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Exercendo uma curiosidade feminista sobre as desigualdades de gênero no mercado de trabalho: lutas históricas e desafios atuais

Maria Eduarda Kobayashi Rossi*

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a desigualdade salarial entre homens e mulheres é um problema enfrentado em todo o mundo[1]. Nos Estados Unidos, a média da diferença salarial é de 18%, já nos países da União Europeia, esse número é de 12,7%. Na América Latina, a desigualdade salarial também persiste, e no Brasil, em especial, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística  (IBGE, 2022) mostram que as brasileiras recebem, em média, 78% do salário dos homens, representando uma diferença de 22%. Neste primeiro de maio, em que se comemora o Dia do Trabalhador, trazemos uma contextualização acerca da entrada das mulheres no mercado de trabalho e alguns dos desafios atuais. Ademais, ao praticar uma curiosidade feminista[2], influenciada por Cynthia Enloe (2004, 2014), buscamos olhar criticamente para a condição das mulheres no ambiente laboral, e as dinâmicas de poder que permitem a perpetuação da desigualdade até o presente.

O Dia do Trabalhador é uma data comemorada internacionalmente, e a história de sua criação está relacionada ao início uma grande greve nacional, iniciada no dia 1 de maio de 1886 em Chicago, nos Estados Unidos da América (EUA), visando promover a redução jornada de trabalho  para oito horas diárias. Os protestos, organizados por sindicatos e estimuladas por anarquistas, foram reprimidos pela polícia. Além da disseminação da violência direta sobre a população, destaca-se, também, a condenação de cinco sindicalistas anarquistas à forca. Um deles se suicidou na prisão, e os demais foram enforcados em 11 de novembro de 1887, cuja data ficou conhecida como “Revolta de Haymarket”.

Exercendo uma curiosidade feminista, cabe-nos questionar: onde estão as mulheres nessa história? Embora seus nomes não ganhem destaque na origem da data, é importante lembrar que as mulheres desempenharam uma função ativa e essencial nas lutas sociais (em especial, no movimento antiescravista) dos EUA, cuja participação foi fundamental para organizar campanhas pela garantia de direitos às mulheres anos mais tarde (DAVIS, 2004). Como destacado por Angela Davis: “[n]o final da década de 1820, muito antes da Convenção de Seneca Falls, celebrada em 1848, as mulheres trabalhadoras começaram a organizar manifestações e greves protestando ativamente contra a dupla opressão que sofriam como mulheres e como trabalhadoras industriais” (DAVIS, 2004, p. 63, tradução nossa). No Brasil, as mulheres exerceram um papel importante no movimento negro (GONZÁLEZ, 2021), bem como na luta contra a ditadura cívico-militar. Segundo Célia Pinta (2003), os grupos feministas cresceram nas décadas de 1970 e 1980, e neles participavam principalmente mulheres de classe média e operárias. A criação de tais grupos, principalmente nas capitais, foi impulsionada por mulheres intelectuais de esquerda.

Ao olhar para a evolução do movimento feminista, a socióloga argentina Dora Barrancos (2022) lembra-nos que as hierarquias de gênero, cujas consequências são manifestas, dentre muitas outras formas, na desigualdade de salários entre homens e mulheres, foi construída e reforçada historicamente, baseada na criação de papéis de gênero. Como destacado por Connell (2015, p. 32), a partir da noção da diferença entre os dois sexos biológicos são criadas imagens de gênero e, em consequência, padrões sociais que promovem a subalternização de determinados corpos, influenciando, inclusive, as escolhas profissionais[3]. As mulheres são associadas à passividade e ao amor, sendo-lhes delegadas tarefas domésticas e de cuidado, bem como empregos menos valorizados e o trabalho não remunerado no lar. Em contrapartida, aos homens são associados à imagem de força, agressividade e responsabilidade e, em consequência, são delegadas tarefas relacionadas à arena pública, à tomada de decisão, defesa e aos cargos de liderança.

No período da Revolução Francesa, as mulheres nem sequer eram consideradas cidadãs plenas e, por isso, não possuíam direitos civis e políticos ⏤ fato que incentivou a criação dos movimentos sufragistas. Há duas décadas, a grande maioria das mulheres não podia ingressar no mercado de trabalho exercendo tarefas que não fossem de cuidado e serviços gerais, como a limpeza dos espaços. Com o passar do tempo, houve um crescimento histórico do número de mulheres no mercado de trabalho e, inclusive, ocupando  altos cargos de liderança, entretanto a lacuna salarial persiste, principalmente pelo fato de que as mulheres continuam ser super-representadas em empregos vulneráveis[4].

A noção de “empregos vulneráveis” engloba: trabalhos não remunerados (como os trabalhos domésticos e de cuidado, que discutiremos a seguir), trabalhos com menos horas, trabalhos pouco remunerados e trabalho sem proteção social. Silvia Federici (2019a, 2019b), uma das principais referências do feminismo marxista, denuncia em suas obras como as mulheres estão na base de sustentação de um sistema capitalista desigual, cruel e violento, o qual se aproveitou (e se aproveita) do trabalho doméstico não pago para a sua expansão. Esse tipo de trabalho é entendido, pela autora, como “a violência mais sutil que o capitalismo já perpetuou contra qualquer setor da classe trabalhadora” (FEDERICI, 2019b, p. 12). A violência é dita sutil porque o sistema capitalista se aproveitou das normas e papéis de gênero, presentes no imaginário da sociedade, para reafirmar a ideia de que tais tarefas não representam um trabalho, mas apenas um ato de amor natural à feminilidade.

Um exemplo atual da sobrecarga das mulheres em muitas horas de trabalho ficou evidente durante a pandemia de covid-19, em que coube a elas exercer, para além de seus trabalhos, as tarefas de cuidado, tendo sua jornada de trabalho ampliada exponencialmente. Tal fato levou, no espaço científico, à diminuição da produção acadêmica das mulheres, em especial àquelas que são mães, isso fica evidente na pesquisa Parent in science. Em adição, de acordo com os dados da CEPAL (2021), as mulheres ocupavam as posições de maior risco de exposição e contaminação, como no comércio e na área da saúde. O  documento também mostra que as mulheres exerceram o triplo do trabalho não remunerado em comparação com os homens nos países da América Latina.

Importa destacar, ainda, que a desigualdade salarial está entrelaçada com outros marcadores sociais, tais como a classe e a raça. Conforme o IBGE (2022), a porcentagem de pessoas negras ocupando cargos de gestão é de 29,5%, enquanto a população branca ocupa 69%. Isso se deve à desigualdade de oportunidades alinhada a um problema estrutural: o racismo. Carolina Maria de Jesus é um exemplo de mulher trabalhadora e periférica que sentiu, em seu cotidiano, o peso da desigualdade social que permanece como um problema na sociedade brasileira. No livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, Carolina Maria de Jesus (1992) conta as dificuldades sentidas em seu cotidiano como mãe, catadora de lixo e moradora da favela do Canindé, na cidade de São Paulo, denunciando problemas sociais como a fome e a inação do Estado em garantir, principalmente, os direitos econômicos, sociais e culturais dessa população. Antes de mudar-se para São Paulo, a autora viveu em Minas Gerais e, assim como sua mãe, foi empregada doméstica. Vale ressaltar que a literatura brasileira está repleta de exemplos, evidentes, em especial, na poesia como forma sensível de tocar a experiência humana, da subjugação das mulheres negras, seja no mercado de trabalho público ou no âmbito doméstico.

Nos estudos de Segurança Internacional com foco nos indivíduos trabalha-se a questão da segurança humana, a qual está baseada na ideia de que os seres humanos devem ser livres do medo (freedom from fear), ou seja, das ameaças que possam ferir a sua integridade, e das necessidades (freedom from want) (DUFFIELD, 2005). As questões de segurança e intervenções internacionais, principalmente após os anos 2000, passaram a carregar um forte nexo com as questões de desenvolvimento, em perspectiva ampliada, na qual se defende a busca pela expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam (SEN, 2001), de modo a proteger as pessoas da violência direta e oferecendo-as oportunidades para poderem desenvolver suas capacidades e viverem a vida que almejam viver (ou seja, conforme os princípios que são caros a cada pessoa). Diante destas questões, cabe-nos destacar, tendo exercido uma curiosidade feminista, que a segurança humana, atualmente, não é uma condição desfrutada por todas as pessoas em todo o mundo, principalmente pelas mulheres racializadas e migrantes nas periferias tanto do Sul quanto do Norte global, que vivem em uma situação estrutural marcada pela insegurança.

Ainda que a Organização das Nações Unidas (ONU) tenha proposto, dentro do escopo da Agenda 2030, a igualdade de gênero enquanto um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que devem ser garantidos pelos Estados às comunidades, os dados apresentados ao longo do texto são uma evidência de que a desigualdade persiste. Tendo isso em mente, esperamos, por fim, que este Dia do Trabalhador seja uma data para tomar consciência de que ainda há muito a fazer para que a igualdade de gênero, em especial no mercado de trabalho, saia da teoria e se concretize, na prática, para todas as pessoas do mundo. O alcance deste objetivo, porém, não é tarefa fácil, pois pressupõe a mudança das relações de poder que estão na base de funcionamento da dinâmica internacional capitalista, como evidenciado por Federici.

*Maria Eduarda Kobayashi Rossi é graduanda em Relações Internacionais pela UNESP. Pesquisadora do Iaras- Núcleo de Estudos de Gênero do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Iaras-GEDES). Pesquisadora bolsista FAPESP (processos 2021/04480-3 e 2022/01182-4).

Imagem: A lacuna salarial de gênero no mundo do trabalho. Por: Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 

Notas:

[1] Para mais informações sobre a diferença de gênero no mercado de trabalho, sugerimos a consulta aos dados organizados pela OIT, os quais estão disponíveis no link: <https://www.ilo.org/infostories/en-GB/Stories/Employment/barriers-women#global-gap>. Acesso em 25 de abril de 2023.

[2] O exercício da curiosidade feminista, segundo Enloe, busca analisar a realidade social e, questionar as normas naturalizadas, percebendo as dinâmicas de poder que promovem a desigualdade de gênero.

[3] No que se refere a este tema, em Portugal, lugar de onde a autora escreve, pesquisadores do Centro de Estudos Sociais (CES), em conjunto com diversas instituições parceiras, estão desenvolvendo o projeto “Igual-Pro: as profissões não têm gênero”, que busca questionar e desconstruir os estereótipos de gênero relacionados às distintas profissões no mercado de trabalho e áreas de estudo. Os avanços do projeto podem ser acompanhados pelo site (https://projetos.cite.gov.pt/pt/web/igualpro/pagina-inicial), e os próximos relatórios serão divulgados no em breve. Tatiana Moura e Tiago Rolino, que estão a frente dessas atividades, são boas referências para aqueles(as) que se interessam pelos estudos de gênero e masculinidades.

[4] Nosso entendimento acerca da definição de “empregos vulneráveis” segue os princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mais informações podem ser encontradas em: <https://www.ilo.org/infostories/en-GB/Stories/Employment/barriers-women#unemployed-vulnerable/vulnerable-employment>. Acesso em 25 de abril de 2023.

 

Referências

BARRANCOS, Dora. Historia mínima del feminismo en América Latina, México, COLMEX, 2020.

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Boitempo Editorial, 2016.

DE JESUS, Carolina Maria. Quarto de despejo: diário de uma favelada. Editora Ática. 10 edição. 1992. Disponível em: <https://dpid.cidadaopg.sp.gov.br/pde/arquivos/1623677495235~Quarto%20de%20Despejo%20-%20Maria%20Carolina%20de%20Jesus.pdf.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2023.

CEPAL. Brechas de género en el mercado laboral y los efectos de la crisis sanitaria en la autonomía económica de las mujeres. 2021. Disponível em: <https://www.cepal.org/sites/default/files/presentations/presentacion_aguezmes_180121.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2023.

CONNELL, Raewyn. Gênero: uma perspectiva global. nVersos Editora. 2015.

DUFFIELD. Human Security: Linking Development and Security in an Age of Terror, 2005. Disponível em: <http://members.chello.at/intpol_gkc4/Duffield%202005b.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2023.

ENLOE, Cynthia. Bananas, beaches and bases: Making feminist sense of international politics. University of California Press, 2014.

ENLOE, Cynthia. The curious feminist: Searching for women in a new age of empire. University of California Press, 2004.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpos e acumulação primitiva. Editora Elefante: Coletivo Sycorax, 2019b. Disponível em: http://coletivosycorax.org/wp-content/uploads/2019/09/CALIBA_E_A_BRUXA_WEB-1.pdf

FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Editora Elefante: Coletivo Sycorax, 2019a. Disponível em: http://coletivosycorax.org/wp-content/uploads/2019/09/Opontozerodarevolucao_WEB.pdf

GONZÁLEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Zahar Editora. 2020.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdade social por cor ou raça no Brasil. 2022. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101972_informativo.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2023.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. 2021. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf>.  Acesso em 30 de abril de 2023.

OIT, Organização Internacional do Trabalho. InfoStories. The gender gap in employment: What’s holding women back?. 2022. Disponível em: <https://www.ilo.org/infostories/en-GB/Stories/Employment/barriers-women#intro>.

PINTO, Célia. Uma história do feminismo no Brasil. Fundação Perseu Albramo. 2003. pp. 40-66.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Editora Companhia das letras, 2018.

