Laurindo Paulo Ribeiro Tchinhama: Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista CAPES. E-mail: laurindoprt@gmail.com.
Jéssica Tauane dos Santos: Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘San Tiago Dantas’ (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e bolsista CAPES. E-mail: jess.tne@gmail.com.
Um dos conflitos civis que mais assola o continente africano é o da República Democrática do Congo (RDC). Os primeiros resquícios de instabilidade política datam da sua independência da Bélgica, em 1960. Assim sendo, o país mergulhou em confrontos internos quando a província de Katanga declarou secessão do governo central com o apoio de belgas (MUNANGA, 2009). Nesse contexto, o país solicitou ajuda à Organização das Nações Unidas (ONU) que respondeu com a missão da Operações das Nações Unidas no Congo (ONUC) com objetivo de expulsar os belgas e manter a lei, a ordem e a integridade territorial. Dessa forma, o país começou a enfrentar uma série de instabilidades internas, políticas e econômicas. A separação de Katanga abriu caminho para demais províncias agirem da mesma maneira e, com isso, emergiu uma desordem política total, tornando o apoio da ONU cada vez mais relevante.
Nesse ínterim, em 1965 um golpe militar derrubou o primeiro presidente da RDC, Joseph Kasavubu, e levou ao poder Joseph Mobutu Sese Seko, que aproveitou o contexto conturbado do país para impor medida de reordenamento e ordem. Com apoio de potências como Estados Unidos (EUA), ele instaurou um regime autoritário de partido único chamado Movimento Popular da Revolução (MPR) e alterou o nome do país para Zaire a partir de 1971. Seu regime vigorou até o início dos anos 1990 e foi marcado pelo benefício de uma tribo em detrimento das outras (tribalismo), crises econômicas, e violações de Direitos Humanos. Com o fim da Guerra Fria e a vitória do modelo capitalista, os governos autoritários começaram a perder força e, assim, a decadência de Mobutu se consolidou devido ao rompimento de apoios externos.
Com isso, definhava-se a ditadura de mais de 30 anos. Fracassado e sem apoio, Mobutu sofreu o golpe do grupo Aliança das Forças Democráticas para a Libertação do Congo (AFDL), liderada por Laurent Désiré Kabila, que teve suporte de Angola, Ruanda, Uganda e Burundi. O golpe levou à derrubada de Mobutu em 1997 e Kabila se autoproclamou presidente da república, mudando o nome do país para a República Democrática do Congo (MUNANGA, 2009). A insatisfação com o governo de Mobutu, sobretudo pelo tribalismo, adicionado à xenofobia diante da imigração de ruandeses no leste do país, fugidos do genocídio de 1994, foram fatores preponderantes para a escalada dos conflitos. Por outro lado, originou a formação de grupos rebeldes a favor e contra o Estado, resultando na primeira Guerra do Congo durante o governo de Mobutu e levou a queda do seu regime e causou cerca de 200 mil mortos (1996 -1997) (DA SILVA, 2011).
Logo após o fim dos embates, surgiu um movimento de aliança entre Ruanda e Uganda contra o regime de Laurent Kabila, pois estes se sentiram traídos pela decisão de Kabila de fazê-los retirar suas tropas do país. A união desses países originou o movimento Restabelecimento Congolês para Democracia (RCD) e estendeu seu apoio a grupos menores locais que estavam insatisfeitos com o governo, dentre eles: o Movimento 23 de março (M23), Mai-Mai, Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FDRL), Movimento Revolucionário Congolês (MRC), Movimento de Libertação Congolês (MLC), entre outros. Esses grupos atuaram em grande parte nas regiões do Kivu do Sul, Ituri, Bukavu, Kivu do Norte (Beni e Goma), Katanga, Kasai e Maniema, principalmente em regiões detentoras de grandes quantidades de recursos minerais. Dessa forma, estava instaurada a instabilidade política e de segurança no país.
