Em um evento ocorrido no dia 29 de setembro de 2016, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, apresentou à Presidência as novas versões da Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa e Livro Branco de Defesa Nacional. De acordo com a LC n. 136/2010 – que altera a redação da LC n. 97/1999 – os documentos devem ser atualizados a cada 04 anos. Seguindo a determinação, no mesmo dia, o ministro submeteu os documentos atualizados à apreciação do Congresso Nacional, na pessoa do então presidente do Senado, Renan Calheiros. Entretanto, as minutas dos documentos só foram disponibilizadas para leitura do público no dia 13 de março de 2017.
Durante dois encontros ocorridos nos dias 04 de abril e 08 de maio de 2017, integrantes dos Programas Pró-Defesa e Pró-Estratégia discutiram as novas versões dos Documentos de Defesa apresentadas. Estavam presentes coordenadores de todas as entidades participantes, pesquisadores, militares, entre outros representantes da sociedade civil. O Pró Estratégia envolve os Programas de Pós-Graduação San Tiago Dantas, da Unesp, Unicamp e PUC-SP, a UnB, UFRGS, UFSCar, UFS, ECEME (Escola de Comando e Estado Maior do Exército) e UNIFA (Universidade da Força Aérea), sob a coordenação do Prof. Dr. Héctor Luis Saint-Pierre (IPPRI-Unesp/San Tiago Dantas). No Pró-Defesa estão reunidos o programa de pós-graduação San Tiago Dantas, UNB, UFRGS, ECEME, UEL e UNIFA, coordenado pelo Prof. Dr. Samuel Alves Soares (Unesp/San Tiago Dantas).
Ao longo das discussões, os participantes puderam apresentar seus pontos de vista e opiniões sobre o novo texto dos documentos e discutir sobre as novas diretrizes que estes determinam. Em linhas gerais, há certa preocupação com a condução do debate acerca da Defesa Nacional no país. Os objetivos traçados nas primeiras versões dos documentos – e que ainda não atingiram grau de maturação suficiente para poderem ser considerados alcançados – parecem ter tomado outro direcionamento ou até mesmo sido suplantados nas novas versões.
Dentre os pontos que merecem destaque, o direcionamento da Defesa para uma perspectiva que remete aos anos de 1950 e que traduz a segurança como a "ausência de ameaças" não acompanha a configuração sistêmica internacional e coloca em dúvida a capacidade nacional de garantir tal objetivo. Além de já ser visível a mudança no eixo norteador das relações exteriores do país, tendo perdido protagonismo o entorno estratégico – América do Sul e África – e um menor comprometimento com a cooperação regional.
De modo geral, assim como se percebe em outras atitudes desta gestão, falta uma noção clara do país que se pretende construir. Cristaliza-se a situação de crise instaurada e projeta-se esta visão diminuta em termos de estruturação interna do Estado e do espaço que se busca ocupar. Os documentos apresentados são mais bem estruturados em termos de forma, entretanto apresentam pouca substância. A ideia geral é razoavelmente mantida, mas há um grande esforço na desvinculação com os feitos e propostas de governos anteriores.
A ausência de um debate profundo com a sociedade e principalmente com o meio acadêmico que já era defasada aprofunda-se ainda mais. Estes fatores trazem consigo a necessidade de questionamento acerca da participação social na discussão, sobre quem efetivamente está sendo representado na agenda das mudanças e medidas implementadas. E, é claro, sobre o preparo dos atores que formularam estes documentos. Mais preocupante é questionar sobre o nível e a profundidade do debate no Congresso Nacional, onde tais documentos serão apreciados.
Também é evidente a desvinculação entre as estratégias de Defesa nacional e as estratégias de desenvolvimento econômico e social. Inclusive é possível observar o decréscimo da ambição do país em se projetar internacionalmente em busca de maior protagonismo da agenda global. Nesta mesma direção, é preocupante a definição orçamentária para a pasta, principalmente na área de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, impactando diretamente na Base Industrial de Defesa (BID). Esta relação implica na essência dual dos produtos e tecnologias de defesa, que necessitam de uma plataforma de desenvolvimento que possibilite a absorção interna, a exportação, e quando pertinente o uso para fins não-militares. Também pode ser afetada a participação do Brasil em Operações de Paz sob o mandato da ONU. Na toada dos cortes promovidos pelo governo, os documentos projetam uma estagnação orçamentária de cerca de 20 anos, colocando em risco os projetos estratégicos em andamento e anulando a possibilidade de futuros.
Persiste uma forte tendência de utilização das Forças Armadas em missões internas de segurança pública. É visível tal ensejo na definição de Defesa como sendo o meio necessário para combater ameaças "preponderantemente" externas. É dúbia a interpretação acerca de qual função as Forças Armadas devem desempenhar no país: meio letal de combate às ameaças externas, garantindo sua vocação e profissionalismo ou devem ser utilizadas a revelia em missões subsidiárias internas, com impactos para o preparo dos efetivos e a descaracterização institucional. Esta tendência que não é recente, parece se enraizar cada vez mais no aparato jurídico e ainda é um ponto gris nas discussões sobre a Defesa Nacional.
Em suma, as discussões deixaram um ar de apreensão quanto aos rumos tomados na área de Defesa como um todo. Não é possível traçar com alguma precisão um panorama futuro, onde estas mudanças irão impactar diretamente. A percepção geral é que as opções explicitadas nestes novos documentos colocam em xeque o estado de coisas que vinha sendo desenhado e construído nas gestões anteriores. Cabe a derradeira questão: esta nova direção nos levará para onde?
Victor Teodoro é mestrando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais "San Tiago Dantas" (Unesp-Unicamp-PUC/SP) e pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).