La Dinámica Política De Un Mundo Multipolar

En el conflicto ucraniano, como en toda guerra, hubo una serie de errores de cálculo por parte de los distintos protagonistas. Pero sin dudas, uno de los que se más se destaca es el cálculo de que profundizar al máximo posible la guerra económica contra Rusia —iniciada a partir de 2014— iba a desmoronar su economía. Argumentos no faltaban para tal razonamiento. No sólo debido a que el poder financiero y la primacía del dólar hacen de las sanciones una especie de “arma de destrucción masiva” en poder de EE.UU. y el polo anglo-estadounidense —como pudimos ver en la región en el caso de Venezuela a partir de 2016—, sino por la interdependencia entre Rusia y Europa. Rusia proveyó en 2021 el 41% del gas, el 27% del petróleo y el 47% del carbón que consumió Europa. La dependencia europea —cuya ruptura implicaba enormes costos para Bruselas, que probablemente sí estaban calculados por las corporaciones hidrocarburíferas al otro lado del Atlántico— también significaba una enrome dependencia para Moscú, ¿a quién iría a vender Rusia semejante cantidad de hidrocarburos y, además, quién se iba a animar a comprarlos?

Uno de los posibles compradores sustitutos fue la respuesta casi obvia para los tiempos que corren: China. Digo, para los tiempos que corren porque era completamente improbable pensar que Beijing desafiara de tal manera a Washington hace sólo una década, un suspiro, medido en tiempos históricos. En el transcurso de 2022, China aumentó el 75% las importaciones de petróleo, gas y carbón de Rusia, y se aceleraron los proyectos de interconexión energética entre Moscú y Beijing, como ya había ocurrido a partir de 2014 cuando estalló el conflicto bélico en Ucrania y se inició una nueva fase en la crisis del orden mundial. Pero a los últimos movimientos para profundizar la asociación político-estratégica euroasiática, se le agrega la profundización del intercambio comercial y financiero en las monedas propias en detrimento del dólar —un movimiento que comenzó en 2014-2015, cuando Moscú y Beijing comienzan a desarrollar sistemas de pago alternativos al SWIFT, el SPFS y el CIPS respectivamente—, para romper ese monopolio dominado por el poder financiero del Norte Global.

Lo que estaba menos claro —sobre todo para visiones ancladas en el pasado o que reproducen la narrativa de la guerra fría protagonizada por EE.UU y la URSS para representar el mundo actual, queriéndolo encerrar en esa vieja bipolaridad tan distinta y distante a la realidad actual— era el papel de India. Esta potencia emergente del sur de Asia, que en breve será el país más poblado del mundo superando a China con 1.400 millones de personas (18% de la población mundial), fue en realidad el gran comprador de los hidrocarburos que los rusos dejaron de venderle a Europa. Esto se puede observar claramente en el gráfico de Bloomberg, al igual que el enigmático y creciente destino asiático “desconocido” del petróleo ruso, todo un dato en sí mismo. India, tercer mayor importador de petróleo del mundo, pasó de comprar el 1% del petróleo ruso a casi el 30% y, además, con nada menos que un 30% de descuento en promedio, lo cual le da una gran ventaja competitiva —como también a China, el gran taller industrial de un mundo cada vez más asiático—. Y además, Nueva Delhi compra en monedas distintas al dólar para evitar las sanciones, golpeando así en un aspecto sensible a la primacía del dólar que desde los años setenta del siglo XX se asienta en el petrodólar, es decir, en la comercialización mundial del petróleo en dólares.

India también anunció que le compraría a Rusia el carbón que Europa embargó y que lo haría en yuanes, para sorpresa y disgusto de la gran mayoría de analistas y de Washington que veían en el gigante del Índico un activo completamente alineado en la cruzada antichina. Esto también muestra que la weaponization del dólar por parte de EE.UU. tiene importantes costos al desmoronarse la realidad unipolar, pudiendo transformase en un bumerán y quebrar uno de los principales elementos en el que todavía conserva la primacía el ex hegemón.

A partir de la escalada bélica en territorio ucraniano, expresión regional de un conflicto mundial, también avanzó el desarrollo del Corredor de Transporte Internacional Norte-Sur (conocido como INSTC, por sus siglas en inglés), para unir la ciudad india de Bombay con la ciudad rusa de San Petersburgo. Éste cuenta con otro jugador clave en el tablero euroasiático y uno de los “malos” para el relato occidental: Irán. El Corredor es una gran red de 7.200 kilómetros (4.474 millas) de vías férreas, carreteras y rutas marítimas que conectan Rusia e India a través de Irán, pasando por el Mar Caspio y el Cáucaso. Supone un ahorro de casi dos semanas de tiempo de viaje de la ruta tradicional por el Mar Rojo, el canal de Suez y el Mediterráneo, y es entre 30% y 40% más económica. Pero sobre todo, es más segura para las potencias emergentes ya que, a diferencia de la ruta tradicional, no está controlada por bases militares de EEUU y el Reino Unido, la jefatura de la OTAN. Y como se sabe, un elemento central del análisis estratégico es el control de rutas comerciales, una clave del poder y de la acumulación del capital a nivel mundial.

Parte de la dinámica multipolar que se quiere resaltar es el acuerdo al que han llegado Irán y Arabia Saudita para restablecer los vínculos diplomáticos y reabrir las respectivas embajadas. Esto podría modificar drásticamente la situación geopolítica y geoestratégica en Oriente Próximo, o Asia Sudoccidental, en favor de la pacificación. Algo que resulta clave es que el mediador fue China, con muy buen vínculo político y como principal socio comercial de ambos países, lo que resulta todo un síntoma de los tiempos de posthegemonía anglo-estadounidense. El creciente acercamiento de Arabia Saudita, que era un aliado clave del polo anglo-estadounidense, a China y a los polos de poder emergentes, o los acuerdos con Rusia en la OPEP+, también son expresiones de un cambio de época. En lo que sería un movimiento de alto impacto, tanto Irán como Arabia Saudita ingresarían próximamente al club de los BRICS, como Argentina, y además Riad podría sumarse a la Organización para la Cooperación de Shanghái liderada por China y Rusia.

Es importante destacar que la posición de India tampoco resulta una sorpresa. Posee con Rusia un vínculo histórico que se remonta a los tiempos de la Unión Soviética, luego de la independencia del imperio británico. La asociación estratégica entre ambas potencias euroasiáticas tiene por los menos seis ejes fundamentales y uno de ellos es el de la Defensa. Rusia posee el segundo complejo industrial militar más importante del mundo y ello se refleja en que es el segundo exportador mundial de armas, con 21% del total mundial entre 2015-2019, por detrás de Estados Unidos con el 36%. Los principales destinos de exportación son India y China, en ese orden. Es decir que Rusia vende armas de primer nivel mundial a las dos grandes potencias emergentes de Asia, cada una con casi el 20% de la población mundial.

A su vez, para India es clave el vínculo con Rusia para contrabalancear a China, con quien posee importantes conflictos limítrofes y tensiones estratégicas, más allá de que Beijing sea el principal socio comercial de Nueva Delhi, algo propio de este mundo de profunda interdependencia, de cooperación, a la vez que enfrentamiento. Rusia es el gran punto de equilibrio entre la India y China. Además, las tres potencias comparten un conjunto de espacios institucionales emergentes que defino como un nuevo multilateralismo multipolar que se solapa y a la vez se contrapone con la institucionalidad del viejo orden globalista unipolar: el ya mencionado BRICS, pero también la estratégica Organización para la Cooperación de Shanghái que se inició en 2001 como germen de nuevas tendencias históricas, a la que ahora también se sumó Irán.

India, por otro lado, forma parte de la iniciativa estratégica denominada QUAD, junto a EE.UU., Japón y Australia, para contener a China en lo que los estadounidenses llaman “la región Indo-Pacífico”. Pero Nueva Delhi se resiste a alinearse contra Rusia. Es decir, en las antinomias atlantistas, India es parte del “mundo libre” pero también de las “autocracias” a las que hay que derrotar como misión histórica. Por eso mismo, las fuerzas globalistas apuntan cada vez con más fuerza al gobierno de Narendra Modi, al que antes veían como un ejemplo de “democracia”, y ahora es visto como otro “autócrata”, algo similar a lo que ocurrió con el presidente turco Recep Tayyip Erdogan.

En este sentido, más que como concepto para caracterizar un régimen político particular, el concepto de “democracia” —que desde nuestra perspectiva confunde el concepto de república liberal con el de democracia— parecería utilizarse más bien como una vara de alineamiento relativo con las fuerzas dominantes del polo del poder anglo-estadounidense, representado como “Occidente” en términos geopolíticos. El problema es que con la aceleración de la multipolaridad relativa, según esta perspectiva, cada vez quedan menos alineados, digo, menos “demócratas”.

Como reconocen y lamentan Josh Holder, Lauren Leatherby, Anton Troianovski y Weiyi Cai en un artículo publicado en la usina globalista liberal New York Times y reproducido por Clarín (27-02-2023), “Occidente intentó aislar a Rusia, pero no dio resultado”. Un plano en el que se focalizan es el comercial, donde señalan que unos cuantos países han llenado el vacío que dejó “Occidente” al aumentar las exportaciones a Rusia a niveles muy por encima de los anteriores a la guerra. Entre ellos sobresalen los ya mencionados India y China, pero también Turquía, miembro prominente de la OTAN: “A pesar de que Turquía ha vendido armas a Ucrania, el presidente Recep Tayyip Erdogan ha impulsado un mayor flujo de mercancía hacia Rusia, lo que perjudica mucho la serie de sanciones impuestas por Occidente.”. Es decir, un país clave de la OTAN boicotea la guerra económica lanzada por la OTAN para destruir la economía rusa. Esto también resulta clave, porque estos países quebraron otro elemento fundamental de la guerra económica contra Rusia en el marco del conflicto en Ucrania: el bloqueo de insumos, piezas, bienes de capital y bienes intermedios fundamentales para la producción, que hubiera dinamitado la estructura productiva de Rusia.

En América Latina, a pesar de ser el viejo “patio trasero” de EE.UU., la situación también dista de ser de alineamiento con Washington y se impone la situación de multipolaridad —y con ello, la tensión entre conformar un polo propio en el Sur de América y ser otra manifestación del crecientemente insubordinado Sur Global, o aceptar el lugar de periferia subordinada al “hemisferio occidental” en situación de declive relativo. Por un lado, la mayor parte de los países de la región votaron a favor de la resolución de la ONU impulsada por los países de la OTAN que condena la invasión de Rusia a Ucrania, mostrando alineamiento “hemisférico”. El apoyo fue menor cuando se votó la suspensión de Rusia en la Comisión de Derechos Humanos de la ONU, destacándose la posición neutral y por lo tanto no favorable a la resolución por parte de México y Brasil, los dos principales países de la región, aunque sorprendió Argentina en su alineamiento con Washington en esa votación. Pero cuando se quiso involucrar a la región directamente en la guerra, por ejemplo, con la solicitud de envío de armamento a Kiev, claramente hubo un rechazo bastante extendido. Resonaron las respuestas de Brasil y Colombia a favor de la Paz.

Por otro lado, los países de América Latina participan cada vez más de iniciativas del mundo emergente protagonizadas por China junto a otras potencias euroasiáticas como Rusia e India, como la Iniciativa de la Franja y la Ruta, el Banco Asiático de Inversión en Infraestructura o el BRICS con la probable ampliación e incorporación de Argentina y, quizás, también de México, etc. Es destacable la realidad material que sustenta esta dinámica geopolítica y que otorga mayores márgenes de maniobra a los países de la región para intentar romper su lugar tradicional de “patio trasero”; no sólo China es el principal socio comercial e inversor (en términos de flujos) de Suramérica, sino que se observa un creciente papel de los países de Asia como socios comerciales: en el año 2000, Asia representaba uno de cada diez dólares del comercio de América Latina, en tanto que en 2018, esa cifra alcanzó uno de cada cuatro; y si quitamos a México, de cuyo comercio el 80% es con EE.UU., dicha cifra aumenta considerablemente.

***

La guerra en Ucrania —expresión de la transición geopolítica contemporánea que tiene como uno de sus elementos centrales el desplazamiento del centro de poder hacia Asia— ha mostrado asociaciones y alineamientos esperables, y otros no tanto. O por lo menos, que rompen los esquemas dualistas de bloques fijos en pugna, construidos por las usinas del Occidente geopolítico conducido por las fuerzas globalistas, intentando encerrar en ciertas antinomias de guerra fría la compleja realidad de un mundo multipolar, con el fin de presionar a través de alineamientos políticos y estratégicos. Obviamente, resulta necesario aclarar que esta multipolaridad no deja de ser relativa, en tanto que asimétrica. Además, tiene rasgos bipolares por el protagonismo de la tensión entre EEUU y China como principal expresión interestatal del conflicto sistémico entre el viejo polo dominante y los nuevos polos emergentes y, por lo tanto, expresión dominante en el tablero geopolítico mundial que adopta la contradicción principal que atraviesa al sistema mundial en crisis y transformación. También es necesario aclarar otra cuestión clave: dicha multipolaridad es una expresión superficial para referirnos a las tendencias estructurales que hacen a una crisis de hegemonía y captar algunas de sus dinámicas fundamentales. De hecho, puede haber una dinámica multipolar dentro de un ciclo de hegemonía (como durante la hegemonía británica), pero la actual multipolaridad es en esencia una expresión de la crisis de hegemonía y desorden mundial.

