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Guerra Informacional no conflito Rússia e Ucrânia: redes e desinformação (Parte 3)      

Alcides Eduardo dos Reis Peron*

 

As mídias sociais têm agido de forma a complementar, potencializar e mesmo capitanear os processos de desinformação. Nesse caso, esse expediente tem sido utilizado tanto pela Ucrânia como pela Rússia, que busca veicular suas justificativas para a guerra e perspectivas nacionalistas pelas redes – dado o bloqueio de operações de portais e canais russos como a RT e o Sputnik. As principais linhas narrativas dos meios russos e das informações circuladas nas redes sociais visam sustentar os princípios políticos da invasão, reforçando os argumentos de des-nazificação da Ucrânia, descrédito das ações da OTAN e, fundamentalmente, de minimização dos impactos desse conflito.

Memes Compartilhados pela conta oficial da Ucrânia no Twitter

Essa guerra informacional tem sido mobilizada também a partir das redes sociais e serviços de trocas de mensagens. Particularmente, a produção de memes, a alteração direta de imagens e vídeos visa não apenas desinformar ou informar, mas também, por serem expressões culturais que difundem uma sensação coletiva, tem um potencial de convencimento pela sua dimensão abstrata. Sua divulgação e circulação tem estado na base da estratégia ocidental, mas principalmente nas estratégias de Rússia e Ucrânia – este último, em específico, fazendo compartilhamentos a partir de contas oficiais, como pode ser apreciado acima. Numa delas, inclusive, a estratégia de demonização utilizada na Guerra do Golfo ao aproximar Sadam de Hitler é novamente mobilizada para enquadrar Putin enquanto uma liderança maligna. O governo ucraniano, ainda, tanto em sua conta oficial de Twitter, quanto a partir da conta de Zelentsky, faz divulgações sobre os movimentos russos – como quando os russos chegaram em Chernobyl e Zelentsky alertou sobre a possibilidade de um conflito ali gerar consequências para toda Europa.

Em geral, as ações da Rússia e da Ucrânia se caracterizam por difundirem nas redes sociais um conjunto de negações de fatos, de reações a eventos, e divulgação de informações e desinformações, fotos e memes que se articulam com os objetivos gerais da guerra. No entanto, enquanto as ações ucranianas claramente se destinam a um público maior que apenas o interno, dado seu amplo compartilhamento por pessoas de outros países europeus e dos EUA, no caso da Rússia seu raio de ação se concentra sobre o público interno e mesmo sobre o ucraniano, e não visa engajar o público internacional, objetivando exclusivamente angariar o suporte interno necessário.

As técnicas têm sido sofisticadas e contam com a geração de perfis e discursos falsos para a difusão de discursos pró-Rússia. Nesse caso específico, um personagem falso teria sido criado pela Rússia, Vladimir Bondarenko, a partir de sistemas de Inteligência Artificial, um deepfake orientado a difamar a Ucrânia e sua proximidade com o Ocidente. Em geral, esses perfis repostam e comentam em artigos muito breves, imagens e memes, formando os conhecidos enxames de informação, como aponta Byung-Chul Han. Com isso, se governa a tormenta de informações na internet que incluem informações absurdas como: “Putin está salvando a Ucrânia dos Nazistas”. Essa narrativa tem se articulado com uma campanha interna da Rússia em suporte à invasão, que inclui a promoção de vídeos e um espírito nacionalista que se manifesta na simbologia da letra “Z”, originalmente pintada nos tanques russos, significando “Za pobedy” (para a vitória), mas que tem sido apropriada pelo governo para enfatizar, em inglês, a ideia de “DemilitariZe” e “De-naZify” (desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia). Da mesma forma como nas estratégias “ocidentais”, essa campanha se dá em um misto de entretenimento e jornalismo, visando cativar o público, através de campanhas emocionadas e nacionalistas na televisão e nas redes sociais.

