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Dia Internacional da Mulher Africana: rompendo silêncios e fortalecendo resistências

Maria Eduarda Kobayashi Rossi*

Lorena dos Santos Roberts**

Kimberly Alves Digolin***

 

No dia 31 de julho é celebrado o Dia Internacional da Mulher Africana. A data foi criada em alusão à Conferência das Mulheres Africanas, que ocorreu em 1962, na cidade de Dar Es Salaam, na Tanzânia. Nessa data também foi criada a Organização das Mulheres Pan Africanas (PAWO[1]), um movimento transnacional de mulheres que objetiva contribuir para a promoção da igualdade de gênero, lutando pelo fim do colonialismo, das diversas discriminações e das injustiças sociais sobre as mulheres. Neste texto, discorreremos sobre o fortalecimento dos feminismos no continente africano e sua relação com a expansão do movimento pan-africanista. Em seguida, abordaremos o papel das mulheres nos processos de paz, bem como os desafios enfrentados por elas nas sociedades contemporâneas. De modo complementar, trataremos do apagamento da África nas Relações Internacionais e, por fim, apresentaremos alguns exemplos dos movimentos em prol dos direitos das mulheres no continente.

A campanha deste ano, em comemoração aos 60 anos da PAWO, convida a comunidade regional e internacional a uma reflexão acerca da participação feminina no desenvolvimento social e econômico, acrescentando temas como a insegurança alimentar e a violência nas sociedades contemporâneas (UNIÃO AFRICANA, 2022a). Almeja-se, também, debater sobre os avanços e retrocessos dos esforços para a equidade de gênero no continente, principalmente por meio da discussão sobre o recente relatório publicado pela organização e intitulado The African Women’s Decade: Grassroots Approach to Gender Equality and Women’s Empowerment (UNIÃO AFRICANA, 2022b), o qual foi elaborado como um esforço de coordenação das atividades e objetivos, para impulsionar a implementação de políticas públicas e programas destinados ao alcance da equidade de gênero e empoderamento das mulheres[2].

É importante ressaltar que a origem da PAWO, bem como o fortalecimento dos feminismos em África, está alinhada à expansão do movimento pan-africanista no continente (SANTOS, 2021). Este movimento tem como missão promover a união dos povos africanos para conquistar não apenas a independência formal com o processo de descolonização, mas também a libertação das amarras do colonialismo e das consequências destrutivas e predatórias que ele traz às sociedades africanas (BELLUCCI, 2010; HARRIS, ZEIGHDOUR, 2010). Um dos grandes marcos desse movimento é a criação da Organização da Unidade Africana (OUA), em 1963, que precedeu a criação da União Africana na Conferência de Durban, no ano de 2002.

Conforme a cronologia organizada por Blenda Santos (2021b), é possível perceber que, embora a participação e a representação das mulheres nos processos políticos tenham aumentado com o passar do tempo, as suas resistências e ativismos sempre estiveram presentes, exercendo papéis essenciais nos processos de (re)construção da paz. A importância de incluir as mulheres nesses processos políticos está associada ao fato de que as crises em África não estão baseadas apenas em aspectos militares ou elementos transitórios. São resultantes também, e talvez principalmente, de questões estruturais políticas, econômicas e socioculturais. Sob essa perspectiva, a inclusão das mulheres promove mais atenção a aspectos que costumam ser ignorados nos processos de paz, tendo em vista a reprodução das hierarquias de gênero no microcosmo comunitário, a qual promove impactos distintos entre homens e mulheres que presenciam uma mesma situação de crise. A participação das mulheres locais reforça um olhar crítico sobre o bem-estar social, que não apenas amplia o debate sobre as raízes das crises, mas também sobre os meios necessários para garantir respostas mais abrangentes e sustentáveis.

No entanto, as mulheres em África convivem com uma sobreposição de violências, não apenas oriundas das divisões de gênero, mas também baseadas em termos culturais e de nacionalidade. Isso porque, em um sistema internacional marcado por hierarquias, a África ainda é largamente considerada um território a ser tutelado. Em outras palavras, em meio a uma lógica binária que coloca os Estados Unidos e a Europa como centros desenvolvidos e democráticos, a caracterização da África, muitas vezes, é estabelecida como o contraponto atrasado, bárbaro e incapaz.

Dentro desse estereótipo, as intervenções externas são frequentemente legitimadas sob a alcunha de uma ação humanitária em prol da democracia e da liberdade em África; um dever dos países entendidos como mais desenvolvidos em garantir a paz e a segurança internacional. Entretanto, conforme vimos anteriormente, essas ações não costumam levar em consideração as demandas locais, muitas vezes mascarando as verdadeiras raízes dos problemas ou, ainda, acrescentando elementos que dificultam uma solução duradoura e sustentável para as crises.

Ademais, essas ações externas frequentemente reforçam a marginalização das mulheres africanas em relação aos processos políticos de (re)construção da paz. Tal fato pode ser percebido tanto pela estereotipificação das mulheres africanas – as quais são sexualizadas e subalternizadas –, quanto pela marginalização dos feminismos africanos[3]. Segundo Oyěyùmí (2004), a “hegemonia cultural euro-americana” promove uma racialização do conhecimento que desconsidera, inferioriza e/ou generaliza as realidades em África e, de modo ainda mais acentuado, as experiências das mulheres africanas. Em suma, o que se nota é um conjunto de violências que, embora se sobreponham, originam-se em uma mesma visão hierárquica da divisão de poder, que busca silenciar a história da África e subtrair a participação ativa das mulheres africanas na tomada de decisão política.

Em meio a essa conjuntura, existem diversos movimentos ativos em África que buscam lutar contra a sub-representação feminina nos espaços políticos e decisórios. Durante os anos 1980, diversas teóricas africanas, bem como mulheres negras e indígenas imigrantes no Ocidente, impulsionaram o questionamento dentro do movimento feminista, trazendo para debate questões referentes não apenas às diferenças entre mulheres e homens, mas também entre as mulheres que não se enquadravam no padrão ocidental; ou seja, mulheres de diferentes raças/etnias, religiões, classe social, orientação sexual e geração (SILVA, 2018).

Silva (2018) demonstra que foi no contexto das independências dos países africanos, além do processo de modernização e construção da identidade nacional, que se verificou o fortalecimento de movimentos de emancipação das mulheres africanas. Concomitantemente, percebe-se o aumento no número de trabalhos que traziam como principais temas: colonialismo, masculinidades, casamentos e relações de parentesco, associação de mulheres e lutas nacionalistas, reconfiguração de papéis de gênero, entre outros. De modo geral, as independências dos países africanos deram espaço para uma rearticulação da sociedade civil, trazendo como consequência o surgimento de novos movimentos sociais que desafiam as estruturas e as especificidades das sociedades africanas.

Segundo Casimiro (2014, p. 75-76, apud GASPARETTO, 2017, p. 8) os movimentos de mulheres e feminismos africanos surgem a partir de quatro frentes: “1) o movimento endógeno de mulheres nas sociedades africanas; 2) a resistência anticolonial; 3) os movimentos de libertação nacional; e 4) os grupos de mulheres profissionais e acadêmicas, com independência econômica”.

A emergência desses movimentos de mulheres foi fundamental na inserção da mulher africana nos debates teóricos, enfatizando a necessidade de um olhar minucioso de suas realidades, bem como questionando suas culturas e tradições sem desmerecê-las, mas sim buscando entender o lugar que a mulher ocupa nessas estruturas.

Esses movimentos questionaram os paradigmas de desenvolvimento conservadores e conformistas, confrontando-os com o resgate da história das mulheres sem cair nos erros da corrente central da historiografia africana, que desconsidera as especificidades das experiências e as diversidades das mulheres desses países (CASIMIRO, 2014 apud Gasparetto, 2017, p. 389).

Entre os movimentos em prol da equidade de gênero e dos direitos das mulheres em África, alguns se destacam. O MULEIDE é uma organização não-governamental moçambicana, criada em 1991, com o objetivo de combater a violência baseada no gênero e eliminar o desequilíbrio de oportunidades de acesso ao progresso socioeconômico entre homens e mulheres. O principal grupo alvo desta organização são as mulheres em situações de vulnerabilidade, mas também trabalha com homens vítimas de violências baseadas no gênero e crianças que são vítimas de violência sexual e de outros problemas sociais.

Em mesma medida, o FÓRUM MULHER é uma rede de organizações não-governamentais de direito privado e sem fins lucrativos, fundada em 1993, a partir de uma perspectiva feminista. Seu principal objetivo é mediar a relação entre sociedade civil e o Estado no que diz respeito à formulação e aplicação de políticas governamentais, bem como o fortalecimento de organizações que lutam pela garantia dos direitos das mulheres. Esta organização busca promover transformações nas práticas socioculturais que inferiorizam as mulheres, tendo como denominador comum o respeito pelos direitos humanos e a melhoria da posição da mulher na sociedade.

Por fim, podemos destacar o trabalho desenvolvido pelo MULHERES EM MOVIMENTO. Trata-se de uma estratégia regional da CARE, lançada em 2016, que tem como objetivo emancipar econômica e socialmente mulheres e meninas na África Ocidental por meio de grupos de poupança, de tal modo que elas se tornem sujeitos mais ativos na sociedade fazendo valer seus direitos básicos e impulsionando a transformação social nos níveis familiar, comunitário e social.

Tais movimentos têm se mostrado necessários para a garantia dos direitos das mulheres, bem como para a sua emancipação e inserção nas diversas esferas da sociedade. O Dia Internacional da Mulher Africana ajuda a trazer visibilidade a esses movimentos e impulsionar o engajamento coletivo para concretizar o objetivo comum a todos os projetos aqui apontados: garantir o fim das violências contra as mulheres e a elaboração de políticas eficazes que promovam a equidade social. Em suma, a data cumpre um importante papel para evitar o apagamento da história das mulheres em África, bem como destacar a luta coletiva contra o silenciamento dessas mulheres em meio a estruturas hierárquicas marcadas pela desigualdade e pela violência.

 

* Maria Eduarda Kobayashi Rossi é graduanda em Relações Internacionais pela UNESP. Pesquisadora do GEDES e bolsista FAPESP (processo 2021/04480-3). Contato: eduarda.kobayashi@unesp.br

** Lorena dos Santos Roberts é graduanda em Relações Internacionais pela UNESP. Pesquisadora do Núcleo de Estudo de Gênero Iaras-Gedes. Contato: lorena.roberts@unesp.br

***Kimberly Alves Digolin é professora de Relações Internacionais na Universidade Paulista, mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, Puc-SP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Iaras-GEDES. Contato: kimberly.alves.digolin@gmail.com

Imagem: Rede de Mulheres Líderes Africanas. Por: ONU Mulheres/ Flickr.

Notas:

[1] A sigla refere-se ao termo “Pan-African Women’s Organization”.

[2] Vale pontuar que muitos dos projetos são financiados pelo Fundo da União Africana para a Mulher Africana, o qual é essencial para a implementação das propostas previstas nos planos estratégicos da União Africana, principalmente para o alcance dos objetivos previstos na Agenda 2063: A África que queremos (UNIÃO AFRICANA, 2015).

[3] Para mais informações, recomendamos a seguinte leitura: GONZÁLEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Editora Zahar. 2021.

Referências bibliográficas

BELLUCCI. O Estado na África. Revista Tempo do Mundo, v. 2, n. 3, p. 9-43, 10 dez. 2010. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/revistas/index.php/rtm/article/view/110>. Acesso em 27 de julho de 2022.

CARE. Mulheres em movimento. Disponível em: https://www.care.org/pt/our-work/education-and-work/microsavings/women-on-the-move/

FÓRUM MULHER. Quem somos. Disponível em: https://forumulher.org.mz/quem-somos/

GASPARETTO, Vera Fátima; AMÂNCIO, Helder Pires. Gênero e feminismos em África: temas, problemas e perspectivas analíticas. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women ‘s World Congress (Anais Eletrônicos), 2017. Disponível em: http://www.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499218752_ARQUIVO_GeneroefeminismosemAfrica_VeraeHelder.pdf

GASPARETTO, Vera Fátima. perspectivas feministas africanas e organizações de mulheres em Moçambique. Paz na terra, guerra em casa: feminismos e organizações de mulheres em Moçambique. CASIMIRO, Isabel. Série Brasil &  África- Coleção Pesquisas 1, Pernambuco: Editora da UFPE: 2014, 376. Revista Estudos Feministas  [en linea]. 2017. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/381/38149070024.pdf

HARRIS, ZEIGHDOUR. A África e a diáspora negra. In: MAZRUI, WONDJI Edits. História geral da África VIII: África desde 1935. Brasília, UNESCO. 2010. pp. 849-872.

JESUS, Blenda Santos de. Entre ativismos e pan-africanismos: “travessias” internacionais de mulheres negras. Orientador: Victor Coutinho Lage. 2021 a. 131 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2021.

JESUS, Blenda Santos de. Pan Africanismo em 125 anos: uma perspectiva de gênero. Nexo Políticas Públicas.  2021 b.Disponível em: <https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2021/Pan-africanismo-em-125-anos-uma-perspectiva-de-g%C3%AAnero>.  Acesso em 26 de julho de 2022.

MULEIDE. Mulheres em ação. Disponível em: https://www.muleide.com.

OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. Conceptualizing Gender: The Eurocentric Foundations of Feminist Concepts and the challenge of African Epistemologies. African Gender

SALAMI, Mina. Uma breve história do feminismo africano. Tradução de Áurea Mouzinho. Ondjango Feminista. 10. apr. 2017. Disponível em:  https://www.ondjangofeminista.com/txt-con/2017/4/10/uma-breve-histria-do-feminismo-africano

Scholarship: Concepts, Methodologies and Paradigms. CODESRIA Gender Series. Volume 1, Dakar: CODESRIA, 2004.

SILVA, Tatiana Raquel. Lutas e formas de organização feminina em África: considerações sobre Guiné-Bissau, Moçambique e Cabo Verde. Revista de Políticas Públicas. 2018.

TELO, Florita Cuhanga António. O Pensamento Femnista Africano e a Carta dos Princípios Feministas para As Feministas Africanas. Seminário Internacional Fazendo Gênero, 11 e 13th Women ‘s World Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017. Disponível em: http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1498445384_ARQUIVO_ArtigoCompleto_Florita.pdf

Recomendações

Acervo: bibliografia de mulheres africanas UFRS. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/africanas/pesquisar-acervo/>. Acesso em 26 de julho de 2022.

Dicionário de teorias feministas do Iaras – Núcleo de Estudos de Gênero do GEDES, especialmente o “feminismo negro”. Disponível em: <https://gedes-unesp.org/feminismo-negro/#teoriasfeministas>. Acesso em 27 de julho de 2022.

Ted Talks: To change the world, change your illusions, por Minna Salami . Disponível em: <https://youtu.be/PiVB5niLrWg>. Acesso em 26 de julho de 2022.

Revista: Feminist Africa Issue. Disponível em: <https://feministafrica.net/>. Acesso em 26 de julho de 2022.

10th NPT Review Conference: what to expect from Brazil?

Victoria Viana Souza Guimarães*

Lucas Peixoto Pinheiro da Silva**

The approach of the 10th Review Conference (RevCon) of the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons (NPT) increases expectations about what will be debated and the possible outcomes. The expectation in regard to this specific RevCon is even stronger due to both the rescheduling and the multiple issues to be discussed. After four successive postponements due to the covid-19 pandemic, the event originally scheduled to take place in 2020, will take place between August 1st and 26th, 2022, in New York, in a very different and more challenging international context than in 2015. The topics that will probably be addressed include the following: Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons (TPNW), nuclear submarines, Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), 2018-19 Korean Peace process, Russo-Ukrainian War, energy crisis, nuclear weapons modernization programs, among others. The present article reviews the main issues on the agenda of the non-proliferation regime, analyzes Brazil’s position in previous conferences, and presents the stance it is most likely to present at this conference.

One of the main issues that will probably be addressed in the 10th RevCon is the relationship between the NPT and the TPNW. The TPNW entered into force in January 2021 and its 1st Meeting of States Parties happened from June 21st until the 23rd, 2022, in Vienna, Austria. The states parties issued two notable documents: the “Vienna Declaration” and the “Vienna Action Plan.” In the first document, the states parties reiterated their commitment to a future without nuclear weapons and strongly condemned nuclear threats. While in the second, they presented a wide-ranging and detailed 50-point plan for the implementation of the treaty.

The discourse leading up to the 10th RevCon gave great emphasis to “reducing the risk of nuclear weapon use” as a practical way to make incremental progress toward disarmament. Nevertheless, some non-nuclear-weapon states fear that a collective focus on risk reduction is an effort to avoid taking the steps needed to achieve disarmament. Some civil society experts have recommended that the document for the final RevCon recognize the TPNW’s entry into force while simultaneously clearly reaffirming the centrality of the NPT to the disarmament and nonproliferation regime. Albeit that, action must still be taken to demonstrate that risk reduction does not deviate from the efforts toward nuclear disarmament but contributes to achieving it.

Another issue to be addressed is the AUKUS. This acronym refers to the initials of Australia, the United Kingdom, and the United States. These countries jointly announced the formation of a new trilateral security partnership in the Indo-Pacific on September 15th, 2021. This partnership establishes among other things the acquisition by Australia of nuclear-powered submarines. Thus, Australia, together with Brazil, which has pursued a nuclear-powered submarine since the late 1970s, would be the first non-nuclear-weapon state to possess it. These programs present new challenges regarding nuclear safeguards and proliferation which should be addressed at the conference. Speculations have already been made about the possibility of countries such as South Korea, Japan, Iran, and Pakistan, among others, taking advantage of this precedent.

The Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA) was signed in July 2015, closing the Iranian nuclear issue. It was originally composed by the P5+1 (China, France, Russia, UK, US + Germany) along with the European Union and Iran. The agreement’s main goal was to provide further assurances that Iran would not use nuclear technology to build nuclear weapons. However, in 2018, ex-President Donald Trump withdrew the US from the arrangement, which was followed by the reestablishment of strong banking and oil sanctions. In retaliation, the Iranians have resumed some of the nuclear activities that were dismantled by the JCPOA, such as increasing the stockpile of low-enriched uranium, enriching uranium in higher concentrations, and developing  new centrifuges. More recently, the signing of the Jerusalem Declaration, on July 16th, 2022, by Biden and the Prime Minister of Israel, Yair Lapid, obstructed even further the chances of the JCPOA’s revival. According to the document, each country would be willing to “use all elements of its national power” to prevent Iran from acquiring a nuclear device.

The 2018-19 Korean peace process was a series of negotiations among the US, South Korea, and North Korea towards the Korean peninsula denuclearization. In March 2018, ex-President Trump agreed to the first US-North Korea Summit, which was followed by a historical summit between Kim Jong-un and Moon Jae-in. The result was the pledge from both to convert the armistice into a formal peace treaty between the two Koreas and confirmed the shared goal of achieving a nuclear-free Korean Peninsula. Further efforts were made on June 12th, 2018, when Trump and Kim held a historic meeting, in Singapura; and in September 2018, when Kim and Moon signed a joint declaration outlining steps towards reducing tensions, expanding inter-Korean cooperation, and achieving denuclearization. Nonetheless, negotiations stalled after the Hanoi Summit. The efforts to revive it were unsuccessful and, on October 6th, 2019, North Korea ended negotiation talks with the US until Washington could offer substantial sanction relief. In June 2020, the inter-Korean dialogue was disrupted as well. More recently, Biden has adopted a “middle ground” approach between Obama’s “strategic patience” and Trump’s “grand bargain” policies, though North Korea has signaled no intentions to re-start the talks and ramped up missile tests at  the beginning of 2022.

On February 24th, 2022, Russia invaded Ukraine causing a major disturbance in the international system. Russia has put on special alert its deterrence forces, in case NATO intervened directly in the war, igniting security-focused rearrangements in the international economy, with unprecedented sanctions against Russia, which led to spiking oil and gas prices. The energy crunch caused by the war has led to the reconsideration of nuclear energy as a clean alternative to fossil-fuel based energy sources even in countries like Germany, where nuclear energy plants are predicted to be completely shut down at the end of 2022. Furthermore, during the conflict, the Kharkiv nuclear research institute was shelled and Europe’s biggest nuclear power station at Zaporizhzhia was damaged, causing further concern over the nuclear risks and its humanitarian consequences.

Nuclear weapons modernization programs continue to channel extensive resources that could be invested in other critical areas. According to the International Campaign to Abolish Nuclear Weapons (ICAN) report, in 2020, during the covid-19 pandemic, 72.6 billion was spent on nuclear weapons. This high investment in nuclear weapons was also underscored in a 2022 report produced by Reaching Critical Will. The report states that “continued investment by certain governments in not just the maintenance but also the ‘modernisation’—the upgrading, updating, and life-extending—of nuclear weapons is absurd, dangerous, and immoral”.

Brazil acceded to the NPT in 1998 and since then has participated in all RevCons and Preparatory Committees[3], having consolidated very coherent and stable rhetoric internationally. The Brazilian position in the Global Non-proliferation Regime has been characterized by the following rhetorical issues: i) defense of the universality of the NPT; ii) the reaffirmation of its pillars (nonproliferation, disarmament, and peaceful use of nuclear technology); iii) the reiteration of the irreversibility, transparency and verifiability principles and the urging for the resolution on the Middle East agreed on the 5th Review and Extension Conference of the NPT; iv) the urging for revision of the role of nuclear weapons in nuclear-weapon states’ military doctrines, v)  the denunciation of the imminent risk of an accidental nuclear detonation; and vi) the contestation of its asymmetries due to the lack of implementation of previously agreed upon disarmament-oriented measures. In addition, the proposition of measures to improve the regime, in particular the fulfillment of the nuclear-weapon states obligations, has also been present in all administrations since 1998. More recently, since the Dilma Rousseff administration, the enunciation of the humanitarian cost of nuclear weapons has been gaining importance.

Considering this new context in which the 10th RevCon will take place, what should be expected in relation to Brazil’s position in the conference? Similar to the Brazilian positions in the previous conferences, it is believed that in this RevCon the country will probably reproduce its consolidated position on recurring issues, by keeping a demanding rhetoric toward the nuclear-weapon states , while defending the access to the technological development of the non-nuclear-weapon states . Meanwhile, on the AUKUS issue, Brazil might try to maximize the effects of the precedent for its own interests, as it is probably the most impactful issue for the country expected to be addressed at the conference. Brazil shall observe carefully how the US will stand regarding this issue since it has been against the Brazilian program. Brazil could explore this contradiction. Conversely, the AUKUS may set an unfavorable precedent for Brazil in relation to joining the IAEA Model Additional Protocol, to which Australia has already adhered and Brazil resists. In general, the trend is toward  regression in relation to nuclear disarmament and non-proliferation measures, following a  change in the priority of the great powers, with an emphasis on security issues motivated by the containment strategy of China and the Russo-Ukrainian war.

[3] Meetings that precede the Review Conferences.

* Doutoranda em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) e bolsista CAPES/BRASIL no projeto 88887.387832/2019-00.

** Mestre em Estudos Estratégicos (Inest-UFF). Secretário adjunto do Centro de Estudos sobre China Contemporânea e Ásia (CEA/Inest-UFF).

Imagem: Assembleia Geral da ONU, 2018. Por Trump White House Archived/Flickr.

As razões pelas quais a Rússia já perdeu a guerra da Ucrânia

Guilherme Cuter Rodel*

 

Uma das afirmações mais conhecidas e utilizadas nas Relações Internacionais é a máxima de Clausewitz: “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Desta declaração deve-se entender que o conflito armado é um meio utilizado para se alcançar objetivos políticos. 

Com relação à Guerra da Ucrânia, a despeito das declarações de Putin e de membros de seu governo sobre “desnazificar” a Ucrânia ou proteger minorias russas, podem ser depreendidos como objetivos que levaram a Rússia a invadir o país vizinho: alterar o governo ucraniano e fazer com que este Estado deixasse de ser um aliado dos países ocidentais; conquistar alguns novos territórios; desestabilizar e enfraquecer a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); impedir essa organização – e especialmente os Estados Unidos da América (EUA) – de se aproximar das fronteiras russas, talvez querendo até mesmo forçar a retirada de tropas e equipamentos da OTAN da Europa Oriental; e dissuadir outros países vizinhos – especialmente aqueles que faziam parte da União Soviética – de se aproximarem demais do Ocidente. 

Quando é dito, no título desse texto, que a Rússia já perdeu a guerra, eu quero dizer que, mesmo com o conflito ainda em andamento, os objetivos políticos russos já se encontram fora de alcance. Isto é afirmado, pois o oposto do pretendido pelo país euroasiático aconteceu após a invasão.

A começar pela OTAN, uma organização que estava, nos anos que antecederam 2022, em seu pior momento desde sua criação, em 1949. Após a presidência isolacionista e disruptiva de Donald Trump nos EUA e o Brexit no Reino Unido, as divergências entre os aliados ocidentais chegaram a tal ponto que Emmanuel Macron, presidente francês, declarou que a OTAN se encontrava em estado de “morte cerebral” em 2019. Porém, após a Rússia invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, os países-membros da OTAN apresentaram uma resposta unificada de oposição às ações do governo de Putin. Sanções foram anunciadas e uma grande quantidade de ajuda financeira e militar foi – e continua sendo – enviada para Kiev.

Este último ponto é especialmente importante, pois, antes do início das hostilidades, armamentos ocidentais serem alocados próximo das fronteiras russas era algo extremamente sensível para Moscou e considerado “inaceitável”. Os russos afirmavam que um dos motivos de sua invasão era exatamente se sentirem ameaçados pela maior presença militar estadunidense na Ucrânia e pelo potencial de mísseis, incluindo aqueles com capacidades nucleares, serem instalados no país vizinho. Todavia, como já foi dito, o número de armas ocidentais presentes na Ucrânia aumentou exponencialmente desde que o conflito começou e provavelmente os equipamentos militares permanecerão no país mesmo depois que a guerra acabar.

Além disso, a OTAN foi revitalizada, adquirindo uma importância que havia sido perdida nos debates internos de cada país-membro e nos assuntos internacionais. Junto com isso, o apoio das populações dos membros ao bloco militar aumentou consideravelmente depois do início da guerra. Ademais, a aliança ganhou um motivo claro para sua existência: opor-se à Rússia e quaisquer medidas expansionistas deste país. Como estabelecido pelo novo conceito estratégico da organização, publicado no fim de junho, a Rússia passa a ser considerada a principal ameaça para a segurança da OTAN e de seus Estados-membros.

Com base nisso, os assinantes do Tratado do Atlântico Norte que fazem fronteira com a Rússia receberam ainda mais apoio da organização após o início da guerra. A presença de soldados permanentes do bloco nos países bálticos – Letônia, Lituânia e Estônia – aumentou consideravelmente e países como Romênia e Polônia ganharam novos equipamentos e mais tropas.