Sin compartir necesariamente su perspectiva teórica, resulta interesante traer a colación una idea de Robert Gilpin cuando desarrolla la teoría de la guerra hegemónica, recuperando a Tucídides : “Guerras como esta no son meras contiendas entre Estados rivales, sino hitos políticos que marcan las transiciones de una época histórica hacia la siguiente”. El mapa del poder mundial ha cambiado estructuralmente y la guerra es expresión de ello. Como se señaló hace más de una década en América Latina en plena oleada nacional-popular, que también fue y es expresión de la crisis de hegemonía, nos encontramos en un cambio de época. Muchas/os se resisten a aceptarlo.

* Gabriel Merino es sociólogo y doctor en Ciencias Sociales. Investigador Adjunto CONICET – Instituto de Investigación en Humanidades y Ciencias Sociales, UNLP. Profesor en UNLP y Universidad Nacional de Mar del Plata. Miembro del Instituto de Relaciones Internacionales y Co-coordinador de “China y el mapa del poder mundial”, CLACSO.

Imagem: Mapa mundial verde e azul, por Wallpaperflare.

A atuação da Microsoft no Brasil e as relações Brasil – EUA*

Murilo Motta**

O estudo das tecnologias da informação é um campo que merece destaque na pesquisa na área de Relações Internacionais, tanto porque essas tecnologias foram decisivas na estruturação do sistema interestatal pós-2ª Guerra, quanto porque elas continuam a transformar as relações humanas em seus aspectos mais fundamentais, graças à popularização da Internet e das plataformas e redes digitais, através das quais opera o capitalismo de vigilância – um novo modelo de produção, cuja matéria-prima são os dados gerados pelos usuários de tecnologias digitais, que são utilizados na produção de modelos preditivos do comportamento humano, que também permitem sua modificação por antecipação.

De fato, a acumulação e circulação de dados digitais é um elemento central da economia política do século XXI. O que nós entendemos como “tecnologia” nos dias de hoje muitas vezes significa tecnologias que instrumentalizam a informação, isto é, coletam, classificam, gerenciam e processam informações de modo a medir, registrar, controlar e prever o que coisas, pessoas ou outras informações podem ou devem fazer. Essas tecnologias tornaram a informação abundante e barata, dando origem a um novo tipo de economia política, baseada não na escassez das matérias-primas, mas no excesso da informação.

Este artigo objetiva contribuir para a compreensão dos impactos da adoção destas tecnologias digitais de ponta, desenvolvidas em países centrais, por países da periferia e semiperiferia do sistema interestatal. Especificamente, nos concentramos na atuação da Microsoft no Brasil. A Microsoft Corporation é uma empresa transnacional com sede em Redmond, Washington, EUA, que desenvolve e comercializa softwares de computador, produtos eletrônicos e serviços digitais. Entre seus produtos mais conhecidos estão o sistema operacional Windows, a linha de aplicativos para escritório Office, o navegador Internet Explorer e as redes sociais LinkedIn e Skype. Contudo, nos casos analisados a seguir, fica claro que o verdadeiro modelo de negócios da Microsoft é a privatização dos conhecimentos necessários para a inovação em tecnologias da informação.

Por exemplo, em 1985, o contencioso entre o Brasil e os EUA na questão da informática opôs os dois países em torno do acesso ao mercado brasileiro de produtos de informática. A Lei da Informática do Brasil, aprovada em outubro de 1984, previa a reserva do mercado nacional para produtos de informática produzidos por empresas brasileiras. No ano seguinte, o governo Reagan anunciou uma série de retaliações econômicas, destinadas a balancear o prejuízo potencial às empresas estadunidenses.

O contencioso da informática foi marcado pela emergência da Microsoft como um dos atores centrais da disputa, ao lado do governo estadunidense. Essa relação dialética entre Estado e empresas estadunidenses implica que a atuação internacional dos EUA sempre resulta de uma combinação entre os interesses do empresariado nacional e aqueles do governo. Consequentemente, a atuação da diplomacia dos EUA objetivava que o Brasil reconhecesse o regime internacional de propriedade intelectual que assegura os direitos autorais dos softwares e eliminasse a política de reserva de mercado para empresas nacionais. 

A pressão pelo reconhecimento do regime de patentes se tornou um elemento estrutural da política internacional, o que favoreceu a afirmação de grupos alinhados ao neoliberalismo no governo brasileiro. De fato, em janeiro de 1991, um novo projeto de lei sobre o software foi anunciado pelo Congresso brasileiro, desta vez recebendo o apoio do presidente da Microsoft. Uma nova Lei da Informática, de n. 8.248, foi sancionada no mesmo ano e confirmou o fim da reserva de mercado para outubro de 1992. 

A concentração dos conhecimentos necessários para desenvolver e operar tecnologias da informação de ponta entre algumas poucas empresas estadunidenses permitiu ao governo deste país deter as principais empresas desse setor sob sua jurisdição, o que lhes possibilitou acesso a uma gigantesca quantidade e variedade de dados vindos de todo o mundo. Além disso, na esteira dos ataques de 11 de setembro de 2001, o governo dos EUA implementou uma agenda de securitização da sociedade que neutralizou qualquer demanda por privacidade. Por exemplo, o USA PATRIOT Act, que esteve em vigor de 26 de outubro de 2001 até 2015, permitia que os órgãos de segurança e de inteligência dos EUA interceptassem ligações telefônicas e e-mails de organizações e pessoas supostamente envolvidas com o terrorismo nos EUA ou no exterior, sem necessidade de qualquer autorização do Poder Judiciário. Em 2015, o USA FREEDOM Act entrou em vigor em seu lugar, tornando necessária autorização judicial para que o governo estadunidense possa interceptar essas comunicações.

A atuação conjunta de empresas e governo estadunidenses continuou ao longo das décadas seguintes, em detrimento dos interesses do governo brasileiro. Em 2010, Chelsea Manning disponibilizou para a plataforma WikiLeaks uma série de mensagens diplomáticas trocadas no período de 2003 a 2010 entre embaixadas e o governo dos EUA, causando uma crise política e diplomática que ficou conhecida como Cablegate

Em uma destas mensagens, de 21 de dezembro de 2007, é relatado um encontro do presidente da Microsoft Brasil, Michel Levy, com o Embaixador dos EUA, Clifford Sobel, em que o presidente da filial brasileira desta gigante do software estadunidense afirma que o governo do Brasil e o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) estariam buscando descreditar o software proprietário da Microsoft (XML) em favor da adoção de softwares livres (ou Open Document Format, ODF), e aponta como fatores dessa posição questões ideológicas e interesses comerciais contrários aos dos EUA.

Em 2013, Edward Snowden disponibilizou uma série de documentos da National Security Agency (NSA) para o WikiLeaks, que ficaram conhecidos como SpyFiles. Dentre eles, há documentos que atestam que o governo dos EUA, através do programa PRISM, teve acesso aos servidores de armazenamento de dados dos usuários das principais empresas de tecnologias da informação do país, começando pela Microsoft, em 11 de setembro de 2007.

Além disso, outros documentos disponibilizados por Snowden para jornalistas do The Guardian atestam que houve cooperação direta entre a Microsoft e o governo dos EUA, uma vez que a Microsoft ajudou a NSA a contornar a criptografia de seu serviço de e-mail, o Outlook.com, e de seu serviço de conversas por áudio e vídeo, o Skype – comprado pela Microsoft em 2011.

As operações de vigilância da NSA realizadas no Brasil incluíram o monitoramento do telefone celular da então presidenta Dilma Rousseff, a coleta de dados da Petrobras e, de forma indiscriminada, de cidadãos brasileiros. Em resposta, Rousseff adiou uma visita oficial aos EUA, inicialmente prevista para outubro de 2013, e dedicou seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas daquele ano à questão da vigilância em massa e da rede global de espionagem eletrônica, condenando as práticas da NSA como uma violação do Direito Humano à privacidade e como um desrespeito à soberania nacional.

Em 2015, uma nova série de vazamentos tornou públicas práticas de espionagem econômica levadas a cabo pelo governo dos EUA contra parceiros tradicionais, como a Alemanha, a França, a União Europeia e o Brasil. Segundo os documentos, entre 2011 e 2013, 29 “alvos” brasileiros tiveram seus telefones grampeados pela NSA, incluindo a presidenta Dilma Rousseff, seu assistente, sua secretária, o Chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, o Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o embaixador brasileiro nos EUA, Luiz Alberto Figueiredo Machado, e a Procuradora-Geral do Ministério da Fazenda, Adriana Queiroz de Carvalho.

Tanto no contencioso da informática entre o Brasil e os EUA na década de 1980, quanto nos casos das denúncias de espionagem internacional ao longo dos anos 2010, a Microsoft e o governo dos EUA atuaram em sinergia de modo a garantir seus interesses, em detrimento dos interesses, da privacidade e da soberania do governo brasileiro. Nestes casos, ficaram claras as vulnerabilidades a que se expõe qualquer país quando adota tecnologias estrangeiras, desenvolvidas por empresas intimamente ligadas a seus respectivos governos. Entretanto, a rejeição a elas não é tão simples. Empresas como as GAFAM concentram os conhecimentos e as capacidades necessárias para o desenvolvimento de novas tecnologias, de modo que a criação de alternativas nacionais não é tarefa fácil. 

De fato, como a Microsoft, tal qual as outras grandes empresas representadas pelas GAFAM, oferece vantagens de custo no armazenamento de dados, seus serviços são contratados por diversos países ao redor de globo. Isso acontece sem que exista uma discussão maior acerca das implicações sociais da adoção de tecnologias estrangeiras por países periféricos e semiperiféricos porque a racionalidade neoliberal hegemônica preza pela competitividade e pela eficiência, em detrimento de objetivos como o ajuste às necessidades locais e a promoção da autonomia. 

O neoliberalismo pode ser entendido como uma visão de mundo, escorada em um conjunto original de aparatos discursivos, práticas sociais e formas de conduta individual que buscam generalizar o princípio da concorrência em todas as dimensões da vida humana. Especificamente nas redes e plataformas digitais, a racionalidade neoliberal opera anulando e dissipando quaisquer ações coletivas que busquem criar outras lógicas que não sejam voltadas à concorrência e à reprodução do capital.

Ao longo do período analisado neste artigo, é possível notar que a concentração dos conhecimentos e capacidades necessárias para o desenvolvimento de tecnologias da informação contribuiu para a manutenção das assimetrias econômicas e políticas entre o Brasil e os EUA. Essa concentração também implicou em violações do princípio da soberania nacional e do Direito Humano à privacidade, reforçando as assimetrias culturais e sociais entre as populações do centro e aquelas da periferia e semiperiferia do sistema interestatal.

*Este ensaio é um resumo do artigo “Tecnologias da informação, concentração de conhecimentos e relações internacionais: a atuação da Microsoft no Brasil” publicado pela Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, v. 11, n. 22, 2022. A versão completa está disponível no site da revista.

** Murilo Motta é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/Pucsp), bolsista CAPES (PROCAD-DEFESA) e membro da Rede de Pesquisa em Autonomia Estratégica, Tecnologia & Defesa (PAET&D)

Imagem: Ícones relacionados a computador e tecnologia. Por: Freepik.

90 segundos para o fim do mundo e a carência de disposição à cooperação

Luiza Elena Januário*

 

No dia 24 de janeiro de 2023, o Bulletin of the Atomic Scientists anunciou que o Relógio do Juízo Final, ou Doomsday Clock, está marcando 90 segundos para a meia noite, o que representa o ponto mais próximo do apocalipse que a humanidade já esteve. A metáfora do relógio marcando o tempo para fim do mundo é uma figura utilizada para alertar sobre os riscos a serem enfrentados considerando a possibilidade de destruição do planeta por meio de dinâmicas relacionadas a avanços tecnológicos desenvolvidos pelo homem. Ou seja, está em pauta chamar a atenção da opinião pública e de líderes políticos para as ameaças que podem desestruturar as sociedades.

Criado em 1947, o Relógio do Juízo Final foi concebido a partir da preocupação gerada com o advento das armas nucleares. Durante a Guerra Fria, as marcações estimavam entre dois e doze minutos para o fim do mundo. Com o otimismo gerado pelo fim do conflito bipolar, foram estimados dezessete minutos para a meia noite em 1991, o ponto mais distante da aniquilação registrado desde o início da elaboração da metáfora. Vale ressaltar que a forma de sua concepção também foi alterada ao longo dos anos, sendo que em 2007 foram considerados pela primeira vez possíveis efeitos disruptivos associados à mudança climática. De qualquer forma, desde 2020 o Relógio do Juízo Final apontava cem segundos para a meia noite.

A questão nuclear foi central para acertar os ponteiros do Relógio nesse ano. Apesar de terem sido também considerados fatores relativos a ameaças biológicas, crise climática e tecnologias disruptivas, as armas nucleares representaram o cerne das preocupações, particularmente com os riscos associados à Guerra Russo-Ucrânia desencadeada em 2022. De fato, o diagnóstico hodierno é de crise da ordem nuclear. Desde o início do conflito, foram realizadas análises sobre a desestruturação de tal ordenamento e os prejuízos em termos de legitimidade do seu principal instrumento, o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), sendo também proposto que a crise atual encontra suas raízes na própria natureza da ordem nuclear, não representando uma distorção ou novidade.

