Parcerias estratégicas: uma proposta extrarregional

Em uma época marcada por instabilidades que perpassam a região sul-americana, nota-se, no caso brasileiro, uma mudança de postura cada vez mais expressiva em suas iniciativas de cooperação. Vale-se ressaltar que em 2008 foi criado o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), marcado pela busca de uma iniciativa regional, sem interferência extrarregional, no campo da defesa, abrangendo os doze países da América do Sul e simbolizando a procura por uma região mais independente e unida. Contudo, com as mudanças presidenciais e as instabilidades políticas e econômicas, verifica-se uma maior fragilidade desse processo proposto em 2008, especialmente com o estreitamento de relações com países extrarregionais.
Entre os dias 25 e 26 de abril deste ano, o primeiro ministro espanhol, Mariano Rajoy, visitou o Brasil com o intuito de reforçar as parcerias já existente entre os dois países, estabelecer novos acordos de cooperação, voltados ao âmbito comercial, técnico e da infraestrutura de transportes, como também destacar a importância do desenvolvimento dos acordos entre a União Europeia e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), no que tange o aumento do intercâmbio econômico. Vale-se destacar que a Espanha é o terceiro país que mais investe no Brasil, sendo, ao mesmo tempo, apoiador das medidas reformistas do governo de Michael Temer, como discursado por Rajoy, “preocupar-se com o controle do gasto público e fazer reformas, como se fez na Espanha e como está sendo feito aqui no Brasil, são as garantias de que as coisas no futuro possam sair bem. Por mais duro e complicado que possa ser”. Ademais, observa-se que ambos os países, e governantes, são reconhecidos por casos de corrupção recentes, sendo tal visita uma boa oportunidade para “se esquecer” dessa situação.
Dentre os cinco atos assinados entre Brasil e Espanha ressaltamos o ato referente ao planejamento, desenvolvimento, construção, execução e exploração de projetos de infraestrutura e de instalações ferroviárias, portuárias e de aviação civil; como também, o ato de cooperação em matéria de recursos hídricos, cerceando o campo técnico, financeiro e de intercâmbio de pessoas e experiências, voltando-se para, especialmente, a bacia do rio São Francisco e regiões secas. Já outra iniciativa, no campo da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, associa-se ao financiamento de projetos entre os dois países, como também de intercâmbio de pessoal e de conhecimento prático e metodológico.
Paralelamente, no dia 04 de maio, foi anunciada a participação dos Estados Unidos no Amazonlog (exercício de logística multinacional conduzido pelo Exército Brasileiro), que ocorrerá em novembro de 2017, em Tabatinga (Amazonas). O exercício estará constituído de Unidades Logísticas Multinacionais Integradas, “com o objetivo de treinar o Sistema Logístico para apoiar civis e efetivos militares empregados em regiões remotas e desassistidas”, contando ainda com a presença de outros países das Américas e com o apoio do CDS-UNASUL.
A busca pelo aprofundamento de parcerias entre Brasil e Estados Unidos tem ocorrido já há alguns anos, cerceando campos de tecnologia, inovação, indústria de Defesa e intercâmbios no campo da defesa. Não obstante, temos que destacar a situação em que tais acordos estão sendo realizados, como comentando por Héctor Saint-Pierre, a situação da Venezuela tem despertado uma atenção especial dos Estados Unidos na região, com o intento de, talvez, fragilizar uma associação entre os países sul-americanos. Ademais, Saint-Pierre ressaltou a motivação econômica estadunidense, especialmente no que se refere a exportações e indústria de armamento, como também a preocupação com presença crescente da China na região, no campo da defesa.
Desta forma, nota-se uma mudança estratégica brasileira no que tange a suas parcerias, nos dando abertura para questionar o papel da UNASUL e de seu Conselho de Defesa, como também a priorização de acordos entre os países sul-americanos. Devemos reconhecer o importante papel dos Estados Unidos e de países europeus, como a Espanha, quanto fontes de financiamento e de referência em técnica e tecnologia para o desenvolvimento brasileiro, ao mesmo tempo, não podemos esquecer de nossa busca por uma política externa mais autônoma, associada ao reconhecimento e necessidade de uma maior autonomia regional frente a constante dependência de países extrarregionais.
Tamires Aparecida Ferreira Souza é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), investigadora visitante da Universidad Complutense de Madrid e pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).
Imagem: Brasil, América do Sul, globo. Por: Camerage.
Tags: Brasil; Espanha; Estados Unidos; acordos; cooperação.

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