Outrossim, demais países e organizações ocidentais – com destaque para Alemanha e União Europeia – estão quebrando precedentes ao enviar armas para a Ucrânia e propor embargos ao petróleo russo e diminuição drástica da compra de gás da nação agressora. Estas medidas sobre cortar importações de fontes de energia da Rússia são relevantes pelo fato de tais produtos, tradicionalmente, servirem de instrumento geopolítico russo para utilizar contra governos europeus. Ou seja, os países ocidentais estão mais unidos e dispostos a confrontar a Rússia, com este Estado perdendo mecanismos de contrabalancear e pressionar as nações europeias.

Outra tendência que vai na direção contrária dos objetivos russos é de países vizinhos à Rússia se aproximarem de instituições ocidentais. Suécia e Finlândia abandonaram suas políticas tradicionais de neutralidade e pediram para aderir à OTAN. A organização, por sua parte, já estendeu oficialmente o convite para os países nórdicos se juntarem à aliança. Logo, ao invés da Rússia fazer com que a OTAN recuasse para mais longe do território russo e estabelecer para seus vizinhos que entrar na organização ocidental estaria fora de questão, o que houve foi uma expansão considerável das fronteiras divididas entre o bloco militar e o país euroasiático, além da perspectiva de a OTAN se fortalecer ainda mais com a entrada de dois membros com significativas capacidades militares.

Seguindo a tendência descrita no último parágrafo, Geórgia e Moldávia fizeram pedidos para entrar na União Europeia após o início da guerra. Ao segundo foi concedido status de candidato oficial a entrar no bloco, enquanto ao primeiro foi requisitado que fizesse algumas reformas internas para poder também ser considerado um candidato. Deve-se dizer que simplesmente receber o status de candidato não é tão impactante, já que o processo de adesão à União Europeia costuma ser bem longo e pode ser revertido com facilidade. 

Entretanto, o que é relevante é o fato de, após o início da guerra na Ucrânia, esses dois países ex-soviéticos buscaram se aproximar do Ocidente. Ambos fazem parte de uma área que Moscou considera sua zona de influência e têm, atualmente, tropas russas ocupando partes de seus territórios, resquícios de intervenções militares. Logo, nessas condições, é notável que Geórgia e Moldávia tenham adotado a decisão de tentar entrar na União Europeia após a Rússia invadir a Ucrânia, assim buscando se aproximar do Ocidente, em contrariedade aos desejos russos.

No que se refere à situação da Ucrânia, na data em que este artigo é escrito parece certo que a Rússia conseguirá conquistar toda a região do Donbas. Com isto, as repúblicas separatistas ucranianas de Donetsk e de Luhansk se expandirão e, possivelmente, serão anexadas à Rússia. Apesar dessa conquista de território, deve ser destacado que os ataques russos contra as principais cidades ucranianas – Kiev e Kharkiv – fracassaram. Desse modo, no atual momento, a conquista total da Ucrânia parece estar fora de alcance, fazendo com que os objetivos russos de derrubar o governo de Volodymyr Zelensky e forçar Kiev a abandonar sua política externa pró-Ocidente não sejam mais realizáveis.

A Ucrânia, então, deve seguir uma política externa ainda mais pró-Ocidente e contra a Rússia do que já vinha fazendo antes de 2022. Além de ter recebido uma gigantesca quantidade de armamentos ocidentais e outros recursos para combater a guerra, o país fez o pedido para aderir a União Europeia – já tendo obtido status de candidato oficial – e esta mesma organização já se propôs a arcar com grande parte do custo para a reconstrução da Ucrânia. Logo, tal nação, mesmo que enfraquecida por todos os danos do conflito e por perdas territoriais, deve se consolidar como uma grande aliada dos países ocidentais.

Dado todo o exposto, conclui-se que a Guerra da Ucrânia já pode ser considerada um fracasso para o país agressor, a despeito da luta ainda não ter acabado. Eu defendo esse ponto de vista, pois, mesmo que seja impossível determinar com precisão tudo que a Rússia visava ganhar ao invadir o país vizinho, está claro que os objetivos políticos mais importantes já estão fora de alcance. Mais do que isso, em alguns aspectos o contrário do pretendido pelo país euroasiático aconteceu, como por exemplo a OTAN adicionar membros e se revitalizar ao invés de ser desestabilizada e enfraquecida. 

No final, a única coisa que a Rússia deve conquistar é um pouco mais de território ucraniano. Isto, apesar de fortalecer tanto a posição russa na Crimeia quanto as repúblicas separatistas ucranianas, ainda está muito aquém do esperado pelo país agressor, ao ponto de poder ser afirmado que tais conquistas não conseguem compensar pelo alto número de perdas russas – seja em termos de vidas, equipamentos, geopolítica ou até econômicas, visto as sanções e embargos ocidentais – e que a guerra, no final das contas, não deve ser considerada um sucesso para o país euroasiático.

* Guilherme Cuter Rodel é graduando do curso de Relações Internacionais na PUC-SP.

Imagem: Fotos de Bucha, na Ucrânia. Por: AP Photo/Felipe Dana/Flickr.

Agenda do governo Biden para a América Central e a reestruturação da hegemonia dos EUA

João Estevam dos Santos Filho* 

Texto publicado originalmente no Le Monde Diplomatique.

 

Na primeira semana de maio de 2022, no marco da Cúpula das Américas, os governos dos EUA e do México anunciaram o planejamento de um plano bilateral de assistência à América Central, em virtude tanto da crise migratória que tem se dado na região desde o final da década passada, quanto da revogação de medidas anti-imigração tomadas pelo governo de Donald Trump (2017-2021). Esse é um dos eventos que têm marcado as relações entre EUA e América Central durante o governo de Joe Biden, um dos pontos mais importantes na agenda do presidente democrata para a América Latina desde a sua campanha presidencial. No entanto, mais do que uma mera resposta à crise migratória, essas relações também compõem uma série de mudanças na política externa norte-americana, voltada para uma reestruturação de sua hegemonia na região latino-americana.

Atenção renovada à América Central

Desde sua campanha presidencial, as prioridades que Biden definiu para as relações com a América Latina incluíam a intensificação da assistência à América Central – inclusive a partir de uma abordagem diferente daquela que vigorou durante a administração de seu antecessor – mais focada na implementação de medidas anti-imigração, inclusive por meio da militarização da fronteira com o México.

Assim, ainda enquanto candidato, dentre os objetivos estabelecidos, foram apontados o desenvolvimento de uma estratégia regional de quatro anos com recursos equivalentes a US$ 4 bilhões para os países do Triângulo Norte (Guatemala, Honduras e El Salvador – a principal fonte dos imigrantes para os EUA e países com alto índice de violência e corrupção institucional) e a mobilização de investimentos privados para a região. Nesse segundo caso, a proposta incluía a ação conjunta com instituições financeiras internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para desenvolver projetos de infraestrutura e promover investimentos diretos estrangeiros; criação das condições jurídico-institucionais necessárias para tornar o funcionamento de seus mercados eficiente e transferência de recursos financeiros para bancos privados da região, a fim de garantir capital para microempreendedores. Portanto, já em sua campanha, Biden afirma a importância de os EUA consolidarem sua posição na América Central, não apenas por meio de mecanismos de segurança, mas também através de maior presença de capitais públicos e privados estadunidenses na região.

Já nos primeiros meses de seu mandato, o novo governo norte-americano, através da vice-presidente Kamala Harris, encarregada de tratar as questões referentes à América Central anunciou um pacote de assistência no montante de US$ 310 milhões, a fim de ajudar no combate à insegurança alimentar no Triângulo Norte. Ademais, em dezembro de 2021, também foram anunciados pela vice-presidente um pacote de investimentos diretos no valor de U$ 450 milhões, realizado por empresas como Microsoft, Cargill, PepsiCo, dentre outras. Além disso, a administração tem aumentado os volumes de recursos destinados à região, através de dois programas centrais para a Estratégia dos EUA para Engajamento na América Central: a Iniciativa de Segurança Regional da América Central (CARSI, na sigla em inglês) e o Programa Regional da América Central da USAID – cujos orçamentos foram reduzidos severamente no governo Trump (MEYER, 2022).

Dois aspectos se destacam nesse renovado interessante pela América Central: em primeiro lugar, a tendência de diminuição da assistência especificamente militar iniciada ainda no governo de Barack H. Obama (2009-2017) foi mantida: entre 2010 e 2021, os valores totais para esse setor passaram de US$ 107,8 milhões para US$ 1,7 milhões. O segundo aspecto foi iniciado também durante a administração Obama e, apesar de ter sofrido um forte revés com a diminuição dos valores destinados à América Central pelo governo Trump, tem continuado com a administração de Biden, tratando-se da tendência crescente de destinar recursos para projetos socioeconômicos em conjunto com os Estados centro-americanos, o México e instituições financeiras internacionais (principalmente o BID) e a realização destes com significativa presença de capitais privados transnacionais – em sua maioria sediados nos EUA.

Dessa forma, desde a construção da Estratégia dos EUA para Engajamento na América Central em 2016, o foco da agenda norte-americana para a região tem sido o de aumentar sua presença não apenas por meio da assistência de segurança (ainda que esta se mantenha até hoje), mas principalmente por meio do fluxo de seus capitais privados para a região. Também é importante afirmar que, apesar da forte ênfase do governo Biden na América Central, essas duas tendências têm se verificado no conjunto das relações dos EUA com a região latino-americana, o que deixa implícito que essa tendência, mais do que uma mera resposta de médio prazo para a crise migratória, também faz parte de um contexto maior de reestruturação da hegemonia norte-americana na América Latina.

Relações com a América Central e a hegemonia dos EUA

A América Central e o Caribe foram as primeiras sub-regiões do chamado Hemisfério Ocidental a serem incorporados ao sistema de relações hegemônicas criadas pelos EUA na segunda metade do século XIX e início do XX. De um modo geral, desde então, as ações norte-americanas na região incluíram a exportação de capitais em diversos setores econômicos, principalmente nos ramos de agronegócio e extração mineral; intervenção direta (como no caso da Guatemala em 1954, da República Dominicana em 1965, de Granada em 1983 e do Panamá em 1989); financiamento de paramilitares (como no caso dos Contras, criados para desestabilizar o governo sandinista da Nicarágua na década de 1980), dentre outras medidas (SMITH, 2008). Dessa forma, a América Central – bem como a Bacia do Caribe – têm sido consideradas as zonas de influência dos EUA “por excelência”.

Entretanto, a partir do fim da Guerra Fria, as relações hegemônicas entre EUA e América Latina passaram por mudanças, uma vez que, além do desmantelamento do bloco soviético, essa hegemonia passou a se basear fortemente na implementação de um projeto neoliberal de poder, fundamentado não apenas no desenvolvimento de uma “economia de mercado” (que incluía o fim de barreiras comerciais, desregulamentação das leis trabalhistas, privatização de empresas estatais, flexibilização dos fluxos de capitais financeiros), mas também na criação de um ambiente político-institucional que favorecesse a presença de empresas transnacionais (ROBINSON, 2005). O apoio norte-americano a esse projeto foi visto tanto por meio das negociações entre os diferentes Estados latino-americanos com o governo e os bancos privados dos EUA nas décadas de 1980 e 1990, quanto também por meio de acordos regionais, sobretudo os de livre-comércio, como foram os casos do Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA, na tradução em inglês) e dos acordos firmados com Colômbia, Peru, Chile e com a América Central.

Por outro lado, esse novo esquema de relações hegemônicas esteve centrado em um forte estímulo ao emprego interno das forças militares latino-americanas – agora não mais contra os agentes do comunismo internacional, mas contra as chamadas “novas ameaças”, cuja maior expressão era o crime organizado transnacional e o terrorismo internacional. Desse modo, foram criados programas de assistência de segurança com forte viés militarizado, como o Plano Colômbia, a Iniciativa Regional Andina, a Iniciativa Mérida e até mesmo o CARSI. Suas principais características eram: aumento do volume de recursos destinados às forças armadas desses países; maior transferência de armamentos para uso interno; intensificação do treinamento de militares latino-americanos e propagação de doutrinas de operações especiais entre as forças de segurança da região.

No entanto, a partir de meados da década de 2000 e 2010, a hegemonia norte-americana experimentou algumas contrarreações, dentre as quais se destacaram: a ascensão de governos de esquerda na região (evento que ficou conhecido como “Onda Rosa”) e a maior presença chinesa na América Latina. Em relação ao primeiro caso, foi visto a criação de uma série de projetos nacionais e regionais direcionados a minar algumas das bases do projeto neoliberal na região (CHODOR, 2015). Por outro lado, a presença chinesa passou a preocupar as elites políticas estadunidenses, dado o aumento do volume de fluxos comerciais, de investimentos diretos (inclusive, em áreas em que a presença norte-americana ainda é deficiente) e empréstimos financeiros. Importante também mencionar que essa aproximação chinesa tem se dado inclusive na América Central, com alguns países sendo incluídos na iniciativa One Belt, One Road (Panamá, Costa Rica, Nicarágua e El Salvador).