De qualquer forma, entre as evidências de pontos de tensão associadas ao evento, podem ser citadas a falta de consenso na Conferência de Revisão do TNP de 2022, que foi encerrada sem aprovação de um documento final; a falta de consenso na Primeira Reunião das Partes do Tratado de Proibição das Armas Nucleares (TPAN) acerca da pertinência de se reprovar oficialmente a postura russa; a preocupação acerca da proteção de usinas nucleares em áreas de conflito e a insuficiência de meios para se lidar com tal tipo de situação; e a deterioração do diálogo estratégico entre Estados Unidos e Rússia, o que admitidamente já estava em marcha antes da deflagração do conflito na Ucrânia. O pessimismo associado à ordem nuclear global também está representado em outras facetas, como o fracasso de se relançar o Acordo Nuclear do Irã e os testes de mísseis balísticos da Coreia do Norte.

Particularmente a deterioração do diálogo estratégico entre Rússia e Estados Unidos é fonte de grande preocupação. Os panoramas de 2022 já indicavam apreensão com relação às perspectivas do Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas, conhecido como New Start, o único acordo bilateral de controle de armamentos em vigor entre os dois países com os maiores arsenais nucleares do mundo. O compromisso expiraria em 2026 e havia a sensação que estava em perigo, uma vez que era necessário que Estados Unidos e Rússia buscassem retomar negociações para manter ou aprovar novas obrigações após essa data. No anúncio do Relógio do Juízo Final de 2023, foi pontuado que o findar do tratado “iria eliminar inspeções mútuas, aprofundar a desconfiança, estimular uma corrida armamentista e aumentar a possibilidade de uso de armas nucleares”. Além disso, houve frustração diante da impossibilidade de retomada das inspeções in loco, paralisadas desde 2020 devido inicialmente à pandemia de COVID-19 e, posteriormente, à guerra na Ucrânia.

Porém, o cenário foi agravado logo na sequência. No dia 21 de fevereiro de 2023, o presidente russo Vladimir Putin anunciou que Moscou estava suspendendo sua participação no New Start, demandando esclarecimentos acerca de sua forma de implementação, ainda que o mandatário tenha ressaltado que não se tratava de uma retirada do acordo. Putin também afirmou que a Rússia retomaria a realização de testes nucleares se os Estados Unidos assim o fizessem. A decisão de suspender a participação não foi recebida com surpresa, mas pode ser considerada delicada por introduzir mais incerteza em um cenário de grande animosidade. Apesar do mal-estar gerado, há a expectativa que as obrigações básicas sejam mantidas, já que o ministério de Relações Exteriores da Rússia afirmou que o país continuaria a cumprir os limites impostos pelo tratado enquanto ele estiver em vigor, respeitando as restrições quantitativas em relação a armas estratégicas ofensivas e continuando a notificar os Estados Unidos acerca do lançamentos de mísseis balísticos.

O New Start é um acordo de 2010, em vigor desde 2011 que estabeleceu limites quantitativos para os arsenais nucleares de seus signatários, com validade prorrogada até 4 de fevereiro de 2026. Apesar de ser um tratado mais recente, pode ser inserido na lógica de compromissos bilaterais de controle de armamentos promovidos por Estados Unidos e União Soviética, e posteriormente Rússia, desde a época da Guerra Fria. A perspectiva em pauta é de promoção de estabilidade estratégica e diminuição de incertezas, com base na cooperação. As iniciativas dessa natureza constituem um elemento importante em termos das ações desenvolvidas para lidar com a questão das armas nucleares. Ressalta-se que o diálogo entre os dois Estados foi central também para a arquitetura do regime de não proliferação, já que o TNP pode ser considerado fruto de convergência de interesses entre eles.

Talvez a característica definidora do momento atual seja justamente a falta de estímulo à cooperação no que se refere à questão nuclear. Durante a Guerra Fria existiram momentos de graves tensões, sendo necessário conviver com a possibilidade de escalada acidental ou proposital. Ainda assim, a metáfora do Relógio do Juízo Final remete hoje a uma imagem mais negativa e drástica do que naquele período. Os 90 segundo para a meia noite atuais podem ser associados à necessidade de dramatizar a questão para atrair atenção para os problemas e a consideração de outros fatores, mas a questão nuclear ainda está no cerne do ajuste dos ponteiros, ou melhor, parece que a falta de disposição política dos Estados para cooperar com o intuito de encontrar soluções para problemas comuns é o grande marco para o momento atual. No próprio anúncio de 2023 foi apontado que estava em curso o desmantelamento de instituições e normas internacionais essenciais para a formulação de uma resposta apropriada aos vários riscos enfrentados pela humanidade.

A ordem nuclear global é baseada em um compromisso discriminatório e, desde o ponto de vista de diversos atores, injusto. Apesar de todos os mecanismos de sustentação do presente ordenamento, é recorrente uma sensação de crise, insatisfação e promessas não cumpridas. Entendimentos básicos entre as superpotências da Guerra Fria representam aspectos basilares sobre os quais foi gradualmente edificado e mantido o regime de não proliferação, ainda que as convergências possivelmente fossem pautadas simplesmente por um interesse de manter o status quo. O declínio da disposição à cooperação em temas estratégicos significa, assim, maior incerteza e instabilidade para a arquitetura internacional. De forma similar, as iniciativas bilaterais dos dois países em termos de controle de armamentos representavam um importante aspecto de promoção de estabilidade e construção de confiança mútua. Ainda que não fossem suficientes para contornar os problemas intrínsecos à ordem nuclear, constituíam um esforço positivo e necessário.

O cenário atual é justamente de desmantelamento dessas iniciativas e de sua racionalidade, sem apresentação de uma alternativa viável. Ainda que não fossem suficientes, as ações existentes, baseadas na cooperação, eram fundamentais para amenizar os riscos associados às armas nucleares. Assim, o desmonte não é favorável mesmo ao considerar perspectivas críticas ao ordenamento. Afinal, a construção da ordem nuclear foi baseada no sufocamento de alternativas para se lidar com tais armas e a instabilidade de componentes relevantes para seu funcionamento não aparece acompanhada de espaço para novas formulações.

 

*Luiza Elena Januário é doutora e mestra em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC-SP). Professora da Universidade Paulista (UNIP). Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).

Imagem: Doomsday clock, positioned at 1.5 minutes to midnight. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Doomsday_clock_(1.5_minutes).svg>. Acesso em: 24 fev. 2023.

Contos de Farda

           Matheus de O. Pereira*

À medida que as apurações sobre o 08 de janeiro avançam fica cada vez mais claro que as Forças Armadas tiveram uma atuação negligente – para dizer o mínimo – no episódio. A gravidade dos eventos tem servido para finalmente colocar em evidência a relação entre as Forças Armadas e a política, um dos mais adiados, e necessários, debates sobre a democracia brasileira. Longe de qualquer pretensão de exaurir o assunto, gostaria de chamar a atenção neste texto para a necessidade urgente de desconstrução do que chamarei aqui de mitologia da excepcionalidade, que envolve as narrativas e percepções sobre a Forças Armadas desde a sua gênese.

Esta mitologia corresponde, de modo sucinto, à caracterização das Forças Armadas como uma organização excepcional, uma ilha de modernidade em meio ao mar de atraso e primitivismo da sociedade brasileira. Formadas a partir da mimetização de elementos importados, as Forças Armadas seriam a representação de uma forma superior de organização e os valores típicos da caserna – hierarquia, disciplina, ordem – funcionam como contraponto ao que seriam características “inatas” dos povos locais, sobretudo os indígenas e os pretos: a lasciva, preguiça, falta de disciplina etc.

Embora seja uma caricatura sem qualquer fundamento, esta caracterização permite formar imagens poderosas que forjam uma identidade que é tanto autorreferida pelos militares como reproduzidas por atores externos. Uma declaração do Ministro Chefe da Casa Civil, Rui Costa, dada em recente entrevista ao jornal O Globo, ilustra com perfeição como esta visão circula inclusive entre a esquerda. Segundo Rui Costa, “Na minha opinião, isso [os acampamentos na frente dos quarteis] não contribuía e não contribuiu para a imagem das nossas Forças Armadas, que sempre foram o símbolo do que está escrito na bandeira do Brasil: ‘Ordem e Progresso’”.

Outro aspecto relevante desta mitologia é a representação das Forças Armadas como probas, imaculadas, justamente porque se diferenciam dos vícios e mazelas imperantes na sociedade. Por outro lado, ao serem definidas como instituições de Estado e destinadas à defesa da pátria, elas se tornam uma espécie de repositório da nacionalidade. Os militares seriam, assim, a representação “verdadeira” do que é a Nação, estando, portanto, aptos a identificar quando os interesses nacionais estão em jogo, e sua suposta lisura os tornam apropriados para executar movimentos de saneamento da política, de afastamento da corrupção, de contenção da desordem.

Essa narrativa, que pode ser detectada em todos os episódios de golpismo dos militares, desempenhou papel fundamental na construção da candidatura de Jair Bolsonaro à presidência em um contexto no qual a corrupção ocupava o posto de principal problema brasileiro. Ora, se o país se encontra engolfado no “mar de lama” da esquerda corrupta, quem melhor que um militar para pôr ordem na casa? O fato de Bolsonaro ser um troglodita até mesmo para os padrões dos militares brasileiros pouco importa – o fato é que ele habilmente manejou este elemento em seu favor. Uma vez no poder, Bolsonaro não apenas seguiu se apropriando exaustivamente da retórica militarista como promoveu uma verdadeira colonização da administração pública com militares que, por sua vez, fizeram o que sabem de melhor: expandir seu quinhão de privilégios às custas do erário.

Isto nos remete a um tópico que será central nos debates sobre o período recente: a narrativa segundo a qual a vinculação entre militares e bolsonarismo se dá no plano individual, e não institucional, isto é, a ideia de que o que ocorreu foi uma adesão de indivíduos militares, e não um endosso institucional das Forças, ao bolsonarismo. Esta é uma falácia que precisa ser urgentemente desconstruída.

Do infame tuíte do gen. Villas Bôas chantageando o STF até aos afagos aos golpistas acampados, as Forças Armadas são siamesas do bolsonarismo. Não duvido que as imagens de depredação do patrimônio artístico e cultural do país e de um sujeito defecando sobre a mesa de um ministro do STF arrepiem oficiais que se julgam membros de uma casta superior, mas não há ginástica retórica que desvincule as turbas bolsonaristas dos militares. É simplesmente impossível que mais de 6.000 oficiais da ativa ocupem postos na administração pública sem respaldo do Alto Comando, ou que as infundadas suspeitas sobre o sistema eleitoral sejam endossadas sem a anuência dos estrelados generais sem batalhas.

Esta narrativa, contudo, serve a vários propósitos fundamentais dos militares neste momento. O primeiro deles é evitar que os militares envolvidos no governo Bolsonaro sejam objeto de qualquer tipo de responsabilização pela coleção de absurdos formada nos últimos quatro anos, em particular no Ministério da Saúde. Um segundo interesse fundamental é assegurar a manutenção dos privilégios recentemente adquiridos – como o tratamento especial na reforma da previdência. Finalmente, os militares esperam manter-se isentos de qualquer tipo de controle por parte do poder civil, garantindo, assim, sua autonomia administrativa e política, inclusive na definição das prioridades orçamentárias.

Para garantir que sua agenda será exitosa, os militares precisam contar com mais do que sua expertise em relações públicas. Se as narrativas mitológicas sobre os militares persistiram por tanto tempo não foi apenas por ação da caserna, mas também por inação dos civis. É fundamental que os poderes estabelecidos se assenhorem de suas prerrogativas constitucionais e façam aquilo que se espera de qualquer democracia: que os militares sejam plena e irrevogavelmente subordinados ao poder civil – e não conciliados com ele. Evidentemente não se trata de exercício simples, mas a urgência que a questão adquiriu nos últimos anos não comporta mais adiamentos. As falas recentes do Presidente Lula e a demissão do gen. Arruda representam bons sinais, mas é preciso ir além. É preciso que haja um debate amplo e propositivo entre partidos, representantes eleitos e a sociedade civil, que discuta a sério o controle civil.  Caso isto ocorra, pelo menos para algo positivo a grotesca fuzarca golpista que tomou Brasília terá servido.

 

* Matheus de O. Pereira é Doutor em Relações Internacionais e Professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Imagem: Invasão do prédio do Congresso Nacional. Por: Agência Senado/Flickr.

O uso de drones militares israelenses dentro das fronteiras nacionais pela Força Aérea Brasileira

Murilo Motta*

 

Os drones são dispositivos de vigilância aérea, isto é, câmeras voadoras mobilizadas estrategicamente para coletar dados a partir do alto – que, em alguns casos, podem ser armadas com mísseis. Conforme Fernanda Bruno, a vigilância pode ser definida como “a observação sistemática e focalizada de indivíduos, populações ou informações relativas a eles, tendo em vista produzir conhecimento e intervir sobre os mesmos, de modo a conduzir suas condutas”. A vigilância permanente instaurada pela presença constante desses “olhos no céu” permite a coleta de diversos tipos de dados, que podem ser mobilizados em prol de estratégias de controle à distância sobre as populações que são seus alvos.

Desde 2010, a FAB emprega drones militares fabricados por empresas israelenses. Atualmente, quatro drones do modelo Hermes 450 (designado RQ 450 ao ser incorporado pela FAB) e um do modelo Hermes 900 (RQ 900), ambos fabricados pela Elbit Systems, são operados pelo Primeiro Esquadrão do Décimo Segundo Grupo de Aviação (1º/12º GAV), o Esquadrão Hórus, situado na base aérea de Santa Maria (RS). Além deles, dois Heron I (RQ 1150), fabricados pela Israel Aeroespace Industries (IAI), são operados desde 2020 pelo Esquadrão Orungan (1º/7º GAV), situado na base aérea de Santa Cruz (RJ).