A escala desses conflitos levou à segunda guerra do Congo que começou em 1998, também conhecida por guerra mundial africana, que tinha como objetivo derrubar o regime de Laurent Kabila. A primeira tentativa de terminar com o conflito foi a assinatura do acordo de Lusaka em 1999, na Zâmbia, no qual as partes se comprometiam com o cessar-fogo. Na sequência, foi estabelecida a Missão da Organização das Nações no Congo (MONUC) cujo objetivo era de prestar assistência às negociações entre governo e rebeldes e observar o cumprimento do cessar-fogo (CRAVINO, 2007). O assassinato de Laurent Kabila em 2001 não colocou fim aos conflitos civis, mas alimentou o clima de instabilidade no país devido à subida automática do Joseph Kabila, filho de Laurent, ao poder. Estima-se que a segunda guerra do Congo causou cerca de 3,8 milhões de mortes (DA SILVA, 2011), e raptos de crianças pelos grupos armados (crianças-soldados), violência sexual, crimes contra humanidade e outros.
Dentre as causas dos conflitos, além das questões políticas, estão as disputas pelo controle de regiões ricas em minerais, a instabilidade da região dos grandes lagos africana, principalmente na década de 1990, o genocídio de Ruanda em 1994 que gerou a imigração de hutus para o leste do Congo, as relações bilaterais rompidas por Laurent Kabila com Ruanda, Uganda e Burundi depois do golpe de Estado ao Mobutu e, acima de tudo, as rivalidades tribais que impulsionaram o surgimento de pequenos grupos armados (AUTESSERRE, 2010).
Com o fracasso do acordo de Lusaka e a retomada dos conflitos, em 2003 foi assinado o acordo de paz de Sun City na África do Sul que decretou o término oficial da guerra. Assim, a MONUC foi estendida e foram adicionadas novas tarefas, de modo que o novo acordo fosse cumprido, levando estabilidade ao país e consolidando a paz. Em seguida, foi criado um governo de transição (2003-2005) no qual Joseph Kabila assumiu a presidência com mais quatro vice-presidentes (4+1) de outros partidos de maneira conjunta. O governo de transição se responsabilizaria pelas reformas institucionais, pela criação de uma nova Constituição e, posteriormente, pela realização de novas eleições.
Houve a tentativa de reorganização das forças armadas que passaram a ser compostas pelas Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC), pelo Restabelecimento Congolês para Democracia (RCD) e pelo Movimento para a Libertação do Congo (MLC). No entanto, essa junção foi marcada por desavenças em termos de hierarquia, incompatibilidade salarial, falta de recursos financeiros e desobediências (CRAVINO, 2007). A principal falha do governo de transição foi, sobretudo, na criação de um exército nacional coeso que garantisse a estabilidade interna, faltando programas de reintegração de ex-combatentes no exército nacional e de desarmamento eficientes.
A realização das eleições se concretizou em 2006 com a vitória de Joseph Kabila (TCHINHAMA, 2017). Os resultados das eleições foram contestados e o governo de Joseph Kabila foi incapaz de manter integridade e a ordem no país. Iniciou-se uma onda intensa de agressão contra os civis e o estado de violência foi instaurado. A MONUC foi então substituída pela Missão de Estabilização Da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO) em 2010. A Missão tinha como objetivo garantir a proteção dos civis e da equipe humanitária no terreno e defender os Direitos Humanos no país. Foi uma missão atípica da ONU por determinar o uso de todos os meios necessários para o seu cumprimento (INFORMATION, 2019; DPKO, 2020; MONUSCO, 2020). Os desafios da missão no terreno para proteger os civis diante dos ataques dos grupos levaram à implementação de uma Brigada de Intervenção especializada com o intuito de neutralizar os grupos armados e reduzir as potencias ameaças, pautando-se na técnica da resolução de conflitos de imposição da paz (peace-enforcement).