Em virtude dessas mudanças estruturais – além da própria crise econômica de 2008-2009 –, as relações hegemônicas entre EUA e a América Latina têm passado por algumas mudanças operacionais, ainda que sua consistência política (baseada principalmente no neoliberalismo e na financeirização) permaneça a mesma. Desde o governo de Barack Obama, tem havido um esforço das diferentes instituições estatais norte-americanas de adaptar os programas de assistência aos países latino-americanos para atividades mais focadas na construção de condições socioeconômicas de uma economia de mercado. Dessa forma, o próprio CARSI que foi criado como uma iniciativa de assistência de segurança aos países da América Central tem se convertido em um plano de direcionamento de investimentos para a região, principalmente, a partir do maior envolvimento da USAID no programa (MEYER; SEELKE, 2015). Além disso, a partir de 2015, foram criadas as chamadas Estratégias de Cooperação para Desenvolvimento do País para os Estados centro-americanos. Essas iniciativas têm como objetivo auxiliar na realização de projetos socioeconômicos de cada país (em parceria com os respectivos governos) e canalizar capitais privados para a realização de investimentos na região.

Por outro lado, mesmo com as restrições orçamentárias para a assistência à América Central levadas à cabo pelo governo Trump, essa tendência apresentada na administração anterior não foi totalmente abandonada, uma vez que também houve um foco no aumento do direcionamento de investimentos privados, orientados por instituições como a USAID e o novo banco de investimentos internacionais, a Corporação Financeira dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (DFC, na sigla em inglês). Desse modo, foram instituídos projetos como o América Cresce, focado em áreas como infraestrutura e telecomunicações em diversos países da América Latina – áreas em que os capitais norte-americanos ainda perdem para os chineses.

Tendência de longo prazo

Desse modo, os projetos criados nos três últimos governos norte-americanos para a América Central têm dado indicativos de serem mais do que meras respostas de curto prazo para a crise migratória no sul dos EUA. Ao que se demonstra, essa tem sido uma tendência de longo prazo nas relações hegemônicas com a América Latina, para as quais a presença de capitais privados (e públicos) estadunidenses passa a ser uma peça central. É importante mencionar que essa medida contribui para duas questões centrais: em primeiro lugar, oferece um contraponto à aproximação econômica e política chinesa na região, atuando em setores ainda pouco atendidos pelos capitais privados norte-americanos. E em segundo lugar, por meio dessas medidas – juntamente com a assistência militarizada que as elites políticas estadunidenses ainda oferecem aos países centro-americanos –, é criado um ambiente institucional que privilegia a construção de relações sociais especificamente neoliberais, garantindo a assim a continuação do processo de acumulação de capital nessa região.

 

João Estevam dos Santos Filho é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, Puc-SP). Pesquisador pelo Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes).

Imagem: Biden assina declaração sobre migração. Por: Departamento de Estado (EUA)/Flickr.

Referências

CHODOR, T. Neoliberal hegemony and the Pink Tide in Latin America: breaking up with TINA? Basingstoke; New York: Palgrave Macmillan, 2015-.

MEYER, P. J. U.S. Foreign Assistance to Latin America and the Caribbean: FY2022 Appropriations. Washington, D.C.: CRS, 2022.

MEYER, P. J.; SEELKE, C. R. Central America Regional Security Initiative: Background and Policy Issues for Congress. Washington, D.C.: CRS, 2015.

‌ROBINSON, W. I. Gramsci and Globalization: From Nation‐State to Transnational Hegemony. Critical Review of International Social and Political Philosophy, [s. l.], v. 8, n. 4, p. 559–574, 2005.

‌SMITH, P. H. Talons of the eagle: Latin America, the United States, and the world. New York: Oxford University Press, 2008.‌

A extrema-direita na Guerra da Ucrânia: combatentes estrangeiros e a ameaça transnacional – Parte 2

Álvaro Anis Amyuni*

Na primeira parte do texto, analisei os desenvolvimentos endógenos à Ucrânia que contribuíram para a criação do ambiente permissivo à atuação da extrema-direita ucraniana a partir do Euromaidan e durante a guerra civil. Nesta segunda parte é analisado o desenvolvimento exógeno, ou seja, as conexões transnacionais estabelecidas entre os atores de extrema-direita ucranianos e russos com grupos e indivíduos estrangeiros ao conflito.

Os símbolos, atos e ideologia do desenvolvimento endógeno da extrema-direita ucraniana nos permitem perceber e analisar as consequências transnacionais da atuação de atores abertamente extremistas. O desenvolvimento exógeno se refere à atração que grupos como Azov exercem sobre atores de extrema-direita externos à região, recrutando indivíduos para participar do conflito e estabelecendo laços transnacionais com outras organizações.

Entre 2014 e 2021, estima-se que mais de 17 mil “combatentes estrangeiros” (em inglês, “foreign fighters”) atuaram no conflito em Donbass – e não apenas do lado ucraniano. Segundo Christian Kaunert e Alex Mackenzie (2021), desse total, cerca de 15 mil são russos, robustecendo as forças das repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk, sendo 3 mil desse contingente pró-Ucrânia. Os demais, 2 mil, dividem-se entre combatentes de países como Belarus e Sérvia (majoritariamente pró-Rússia) e  combatentes vindos do Ocidente. A partir da deflagração da guerra em 2022, esse número aumentou consideravelmente. Nas semanas de escalada das tensões e preparação para o conflito, houve uma mobilização da inteligência de alguns países ocidentais para impedir a saída de cidadãos para lutar na Ucrânia, como foi o caso do Reino Unido.

Diante desse número expressivo de combatentes estrangeiros, é inevitável comparar a situação dos últimos 8 anos na Ucrânia com guerras que gestaram o surgimento de grupos extremistas e terroristas durante o século XX e no século XXI. O precedente mais próximo é a Guerra da Síria, quando milhares de indivíduos de países ocidentais se radicalizaram através do Estado Islâmico, inclusive criando células terroristas em seus países de origem que produziram atentados como o de Paris (2015). A semelhança com a Síria para por aí, visto que o recrutamento de estrangeiros (até o momento) não é destinado à criação de células terroristas ou exclusivamente com o objetivo de serem praticados atos violentos quando retornarem aos seus países de origem.

Entretanto, o conflito na Ucrânia já gerou conexões transnacionais importantes entre atores do Ocidente com organizações paramilitares russas. É o caso do Movimento Imperial Russo (MIR) e do Movimento de Resistência Nórdica (MRN). O primeiro, um grupo paramilitar ultranacionalista e supremacista russo que atua na Ucrânia e na Rússia que recruta indivíduos de países ocidentais para o treinamento militar. O segundo, um grupo neonazista atuante principalmente na Suécia e responsável pelo ataque a um campo de refugiados em Gotemburgo, em 2017, logo após seus perpetradores terem viajado para a Rússia para participarem de um treinamento oferecido pelo MIR. Destaca-se que o MIR foi designado como um grupo terrorista pelos EUA e Canadá em 2020 e 2021, respectivamente, apesar de sua atividade principal não ser o engajamento em uma campanha terrorista internacional contra o Ocidente.

O caso do MIR mostra que o problema não se concentra somente nas organizações ucranianas. A Rússia possui uma perigosa cena de extrema-direita que atua a partir da vista grossa do governo Putin, este de forte inspiração ultranacionalista e conservadora. Além da atração de combatentes ocidentais, os grupos paramilitares russos construíram um forte nexo pan-eslavista com grupos e indivíduos de países dos Bálcãs, especialmente a Sérvia.

Os grupos de extrema-direita ucranianos não apenas realizam recrutamentos como se tornaram símbolos de referência para extremistas em atentados e movimentos políticos em outros países. No atentado de Christchurch na Nova Zelândia, em 2019, o perpetrador, Brenton Tarrant, exibiu o símbolo do Regimento Azov em seu “manifesto” com o objetivo de propagar e inspirar outros terroristas. Apesar disso, a comissão de investigação neozelandesa não comprovou uma relação direta de Tarrant com Azov.

Outro exemplo foi o caso do Brasil, no auge das manifestações bolsonaristas, em 2020, quando militantes radicais manifestavam a intenção de “ucranizar” o Brasil, fazendo referência à milicianização das forças armadas, a própria guerra civil que a Ucrânia se afundou desde 2014 e à inspiração ideológica racista, anticomunista e neofascista dos grupos de extrema-direita ucranianos, ilustrada pela presença de símbolos de grupos como o Setor Direito.

O fato de combatentes estrangeiros ocidentais e não-ocidentais atuarem dos dois lados do conflito Rússia-Ucrânia nos impede de fazer uma análise simplista dessa “atração ideológica” sobre a qual Putin remete e que busca utilizar como uma das justificativas para a guerra atual. Por um lado, a Ucrânia representa para parte da extrema-direita ocidental a “fronteira” do Ocidente, um território que deve ser defendido contra forças anti-ocidentais, como a Rússia. Há também a inspiração tomada por neonazistas e supremacistas do passado colaboracionista ucraniano com o nazismo na Segunda Guerra Mundial, fato também exaltado pelo Regimento Azov. Do outro lado, a atração em relação a Rússia de Putin se encontra na defesa de uma nação-modelo de comunidade étnica “pura” que subjuga outras etnias, além do relacionamento íntimo do poder político do Kremlin com a Igreja Ortodoxa.

Outra possibilidade vai além das proximidades ideológicas e encontra a oportunidade de aperfeiçoamento tático e estratégico individual e grupal, como é o caso do relacionamento entre o MRN e o MIR. Não necessariamente, entretanto, a razão para peregrinação está atrelada a ideologias de extrema-direita. Kaunert e Mackenzie traçaram vários veteranos de guerra norte-americanos que enxergam na guerra da Ucrânia uma oportunidade de voltarem à ativa, não possuindo necessariamente uma inclinação ideológica à direita. Porém, há o risco de radicalização no conflito, fazendo com que indivíduos atraídos pela ideia de realizar “atos heroicos” em uma situação de guerra entrem em contato com as ideologias de grupos como Azov e MIR e se tornem adeptos.

Toda essa complexidade envolvendo o relacionamento transnacional da extrema-direita com a guerra da Ucrânia encontra parte de sua razão na forma como aquela se manifesta e se organiza desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Roger Griffin (2003), cientista político dedicado ao estudo do fascismo e do neofascismo, afirma que a extrema-direita no cenário hostil à sua atuação e crescimento do pós-guerra passou a não mais se organizar de forma centralizada, em movimentos de massa, e sim a partir de “grupúsculos” que agem de forma independente. Não existe uma liderança central que dite os rumos ideológicos e concentre carisma o suficiente para unificar a extrema-direita nacional e internacionalmente. Isso se aplica principalmente para grupos violentos que rejeitam atuações pela via democrática/institucional e que são os principais reprodutores de ideologias que remetem ao nazismo e ao fascismo.

Assim, apesar dessa autonomia, a atuação concorrente e cooperativa entre os grupos é o que cria um ambiente ideológico comum, mas ao mesmo tempo adaptado à realidade nacional de cada ator, sendo justamente essa falta de centralidade o que permite a sua sobrevivência contra tentativas de governos de sufocá-los. Nos Estados Unidos, por exemplo, supremacistas brancos resumiram sua estratégia de atuação como “resistência sem liderança” e sumariza muito bem a concepção de “grupúsculo” proposta por Griffin ao não encorajar filiações formais de indivíduos a grupos bem estruturados, mas sim ações violentas reativas individuais.

Essa característica tem sido intensificada com o advento da internet, onde há um ambiente propício para a rápida propagação transnacional de ideias de extrema-direita e articulações em torno de práticas violentas. A comunicação on-line se dá principalmente por meio de símbolos, algo que a extrema-direita envolvida no conflito ucraniano não deixa a desejar. A extrema-direita grupuscular não tem como objetivo alcançar “corações e mentes” de multidões, por outro lado, seus atores, inclusive, almejam o confronto. Por isso, grupos como Azov, o MIR, o Setor Direito e a milícia Wagner[1] servem de oportunidade para suprir o “fetiche” militarista comungado entre militantes da extrema-direita global.

Mas não devemos esperar que haja uma tomada de liderança pelos grupos envolvidos no conflito russo-ucraniano para formar grupos paramilitares “filiados” sob sua tutela em outros países. Eles servem a diversos propósitos para atores estrangeiros de extrema-direita, principalmente para dar experiência de campo para a prática de violência. Mesmo assim, esses nexos não estão claros, ou seja, nem todos os combatentes estrangeiros de extrema-direita irão, de fato, realizar atentados terroristas quando retornarem a seus países de origem ou organizar movimentos para “ucranizar” a sua sociedade. O impacto dos combatentes estrangeiros na guerra em si é difícil de ser mensurado, mas se apresenta como a minoria em ambos os lados.

Internamente para a Ucrânia e para a Rússia a permissividade para a atuação da extrema-direita na guerra tem um potencial nocivo muito maior. Primeiro, pela possibilidade de a ideologia influenciar ações violentas que violem os direitos humanos da população civil a partir do estabelecimento de critérios étnicos e raciais. O governo russo repetidamente acusa as forças do Regimento Azov de terem praticado limpeza étnica em Donbass e a Ucrânia acusa as forças russas de terem provocado o Massacre de Bucha.

Segundo, pelo recrudescimento político dos grupos radicais no pós-guerra, especialmente na Ucrânia, onde há uma dependência muito maior das forças milicianas de extrema-direita. Não há qualquer sinal de Zelensky que aponte para uma desmobilização dessas forças no pós-conflito e o presidente segue negando a ligação do Regimento Azov com o neonazismo. Trata-se menos de uma vinculação/defesa ideológica de Zelensky a esses grupos e mais uma posição baseada em um pragmatismo extremo visando negar a narrativa de Putin sobre a ligação do Estado ucraniano com o neonazismo. Além disso, Zelensky se vê diante de uma armadilha quase sem saída, já que caso repreenda essas milícias durante ou após o conflito, pode perder a guerra pela redução do contingente de seu exército e ainda criar um inimigo interno, arriscando a estabilidade de seu próprio governo.