Cabe ponderar as possíveis implicações da incorporação dos drones militares importados de Israel pela FAB, uma vez que podem ser estabelecidas conexões entre a ocupação dos Territórios Palestinos por Israel e a ocupação de favelas cariocas por Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP), a partir de 2008, e por Forças de Pacificação, entre 2010 e 2015. Além disso, as Forças Armadas brasileiras têm atuado crescentemente em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), tanto em territórios urbanos, notadamente no Rio de Janeiro, quanto em terras indígenas na região Norte do país, como na Operação Samaúma (2021). 

Entre 2016 e 2020, Israel foi responsável por 3% do comércio global de armas, sendo o 8° maior exportador de armas do planeta. As empresas produtoras dos drones empregados pela FAB se destacam nesse mercado: a Elbit Systems é a maior empresa privada de armamentos de Israel, enquanto a IAI é a maior empresa estatal do setor. 

A indústria de segurança israelense se desenvolveu simultaneamente aos conflitos com seus vizinhos árabes e às tentativas de ocupação dos Territórios Palestinos. Nas últimas décadas, o país se tornou um grande exportador de tecnologias militares, como os drones, notadamente desenvolvidas com base em suas experiências no controle e vigilância constantes sobre populações enquadradas como “ameaças à ordem social” nos Territórios Palestinos. 

A “ocupação aérea” dos Territórios Palestinos por aviões, helicópteros e drones é crucial na ocupação colonial contemporânea da Palestina, já que a maior parte do policiamento é feita a partir do ar, através da mobilização dos sensores a bordo de veículos aéreos não tripulados, por exemplo. Nos Territórios Palestinos, a vigilância constante visa uma “condução de condutas” que objetiva subordinar a população palestina para que Israel possa explorar sua mão de obra e os recursos naturais dos Territórios da forma mais rentável possível. 

No Brasil, os drones militares israelenses foram originalmente incorporados pela Força Aérea Brasileira (FAB) para integrar sua divisão de Aviação de Reconhecimento, que é responsável por fornecer dados para o Sistema de Inteligência das Forças Armadas. As principais justificativas para sua importação foram seus menores custos e sua maior versatilidade em relação a aeronaves tradicionais. Segundo estimativas de 2010, uma hora de voo de um drone custaria apenas um décimo do que custa uma hora de voo de uma aeronave tripulada. À época, representantes das Forças Armadas ressaltaram que os drones poderiam ser empregados tanto para fins militares, em missões de reconhecimento, designação de alvos, busca e resgate, vigilância urbana, costeira e de fronteiras, quanto em operações de segurança pública, de controle do desmatamento e em operações de defesa civil. 

De fato, o emprego de drones pela FAB entre 2010 e 2022 aconteceu tanto em exercícios militares de simulação de conflitos, quanto em operações na faixa de fronteira e em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Nos exercícios de simulação de conflitos, seu emprego objetiva a captação de imagens que auxiliam no planejamento das missões, permitindo um melhor direcionamento das ações militares. Na faixa de fronteira terrestre, esse emprego acontece no contexto das operações Ágata, visando a coleta de informações com o objetivo de combater o narcotráfico e outros ilícitos transfronteiriços. Nas operações de GLO, os drones foram empregados na segurança de grandes eventos, no controle do desmatamento e em operações de ocupação em favelas cariocas, por exemplo. 

É importante que a sociedade civil esteja atenta e seja crítica às formas de emprego desses drones, uma vez que eles foram desenvolvidos para emprego em contextos militares, mas são crescentemente empregados pela FAB dentro das fronteiras nacionais, o que contribui para borrar os limites entre a defesa nacional e a segurança interna, podendo levar ao uso de equipamentos inadequados, à ineficácia de resultados e até mesmo à violação de direitos civis.

 

Imagem: Ilustração do conceito de drone militar. Por Freepik. 

Murilo Motta é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/Pucsp), bolsista CAPES (PROCAD-DEFESA) e membro da Rede de Pesquisa em Autonomia Estratégica, Tecnologia & Defesa (PAET&D)

Este ensaio é um resumo do artigo “Olhos no céu: a incorporação de veículos aéreos não tripulados israelenses pela Força Aérea Brasileira” publicado pela Revista Hoplos, v. 6, n. 11, 2022. A versão completa está disponível no site da revista.

Conflito fronteiriço na Ásia Central: sinais tardios de um processo incompleto da desintegração soviética

Getúlio Alves de Almeida Neto*

A Ásia Central é composta por cinco Estados que faziam parte da extinta União Soviética (URSS), a saber: Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão. A oeste do Mar Cáspio, Azerbaijão e Armênia são outras duas ex-repúblicas soviéticas. Ao sul do Tadjiquistão e Turcomenistão, o Afeganistão, embora nunca tenha sido parte do bloco soviético, tem papel central e delicado na memória militar da história russa, devido aos dez anos da frustrada Guerra do Afeganistão (1979-1989). Como produto desse contexto, a região da Ásia Central é destacada como uma das zonas de principais interesses estratégicos para Moscou no século XXI. Contudo, recentes eventos que aumentam a  instabilidade na região têm se tornado um desafio para o papel almejado pelo governo russo de ser reconhecido como garantidor da estabilidade dos regimes e da segurança de seus aliados, e como  principal potência com interesses nesta região.

Em específico, vale citar a guerra por Nagorno-Karabakh travada entre Armênia e Azerbaijão (2020), a retirada das tropas americanas do Afeganistão e a retomada do poder pelo Talibã (2021), os protestos em janeiro de 2022 no Cazaquistão e, mais recentemente, conflitos fronteiriços entre o Tadjiquistão e Quirguistão, assunto tratado brevemente a seguir. Com esse cenário em mente, o objetivo principal deste texto é debater os principais desafios impostos a Moscou na busca por uma posição privilegiada de potência regional em meio (i) à ascensão de outras duas potências na região, nomeadamente China e Turquia; (ii) a crescente eclosão de conflitos entre ex-repúblicas soviéticas e (iii) o crescimento de movimentos nacionalistas que buscam diminuir a influência russa sobre os governos locais em termos políticos, securitários e econômicos.

Entre 14 e 16 de setembro de 2022, os arredores da vila de Kök-Tash, no Quirguistão, próxima à fronteira com o Tadjiquistão, foram palco de hostilidades entre forças de segurança de ambos os países, que se acusaram mutuamente de ter iniciado o confronto. Na narrativa quirguiz, forças tadjiques invadiram vilas em seu território com tanques, veículos blindados e morteiros, e realizaram bombardeios no aeroporto da cidade de Batken (Quirguistão). Por sua vez, os tadjiques acusaram as forças quirguizes de bombardear um posto militar na fronteira e aldeias em seu território. Estima-se que mais de 100 pessoas tenham sido mortas, e aproximadamente 136 mil deslocadas nas regiões de Batken e Leilek, no Quirguistão. O confronto teve início enquanto os presidentes Emomali Rahmon (Tadjiquistão) e Sadyr Japarov (Quirguistão) estavam presentes na cúpula da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) no Uzbequistão. Um cessar-fogo foi acordado entre os chefes dos Comitês de Segurança Nacional dos dois países, Kamchybek Tashiyev (Quirguistão) e Saimumin Yatimov (Tadjiquistão). Em 25 de setembro, os chefes dos serviços de segurança dos dois países assinaram um acordo se comprometendo a retirar tropas de quatro postos militares próximos à região do conflito. O acordo foi alvo de críticas no Quirguistão, as quais afirmavam que a desmilitarização da fronteira facilitaria a invasão da população tadjique nos territórios disputados.

O confronto entre forças tadjiques e quirguizes é apenas o episódio mais recente de uma série de conflitos e tensões que ocorrem na fronteira entre os dois países há 30 anos. O último episódio de maior tensão havia sido em abril de 2021, que resultou na morte de 49 pessoas, além de 260 feridas. A frequência das hostilidades nesta região decorre, em grande medida, da delimitação de fronteiras na esteira do processo de dissolução da União Soviética. Nesse sentido, dos 970 quilômetros de extensão total de fronteira, estima-se que apenas metade desse total tenha sido oficialmente definida. Além disso, o Tadjiquistão possui um exclave em território quirguiz, Voruque. Em específico, a região de Batken, no Quirguistão, abriga fontes subterrâneas de água de grande importância para a atividade econômica das populações locais, majoritariamente composta por pequenos agricultores.

O histórico de distribuição de terras no período soviético é outro fator que contribui para a reivindicação de ambos os lados sobre o direito ao território. Quando a propriedade privada da terra foi introduzida no Quirguistão, parte das pastagens arrendadas no território do Tajiquistão foram registradas como propriedade privada dos cidadãos do Quirguistão. Com o fim do bloco soviético, os sistemas de irrigação, que muitas vezes cruzam as fronteiras entre os países, passaram a ficar sob insegurança jurídica devido à não demarcação plena das fronteiras. Consequentemente, disputas pelo acesso à água são frequentes nos últimos 30 anos, ainda que, em sua maioria, sejam atritos entre civis sem maiores desdobramentos. Somado aos fatores históricos e geográficos que implicam na disputa por recursos hídricos, a ascensão de movimentos nacionalistas dentro dos países dotam a região de maior grau de instabilidade.

Andrey Kortunov propõe uma interessante análise dos conflitos pós-soviéticos a partir da concepção de um processo de independência tardio. Segundo o historiador russo, a queda da URSS em 1991 foi vista como um processo relativamente pacífico quando comparado com a dissolução de outros impérios, a despeito de alguns conflitos de menor escala e duração (Tadjiquistão, Nagorno-Karabakh; Abecásia, Ossétia do Sul, Transnístria, Chechênia e Daguestão). Assim, Kortunov sugere que o colapso da URSS tenha sido apenas o início de um processo “longo, complexo e contraditório de desintegração imperial” e de construção de novos Estados-nacionais que perduram até os dias atuais. Na perspectiva do autor, a maior parte do espaço pós-soviético – com exceção dos países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) – permaneceu extremamente interligada em termos econômicos, de infraestrutura, educação, ciência, cultura, e na mentalidade das elites políticas e econômicas. Por essa lógica, seria possível afirmar que o real processo de desintegração do bloco soviético passou a acontecer somente com o surgimento de uma nova geração nas populações dos novos Estados nacionais.

Neste contexto, movimentos nacionalistas no Tadjiquistão e no Quirguistão corroboram para o acirramento das disputas entre os países. Enquanto o Tadjiquistão é um Estado marcado pela centralização de poder no governo de Emomali Rahmon, Presidente do país desde 1994 após a Guerra Civil do Tadjiquistão (1992-1994), o Quirguistão é relativamente mais aberto politicamente, sendo governado por Sadyr Japarov desde 2021. Ambos os líderes se utilizam das tensões fronteiriças em benefício de apoio político interno. Enquanto Rahmon faz uso de uma retórica expansionista em busca de consolidação da nação tadjique e de seu regime e manutenção do controle sobre os militares, Japarov, ao longo de sua campanha presidencial em 2021, prometia resolver as disputas territoriais. Em detrimento de uma solução negociada, ambos os países vêm se armando paralelamente ao acirramento das disputas retóricas e aos conflitos localizados na fronteira. O Tadjiquistão vem adquirindo munições e treinamentos militares da Rússia, China, Irã e dos Estados Unidos, sobretudo devido a sua extensa fronteira com o Afeganistão e ao receio de espalhamento das ameaças provenientes do território afegão. Por sua vez, o Quirguistão recebe assistência militar norte-americana, ainda que sob a alcunha de construção democrática. Recentemente, o país adquiriu drones turcos (modelos Bayraktar) e veículos blindados de transporte pessoal da Rússia.

Além dos desafios impostos pelos crescentes conflitos entre ex-repúblicas soviéticas, destaca-se aqui o fato de que a Ásia Central é o ponto de encontro de potências com diferentes níveis de influência e múltiplos interesses, nomeadamente: Rússia, China, Turquia. Na perspectiva russa, portanto, ser capaz de promover a estabilidade regional e manter o poder de influência sobre as ex-repúblicas soviéticas é um duplo desafio que se apresenta a partir das relações com Pequim e Ancara.

Em geral, a maior parte do comércio exterior com estes países é feito com a Rússia. Além disso, a Rússia é destino de migração de mão de obra oriunda da Ásia Central, cujos salários são enviados para os familiares e constituem uma importante parcela da renda destes países. Para além do campo econômico, Moscou exerce grande influência na região a partir da lógica da segurança, institucionalizada sobretudo na Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), cujos membros são: Rússia, Belarus, Armênia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão. Nos protestos de janeiro de 2022, o presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev solicitou o envio de tropas do bloco militar, que atuaram pela primeira vez desde sua criação, com o objetivo de reprimir os protestos e garantir a estabilidade do país. Não obstante, a OTSC não é a única instituição intergovernamental que reúne a Rússia e outros países da Ásia Central que faziam parte da URSS. Nesse sentido, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) engloba 9 países: China, Rússia, Cazaquistão, Tadjiquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Índia, Paquistão e Irã. Trata-se de uma organização de cooperação política, econômica e militar, que estabelece como prioridade combater o separatismo, o terrorismo e o fundamentalismo religioso. Nesse formato, o poder de influência russa é diluído com outras potências, sobretudo devido à presença chinesa.

