No dia 8 de maio, o presidente estadunidense Donald Trump anunciou a retirada dos EUA do acordo nuclear com o Irã. Oficialmente intitulado Plano de Ação Abrangente Conjunto (JCPOA, em inglês), o compromisso foi o resultado de um difícil processo de negociação. As suspeitas sobre o programa nuclear iraniano e o receio que o país possa desenvolver armas nucleares não são recentes. Porém, somente no governo Obama foram criadas condições para a promoção de um acordo sobre a questão, uma vez que foi revista a postura anterior estadunidense de demandar o congelamento do programa nuclear como um pré-requisito para as conversas. De todo modo, tratou-se de um processo de negociação complexo e com vários momentos.
O JCPOA foi assinado em 2015, em Viena, e deve ser entendido como o que foi possível contratar, tendo em vista a pluralidade de atores e interesses envolvidos. Além do Irã, o documento foi assinado pelo P5+1, como são conhecidas as cinco potências permanentes do Conselho de Segurança (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) – que são as cinco potências nucleares legítimas reconhecidas pelo Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) – somadas à Alemanha. Por um lado, o acordo impôs restrições e constrangimentos ao desenvolvimento do programa nuclear iraniano e, por outro lado, prevê o alívio de sanções aplicadas ao Irã. O Plano de Ação possibilitou uma narrativa política dupla: para os EUA, finalmente o Irã aceitou um acordo e foram impostos constrangimentos às suas atividades nucleares; já na perspectiva do governo iraniano, foi possível buscar o alívio de sanções ao mesmo tempo em que não houve cessão total às pressões das potências ocidentais e foi resguardado seu direito soberano de enriquecer urânio – a baixos níveis, para fins pacíficos.
Trump apresenta uma dura crítica ao JCPOA desde a época de sua candidatura à presidência dos Estados Unidos, chegando a classificá-lo como ‘o pior acordo da história’. Em sua perspectiva, os EUA cederam demais ao firmar o compromisso, uma vez que o Irã continua uma ameaça à paz e à segurança, sendo necessário o fim definitivo de seu programa nuclear, o que realmente não foi assegurado no Plano de Ação de 2015. Assim, a saída dos EUA do JCPOA representa o cumprimento de uma promessa de campanha, ato esse muito bem recebido por Israel, aliado tradicional dos EUA que apresenta grande lobby no país norte-americano – e que desenvolveu armas nucleares às margens do regime internacional de não-proliferação, apesar de não o admitir. Trump passa uma postura dura, mas parece duvidosa sua aposta de que o restabelecimento, e também o aprofundamento, das sanções levará o Irã a rever sua postura e aceitar os termos dos Estados Unidos.
A retirada dos EUA do Plano de Ação foi recebida por muitos com apreensão. Como apontou a chanceler alemã Angela Merkel, o acordo não é perfeito, mas é melhor que nada. Apesar de suas limitações, o JCPOA representa um compromisso importante por apontar vontade de negociar e a possibilidade de se colocar restrições ao desenvolvimento nuclear iraniano, ainda que não em termos totais.
Mas se o Irã decidir se retirar do acordo após a saída dos EUA, que tipo de garantias existirá? E se as sanções em um nível extremo não apresentarem os efeitos desejados, qual o próximo passo? Uma guerra? É preciso ter em mente que um ataque militar pode desestruturar o programa iraniano por vários anos, mas não necessariamente findá-lo. Como afirmava ElBaradei, ex-diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), não é possível bombardear o conhecimento. O programa poderia ser reconstituído no futuro. Além disso, uma intervenção estadunidense poderia gerar uma forte onda nacionalista no Irã, agravando ainda mais as tensões. Em 2015, alguns especialistas apontavam que a resolução da questão só ocorreria com a mudança de regime no Irã e, atualmente, alguns analistas especulam que é isso que Trump pretende promover ao aumentar a pressão sobre o país. Se for o caso, trata-se de uma aposta arriscada, com grande potencial de gerar mais insegurança.
A União Europeia em geral, e particularmente a Alemanha, a França e o Reino Unido como signatários, salientam a importância do acordo e estão buscando alternativas para assegurar sua continuidade. Essa postura, aparentemente, encontra respaldo nos governos chinês e russo. Uma grande dificuldade a ser enfrentada para garantir que o acordo permaneça viável no sentido de que o Irã não se retire e continue cumprindo suas obrigações é a questão das sanções secundárias. Tais sanções são aquelas que o governo dos Estados Unidos pode estabelecer não diretamente para o Irã, mas para empresas de outros países que negociem com Teerã, barrando essas empresas estrangeiras no sistema financeiro estadunidense. Algumas empresas europeias já emitiram sinais de retirada de negócios para evitar a possibilidade de serem atingidas. Minimizar os efeitos da retomada de sanções pelos EUA é um objetivo que deve ser perseguido pelos interessados na continuidade do Plano de Ação, em uma perspectiva de também comtemplar os interesses do governo iraniano. É nesse sentido que a imposição das chamadas sanções secundárias representa um desafio, sendo ainda um tópico que possivelmente gerará tensões entre o país da América do Norte e seus aliados europeus.
De todo modo, o Irã deve sofrer as consequências da retomada das sanções. Faz-se necessário recordar que as sanções não constituem uma categoria abstrata de punição contra um país, mas a população, muitas vezes, é fortemente afetada por esse tipo de medida. A postura atual do Irã é aguardar as soluções propostas pelos outros signatários do acordo para garantir a continuidade do JCPOA, sendo que as declarações oficiais variam entre, majoritariamente, afirmar que o Estado continuará com as suas obrigações se seus interesses forem assegurados e ameaçar sair do acordo e retomar seu plano de enriquecimento de urânio se uma resposta adequada não for encontrada.
O ato de Trump pode ser entendido como uma violação da confiança no cenário internacional em termos amplos. Uma das funções de tratados, acordos e regimes é prover as relações internacionais de maior previsibilidade e confiança entre os atores. Os Estados são, em termos jurídicos, soberanos e não existe uma autoridade central no sistema internacional capaz de impor regras e fiscalizar o cumprimento delas. Nesse sentido, os compromissos assumidos pelos Estados são, em tese, voluntários e devem ser obedecidos de boa-fé. Ao anunciar a saída dos EUA do JCPOA, essa lógica é rompida, especialmente por haver garantias da AIEA que o Irã estava cumprindo com suas obrigações e por se tratar de uma medida unilateral. Afinal, torna-se mais difícil confiar em compromissos internacionais quando um dos mais importantes atores resolve sair sozinho de um acordo que, pelo menos nos termos propostos, estava funcionando. A confiança fica abalada mesmo no que se refere aos aliados, como a União Europeia.
Luiza Elena Januário é doutoranda em Relações Internacionais no PPG RI San Tiago Dantas e pesquisadora do Gedes.
Imagem: Secretário Pompeo posa para foto com o Presidente Trump. Por: U. S. Department of State
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