De qualquer maneira, falta espaço no atual estágio do conflito para mensurar o real impacto e potencial da atuação da extrema-direita. A guerra da Ucrânia apresenta-se como um elemento ideológico e organizacional importante para a extrema-direita transnacional, mas a essência grupuscular se impõe, impedindo uma articulação que supere a barreira das realidades nacionais dos atores em direção a um movimento unificado e centralizado nos atores envolvidos na guerra. Isso não significa que o potencial dos combatentes estrangeiros seja diminuído, no entanto, será necessário que seus países de origem estejam atentos às movimentações – em campo e on-line – destes indivíduos quando retornarem.

[1] Empresa militar privada que é financiada secretamente pelo Kremlin. Atua na Guerra da Ucrânia, com passado importante em conflitos na África. Seus fundadores comungam de ideias supremacistas e ultranacionalistas.

Imagem em destaque: Stanislav Nepochatov/Flickr.

*Álvaro Anis Amyuni é mestrando do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, onde desenvolve pesquisa sobre o terrorismo transnacional de extrema-direita. É pesquisador do Observatório de Conflitos do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (OC-GEDES). Também é pesquisador júnior do Observatório da Extrema Direita (OED Brasil).

A extrema-direita na Guerra da Ucrânia: do Euromaidan às fileiras do exército ucraniano – Parte 1

Álvaro Anis Amyuni*

Desde o início da Guerra da Ucrânia, em fevereiro de 2022, uma das principais justificativas do presidente russo, Vladimir Putin, para a invasão ao país vizinho é o alegado domínio neonazista na região. Putin tenta emular a luta nacionalista dos soviéticos contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial a partir do superdimensionamento da presença de militantes supremacistas brancos, neonazistas e de extrema-direita nas fileiras do exército ucraniano, especialmente no Regimento Azov.

Desde os protestos do Euromaidan que deflagraram a crise que a Ucrânia vive desde 2013 há, de fato, um ambiente bastante permissivo ao desenvolvimento de grupos de extrema-direita no país, sobretudo a partir de dois movimentos importantes. O primeiro, endógeno, que envolve os grupos políticos e armados que participaram ativamente das ações violentas durante e após o Euromaidan.

O segundo, exógeno, está relacionado à força de atração que grupos envolvidos no conflito civil-militar, que se formou no leste ucraniano a partir de 2014, exercem sobre indivíduos e grupos da extrema-direita transnacional, transformando a Ucrânia em um local de peregrinação e treinamento paramilitar. A narrativa de Putin explora esses dois fatores, bem como as conexões oficiais estabelecidas entre determinados grupos paramilitares de extrema-direita – como o Azov – e o Estado ucraniano. Mas, qual o real tamanho da ameaça posta pela extrema-direita no conflito ucraniano e quais são as possíveis consequências transnacionais de sua atuação durante e após a guerra atual?

A primeira parte deste texto está concentrada em responder esse questionamento pela análise do movimento endógeno de permissividade à extrema-direita gestado nos protestos do Euromaidan em 2013 e na guerra civil na região de Donbass a partir de 2014. Na segunda parte, concentro a análise no movimento exógeno, sobre as consequências internas e externas da presença de combatentes estrangeiros da extrema-direita na guerra.

Os protestos da praça Maidan em Kiev reuniram grupos políticos de diversas orientações ideológicas e uma diversidade de objetivos que iam desde a retomada das negociações para a entrada do país no bloco da União Europeia – acordo interrompido pelo presidente, pró-Rússia, Viktor Yanukovitch – até a deposição do governo incumbente e a instalação de um novo regime ultranacionalista e pró-Ocidente. Nesta parcela mais extremista, se destacavam organizações e partidos de direita, como o Svoboda e o Setor Direito, que foram atores protagonistas de ataques violentos contra políticos e a polícia.

Cientistas políticos ocidentais mediram o impacto da opinião popular sobre as ações desses grupos a partir do nível de aceitação eleitoral dos ucranianos à extrema-direita, que se provou baixo nas eleições de 2014 (pós-Euromaidan) quando não conseguiram sequer superar a barreira de 5% dos votos. Levando em consideração o cenário atual de guerra, o insucesso desses partidos continua a ser a principal fonte de refutação à narrativa de Putin. Argumenta-se que há pouca adesão ao extremismo de direita na Ucrânia e, por isso, não existe um problema de escala nacional como um governo abertamente nazista; por outro lado, a presença isolada e diminuta de organizações de extrema-direita.

No entanto, segundo Volodymyr Ischenko (2016), esta não é a melhor maneira de avaliar o impacto dessas organizações na criação de um ambiente propício à atuação da extrema-direita, visto que, apesar do apoio diminuto e de serem minoria nos protestos, tiveram papel central nos confrontos com a polícia em meio à dinâmica dos protestos de massa. Justamente essa escalada de violência, ao lado do aumento das tensões separatistas, também no leste ucraniano, forçou a fuga e renúncia do presidente Yanukovitch.

Paralelamente, em meio ao cenário de caos social com a iminente perspectiva de combate das forças ucranianas com separatistas pró-Rússia na região de Donbass, emergiram grupos paramilitares informais e semi-informais com a intenção de defender o país de uma invasão russa. Como afirma Andreas Umland (2019), esses grupos foram rotulados de “Batalhões de Defesa Territorial”, “Destacamentos de Patrulha Policial Especiais”, “Regimentos de Operações Especiais”, entre outros, tendo um caráter fortemente nacionalista e telúrico, além de justificar sua criação a partir da impotência do exército ucraniano. Esses batalhões “voluntaristas”, como ficaram conhecidos, foram total ou parcialmente absorvidos pelo exército ucraniano durante o mandato presidencial de Petro Poroshenko.

O Regimento Azov, nesse sentido, foi o grupo mais destacado por conta do feito de recapturar a cidade de Mariupol das forças pró-Rússia em junho de 2014, fazendo com que fosse absorvido como parte formal do exército, sendo designado oficialmente como o “Destacamento de Operações Especiais, Azov”. Umland (2019) ressalta que os fundadores do Azov são ultranacionalistas ucranianos que começaram o ativismo político na era pós-soviética em organizações como a Assembleia Social-Nacional (ASN), o Patriotas da Ucrânia (PU), a Divisão Misantrópica e a Bratstvo – organizações que, em maior ou menor grau, contribuíram para a criação do Batalhão/Regimento com sua militância e articulação política. A ideologia de Azov é manifestada em seus símbolos que remetem aos adotados por nazistas, como o Sol Negro e o Wolfsangel, símbolo da 2ª Divisão da SS Das Reich.

Aos poucos e paralelamente ao processo de absorção nas forças armadas da Ucrânia, o grupo se esforçou para diminuir a sua associação ao nazismo e fascismo, retirando, por exemplo, o Sol Negro de seu emblema oficial. Durante a guerra de 2022 houve uma nova atualização da insígnia, retirando também o Wolfsangel. Muitas de suas lideranças abertamente supremacistas foram substituídas e seus líderes atuais dizem que o grupo está aberto a qualquer um que deseje “defender a Ucrânia”, independentemente de qual seja a sua ideologia ou crença pessoal. De fato, é difícil mensurar a quantidade de neonazistas e supremacistas convictos nas fileiras de Azov. Mesmo com essa alegada abertura a soldados de fora do círculo da extrema-direita, as referências e simbologias se mantêm, o que pode ser percebido em imagens recentes da guerra em que soldados do Regimento apareceram utilizando o símbolo do Sol Negro em seus uniformes.

Assim, a extrema-direita na Ucrânia opera sob a vigilância negligente do Estado – e já se trata de um problema perpetuado por mais de um governo. Por essas forças terem rapidamente se organizado em estruturas paramilitares, ganharam uma força política tal que, ao mesmo tempo, foi capaz de fortalecer o débil exército ucraniano e enfraquecer o monopólio legítimo do uso da força das mãos do Estado. Adicionado a isso, os feitos “heroicos” na guerra civil desde 2014, os batalhões voluntaristas exerceram o papel de proteger a população, criando uma relação de fascínio diante da incapacidade do governo de oferecer segurança contra as forças russas e separatistas. Este fascínio, contudo, logo transbordou as fronteiras do conflito, capturando o interesse de atores externos sobre os desenvolvimentos internos da extrema-direita ucraniana, como abordo na parte 2 do texto.

 

*Álvaro Anis Amyuni é mestrando do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, onde desenvolve pesquisa sobre o terrorismo transnacional de extrema-direita. É pesquisador do Observatório de Conflitos do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (OC-GEDES). Também é pesquisador júnior do Observatório da Extrema Direita (OED Brasil).

Imagem em destaque: Stanislav Nepochatov/Flickr

Imagens no corpo do texto: Antigo Símbolo do Batalhão Azov, uma combinação do Sol Negro e o Wolfsangel flutuando em ondas do Mar de Azov, referência geográfica do nome do grupo. Fonte: Wikimedia Commons.

Desprojetos de Brasil

Mariana Janot*
David Succi Júnior**
Lívia Peres Milani***
Samuel Alves Soares****
Texto publicado originalmente em Le Monde Diplomatique Brasil.

No dia 19 de maio de 2022, o Instituto General Villas Bôas realizou o lançamento oficial do Projeto de Nação: o Brasil em 2035. O documento foi elaborado em parceria com o Institutos Sagres e o Instituto Federalista e coordenado pelo general da reserva Rocha Paiva. O vice-presidente, Hamilton Mourão, participou do evento de lançamento. Não resta dúvidas da influência dos militares na elaboração do documento. Segundo os autores, o projeto visa estabelecer uma Estratégia Nacional – também referida como Grande Estratégia ou Política Nacional -, que seja de longo-prazo, “apartidária, sem radicalismos ideológicos, étnicos, religiosos, identitários ou de qualquer natureza”. A proposta representa a continuidade de uma ideologia de segurança nacional, tem insuficiências metodológicas e vem embutida de uma visão autoritária.

O Projeto de Nação como continuidade de uma tradição militar

No projeto, se descreve um Brasil majoritariamente conservador e liberal, socialmente coeso em seus valores morais, éticos e cívicos, resistente ao movimento globalista, movido pelo agronegócio e mineração, esvaziado de legislações de demarcações de terras indígenas e assertivo no combate ao crime organizado e à corrupção. Para alcançar este Brasil, seria necessário superar interesses político-partidários, identitários e radicais, incapazes de compreender os verdadeiros interesses nacionais, que somente o conservadorismo evolucionista poderia interpretar. O projeto afirma que este é o caminho para o futuro, porém, este é, precisamente, o passado, e tem nome: Doutrina de Segurança Nacional.

É indicativo que o site oficial do Instituto Sagres indique como fundamentação do estudo figuras e ideias caras ao grupo militar e civil que Lentz (2022) denominou como conservador-intervencionista. Desde a década de 1930 se constrói uma ideologia de segurança nacional em que cabe às Forças Armadas o dever e o direito de interpretar, formular e implementar os objetivos nacionais da coletividade brasileira, junto a um grupo de tecnocratas e elites econômicas, mantendo uma visão elitista do que o Brasil já foi, do que o país é no presente e, sobretudo, do que o Brasil deve ser.

Na Escola Superior de Guerra, espaço de articulação do Golpe de 1964, se formulam planejamentos e manuais para uma Política Nacional e uma Grande Estratégia norteadas pela indissociabilidade entre segurança (conservação) e desenvolvimento (progresso controlado). Em seus Manuais Estratégicos, bem como no Planejamento Estratégico de Golbery do Couto e Silva, há uma constante ênfase na análise estratégica de conjuntura e levantamento de situações futuras de curto e longo prazo, no âmbito doméstico e global, a fim de se delimitar e perseguir os Objetivos Nacionais Permanentes e Atuais, sob gestão e intervenção consciente do Estado (Couto e Silva, 1981, pp.403-409).

Em continuidade desta tradição, no Projeto de Nação lançado nesta semana, somos apresentados a uma Estratégia Nacional “consolidada em documentos que englobam as estratégias a serem aplicadas para conquistar e ou manter os Objetivos Nacionais (ON), estabelecidos pelo mais alto nível de direção do Estado (nível político), e de acordo com Diretrizes Político-Estratégicas por ele definidas” (Sagres, 2022, p.14). Os autores do projeto o anunciam como resultado de um estudo de cenários, que visa a democracia estável e ao desenvolvimento do país.

As insuficiências metodológicas

A elaboração de cenários prospectivos é um instrumento empregado por diversas entidades públicas, privadas, nacionais e internacionais no processo de planejamento, tomada de decisão e comunicação de objetivos e políticas. De forma resumida, cenários prospectivos são imagens do futuro e dos desenvolvimentos que podem produzir determinadas situações no futuro. Há uma série de metodologias e diferentes ferramentas empregadas para sua formulação, cujo ponto comum é o pressuposto de que as cenas resultantes não têm propósito preditivo, isto é, de asseverar o que de fato ocorrerá. São instrumentais justamente por explorarem possibilidades e ampliarem o imaginário político. Neste sentido, os cenários estão sempre, inevitavelmente, no plural. São cenas, comumente entre três e quatro, que buscam compreender o maior espectro possível de alternativas.