A China, por sua vez, vem fortalecendo os laços com os países da Ásia Central principalmente no campo  econômico , cujo símbolo maior encontra-se no projeto da Nova Rota da Seda. Contudo, as preocupações no âmbito da segurança têm se tornado cada vez mais sensíveis aos chineses, principalmente no que tange aos Uigures, população túrquica de maioria islâmica na província de Xinjiang. Localizada no extremo oeste chinês, Xinjiang faz fronteira com Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Afeganistão. Com o receio de que haja um movimento independentista islâmico fomentado por radicais – na perspectiva chinesa – nos países da Ásia Central, é de interesse de Pequim manter a estabilidade dos governos vizinhos. Exemplo disso, é o financiamento chinês para a construção de uma nova base militar no Tadjiquistão, próxima à fronteira com o Afeganistão.

Para além da China, a Turquia é outra potência regional cujos interesses podem se tornar um empecilho para Moscou em seu objetivo de garantir a primazia nas relações com os países da Ásia Central. No caso da Turquia, o interesse em se tornar país chave no concerto regional se insere dentro da política externa neo-otomanista[1] de Recep Erdogan. Nessa perspectiva, Ancara tem buscado se posicionar como líder do “mundo túrquico”, se utilizando da narrativa que enfatiza os laços históricos, étnicos e linguísticos comuns entre a Turquia e os países da Ásia Central.[2] Para tal, a Turquia tem aumentado a cooperação econômica com os países da região, sobretudo em relação ao comércio e investimentos em infraestrutura de transporte. No campo da cooperação militar, a Turquia estabeleceu contatos com Cazaquistão e Uzbequistão em meio à guerra entre Armênia e Azerbaijão pelo controle sobre Nagorno-Karabakh. Foram assinados acordos de cooperação militar e técnico-militar com os dois países, além da discussão de uma parceria estratégica entre Turquia e Cazaquistão.

Ademais, há o desejo turco de criar uma aliança militar liderada por Ancara com os países da Ásia Central, o chamado Turan Army. No entanto, tal iniciativa é mais complexa quanto a sua execução, uma vez que Cazaquistão e Tadjiquistão fazem parte do OTSC, enquanto a Turquia é membro da OTAN. Por fim, o governo de Recep Erdogan tem investido na propaganda da Turquia como líder e defensora dos muçulmanos e dos povos túrquicos, através de instrumentos de soft power imagéticos, como o cinema e a indústria de entretenimento. Institucionalmente, a cooperação entre os países se dá sob os auspícios da Organização dos Estados Túrquicos, bloco que inclui o Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Turquia e Uzbequistão.

A partir dos elementos apresentados, sugere-se que a capacidade de influência de Moscou sobre os países da Ásia Central tende a ser colocada em xeque. Três elementos são destacados como os maiores desafios a Moscou no que tange às relações com as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central. Em primeiro lugar, a capacidade de Moscou de agir como garantidor da estabilidade política e social nos países, sobretudo a partir do uso da organização militar OTSC, bem como no papel de mediador dos conflitos. Em segundo lugar, a ascensão de novos atores com interesses na região, a destacar China e Turquia, munidos, principalmente, de capacidade econômica, no caso chinês, e cultural-religioso, no caso turco. Por fim, a guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia, assim como os outros episódios de interferência na soberania territorial de outros ex-estados soviéticos – nomeadamente Ossétia e Abecásia do Sul, na Geórgia, em 2008; e Crimeia, em 2014 – podem promover a imagem da Rússia como potência agressora entre a população destes países, fortalecendo o surgimento de uma nova elite política e econômica entre estes de cunho mais nacionalista e favoráveis a um distanciamento das relações com Moscou em prol de uma aproximação com outras potências da região.

[1] Entende-se como política externa turca neo-otomanista aquela que, sob o comando de Recep Erdogan, reorientou as relações externas turcas para o Oriente, em detrimento do tradicional privilégio dado às relações com Estados Unidos e Europa no século XX. Nesse sentido, o governo turco assumiu o compromisso de se tornar uma liderança regional no Oriente Médio, a partir do resgate do passado otomano – a partir de uma narrativa que enfatiza o poder político, espiritual  e cultural  do antigo Império Otomano – e se posicionando como defensor dos muçulmanos sunitas.

[2] Por povos túrquicos entende-se aqueles que compartilham elementos etno-linguísticos, compreendendo, entre outros: turcos, turcomanos, cazaques, usbeques, quirguizes, azeris, uigures.

*Getúlio Alves de Almeida Neto é mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI “San Tiago Dantas” (Unesp, UNICAMP, PUC-SP). Defendeu a Dissertação de Mestrado sobre a reforma militar russa e a projeção de poder do país. Membro do Observatório de Conflitos do GEDES. Contato: getulio.neto@unesp.br

Imagem: Os exclaves tadjiques de Sarwan and Woruch; o enclave quirguiz de Barak, os enclaves uzbeques de Chong-Kara, Dzhangail, Shohimardon, So’x and Tayan. Por Lencer/Wikimmedia Commons.

Referências

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DOOLOTKELDIEVA, Asel; MARAT, Erica. Why Russia and China Aren’t Intervening in Central Asia. Foreign Policy. Oct. 4, 2022. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2022/10/04/tajikistan-kyrgyzstan-russia-china-intervention-central-asia/. Acesso em: 08 nov. 2022.

KORTUNOV, Andrey. Moscow’s Painful Adjustment to the Post-Soviet Space. RIAC. Apr. 1 2022. Disponível em: https://russiancouncil.ru/en/analytics-and-comments/analytics/moscow-s-painful-adjustment-to-the-post-soviet-space/. Acesso em: 08 nov. 2022.

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MAKIO, Danielle Amaral. “Adeus vovô: Revolta e Luta no Cazaquistão. ERIS. GEDES. 17 mar. 2022. Disponível em: https://gedes-unesp.org/autodeterminacao-e-irredentismo-a-luta-por-independencia-de-nagorno-karabakh/. Acesso em: 08 nov. 2022.

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O Presente é tal qual como era Antigamente: Colonização, Violência e Expansão no Território Yanomami

Carolina Antunes Condé de Lima*

 

Ao pensarmos em Relações Internacionais (RI), como o próprio nome diz, o internacional se coloca como principal ambiente de análise da disciplina. Há, contudo, uma tentativa de mudar isso – cada vez mais se voltar para dentro tem se tornado tema das RI. Parte deste movimento se preocupa em olhar para os processos de colonização, epistemicídios e genocídios dos povos tradicionais em busca de entender como essas violências, que datam do século XV, se perpetuam e são determinantes para as formações dos Estados nacionais.

A luta por território no Brasil é uma das principais características formadoras do nosso país. A história oficial nos conta que desde a chegada dos colonizadores portugueses até a expansão do território e a anexação do Acre, no início do século XX, a extensão do país foi conquistada por desbravadores e aventureiros que contribuíram para a construção da grandeza nacional. A história não oficial, entretanto, nos conta um outro lado: a expansão territorial brasileira foi construída com muito derramamento de sangue e não por homens que se aventuraram de forma heroica pelo território desconhecido, tampouco por tratados assépticos assinados entre portugueses e espanhóis ou representantes do governo brasileiro e dos Estados vizinhos.

Outra questão mal contada é a história sobre as disputas territoriais terem findado no início do século XX. Podemos dizer que as disputas de demarcação de fronteiras acabaram com a anexação do Acre em 1903 após a assinatura do Tratado de Petrópolis, mas conflitos por territórios são constantes no Brasil até hoje. Uma das regiões que segue sendo foco de disputas é o território amazônico. O norte do país foi a última região a passar pelo processo de colonização e desde o período regencial têm sido pauta de preocupação nacional. Desde pressões internacionais pelo direito à navegação do Rio Amazonas, passando pela  invasão francesa e britânica dos territórios brasileiros (1832 e 1835, respectivamente) e até o interesse das grandes potências internacionais pela região, exposta ao longo do século XX, o Norte do Brasil preocupa constantemente os elaboradores da Defesa Nacional.

No final da década de 1980 e início da década de 1990, quando se iniciaram as discussões sobre securitização e o acréscimo da questão do meio ambiente às pautas de segurança internacional, vários nomes da política mundial seguiram a fala de Henry Kissinger, ainda na década de 1970, sobre a necessidade de a Amazônia deixar de ser território brasileiro. O histórico de intervenções militares dos EUA em países da América Latina ao longo de sua história permitiu que o temor fosse visto como uma possibilidade real pelos militares brasileiros. Além disso, tal fala fez reviver o medo gerado pelo histórico plano de Mathew Fontaine Maury, tenente reformado da Marinha norte-americana, que pretendia enviar escravizados para a Amazônia para que fosse cultivado algodão – à época, criou-se o medo de o território amazônico ser transformado em um “novo Texas” (VIDIGAL, 2014). Dado o histórico, é possível dizer que a ideia de que a Amazônia é área de interesse internacional não é um delírio das Forças Armadas e isso é determinante na definição de políticas e ações realizadas pelas forças de segurança na região.

A necessidade da defesa do território a qualquer custo criou no paradigma militar a ideia de que a soberania brasileira sobre a região só poderia ser garantida por meio da colonização em oposição ao seu “vazio demográfico”. Conforme apontado por Adriana Marques (2007, p. 49), o vazio demográfico da região amazônica não se refere ao despovoamento, em seu sentido literal, mas sim ao “vazio de uma população comprometida com a preservação da soberania brasileira sobre a região”. Dessa forma, como parte da Política de Segurança Nacional adotada pelos militares durante a ditadura (1964-1985), foi estabelecida uma política de transferência populacional – “homens sem terra” que sofriam no sertão nordestino, foram incentivados a ocupar as “terras sem homem” do norte do Brasil.

A partir da tríade colonização – segurança nacional – soberania, a ocupação da região amazônica tem sido feita sem qualquer respeito pelas populações que ali sempre estiveram. Pelo contrário, graças ao incentivo do Estado, que nos últimos quatro anos retomou de forma acentuada a política de ocupação da região, estabelecida ainda no período colonial e revivida durante o período ditatorial brasileiro, o norte do país segue sendo saqueado por garimpeiros e madeireiros ilegais, enquanto as populações indígenas da região lutam para manter seu território. De acordo com o Observatório da Mineração, entre 1985 e 2020, a área minerada no Brasil cresceu mais de seis vezes, 72% dessa área minerada encontra-se na Amazônia e 495% desse crescimento se deu em territórios indígenas nos últimos dez anos. Esses dados demonstram que a luta das populações originárias pela manutenção de suas terras não é algo recente, muito pelo contrário, ela data da colonização e permanece até hoje. Nos últimos anos, no entanto, as questões sobre as disputas pela terra, na região, têm ganhado maior atenção em vista da política do atual governo e pelo avanço das discussões sobre mudanças climáticas e a urgência que se criou em salvar o que ainda resta da floresta.

Logo após a eleição do presidente Bolsonaro, em 2018, a revista Nature publicou um editorial no qual afirmava que “o novo presidente brasileiro era uma adição às ameaças globais à ciência”. Além disso, quase em tom preditivo, o editorial alertou para a questão da expansão da fronteira agrícola ao apontar que “sua eleição envia[va] os sinais errados para proprietários de terras e empresas que detêm considerável influência sobre o futuro da maior floresta tropical do planeta”. Nos últimos quatro anos, assistimos a retirada de proteções legais do território amazônico e quebras anuais de recordes de desmatamento da região. De acordo com o último levantamento do INPE, o desmatamento entre 2019-2022 foi 60% maior do que no quadriênio anterior – a área total desmatada equivale a um território maior do que o estado do Rio de Janeiro. Dessa área, mais da metade do desmatamento ocorreu em terras públicas, sendo que 83% aconteceram em área federal, segundo o IPAM.

O desmatamento nos territórios indígenas teve, em média, um aumento de 153% quando comparado com o período de medição anterior, enquanto nas unidades de conservação a área desmatada teve um aumento de 63%. Em termos federativos, os estados mais afetados são Amazonas (AM), Acre (AC) e Rondônia (RO), áreas que sofrem com a expansão agrícola. A preservação das terras indígenas é assegurada pela Constituição de 1988. O Artigo 231 reconhece “a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, além de creditar à União a obrigação de “demarcar, proteger e respeitar todos os seus bens”. Os parágrafos 1º e 2º do Artigo ainda determinam que o uso da terra é de exclusividade da população indígena, e o parágrafo 3º impõe que qualquer aproveitamento dos “recursos” das terras deve ser aprovado pelo Congresso Nacional. Por fim, o parágrafo 6º estabelece que “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

Apesar da Constituição, os povos indígenas e suas terras têm sido constantemente desrespeitados, invadidos e explorados. Atualmente no Brasil 728 Terras Indígenas são reconhecidas – 124 estão em identificação, são Terras em estudo por grupos de trabalho nomeados pela FUNAI; 43 são Terras identificadas, com relatório de estudo aprovado pela presidência da FUNAI; 74 são Terras declaradas pelo Ministério da Justiça; e 487 Terras homologadas e reservadas, ou seja, reconhecidas pela Presidência da República, adquiridas pela União ou doadas por terceiros. De acordo com o IBGE, essas Terras correspondem a 11,6% do território nacional e sua maior concentração está na chamada Amazônia Legal[1], território que corresponde a 58,93% do território nacional.