No Telegram – em especial nos canais de grupos pró-Rússia, como o “Donbass Insider” e o “Bellum Acta” – é notória a profusão de vídeos de sistemas de armas, disparo de mísseis, de deslocamento de tropas, numa clara tentativa de cativar o público interno em favor do conflito e demonstrar capacidade coercitiva, gerando frustração e decepção nos adversários. Em muitos desses canais, a utilização de memes e informações falsas visam conferir apoio interno à invasão e enaltecer a liderança de Putin, numa clara evidência que tais canais seriam controlados de forma centralizada por Moscou. Mais do que isso, a circulação de imagens desse porte por parte da Rússia tem buscado criar, como apontam especialistas, a ideia de que a Ucrânia não tem sido capaz de revidar e conter os ataques (o que reforça a moral dos combatentes e da população em favor da guerra), e que a atual invasão, na verdade, é um contínuo ou escalonamento da violência iniciada em 2014 – que tem como fim amenizar o choque causado pela atual invasão, principalmente em relação ao público interno.

Essa estratégia parece estar surtindo efeito, apesar dos inúmeros bloqueios que as Big Techs têm feito de perfis e informações circuladas pela Rússia nas redes sociais. De acordo com a agência de pesquisas Levada, a invasão da Ucrânia conta com uma aprovação de 81% do público russo, sendo que 35% deste público sequer prestaria atenção a esse conflito. Como mostra essa pesquisa, boa parte das razões para esse apoio estaria relacionada justamente à vinculação do sentimento de insegurança estatal com o “cercamento” da OTAN sobre a Rússia, a um sentimento de ameaça existencial junto à população. Essa sensação não é exclusiva dos russos, mas partilhada entre seus aliados, como no caso dos cidadãos chineses, que têm demonstrado apoio à invasão Russa – graças à ampla difusão de informações por influencers na rede Douiyn, o Tik Tok do país – levando ao consenso de que as movimentações da OTAN são incautas e de cunho imperialista.

Nesse sentido, vale destacar que não é inédita a utilização dos meios para a produção de consensos ou dissensos em um conflito, mas nesse atual conflito é vertente como imaginários histórico-políticos, desinformação e memes se conformam como complexos mecanismos capazes de produzir efeitos de realidade. Sua articulação auxilia na produção de simulacros, ora sustentando uma imagem de ineditismo e distanciamento da guerra do espaço europeu (e do ocidente civilizado) – recompondo as linhas narrativas colonialistas, que justificam ou deslegitimam a barbárie – ora compondo uma imagem de vitória inabalável para a mobilização interna do público russo.

Conforme a guerra de narrativas se intensifica, e jogos de imagem e vídeo passam a se tornar as únicas formas de se acessar o conflito, as linhas entre realidade e ficção se turvam e obrigam os olhares estratégicos a assumirem, também, um olhar crítico sobre tudo aquilo que se produz em termos informacionais na guerra. Isso porque a ação midiática, assim como o enxame informacional nas mídias sociais, operam de forma a fundir notícia e entretenimento a partir de imagens, memes e vinhetas, mobilizando uma dimensão emocional e afetiva na difusão de informações.

A leitura semiótica, a abordagem crítica do discurso, dos condicionantes históricos e da produção histórica das narrativas deixa de ser algo acessório, e se torna determinante para a compreensão das estratégias e disputas num conflito. Da televisão ao vivo à produção de realidades imediatas nas redes, o que se imagina é que os meios são a guerra em seu estado subliminar. No entanto, se não debatidos de forma crítica, os meios de comunicação podem ser condicionados como mecanismos que autorizam e legitimam o prolongamento do sofrimento, mais do que auxiliam o seu fim.

 

*Alcides Eduardo dos Reis Peron é doutor (2016) em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), autor do livro “American way of war: ‘guerra cirúrgica’ e o emprego de drones armados em conflitos internacionais” e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe.

Imagem em destaque: vila de Novoselivka, Ucrânia. Por: UNDP Ukraine.

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