Ainda que o documento disponibilizado ao público não explique os meandros da sua elaboração, diversas inconsistências metodológicas podem ser depreendidas, das quais destacamos duas. A primeira delas é a noção de “cenário foco”. O relatório afirma não ser um exercício de adivinhação, no entanto, apresenta apenas uma possibilidade de futuro. Os mini cenários são elementos de uma única cena. O general Rocha Paiva, coordenador do projeto, explica que este cenário foi escolhido por ser o mais provável. Definir um desenvolvimento futuro como mais provável, assim como o único a ser comunicado, contradiz diretamente tanto o objetivo deste tipo de instrumento – ampliar as possibilidade e alternativas -, quanto a afirmação dos próprios elaboradores de que não buscam prever o futuro. Ademais, incorre-se no risco de meramente projetar para o futuro a conjuntura presente.

A ideia de probabilidade conduz à segunda inconsistência metodológica: como a probabilidade foi mensurada? O general que coordenou o projeto revela duas etapas deste processo, uma consulta realizada no interior dos ministérios, sem especificar quais, e outra mais ampla, com a participação de dois a três mil respondentes, de acordo com o que informou. Não fica claro, no entanto, como essas consultas foram feitas, quem participou, qual peso foi dado para cada resposta e como foi possível depreender a probabilidade de futuro a partir da percepção deste grupo, posteriormente filtrada pelos elaboradores do documento final. Rocha Paiva também informa que antes de indicar a hipótese mais provável os respondentes deveriam ler uma explicação, que denominou de “ambientação”, uma vez que nem todos os participantes conheciam todos os temas.

De pronto é possível questionar em que medida este texto explicativo influenciou a resposta dos consultados. Assumir a impressão de um grupo, cujas características desconhecemos, como método de mensurar probabilidade faz com que posicionamentos políticos, morais e possíveis preconceitos sejam descritos e apresentados como fatos, legitimado pelo que denominam no documento de “métodos consagrados”. Ademais, relatórios de cenários prospectivos são convencionalmente informados e introduzidos por ampla pesquisa acadêmica, levantamento de dados e bibliografia especializada, o que não se faz presente no documento e na apresentação deste projeto.

Por fim, construir cenários prospectivos é um exercício intrinsecamente normativo e, mais que em outras atividades acadêmicas, não existe neutralidade. Os autores do Projeto de Nação, no entanto, não explicitam essa limitação, pelo contrário, partem do pressuposto de que falam pela nação, entendendo que “significativa parcela do povo [brasileiro] hoje se identifica como conservador e liberal” (Sagres, 2022, p. 12). Essa assertiva, no entanto, é contestável. O “povo brasileiro” é plural e reduzi-lo a uma única visão de mundo, que ademais não ressalta as especificidades das minorias, é sintomático de autoritarismo. O problema não é elaborar cenários a partir de um ponto de vista conservador, mas apresentar esta visão como sendo a opção do “povo brasileiro”. A retórica de “povo” é contraditória também por ser conectada com um elitismo explícito, expresso na defesa dos interesses do agronegócio, que deveria ser estimulado e protegido “como fator estratégico de segurança alimentar global e nacional” (Sagres, 2022, p.37). A seguir, apresentamos outros indícios de autoritarismo embutidos no documento e convidamos a todos a refletirem sobre nossos contrapontos em alguns dos aspectos críticos deste projeto.

As contradições e o autoritarismo expressos no Projeto de Nação

Existem diversas contradições e problemáticas explícitas no texto divulgado pelo Instituto General Villas Bôas. Nesta sessão, analisamos aquelas presentes nas visões sobre o sistema internacional, a proteção da Amazônia, a educação e a segurança pública. Existem dois pontos da concepção sobre a ordem internacional explicitada que merecem destaque: a visão de rivalidade entre grandes potências e o combate ao globalismo. No primeiro caso, embora o diagnóstico não seja impensável, considerando as atuais disputas protagonizadas por China e Estados Unidos, o mesmo é naturalizado e parece haver resignação do papel do Brasil como potência média, desvalorização da diplomacia e subestimação da capacidade brasileira em promover consensos internacionais. Já o uso da palavra globalismo é sintomático: trata-se de um termo não acadêmico, mobilizado pela nova direita global, para entre outros pontos, se contrapor ao avanço transnacional de pautas progressistas relativas à proteção do meio-ambiente e aos direitos das mulheres e de populações LGBTQI+. O documento propõe, portanto, uma continuidade da política externa do governo Bolsonaro ainda que mais pragmática em relação à China – como defende o vice-presidente.

No que se refere à Amazônia, o projeto explicita a necessidade de aumentar a produção do agronegócio, da mineração e reduzir as legislações que protegem o meio ambiente e as terras indígenas. As forças armadas têm, historicamente, defendido o argumento de que a região amazônica precisa ser “integrada” ao Estado brasileiro, na premissa de que é um “vazio”, servindo como uma espécie de fronteira final brasileira que precisa ser garantida pelo braço forte e mão amiga, já que os povos originários não fazem parte da Pátria pensada dentro dos espaços militares, deixando um espaço desocupado pelo Estado, vulnerável às “cobiças internacionais”. A aversão militar à demarcação de terras indígenas é palpável, já tendo sido caracterizada como “irresponsável e caótica” pelo atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Heleno, quando era comandante de tropas na Amazônia. A defesa da ocupação das terras por meio do agronegócio e mineração, em evidente agressão às comunidades que vivem no território – poucas semanas após uma criança Yanomani ter sido estuprada e assassinada por garimpeiros e indígenas de sua aldeia terem sido forçados a fugir – é apresentada no projeto como uma diretriz de Defesa Nacional. Esta diretriz não é apenas autoritária: é genocida.

Os autores do projeto consideram que o ambiente escolar estava promovendo agressões físicas, mentais e psicológicas contra as crianças e adolescentes por meio de ideologias perpetradas por educadores. Este quadro não encontra nenhum respaldo com os fatos da realidade brasileira. Mais de 70% dos assassinatos de crianças abaixo de nove anos são cometidos por pessoas conhecidas das vítimas, em sua maioria, no ambiente doméstico ou nas ruas. Ainda, mais de 60% dos casos de estupro e violência sexual de jovens ocorrem dentro das casas, e mais de 80% dos criminosos são pessoas conhecidas – familiares e pessoas próximas à família. Políticas públicas de educação sexual, saúde e conscientização nas escolas protegem as crianças e jovens da agressão. Quanto ao ensino superior, defende-se a cobrança de mensalidade nas universidades públicas, com justificativa pouco evidente.

Segundo o projeto, o problema não é o orçamento, e sim a gestão. Neste sentido, indica-se a necessidade de aprimorar a gestão por meio do controle sobre a escolha dos reitores, prática já adotada pelo atual governo federal, evidenciando ainda mais o teor autoritário do documento. Ademais, há um explícito ataque à autonomia acadêmica e de cátedra, ao acusar as instituições públicas de ensino superior de suposta ideologização. Recentemente, argumentos, frequentemente infundados, sobre má gestão e imposição de pensamento doutrinário tem sido mobilizados politicamente para descredibilizar as instituições de ensino e pesquisa do país, como justificativa para redução orçamentária e deslegitimação de críticas ao governo federal [1] [2] [3]. De forma correlata, ao longo de todo o documento, políticas de educação e pesquisa são restritas a áreas consideradas estratégicas, o que abre espaço para punição a setores mais politicamente engajados, assim como um foco exclusivo na pesquisa aplicada, em detrimento da pesquisa básica.  Gratuidade do ensino e autonomia universitária são pilares do ensino público e de qualidade país, cuja reforma pode, e deve ser feita de forma democrática, plural e inclusiva.

No texto afirma-se que, na segurança pública, o crime organizado prosperava no país devido à leniência política em vitimizar criminosos, algo já registrado, por exemplo, na documentação oficial da Intervenção Federal no Rio de Janeiro, sob comando do General Braga Netto. O discurso de que é preciso ser mais agressivo é de longa-data no país, porém a realidade brasileira é de alto punitivismo, como mostram os altos índices de encarceramento, e de estratégias violentas de combate ao crime organizado e narcotráfico, retratadas pelas operações letais constantes em favelas e periferias que não resolvem a criminalidade, e aumentam o número de mortes de policiais e civis, em sua maioria, jovens negros.

Ainda, o projeto defende a maior autonomia das Polícias Militares e o estreitamento de suas relações com o Exército. Atualmente, há um projeto em discussão e revisão na Câmara dos Deputados, cujo relator é capitão Augusto (PL), que busca garantir maior autonomia às PMs, a fim de blindar a corporação. O vice-presidente, general Mourão, concorda com essa ideia geral, desde que mantendo o cargo de generalato restrito às forças armadas, para que a hierarquia seja mantida. Além disso, o Projeto afirma que há preconceito com Policiais Militares ocupando cargos políticos.  Não se trata de preconceito, e sim, de uma premissa democrática básica: profissionais que exercem função policial e militar, especializados no uso de armas e comando de tropas não devem assumir cargos políticos enquanto estiverem na ativa ou imediatamente após serem transferidos para a reserva. É preciso um distanciamento, temporal e espacial, entre a profissão armada e a esfera política, pois esta é uma arena de diálogo e negociações, e não há como negociar sob ameaça das armas. Todo este movimento indicado no projeto caminha na direção contrária à assertividade civil sobre as forças de segurança no país, que já se encontra gravemente debilitada.

Na cerimônia de lançamento, o general Rocha Paiva apresentou o Projeto de Nação e perguntou se “alguém não quer este Brasil?”. Respondemos, sonoramente, que este Brasil não nos interessa. Nos interessa um Brasil democrático, plural, diverso, popular e soberano, pensado e dialogado livremente por todos que nele habitam.

 

* Mariana Janot é doutoranda no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/Unicamp/PUC-SP). Bolsista CAPES. Contato: mariana.janot@unesp.br.

**David Succi Júnior é doutorando no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/Unicamp/PUC-SP).

***Lívia Peres Milani é pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/Unicamp/PUC-SP). Contato: livialpm@gmail.com. Bolsista Capes-PrInt.

****Samuel Alves Soares é professor associado da Universidade Estadual Paulista e do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/Unicamp/PUC-SP).

Os quatro autores são membros do Grupo de Elaboração de Cenários Prospectivos, vinculado ao Gedes.

Imagem: Divulgação do Projeto de Nação: o Brasil em 2035. Disponível em Portal Gov.br.

 

Referências

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Barbosa, Lisa. Penido, Ana. Entre a cruz e a espada: quais as armas corretas para defender a Amazônia? São Paulo: Brasil de Fato, 25 de março de 2022. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/03/25/artigo-entre-a-cruz-e-a-espada-quais-as-armas-corretas-para-defender-a-amazonia>

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Castro, Helena. A violência de gênero contra as populações indígenas: a outra face do desenvolvimento neoextrativista. São Paulo: ERIS, 03 de maio de 2022. Disponível em: <https://gedes-unesp.org/violencia-de-genero-contra-as-populacoes-indigenas/>

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Couto e Silva, Golbery. Planejamento estratégico. Brasília: Editora UnB, 1981

Escobar, Herton. 15 universidades públicas produzem 60% da ciência brasileira. São Paulo: Jornal USP. 05 de set. 2019. Disponível em: <https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/15-universidades-publicas-produzem-60-da-ciencia-brasileira/>

Lentz, R. República de Segurança Nacional. São Paulo: Expressão Popular, 2022.

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Sagres, Instituto. Projeto de Nação – Cenário Prospectivos Brasil 2035 – Cenário Foco – Objetivo, Diretrizes e Óbices. ISBN: 978-85-53117-02-4. Brasília, 2022.

Succi Jr., David. Gontijo, Raquel. Soares, Samuel (org). O futuro da universidade pública e da ciência no Brasil em 2040. São Paulo: Editora Unesp, 2022. Disponível em: <http://editoraunesp.com.br/catalogo/9786557140666,o-futuro-da-universidade-publica-e-da-ciencia-no-brasil-em-2040>

Teixeira, Pedro. Mourão: “Relação Brasil-China sempre foi de alto nível”. Brasília: CNN, 23 de maio de 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/mourao-relacao-brasil-china-sempre-foi-de-alto-nivel/>

Tenente, Luiza. Reitores eleitos nas universidades federais e não empossados por Bolsonaro criticam ‘intervenções’ do governo. Educação: G1. 07 de dez. de 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/12/07/reitores-eleitos-nas-universidades-federais-e-nao-empossados-por-bolsonaro-criticam-intervencoes-do-governo.ghtml>

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Barganhas Militarizadas Interestatais na America Latina: uma região de paz violenta?

Iury França*

 

O presente trabalho objetiva evidenciar a presença de episódios de violência entre Estados latino-americanos, sob a forma de disputas interestatais militarizadas (MIDs). Conforme Gochman e Maoz (1984), MIDs são um “conjunto de incidentes envolvendo ameaça, exibição ou uso da força sancionada e dirigida pelo governo entre dois ou mais Estados”. Os eventos são separados por um intervalo temporal curto. Bremer (1993) define MIDs como situações em que Estados se ameaçam ou usam a força um contra o outro, na condição de até 1000 mortes. Uma vez que um conflito se torna militarizado, às vezes a ação inicial é seguida por contra-ações, numa “espiral ascendente de violência”. A escalada do conflito pode evoluir até ultrapassar o limiar das MIDs, tornando-se uma guerra entre Estados. Na mesma linha, Bremer, Jones, Singer (1996), afirmam que MIDs são “ações militarizadas envolvendo ameaça, emprego ou uso explícito da força por um membro do sistema internacional contra outro”.