Dentre as 487 Terras demarcadas, está a Terra Indígena Yanomami (TIY), a maior reserva indígena do país. A sua homologação e demarcação aconteceu via Decreto Presidencial no dia 25 de maio de 1992, reconhecendo 9.664.975,48 hectares e um perímetro de 3.370km como território deste grupo. Localizada nos estados do Amazonas e Roraima, faz fronteira com a Venezuela e é lar para 26.780 indígenas, divididos em oito povos diferentes (a representação cartográfica pode ser visualizada no site Terras Indígenas no Brasil).

As primeiras informações sobre os povos Yanomamis datam de 1787; o aumento das invasões que começaram a descaracterizar seu território e sua demografia, no entanto, são da segunda metade do século XX. Desde então diversas invasões de garimpeiros, do Exército, de construtoras e mineradoras têm alterado a dinâmica do território e do seu povo. Durante a ditadura militar brasileira, várias aldeias foram dizimadas por doenças transmissíveis e desnutrição, o que levou à denúncia do Estado brasileiro por tais crimes pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). O fim da ditadura, entretanto, não significou o fim das mortes. Em 1993, os Yanomamis foram massacrados naquele que ficou conhecido como o primeiro caso de genocídio do país, o caso de Haximu, quando homens, mulheres e crianças foram executados por garimpeiros.

A primeira grande onda de invasão do garimpo na TIY foi no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Apesar da diminuição da corrida pelo ouro no território, muitos núcleos de garimpagem se mantiveram ali, de onde permaneceram perpetuando violência e problemas sanitários para a população. Desde a eleição de  Bolsonaro, houve uma piora notável na questão. Bolsonaro, que sempre se manifestou contra a implementação das demarcações de Terras Indígenas, também tem um histórico de incentivos à liberação da mineração em territórios demarcados e do seu uso para expansão da monocultura. Desde 2019, ano em que assumiu o governo, o número de garimpeiros na TIY só cresce, confirmando a hipótese apontada pela Nature após sua eleição. Em 2019, de 6 a 7 mil homens exploraram ouro ilegalmente na região demarcada.  Em 2020, o Projeto de Lei 191/20 foi apresentado no intuito de regulamentar a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas – apenas neste ano, 2.234 hectares foram destruídos no TIY, um aumento de 30% em relação ao ano anterior. O ano de 2021 foi ainda mais devastador para os Yanomamis – foram 3.272 hectares de destruição, um aumento de 46% em um ano, a maior taxa anual desde 1992. Desde 2016, o garimpo em Terra Yanomami cresceu 3.350%.

A invasão do garimpo representa também o aumento da violência contra os povos que habitam a região.  O avanço da violência tem como consequência o aumento de mortes – apenas em 2021, 101 yanomamis foram mortos por garimpeiros. Além das mortes diretas por conflitos, houve aumento da desnutrição infantil, de casos de malária, diversos casos de intoxicação por mercúrio (consequência direta da mineração fluvial), casos de abusos sexuais contra mulheres e crianças, inclusive o estupro seguido de morte de uma menina de 12 anos em abril deste ano, e denúncias de casos de exploração sexual de crianças e mulheres yanomamis em troca de comida.

Olhar para a questão Yanomami e todas as outras lutas por terra no território brasileiro desde o período da colonização ajuda a pôr fim na retórica da formação estatal pacífica do nosso Estado. Nossa formação foi, e ainda é, realizada de forma violenta contra as populações originárias. A formação de fronteiras, assim como seu processo de independência, não foi consequência de conflitos internacionais, mas sim resultados de diversas lutas internas, o que impacta diretamente na dinâmica das nossas Forças Armadas: a sua história foi forjada a partir de um olhar para dentro, para seu próprio território e para os povos que aqui habitam; a lógica é a de combate ao inimigo interno que ameaça a soberania nacional. O retorno da doutrina militar para o governo fez com que o processo de ocupação e destruição das “terras vazias” do norte do país fosse acentuado; para os Yanomamis, além da ocupação de suas terras e do conflito sempre iminente, os últimos anos contribuíram para a construção de uma tragédia humanitária. “Em 2021, a região registrou quase 50% dos casos de malária do País e hoje existem cerca de 3 mil crianças com déficit nutricional” (Agência Câmara de Notícias, 2022).

A questão dos Territórios Indígenas pode até não ser vista como causa de conflitos internacionais ou como um tema das Relações Internacionais pelo mainstream, que ainda teima em excluir o interno de suas dinâmicas, mas sua existência é uma consequência direta do modelo de colonização e do Estado nacional que aqui foi construído. Este ator tão determinante das RI, no Brasil, teve uma construção discursiva diferente: o inimigo é interno e precisa ser tutelado a todo custo para que nossa sobrevivência, autonomia econômica e soberania sejam garantidos.

[1] A Amazônia Legal corresponde à área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM delimitada em consonância ao Art. 2o da Lei Complementar n. 124, de 03.01.2007. A Amazônia Legal foi instituída com o objetivo de definir a delimitação geográfica da região política de atuação da SUDAM como finalidade promover o desenvolvimento includente e sustentável de sua área de atuação e a integração competitiva da base produtiva regional na economia nacional e internacional. A região é composta por 772 municípios. (IBGE, Amazonia Legal, s.d. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/cartas-e-mapas/mapas-regionais/15819-amazonia-legal.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 30/10/2022).

*Carolina Antunes Condé de Lima é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), bolsista CAPES e pesquisadora do GEDES e do Observatório de Conflitos desde 2021.

Imagem em destaque: Ouro do sangue Yanomami. Vista aérea da região do rio Mucujaí na Terra Indígena Yanomami. Por: Bruno Kelly/Amazônia Real.

Referências

MARQUES, Adriana. Amazônia: pensamento e presença militar. 2007. 232 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

VIDIGAL, Carlos Eduardo. História das relações internacionais do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

60 anos da Crise dos Mísseis de Cuba

Luiza Elena Januário*

Em outubro de 2022 completaram-se 60 anos da Crise dos Mísseis de Cuba – a Crise do Caribe para os soviéticos ou a Crise de Outubro para os cubanos. Tratou-se de um momento de grande tensão da Guerra Fria, em que o mundo estava à beira de uma guerra nuclear devido à descoberta pelos Estados Unidos de que a União Soviética estava instalando mísseis balísticos na ilha do Caribe que poderiam atingir o território da superpotência capitalista. Porém, a questão não se encerrou de fato em outubro e considerar facetas muitas vezes marginalizadas nas análises revela como o perigo de se desencadear um desastre nuclear era ainda maior do que imaginava. Apesar de bem difundida a periodização estadunidense – inclusive por Hollywood– de 13 dias de tensão, pode-se considerar que a crise corresponde, na verdade, a 59 dias, uma vez que ogivas nucleares soviéticas chegaram em Cuba no dia 4 de outubro e só foram retiradas em 1º de dezembro, sendo que não foram detectadas pelos estadunidenses.

Um caso para análise sobre tomada de decisão e gerenciamento de crises por excelência, a Crise dos Mísseis de Cuba é muitas vezes retratada como um sucesso dos líderes políticos em evitar uma escalada e garantir uma solução pacífica, especialmente do presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy. Porém, um retrato desse tipo pode conduzir ao entendimento de que os tomadores de decisão centrais tinham o controle total de situação e seu desfecho se deve simplesmente a um bom manejo no mais alto nível político. Porém, reduzir a crise a tais aspectos é incorreto e pode levar a conclusões enganosas sobre como lidar com situações de tensão.

Um primeiro aspecto a ser considerado é como Cuba é apresentada quase como um palco, simplificada à sua posição estratégica. Ou seja, nega-se a sua capacidade de ação por meio de um entendimento de que o desencadear da crise, em qualquer sentido que se desse, dependia apenas das ações das duas superpotências.  Contudo, o fato de que a instalação de mísseis e ogivas ocorreu em Cuba lhe concedia algum grau de influência sobre os acontecimentos. Fidel Castro, particularmente, pode ser considerado um ator relevante ao se enquadrar a questão no nível doméstico. No caso, um ator que instigava os soviéticos a tomaram medidas mais arriscadas e provocadoras com relação aos Estados Unidos, aumentando a volatilidade do quadro.

Ademais, além dos mísseis balísticos, e de modo desconhecido pelos estadunidenses, armas nucleares táticas foram colocadas no país caribenho. De fato, na Conferência de Havana de 1992, a delegação estadunidense ficou extremamente chocada quando descobriu que os planos iniciais soviéticos para Cuba incluíam 80 armas nucleares táticas, com potencial de devastar qualquer tentativa de invasão a Cuba. De qualquer modo, a retirada das armas táticas presentes na ilha – que não estava prevista no compromisso entre Estados Unidos e União Soviética, já que a existência dessas não era conhecida – dependia da colaboração dos cubanos, sendo que Castro desejava mantê-las em seu território com o intuito de se defender de possíveis investidas dos Estados Unidos. Considerando que o líder revolucionário caribenho estava irado com a decisão da União Soviética de fazer concessões à potência americana e retirar os mísseis, pois ele se sentia humilhado e traído pelo acordo sobre o qual não fora consultado, a questão não estava sumariamente resolvida mesmo após a solução oficial ter sido acordada. Vale citar que o primeiro-ministro soviético, Nikita Khrushchov, enviou uma carta conciliatória a Castro no dia 30 de outubro em que demonstrava solidariedade à posição cubana e buscava justificar suas ações, assumindo um tom quase de pedido de desculpas.

Uma segunda questão que revela o engano de centrar totalmente a discussão nos tomadores de decisão é o que alguns pesquisadores denominam de Crise Submarina de Cuba. Como parte das preparações soviéticas para Cuba, quatro submarinos convencionais deixaram suas bases no dia 1º de outubro com destino ao país no Caribe. Os submarinos foram detectados pelos Estados Unidos quando se aproximavam da ilha e um incidente foi gerado em 27 de outubro, dia tradicionalmente conhecido como o mais perigoso de toda a Crise dos Mísseis, mesmo que não se considere a existência de uma crise submarina. O que os Estados Unidos não sabiam é que cada um dos quatro submarinos Foxtrot portava um torpedo nuclear e, pensando estar sob ataque, o capitão do B-59 quase disparou seu torpedo no dia 27. Tal faceta revela que o perigo associado à Crise era ainda maior do que se imaginava – e, no caso, nem Kennedy nem Khrushchov tinham controle sobre os acontecimentos.

A ideia de que um desastre foi evitado durante a Crise dos Mísseis devido à sorte não é nova, figurando em falas do ex-Secretário de Estado Dean Acheson e do então Secretário de Defesa, Robert McNamara, sendo que ambos atuaram no Comitê Executivo de Segurança Nacional (ExComm) formado nos Estados Unidos para aconselhar o presidente sobre o evento. Ressaltar tal elemento é o oposto de assumir o domínio dos principais jogadores sobre o jogo. Não se entende aqui sorte como algo relacionado a conjunções astrológicas ou superstições, mas um reconhecimento do papel do imponderável na política – um aspecto que não é ignorado ao longo da História, sendo possível encontrá-lo, para citar alguns exemplos bem conhecidos, nas formulações sobre de Maquiavel e no conceito de fricção de Clausewitz. Apesar de bem reconhecido, o imponderável, o acaso, a sorte, o que não se pode controlar ou eventualmente prever, causa desconforto na análise e na prática, uma vez que descortina justamente uma perda de controle, aumentando ainda mais a instabilidade em situações de crise. Considerar esse aspecto e suas implicações para crises envolvendo países nuclearmente armados é essencial nos dias contemporâneos, com a visível deterioração do ambiente de segurança.

Assumir que decisões políticas em situações de crise são tomadas por seres humanos falhos, que têm seus interesses e preconceitos e atuam com base em informações incompletas ou mesmo incorretas, não constitui nada extraordinário em análises sobre tomada de decisão. Ainda assim, muitas vezes a narrativa sobre a Crise dos Mísseis é guiada no sentido de ressaltar o controle da situação pelos mais altos líderes políticos. Os dois exemplos citados neste texto apontam que, na verdade, Kennedy desconhecia aspectos centrais sobre o quadro, que agravavam ainda mais uma possibilidade de escalada tanto acidental como proposital. A questão aqui não é criticar serviços de Inteligência e informações imperfeitas, mas reconhecer que qualquer análise mais aprofundada requer o reconhecimento do fato de que o destino do mundo não estava simplesmente nas mãos de Kennedy e Khrushchov e que a instabilidade e risco de escalada, especialmente acidental, eram muito altos.

Tal ponto é particularmente importante quando se pretende extrair lições das Crises dos Mísseis e utilizá-las para outras situações. O grande desafio é considerar o enorme potencial desestabilizador das armas nucleares no mundo hoje e como narrativas focadas no valor da dissuasão e da importância estratégica desse tipo de armamento escondem o fato de que nenhum país ou líder político tem total controle sobre o curso dos acontecimentos. No limite, o questionamento se refere ao ceticismo de que a posse de armas nucleares por um grupo reduzido de Estados – especialmente aqueles considerados legítimos sob o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) – seja um elemento que contribui para a estabilidade e para a segurança internacional.

 

*Doutora e mestra em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC-SP). Professora da Universidade Paulista (UNIP). Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).

 

Imagem: CIA. Mapa mostrando o alcance dos mísseis soviéticos em Cuba em 1962. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cuban_crisis_map_missile_range.jpg>. Acesso em: 27 out. 2022.