A RDC tem como missão desmantelar os grupos rebeldes que ainda atuam causando instabilidade política, tarefa que passa pelo estabelecimento de um exército nacional coeso e consistente, mediante a criação de programas de reforma do setor de segurança. Para tal, conta a comunidade internacional que continua mantendo seu apoio, de modo a tornar a paz estável e duradoura, por meio de mandato de especialistas que ajudam no treinamento do exército congolês. Como, por exemplo, o envio em 2019 de especialistas brasileiros em guerra na selva para treinar o exército local para fazer frentes aos grupos armados que se refugiam nas florestas.
Vale ressaltar também a missão da União Europeia que, por meio da European Union Police Mission for the Democratic Republic of Congo (EUPOL) (2005-2007), contribuiu na tentativa de reformar e reestruturar os setores de polícias e de justiça; a European Union Militar Operations in Democratic Republic of Congo (EUFOR) ajudou a MONUC no reforço do processo eleitoral pós-transição.
No entanto, desde as primeiras as eleições históricas em 2006, o país ainda não tem capacidade política e institucional para estabelecer a paz. Kabila deveria ter saído do poder em 2016 após o cumprimento de seus dois mandatos, conforme a Constituição, porém as eleições foram realizadas somente em 2018, após várias manifestações de repúdio da população e dos partidos da oposição.
Assim, só depois de 18 anos como presidente da RDC, Joseph Kabila deu lugar ao candidato da oposição, Felix Tshisekedi, anunciado como vencedor das eleições em janeiro de 2019. Entretanto, o resultado oficial gerou controvérsias. Segundo opositores, um acordo secreto firmado entre Tshisekedi e Kabila garantiria que este mantivesse em grande medida seu poder sobre o país, ainda que não oficialmente. Martin Fayulu, segundo colocado e também candidato da oposição, afirmou que as eleições foram fraudadas e milhares de seus eleitores foram às ruas da capital Kinshasa protestar. Além disso, França, Bélgica e União Africana (UA) também questionaram o resultado das eleições. Todavia, o resultado acabou sendo aceito pela Comunidade Internacional.
Meses depois, o primeiro-ministro, Illunga Illunkamba, fez suas indicações para os ministérios, chamando atenção para o número de ministros pertencentes à coalizão Frente Comum para o Congo (FCC) de Kabila: 42 dos 65 ministros eram dessa coalizão e apenas 23 eram provenientes da coalizão de Tshisekedi. Vale destacar também que as eleições deram 70% dos assentos da câmara baixa do parlamento e uma esmagadora maioria dos assentos da assembleia provincial à FCC.
Assim sendo, fica evidente o despreparo das instituições administrativas do Estado quanto à sua capacidade de ação, imparcialidade, transparência e confiança. Por outro lado, a segurança ainda é o principal problema da RDC, pois o governo não detém o uso da força para manter a ordem e a lei e garantir a segurança do povo contra os grupos armados ainda atuantes nas áreas mais vulneráveis do país, especialmente no Leste, na região dos Kivus, palcos da maioria dos conflitos.
Em meio a conflitos políticos, o Ebola é outra grande complicação. Desde agosto de 2018 o país passava por uma epidemia da doença, contabilizando 3.340 casos e 2.210 mortes. Em abril desse ano, o governo da RDC anunciou o fim da epidemia, entretanto, no mesmo mês foram registrados novos casos. A doença é extremamente infecciosa e a atuação de grupos armados dificulta ainda mais o seu combate.
Enquanto isso, o país permanece em um estado alarmante no que se refere à violência e os desafios persistem mesmo com toda ajuda internacional disponível. A MONUSCO vem sendo renovada a cada ano que passa, devido ao grau de complexidade da Missão, e foi prorrogada até o dia 20 de dezembro de 2020 com um conjunto de 2324 pessoas civis e 15.249 pessoas uniformizadas.
REFERÊNCIAS
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TURNER, Thomas. The Congo wars: conflict myth and reality. London · New York: Zed Books.
Fotografia:
Eleições presidenciais e legislativas em Walikale, na RDC, em 28 de novembro de 2011. Fonte: MONUSCO/Sylvain Liechti