Foi depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que pesquisas quantitativas sobre conflitos internacionais começaram a ser desenvolvidas e armazenadas em banco de dados (FREEDMAN, 2017). Métodos quantitativos poderiam gerar um novo campo de pesquisa para a paz. Segundo Freedman, para se ter acesso a fundos para pesquisa, os cientistas sociais pensaram em demonstrar que era possível prover pesquisas semelhantes à objetividade das ciências naturais, com a finalidade de desenvolver leis. Se leis pudessem ser criadas, o futuro da guerra poderia ser controlado (VASQUEZ, 2012 apud FREEDMAN, 2017) Nessa linha, policymakers [formuladores de políticas] poderiam reconhecer sintomas, fazer diagnósticos e identificar como tratar situações na iminência de desastres. Contudo, era necessário observar a importância do assunto em questão na geração da guerra, como observou John Vasquez (2012). Segundo ele, fatores como formação de alianças e expansão do aparato militar poderiam reforçar chances de conflito, além de que rivais teriam mais chance de ir à guerra que outros Estados.

Neste texto, trabalha-se com metodologia descritiva, via banco de dados disponibilizado pelo projeto Correlates of War (COW). O banco de dados é embasado no conceito de MID e seus graus. A escolha de parte do banco (MID_A 4.0) contempla o objetivo da pesquisa, uma vez que aborda aspectos como fatalidade, grau de intensidade e modo de resolução. O diferencial para o MID_B se dá na interpretação de um dos Estados (ou os dois) apresentar aspectos de revisionismo, seja territorial ou político. Para os fins deste trabalho, filtramos as descrições ao banco MID_A. Auxiliam no entendimento da violência na América Latina (AL): Bremer (1993), Freedman (2017); Gochman e Maoz (1984); Bremer, Jones e Singer (1996); D’Orazio et al. (2020); e Mares (2001; 2012).

Importante notar que, para Freedman (2017), os Estados são self-contained units [unidades autônomas]. O sistema internacional cria suas próprias motivações para a guerra. Com isso, mesmo após o fim da Guerra Fria, o autor entende que a perspectiva realista via a continuidade dos níveis de violência observados anteriormente. Nessa linha, David Mares (2001), ao se voltar para a América Latina, define que as primeiras e principais preocupações de segurança nesses países surgem de dois fatores: autopercepção e competição política. As externalidades de segurança se desenvolvem a partir de três arenas: internacional, regional e doméstica. Na arena internacional, os interesses dos EUA produzem externalidades de segurança para toda a AL. No nível regional, o foco é no nation-building [construção da nação] depois da independência. A prevalência de disputas de fronteiras na AL significa que o método de resolução (pacífico ou militar) tem uma significância maior. Na arena doméstica, quando o status quo é ameaçado na AL, as elites e os EUA se preocupam.

A existência do país em si não é um problema (MARES, 2001). As questões referentes à defesa surgem das características internas da região: fronteiras disputadas, desenvolvimento econômico desigual e disparidades de distribuição de poder. Nessa dinâmica, desde 1816, ocorreram 17 guerras na América Latina. Essas guerras também tiveram impacto na distribuição regional de poder. Em termos de MIDs, entre 1816 e 1976, houve 21 disputas entre países não-potência, ou 1/3 dos países da América Latina (GOCHMAN; MAOZ, 1984). Em complemento, Mares (2012) advoga que o contexto de segurança da América Latina tem sido essencialmente competitivo, no qual a dissuasão e a negociação militarizada predominavam entre os países.

A arquitetura de segurança da América Latina é única entre os países em desenvolvimento, tanto em sua extensão, quanto em sua amplitude. Segundo Mares (2012), o sistema de segurança coletiva provê segurança para cada país numa comunidade. Os esforços para deslegitimar o uso da força na América Latina incluem integração política, divisão de Estados, tentativas de acordo e controle de armas. Entretanto, os maiores esforços foram direcionados à prevenção da guerra, e não à questão de pequenos conflitos. Ações militares são resultado de uma interação que, em uma dada situação, um ator faz o cálculo custo/benefício, avaliando o uso da força militar como vantajoso em suas relações com um rival (MARES, 2012). O histórico não-pacífico da região e o cálculo de custo/benefício já tornaria a América Latina bastante instável. Junta-se a isso os esforços de segurança não-preventiva da América Latina e temos com mais clareza a questão do aparente descompromisso em lidar com a paz violenta. Mares (2012) cita a lentidão das nações latino-americanas em exigir das partes conflitantes o retorno ao status quo, pois favorece a ocorrência de ganhos em comportamentos beligerantes sem prestar esclarecimentos internacionais sobre incidentes.

O período documentado pelo Correlates of War abrange todo o contexto após as guerras napoleônicas de 1816. O projeto relata situações de MID, com os mais diferentes desfechos, incluindo guerra. Nesta seção, à exceção de guerra, evidencia-se objetivamente as 19 ocorrências de violência interestatal na América Latina entre 2000 e 2010. São informados resultado; resolução; número de fatalidades; ação mais expressiva; nível de hostilidade; reciprocidade na ação e se no ano de 2010 a disputa ainda ocorria.

Fonte: D’orazio et al (2020). Disponível em: https://academic.oup.com/isq/article-abstract/64/2/469/5531765.

O banco de dados pontua objetivamente a paz violenta na América Latina. Mesmo sem ocorrência de baixas, houve exibição de força e violações de fronteira em algumas disputas, e em todas constou nível de hostilidade 3 ou 4; sendo o nível 5 o correspondente à guerra. Posto isso, todas as situações verificadas apresentam grau de disputa intenso, com uso da força ou, no mínimo, exibição dela. Foi constatada maior frequência de incidentes entre Equador, Venezuela e Colômbia, envolvendo violação de fronteira com exibição de força.

A literatura argumenta que a região ainda não conheceu paz, apenas paz violenta. A ausência de constrangimento internacional facilita o cálculo de custo/benefício que os líderes latino-americanos fazem antes de recorrer a MIDs. Cada país define suas prioridades de defesa e seus entendimentos de ameaça e se sente mais livre para agir. Entende-se, dessa forma, que a América Latina ainda não é uma comunidade de segurança pacífica. Suas relações continuam frequentemente afetadas pela utilização de recursos militares em negociações entre os Estados.

 

* Iury França é mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Federal da Paraíba. É bacharel em Relações Internacionais pela mesma instituição. Desde 2017 é membro do Grupo de Estudos em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional (GEESI – UFPB) e desde 2021 é membro do Programa de Cooperação Acadêmica em Defesa Nacional (ASTROS) do Ministério da Defesa do Brasil.

Imagem: América do Sul. Por: Pixabay.

Referências

CORRELATES OF WAR PROJECT. Militarized Interstate Disputes (v 5.0). Disponível em: https://correlatesofwar.org/data-sets/MIDs.

FREEDMAN, Lawrence. The future of war: a history. Public Affairs, 2017.

JONES, Daniel M.; BREMER, Stuart A.; SINGER, J. David. Militarized interstate disputes, 1816–1992: Rationale, coding rules, and empirical patterns. Conflict Management and Peace Science, v. 15, n. 2, p. 163-213, 1996.

MARES, David R. Latin America and the illusion of peace. Routledge, 2012.

_______. Violent peace. In: Violent Peace. Columbia University Press, 2001.

MITCHELL, Sara McLaughlin; VASQUEZ, John A. (Ed.). What do we know about war? Rowman & Littlefield, 2021.

PALMER, Glenn et al. Updating the militarized interstate dispute data: A response to Gibler, Miller, and Little. International Studies Quarterly, v. 64, n. 2, p. 469-475, 2020.

Dia Internacional da Luta Contra a LGBTfobia: a violência sobre os corpos no Brasil e a contribuição das abordagens queer

Kimberly Alves Digolin*

Júlio Fernandes dos Reis**

 

O Dia Internacional da Luta Contra a LGBTfobia é celebrado em 17 de maio. A data foi escolhida em alusão ao dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou oficialmente a homossexualidade de sua lista internacional de transtornos mentais, no ano de 1990, o que possibilitou um grande avanço na luta pelos direitos civis dessa população. Segundo relatório de 2019 da ILGA World (International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association), cerca de 74% da população mundial vivia sob legislações que criminalizavam as práticas homossexuais em 1969; número que caiu para 27% em 2018. No entanto, não considerar mais a homossexualidade como uma doença foi apenas um passo inicial para garantir mais igualdade e dignidade para todos aqueles que se identificam com a comunidade LGBTQIA+. Nesse texto, abordaremos brevemente a forma como o Regime Internacional dos Direitos Humanos incluiu o combate à LGBTfobia, o lugar que o Brasil ocupa nesse cenário, bem como a contribuição das abordagens queer para compreender a segurança internacional e as raízes da violência sobre esses corpos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada durante Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1948, inicia-se com a frase “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. No entanto, décadas de sistemáticas discriminações motivadas por orientação sexual ou identidade de gênero deixaram à mostra a necessidade que o debate coletivo incluísse de modo mais específico os direitos das pessoas LGBTQIA+. Houve uma tentativa, embora fracassada, de incorporar os “Princípios de Yogyakarta” – documento elaborado por especialistas de 25 países e que reconhece a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero como violação aos direitos humanos – ao direito internacional em 2007. Mas a primeira resolução da ONU sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero foi adotada apenas em junho de 2011, no âmbito do Conselho de Direitos Humanos[1], após diversos debates sobre leis discriminatórias, práticas em nível nacional e sobre as obrigações dos Estados em relação à proteção dos direitos da comunidade LGBTQIA+.

Em seguida, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) elaborou um relatório evidenciando “um padrão de violência sistemática e de discriminação dirigida às pessoas em todas as regiões em razão da sua orientação sexual e identidade de gênero – desde discriminação no emprego, na assistência médica e educação, à criminalização e ataques físicos seletivos” (ACNUDH, 2012). A partir desse relatório foi convocado um painel de discussão em março de 2012, quando, pela primeira vez, representantes de diversos Estados se reuniram na ONU para debater formalmente o assunto. No ano seguinte, a ONU lançou a campanha “Livres & Iguais” com o objetivo de promover direitos iguais e tratamento justo para pessoas LGBTQIA+ de todo o mundo, a partir da disponibilização de informação pública e do apoio de celebridades, líderes políticos e religiosos.

Em suma, o direito internacional[2] aponta que os Estados devem cumprir cinco medidas práticas para salvaguardar os direitos das pessoas LGBTQIA+: proteger as pessoas da LGBTfobia; prevenir a tortura e o tratamento cruel, desumano e degradante contra pessoas dessa comunidade; revogar as leis que criminalizam pessoas a partir de suas orientações sexuais ou identidades de gênero; proibir a discriminação a essas pessoas; e proteger as liberdades de expressão, associação e reunião pacífica das pessoas que se identificam como LGBTQIA+. Entretanto, apesar de serem frutos de debates coletivos importantes, essas determinações seguem sendo descumpridas. O mapa abaixo destaca em vermelho os países em que a homossexualidade ainda é criminalizada.

No caso do Brasil, o país possui um Movimento LGBTQIA+ bastante forte e atuante desde 1978. O grupo Somos – Grupo de Afirmação Homossexual e o GGB (Grupo Gay da Bahia) são exemplos de organizações de resistência e luta pela preservação e garantia dos direitos dessa parcela da população. A luta dessas e outras associações produziu efeitos na legislação nacional que, já em 1985 – cinco anos antes da OMS –, conseguiu que a homossexualidade não fosse mais considerada uma doença pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps).

Ademais, o Movimento também conquistou o estabelecimento de políticas públicas focadas no auxílio desse contingente populacional, que sempre esteve em situação de vulnerabilidade, como os Programas Nacionais de Direitos Humanos de 1996, 2002 e 2010. Nessa linha do tempo de conquistas, o casamento civil entre casais do mesmo sexo foi legalizado em 2013; o direito das pessoas de alterarem seu gênero e nome civil nos cartórios, agora sem a obrigatoriedade do indivíduo já ter passado por uma cirurgia de redesignação de sexo, foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018; e, por fim, em 2019, o STF também concedeu a possibilidade dos crimes de LGBTfobia serem enquadrados na lei do racismo, enquanto uma legislação específica para esse tipo de discriminação não é elaborada.

Porém, apesar de tantos avanços em favor do Movimento LGBTQIA+ no Brasil, o Estado ainda figura como aquele que mais mata os indivíduos dessa população entre os países nos quais a homossexualidade não é criminalizada. Os dados do GGB mostram que, em 2021, foram registrados 300 casos de mortes de pessoas dessa comunidade, o que significa a ocorrência de uma morte a cada 29 horas no país. Esses dados são um reflexo do preconceito estrutural na sociedade nacional, que ainda discrimina e marginaliza esses indivíduos, principalmente a parcela transsexual, que registrou 80 assassinatos no primeiro semestre de 2021.

Embora o grau de violência seja inegável, vale destacar que a posição ocupada pelo Brasil nesse ranking também pode estar associada ao fato de existirem dados divulgados sobre a violência contra a população LGBTQIA+ no país, especialmente coletados por ONGs ou organizações da sociedade civil. Ou seja, é possível que outros países, ainda que não possuam uma legislação específica que caracterize a homossexualidade como prática ilegal, possuam taxas maiores que as brasileiras e apenas não existam dados suficientemente divulgados.