 

 

Terras conquistadas e terras a conquistar: o xadrez do ministério da defesa

Lis Barreto*

Já há alguns anos nós assistimos a crescente militarização dos cargos políticos ligados à  União, sejam eles ministérios ou empresas subordinadas ao Governo Federal. O ministério da defesa não foi exceção a este movimento, tendo iniciado um ciclo de ministros militares a partir do governo do Presidente Temer e se mantendo desta forma até hoje (outubro de 2022)[1].

Estas não são notícias felizes. Para quem está familiarizado com a história brasileira e, em especial, aos debates acadêmicos em torno da importância do ministério da defesa, sabe que uma das maiores expectativas em torno da criação deste órgão esteve e está no seu papel na construção de relações civis-militares democráticas. Isto ocorreria através de várias mudanças, sendo um ponto essencial a própria presença de um ministro civil, que teria o papel de reduzir o contato direto entre os militares e o Presidente da República, como também o de evitar que as decisões políticas do ministério pendessem para um corporativismo (FEAVER, 2003). É controverso – e, creio eu, incorreto – afirmar que em algum momento já tenhamos atingido um controle civil dos militares, mesmo antes de vivenciarmos a militarização dos ministros. Apesar disso, o MD segue sendo a representação de uma vitória importante para a democracia. Imperfeito e criticado como é e sempre foi, ele logrou criar bases para que um dia possamos estabelecer – de jure e fato – relações civis-militares democráticas (BARRETO, 2021). São essas mudanças conquistadas a partir de 1999 que eu gostaria de chamar atenção, afinal somente entendo o quanto avançamos podemos entender o que está em jogo.

Antes de prosseguirmos nesta linha, faz-se necessário um pequeno adendo. Os avanços e mudanças que citarei adiante são de caráter institucional. Isso quer dizer que estou apresentando alterações que foram feitas nas regras do jogo, as quais influenciam as ações das personagens envolvidas e mudam o custo das suas ações. De uma forma simples, adoto aqui a visão de que quanto mais regrado é um jogo, mas custoso se torna jogar fora das regras. O aumento do custo deriva da previsibilidade que vem junto com o aumento de regras. Por exemplo, se todas as pessoas sabem que para comprar um artefato nós utilizamos dinheiro, seja ele físico ou virtual, torna-se custoso para uma pessoa querer comprar ou vender algo utilizando livros como meio de troca. Isso exigiria uma negociação a cada rodada de compra para se chegar em uma troca. Quando se implanta um padrão regrado, quanto menos espaços houver para dúvidas ou interpretações, mais previsível ele o é para os atores, que podem moldar suas ações e/ou expectativas com base nisso (NORTH, 1990).

Dito isto passamos aqui a destacar como o MD passou a delinear e circunscrever as relações civis-militares a partir de sua criação através da consolidação de padrões que se mantém até hoje, mesmo com os ministros militares. Ao final, aponto para o que acredito que precise ser a nova trincheira, sem perder de vista a necessidade de preservar e manter consciência daquilo que já conquistamos.

Oficialmente criado em 1999, o MD foi o resultado de longas e complexas sequências de jogadas e negociações envolvendo o Poder Executivo, as Forças Armadas e o Legislativo. Teve de tudo. Desde a criação da figura de um Ministro Extraordinário da Defesa para pressionar o Legislativo e as Forças, chegando às incríveis cessões ao estamento militar, o qual além de ter sido retirado da reforma previdenciária que acontecia em paralelo, recebeu aumentos salariais e manteve o status jurídico dos ministros para os seus Comandantes (MARTINS FILHO, 2006; FUCCILE, 2006).

No momento em que o ministério foi criado, o cargo de ministro da defesa não dispunha de funções formalizadas, sendo denunciado pela academia como um tipo de “Rainha da Inglaterra”, cuja existência era constantemente percebida como uma falsa liderança civil em um ministério fortemente militarizado (ZAVERUCHA, 2005). Neste contexto, tudo apontava para criação de uma instituição vazia, sem poder de alterar a relação próxima e direta entre os militares e o poder público. Contudo, instituições são coisas curiosas.

Um conceito famoso no estudo das instituições é o de consequências imprevistas. Ele é aplicado para explicar situações em que uma instituição tem um impacto não previsto. Normalmente a imprevisibilidade acontece porque nenhuma instituição é criada no vazio, e um novo arranjo institucional interage com os já existentes criando interações nem sempre previstas (PIERSON, 2004). No caso do MD, da forma como foi criado, pouco inspirava afetar democraticamente as relações civis-militares, mas acabou sendo a base para que a relação se tornasse mais regrada, mais previsível, ou seja, mais institucionalizada.

Destaco duas principais razões para o ocorrido. O primeiro é que, diferentemente da grande maioria dos ministérios, o MD não pode deixar de existir através de um Decreto Presidencial, pois o ministro consta na Constituição Federal[2]. Esta façanha conquistada em meio às negociações para a criação do MD, tornou o ministro da defesa uma figura constitucional, só podendo ser excluído com anuência de 3/5 do Congresso Nacional, tornando sua existência resistente aos humores políticos. O caráter mais perene do ministério ajuda a circunscrever o palco para o debate da questão militar e das políticas, transformando-o no grande centro da disputa de poder entre militares e políticos eleitos (BARRETO, 2021).

O segundo ponto é que, com o tempo – e com o timing certo –, o ministro da defesa conquistou funções. Entre 1999 e 2006, a ausência de diretrizes relacionadas ao cargo de ministro fazia com que este competisse internamente sobre suas próprias atribuições e, neste ambiente de disputa, ganhava quem tinha mais poder. No entanto, com a crise aérea de 2006 e a decorrente posse de Nelson Jobim, muda-se o perfil de quem ganhava este jogo (BARRETO, 2016). De 2006 até 2010, Jobim atuou com destacada liberdade no ministério, elaborando documentos de alto impacto, como a Estratégia Nacional de Defesa e a Política Nacional de Defesa, chegando, inclusive, a ser a peça-chave na construção de um arranjo regional de defesa (VAZ, 2013). Tudo isso sem que um único pedaço de papel formal atribuísse a ele estas capacidades. Esta força política de Jobim criou a base para os seus sucessores pudessem dispor de tais atribuições, pois a Lei Complementar 136 de 2010 formalizou as primeiras atribuições do ministro da defesa onze anos após a sua criação (BARRETO, 2021).

Estes dois pontos nos ajudam a entender como o MD circunscreveu o espaço de debate da questão militar, ao legitimar o ministério como centralizador dos temas ligados as FA, como o campo a ser disputado. O MD também formalizou as formas de ação e interação, estipulando diretrizes e os temas que o são pertinente, através da figura que gradualmente se legitima a falar em nome do ministério, que é o ministro da defesa. Esta normatização criada em torno do MD oferece alguma previsibilidade no formato da interação do ministério com o governo, de forma razoavelmente estável.

No entanto, como todos sabemos, nem tudo são flores e há ainda um longo caminho pela frente. Se observarmos o trajeto aqui descrito, podemos notar que quando o MD se tornou o objeto de disputa de poder, em especial devido à dificuldade que seria extingui-lo, ocupá-lo se tornou essencial. A formalização das atribuições do ministro auxiliou no fortalecimento deste ator, mas dificilmente seria capaz de ir muito além se este andasse sozinho em um ministério completamente militarizado.

Nesta questão, foram realizadas alterações importantes no organograma do ministério da defesa, durante os mandatos dos ministros Nelson Jobim e Celso Amorim. Elas não reduziram a ala exclusivamente militar – que infelizmente se expandiu – porém criaram cargos diretamente subordinados aos ministros que dispunham de funções que, muitas vezes, concorriam com outras que existiam na parte já militarizada do MD[3]. Dito de outra forma, foi realizada uma duplicação de funções no ministério que – interpreto eu – ajudaram a manter a centralizar nas mãos dos ministros parte importante das decisões políticas do ministério.

Contudo, diferentemente das outras modificações citadas neste texto, esta não possui uma alta capacidade de sobrevivência, pois o organograma pode ser modificado por Decreto Presidencial e porque todos os cargos do MD são cargos comissionados. Isso quer dizer que a estrutura do ministério é completamente modificável e que não é possível criar uma memória institucional. Por esta razão, era de se esperar que, a partir de 2016, com os ministros militares, ocorresse um esvaziamento da estrutura frágil que fora criada nos anos anteriores. Contudo, poder é uma coisa muito séria e pouca gente abriria mão dele, uma vez que o possuísse. Então, ao invés de assistirmos ao fim do organograma duplicado, assistimos a sua militarização.

Para quem não sabe, os quadros militares do MD são divididos de forma bastante equitativa entre as três Forças[4]. Porém a escolha dos ministros da defesa é política e, dentre os militares, só o Exército foi contemplado. Por que o Exército iria destruir a duplicação se ele dispunha do 1/3 que lhe cabia e agora adicionava o puxadinho que antes cabia aos civis? A manutenção da desigualdade indica que a estrutura civil dispunha de alguma robustez. Esta não foi destruída – ainda – e mesmo que seja, esta poderá ser facilmente recuperada, enquanto outra forma de ação não seja criada e implantada. Contudo, esta dinâmica mostra a necessidade de garantir alguma sobrevivência civil dentro dela.

Não é nenhuma demanda nova. A primeira proposta formal para o estabelecimento de uma carreira civil para a defesa é anterior a criação do próprio ministério[5] e segue ecoando nas falas acadêmicas. Ninguém está supondo que será fácil ou que serão criados vários cargos ou, menos ainda, imaginando que isto poderá ocorrer sem concessões. Mas no jogo de xadrez institucional que se move lentamente ao longo das duas últimas décadas e, uma vez preservadas as movimentações anteriores, esta parece ser a próxima jogada lógica. Acredito eu que é chegada a hora de tentar criar uma memória civil dentro do ministério da defesa.

 

* Lis Barreto é doutora em Ciência Política em regime de cotutela entre a Universidade Federal de São Carlos e a Universidade de Lisboa. Lis recebeu o Prêmio Capes de Tese 2022 na área de Ciência Política e Relações Internacionais, com trabalho sobre a institucionalização das relações civis-militares no Brasil.

Imagem: Esplanada dos Ministérios. Por: Mariordo/Wikimmedia Commons.

 

[1] Ver o jornal O Globo: <https://oglobo.globo.com/brasil/temer-oficializa-primeiro-militar-no-comando-doministerio-da-defesa-22776031>; Ver Folha de S. Paulo: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/03/bolsonaro-multiplica-por-10-numero-de-militares-no-comando-de-estatais.shtml >.

[2] Através da Emenda Constitucional 23 de 1999.

[3] Informações disponíveis nos Decretos Presidenciais 3080 de 1999; 3466 de 2000; 4735 de 2003; 5201 de 2004; 6224 de 2007; 7364 de 2010; 7974 de 2013; 8978 de 2017; 9570 de 2018; 10076 de 2019; 10293 de 2020; 10806 de 20211; 0998 de 2022. Disponíveis no site do Planalto: <http://www.planalto.gov.br>.

[4] Com base nos decretos citados acima, quando não há divisão em três, há rodízio para a ocupação dos cargos.

[5] Foi proposto pelo então deputado José Genoíno em 1998, durante o tramite da PLP 250/1998. Ver Barreto,2021, p. 94-96.

 

Referências Bibliográficas

BARRETO, Lis. A Dimensão da Defesa na Política Externa dos Governos de Lula da Silva (2003-2010) e Rousseff (2011-2014). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais), 2016. Disponível em: < https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/144188/barreto_l_me_mar.pdf>.

BARRETO, Lis. A institucionalização das relações civis-militares no Brasil (1988-2014): o papel das prerrogativas presidenciais. Tese (Doutorado em Ciência Política), 2021. Disponível em: < https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/14842>.

FEAVER. Armed servants: agency, oversight, and civil–military relations. Harvard University Press, 2003.

FUCCILLE, Luís Alexandre. Democracia e questão militar: a criação do Ministério da Defesa no Brasil. 2006. 282 f. Tese (Doutorado de Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 2006.

MARTINS FILHO, João Roberto. O governo Fernando Henrique e as Forças Armadas: um passo à frente, dois passos atrás. Revista Olhar. Nº 4, 2000.

NORTH, Douglass. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge University Press, 1990.

PIERSON, Paul. Politics in Time: History, institutions and social analysis. Princeton: Princeton University Press, 2004.

VAZ, Alcides. A Ação Regional Brasileira sob as Ópticas da Diplomacia e da Defesa: Continuidades e Convergências. In: FAUSTO, Sergio; SORJ, Bernardo. (Orgs.) O Brasil e a governança da América Latina: Que tipo de liderança é possível? Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2013. São Paulo: Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC), 2013.

ZAVERUCHA, Jorge. A Fragilidade do Ministério da Defesa Brasileiro. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, V. 25, nov. 2005.

Referências midiáticas

BRASIL. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.

FERNANDES, Leticia. Temer oficializa primeiro militar no comando do Ministério da Defesa. O Globo, 13 de jun. 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/temer-oficializa-primeiro-militar-no-comando-doministerio-da-defesa-22776031>.

SEABRA, Catia; GARCIA, Diego. Bolsonaro multiplica por 10 o número de militares no comando de estatais.  Folha de S. Paulo, 6 de mar. 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/03/bolsonaro-multiplica-por-10-numero-de-militares-no-comando-de-estatais.shtml >.