessa guerra ainda são percebidos hoje na conjuntura política do Oriente Médio e reverberam na política israelense.

* Karina Stange Calandrin é doutora em Relações Internacionais pelo PPG RI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), professora da Universidade de Sorocaba e pesquisadora do Observatório de Conflitos. Sua tese de doutorado discutiu o processo decisório em política externa israelense.

Imagem: foto aéra de Beirute, capital do Líbano. Por: Jo Kassis/Pexels.

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