A partir disso, é possível notar que, além de motivações étnicas e de nacionalidade, a violência também envolve os corpos, as orientações sexuais e identidades de gênero. Durante séculos a comunidade LGBTQIA+ foi pejorativamente denominado como queer – termo que remete à Queer Street, que no século XVI abrigava aquelas pessoas entendidas como “a escória britânica”. No entanto, mais recentemente houve um processo ativo para ressignificar o termo queer; distanciando-o da ideia pejorativa de retratar “os estranhos” e aproximando-o da concepção crítica de “estranhamento”, de problematização dos padrões binários e preconceituosos que embasam as discriminações.

As abordagens queer sobre política internacional, e mais especificamente sobre segurança internacional, nos ajudam a compreender a forma como as questões de gênero, sexualidade, raça, nacionalidade e classe são elementos centrais para o processo de formação do Estado e do próprio aparato militar-burocrático, uma vez que são estruturas moldadas a partir da percepção de masculinidade. Em outras palavras, nos ajudam a compreender a forma como a heterossexualidade branca traz consigo valores e práticas que não apenas estão incluídas, mas que estruturaram a segurança internacional; e, portanto, a própria noção de segurança e inimigo.

A partir dessas abordagens queer podemos analisar as contradições históricas e a forma como esses padrões político-econômicos estão baseados no discurso binário de um modelo a ser seguido e de um contraponto abjeto a ser perseguido ou exterminado. O Dia Internacional da Luta contra a LGBTfobia é um marco para lembrarmos a importância de se analisar as raízes desiguais do sistema internacional e a forma como elas buscam legitimar as violências contra corpos que representam luta e resistência.

 

* Professora de Relações Internacionais na Universidade Paulista (UNIP), mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, Puc-SP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Iaras-GEDES. Contato: kimberly.alves.digolin@gmail.com

** Graduando de Relações Internacionais na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e integrante do Núcleo de Estudos de Gênero Iaras-GEDES. Contato: julio.reis@unesp.com

Imagem em destaque: Pride 2018. Por: Miguel Discart/Flickr.

Imagem no corpo do texto: Mapa sobre criminalização de relações entre pessoas do mesmo sexo. Por: Nações Unidas.

[1] O Conselho de Direitos Humanos da ONU foi criado em 2006 e, até aquele momento, os debates sobre direitos LGBTQIA+ eram tratados apenas de modo específico, em casos pontuais. Além disso, os principais atores políticos a chamarem atenção para o tema no âmbito da ONU ainda eram as organizações não-governamentais dedicadas à prevenção e tratamento do HIV-AIDS.

[2] Para mais informações sobre os direitos das pessoas LGBTQIA+ na ONU, recomendamos o artigo de Renata Nagamine (2019).

A atuação da ONU no conflito entre Rússia e Ucrânia

Kimberly Alves Digolin*

 

No dia 24 de fevereiro de 2022, um vídeo do presidente Vladimir Putin anunciou que a Rússia conduziria uma “operação militar especial” na região leste da Ucrânia, dando início a um conflito que já resultou em mais de 5,5 milhões de refugiados. Não bastasse a magnitude do ato em si, é importante também ressaltar os detalhes que envolveram esse anúncio. No momento em que a gravação de Putin era divulgada, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) – do qual a Rússia é membro permanente – reunia-se justamente com o propósito de buscar uma solução diplomática para as tensões bilaterais. Em outras palavras, o anúncio de Putin desferiu um golpe duplo: por um lado, à soberania da Ucrânia; por outro, à credibilidade da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse cenário nos leva à questão norteadora do presente texto: quais as limitações da atuação da ONU no conflito russo-ucraniano?

Criada ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o principal objetivo da ONU é garantir a manutenção da paz e da segurança internacional. Para isso, entre outros órgãos e departamentos subsidiários, a estrutura da organização inclui: um órgão deliberativo composto por todos os Estados membros, intitulado Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU); o Conselho de Segurança, único órgão com poder decisório formado por cinco membros permanentes com poder de veto, e dez membros não-permanentes com mandatos bianuais[1]; a Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judiciário da Organização composto por quinze juízes; e o Secretariado, que presta serviço aos demais órgãos das Nações Unidas, administrando as políticas e os programas elaborados.

Trata-se, portanto, de uma organização intergovenamental de adesão voluntária que “representa o ápice do processo de institucionalização dos mecanismos de [cooperação e] estabilização do sistema internacional” (HERZ; HOFFMAN, 2004, p. 29), uma vez que possui 193 Estados membros e que está no centro dos debates internacionais sobre temas como proliferação nuclear, direitos humanos, desenvolvimento sustentável, entre outros. Porém, a despeito dessa estrutura tão consolidada e de sua legitimidade perante a sociedade internacional, o conflito entre Rússia e Ucrânia deixou à mostra diversas limitações.

Após a invasão russa da Ucrânia, a primeira ação da ONU foi convocar uma reunião emergencial do Conselho de Segurança no dia 25 de fevereiro para debater a questão. Contudo, o rascunho de resolução condenando a invasão da Ucrânia foi vetado pela Rússia, contando com abstenções de China, Emirados Árabes Unidos e Índia. Em seguida, utilizando um recurso intitulado “Uniting for Peace[2] (“Unindo-se pela Paz”, em tradução livre), o Conselho de Segurança convocou uma reunião extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas para debater o conflito, a qual, no dia 2 de março, aprovou uma resolução conjunta condenando a investida russa com 141 votos a favor, 5 contra e 35 abstenções.

No âmbito da Corte Internacional de Justiça, foi divulgado no dia 16 de março o resultado da investigação sobre os possíveis crimes de guerra no conflito entre Rússia e Ucrânia. Ao apontar que não haveria provas de que a Ucrânia tivesse cometido ou planejado ataques que pudessem ser considerados crimes contra a humanidade, como argumentou a Rússia para legitimar a invasão, o parecer incluiu a decisão que o governo russo deveria suspender imediatamente suas ações militares em território ucraniano. O documento teve 13 votos favoráveis e 2 contrários, da Rússia e da China.

Uma nova resolução foi adotada pela AGNU no dia 24 de março, culpando a Rússia pela crise humanitária em curso. O documento foi elaborado pela Ucrânia e seus aliados e recebeu 140 votos a favor, 5 votos contra e 38 abstenções. Duas semanas depois, a partir de uma proposta estadunidense votada durante reunião da AGNU no dia 7 de abril, a Rússia foi expulsa do Conselho de Direitos Humanos da ONU[3] com 93 votos a favor, 24 contra e 58 abstenções. O único antecedente de um país expulso de algum Conselho da ONU ocorreu em 2011, envolvendo a Líbia. Além disso, destacam-se as viagens do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, para Kiev e para Moscou – onde debateu propostas para a evacuação segura de civis e a entrega de ajuda humanitária.

Essa breve linha do tempo com as ações adotadas demonstra duas principais limitações em torno da atuação da ONU. A primeira diz respeito aos entraves que a Organização encontra ao se deparar com conflitos que envolvem as grandes potências com assento permanente no CSNU. E a segunda limitação, que está intrinsecamente associada à primeira, diz respeito à forma como interesses individuais de alguns Estados membros acabam por dificultar a atuação da Organização, tornando-a parcial e controversa. Em outras palavras, se o século XXI foi marcado por diversos conflitos – tão ou ainda mais violentos –, por que eles não foram alvo de tamanha mobilização onusiana como o caso da Ucrânia?

Ao ser criada com o objetivo de evitar uma nova guerra de grandes escalas, a estrutura da ONU foi moldada em torno do princípio de segurança coletiva e contenção mútua. Para isso, as grandes potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial e, portanto, com capacidade para iniciar novos conflitos de escala global foram alocadas em um órgão decisório com poder de veto, de modo que fossem capazes de impedir uma eventual tentativa de desestabilização da ordem internacional. Entretanto, é essa mesma estrutura que dificulta o debate coletivo em temas que envolvem de modo mais direto os interesses desses cinco países.

Para exemplificar esse argumento, basta resgatarmos o veto da Rússia na primeira reunião extraordinária do CSNU que debateu a invasão da Ucrânia, seu não-comparecimento à audiência da CIJ ou mesmo a ameaça que Moscou realizou ao afirmar que os países que votassem a favor de sua expulsão do Conselho de Direitos Humanos da ONU sofreriam retaliações – o que, inclusive, pode nos ajudar a compreender o alto número de abstenções em torno dessa votação na AGNU. Em contraponto, situar o conflito russo-ucraniano em um quadro mais amplo de disputa hegemônica nos ajuda a compreender de modo mais contundente os interesses estadunidenses e, por consequência, dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Essas limitações suscitam críticas em torno da eficácia da ONU em garantir a manutenção da paz e da segurança internacional. Entre elas, podemos apontar que a própria estrutura da Organização representa uma cristalização da divisão de poder internacional, reforçando seu caráter excludente. A falta de representatividade no CSNU é alvo de contestações e envolve demandas frequentes por uma reforma que inclua membros permanentes da América Latina e da África, por exemplo. Além disso, a padronização de condutas a serem adotadas pelos países é associada a uma espécie de “ocidentalização da política internacional”, a qual mobiliza os mecanismos da ONU em casos que interessam aos Estados ocidentais – especialmente Estados Unidos e países da Europa –, mas dificulta o acionamento desses mesmos mecanismos nos casos em que a narrativa de violação aos direitos humanos vai contra os interesses dessas potências.

Nesse sentido, o aparato da ONU “pode ser interpretado tanto como uma ferramenta para a construção de uma sociedade mundial mais justa, quanto como um instrumento que legitima e justifica as assimetrias do sistema internacional” (REIS, 2006, p. 41). Como exemplo dessa instrumentalização dos mecanismos por parte das grandes potências, podemos citar as violações aos direitos humanos perpetradas pela Arábia Saudita – parceiro dos Estados Unidos –, mas que não foram objeto de tanta atenção internacional ou mesmo de resoluções mais taxativas condenando as ações do governo saudita.

No entanto, embora as críticas sejam legítimas e necessárias, é importante não perder de vista o papel fundamental que a ONU desempenha. Partindo do pressuposto de que a política internacional não é feita apenas pelas capacidades materiais, mas também de normas, ideias e simbolismos, a existência de organizações internacionais como a ONU representa uma série de importantes constrangimentos para os Estados que planejam se utilizar da violência para alcançar seus interesses. Embora muitas das resoluções e decisões adotadas no âmbito onusiano não subtraiam a soberania dos países, ou seja, não sejam obrigatórias, elas desempenham um importante papel nas relações internacionais, pois seu desrespeito pode gerar sanções dos mais diversos tipos. Lopes (2007) define essa autoridade da ONU como a capacidade que o aparato administrativo possui para inspirar confiança em indivíduos e Estados-membros por meio de suas ideias e ações, fazendo com que ocorra adesão às normas diretivas da Organização.

Lopes também argumenta que a autoridade da ONU não poderia ser refutada pela ocorrência de novos conflitos, mas que deveria, em realidade, ser reafirmada pelo fato de a Organização ter conseguido evitar até o presente momento uma Terceira Guerra Mundial. Ao resgatar o preâmbulo da Carta de São Francisco – que se inicia com a célebre expressão “Nós, os povos das Nações Unidas” – o autor argumenta que a proposta de manutenção da paz ali expressa “significava impedir a ocorrência de uma terceira guerra em que estivessem envolvidas as grandes potências mundiais – e não, como algumas análises querem fazer crer, impedir qualquer novo confronto internacional” (LOPES, 2007, p. 50). Embora seja importante pontuar que o atual cenário de invasão da Ucrânia se mostra particularmente desafiador para a ONU, uma vez que o próprio ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, afirmou que existe um sério risco de ocorrer uma Terceira Guerra Mundial caso os países membros da OTAN continuem oferecendo armamentos para a Ucrânia.

Por fim, para além da pressão política, a ONU também desempenha um papel fundamental no apoio às vítimas, na investigação de eventuais violações e mesmo em eventuais mediações de cessar-fogo ou resolução do conflito. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), por exemplo, tem como principal função prestar assistência aos refugiados e pessoas que foram obrigadas a deixar suas cidades por conta de guerras, conflitos ou perseguições. A ajuda aos civis vítimas do conflito entre Rússia e Ucrânia passa em grande parte por essa estrutura, tanto no que se refere às normas legais que orientam as ações dos Estados no acolhimento dessas pessoas, quanto na coleta de dados e na rede de apoio propriamente dita. Em suma, embora o figurino demande atenção, o papel da ONU segue necessário na complexa peça de teatro da política internacional.

* Kimberly Alves Digolin é professora de Relações Internacionais na Universidade Paulista (UNIP), mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), especialista em Docência para o Ensino Superior, e pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).

Imagem: Volodymyr Zelensky em reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Por: Manhhai/ Flickr CC.

[1] Os membros permanentes do CSNU são: China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. Os atuais membros não-permanentes são: Albânia, Brasil, Gabão, Gana, Emirados Árabes Unidos, Índia, Irlanda, Quênia, México e Noruega.

[2] Convocar reuniões extraordinárias da AGNU foi um recurso muito utilizado durante a Guerra Fria, por conta da “política de travamento” que caracterizou o CSNU em meio às tensões entre Estados Unidos e a antiga União Soviética. Além disso, também foi utilizado em algumas ocasiões para debater o conflito entre Israel e Palestina.

[3] É importante destacar que, no dia 4 de março, foi criada uma comissão internacional independente de inquérito no âmbito do CDH da ONU para verificar violações aos direitos humanos durante o conflito entre Rússia e Ucrânia.