Os esforços para entender a abordagem do governo de Israel em relação aos cidadãos árabes do Estado tornaram-se mais complicados ao longo do ano passado. Muitos judeus e árabes israelenses são incapazes de compreender qual é a verdadeira política do governo em relação ao que equivale a um quinto dos cidadãos de Israel. Ainda assim, isso não é surpreendente, quando consideramos que o governo de Netanyahu quebrou dois registros em relação aos cidadãos árabes: por um lado, um investimento orçamentário extensivo em relação à segurança na Cisjordânia e, por outro lado, uma ofensiva política degradante aos habitantes árabes da região.
Enquanto com uma mão, o governo transfere orçamentos novos e significativos para cidades árabes, com a outra desencadeou uma onda de legislação sem precedentes dirigida contra cidadãos árabes de Israel. O ataque na sexta-feira, 14 de julho de 2017, quando três cidadãos árabes mataram dois policiais no Monte do Templo em Jerusalém, agravou a situação.
Os homens, ambos da cidade do norte de Umm al-Fahm, entraram no complexo através do Lions Gate, a entrada designada para muçulmanos, com armas escondidas sob suas roupas e atiraram nos policiais da fronteira. A polícia israelense respondeu fechando o complexo e cancelando as orações naquele dia. Vinte e quatro horas depois, antes de partir para uma viagem de cinco dias para a França e a Hungria, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenou que os detectores de metais fossem instalados no lugar, sob-recomendação da Polícia de Israel.
Como um ato de protesto civil, os palestinos religiosos se recusaram a passar pelos detectores de metais, e ao longo da semana seguinte, realizaram suas orações fora do prédio do Monte do Templo. Os muçulmanos realizam o seu principal serviço de oração semanal na sexta-feira, e, quando esse dia se aproximou, a pressão aumentou em relação ao governo para retirar os detectores de metal. O governo resistiu à pressão e reprimiram os manifestantes palestinos. Três palestinos foram mortos nesses confrontos, e posteriormente, o líder da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, respondeu ao anunciar que estava suspendendo a cooperação com Israel.
Na noite de sexta-feira (21 de julho de 2017), um palestino infiltrou-se na Cisjordânia, mais especificamente no assentamento israelense de Halamish, e esfaqueou um idoso e seus dois filhos adultos durante o jantar de Shabat. O agressor foi baleado e ferido por um vizinho, um soldado israelense fora de serviço. No domingo (23 de julho), Israel instalou câmeras de vigilância no Lions Gate e disse que elas deveriam complementar – não substituir – os detectores de metais.
Na verdade, os detectores de metal podem ser encontrados praticamente em todos os lugares em Israel, seja na entrada de um shopping ou na entrada do Muro Ocidental de Jerusalém. Mesmo no Brasil, vários prédios judaicos possuem detectores de metais na entrada. Para os israelenses, eles são vistos como uma precaução de segurança necessária e certamente nada fora do comum – especialmente em um local que é propenso a confrontos violentos. No entanto, os palestinos foram surpreendidos com o movimento, antes de tudo, porque a decisão foi tomada unilateralmente sem consultas. Pior ainda, eles interpretaram a atitude como uma tentativa de Israel de afirmar o controle sobre o local sagrado e enfraquecer o status quo delicado que prevalece lá.
O Monte do Templo goza de um status único. Israel controla toda a entrada, mas o próprio local é administrado pela autoridade religiosa. O Monte do Templo, também conhecido pelos muçulmanos como o Nobre Santuário, é o local da mesquita de Al-Aqsa, um dos mais sagrados locais para os muçulmanos.
Agora que Israel entende o que o problema desses detectores de metal está causando, por que simplesmente não os retirou de prontidão? Neste ponto, consideramos que é uma questão de honra e ego para ambos os lados. Se Israel removesse os detectores de metais tão rápido, a ação seria vista como fraqueza e cessão à pressão palestina, e pior ainda, ao terrorismo. Netanyahu também teme que seus adversários políticos à direita irão usar a ação contra ele politicamente. Para os palestinos também, tornou-se uma questão de princípio não passar pelas máquinas, gerando um impasse.
Na quinta-feira, 27 de julho, as forças policiais israelenses entraram no complexo, a partir do lado sul da Mesquita Al-Aqsa, para dispersar aqueles que faziam uma barricada por dentro. Um número de pessoas considerável foi ferido, incluindo um manifestante que foi supostamente baleado na perna e levado para um hospital.
Após as negociações entre o Waqf, a autoridade muçulmana que administra o templo sagrado e a Polícia de Israel, o Portão de Huta foi aberto. Milhares se reuniram em uma longa fila para entrar na Mesquita Al-Aqsa. Alguns adoradores entraram em confronto com as forças de segurança na entrada do local, com a polícia usando meios de dispersão. A Sociedade do Crescente Vermelho Palestino disse que 115 palestinos foram feridos, dos quais 15 foram levados para o hospital.
Algum acordo de compromisso terá que ser formulado para que Israel possa sair desta situação aparentemente instransponível. O fato de Israel ter instalado novas câmeras de vigilância perto do Lions Gate no domingo provavelmente mostrou que a situação iria piorar antes de melhorar, o que ocorreu. Podemos estar vivenciando o início de uma terceira intifada
Karina Stange Calandrin é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.
Imagem: Jerusalem, Dome of the Rock and the Western Wall. Por: Berthold Werner.